sábado, 31 de julho de 2010

CXIII - Acerca duma tentativa de "responder" (desconstruir) à pergunta "por que coisas ruins ocorrem às pessoas boas?" - Pensando além do bem e do mal

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§ 113



Fiz-me, acaso, vosso inimigo dizendo-lhe a verdade? (Gálatas 4:16)

A verdade poderá ser um choque, ou uma grande dor e talvez, depois de conhecê-la, tivesse preferido permanecer na ignorância. Pois o que vier a conhecer não poderá lhe dar esperança alguma.

Para que tem um vislumbre da explosão de complexidade e sofisticação alcançada pelo pensamento humano ao longo do século XX é quase inevitável a surpresa diante da forma ingênua pela qual as massas se agarram à religião. O que me leva à pergunta: por que as pessoas ainda, no dealbar do terceiro milênio, se agarram à religião? Ou ainda, uma pergunta mais baixa: o que, francamente, leva alguém à tragicomédia de acreditar em, por exemplo, Virgem Maria?? É possível inventar uma resposta para essas perguntas que não passem por uma crítica do senso comum e da ignorância das massas? (Duan Conrado Castro, caminhando pelas ruas de Curitiba a caminho de um restaurante às 11:08 a.m. do dia 08/07/2010)

"'Sessenta e duas mil repetições fazem um verdade. Imbecis!'" (Bernard Marx, no capítulo III do livro Admirável mundo novo, de Aldous Huxley)



Transcrevo nesse capítulo uma resposta que eu elaborei para essa pergunta, que foi levantada numa comunidade do Orkut (a comunidade se chama R.E.L.A.). O diálogo apresentado a seguir ocorreu em Abril de 2010. Entre [colchetes] estão os meus comentários para esse blog, que não constam no texto original. Depois dessas minhas colocações, eu fui expulso da R.E.L.A. por não seguir as regras de respeito e civilidade...mas não me arrependo do que fiz, se tivesse me arrependido não teria reproduzido isso nesse capítulo.

Cabe esclarecer que quando escrevi o que segue eu estava emocionado porque tive algumas epifanias - isso pode ter me levado a um destempero emocional e epistemológico.


*A pergunta:

Pessoa 1 (LUTO) [Em respeito à intimidade dos envolvidos, eu troquei seus nomes por "Pessoa 1, 2 e 3".]

Por que coisas ruins acontecem às pessoas boas?

Já vi (mas não li) um livro cujo título era o postado acima. O autor, inclusive advertia que esta era uma das perguntas mais difíceis de serem respondidas. Por exemplo, ao adentrarmos num hospital que trata crianças com câncer, perguntamos por que tanto sofrimento a tantos inocentes? Quantas vezes na vida não presenciamos tragédias a pessoas de excelente índole?

A minha resposta a esta explicação é simplesmente "Não sei". No entanto dizer "não sei", não quer dizer que não exista uma explicação.

Bem, deixo a pergunta em aberto aos que se interessarem em tentar respondê-la.
abrs.

(...)

[Alguns fizeram comentários - tão previsíveis que não vou poluir esse capítulo reproduzindo-os aqui.]

[Pessoa 1 de novo, num outro scrap.]

Realmente, a quantidde de sofrimento é tão grande na vida ( é bom observar que o sofrimento também afeta os animais) que isto merece uma explicação. Muitas filosofias, religiões têm tentado explicar a causa do sofrimento. No entanto, não há unanimidade [e há no quê?]. Muito longe disso, as explicações são as mais diversas [como de costume].

Eu tinha um professor de filosofia que dizia o seguinte: "Quando não podemos compreender uma coisa, é melhor termos humildade diante do mistério e simplesmente admitir que não temos o poder de explicá-la"

mas, forçando um pouco a reflexão, talvez tudo que exista na vida seja necessário, ou seja, tenha uma razão de ser.

Dizer qual é esta razão, claro que não vou nem tentar, mas tenho fé que existo num universo racional.

O N.E.I. [outro usuário que escreveu antes dessa segunda participação da Pessoa 1] me socorreu com o título certo do livro, bem como com sua autoria.: "Quando Coisas Ruins Acontecem Com Pessoas Boas" Autor: Harold S. Kushner.
Agradeço.
Com certeza ainda irei lê-lo. Mas, o título em si já representa uma reflexão universal na história do pensamento humano.

Eu lembrei-me agora da explicação do filósofo Spinoza, no sec. XVII, que mais ou menos dizia os seguinte: "O esforço do homem para preseverar em existência é infinitamente superado pelas causas exteriores." Spinoza salientava para a necessidade de pensarmos o problema de maneira sistêmica, ou seja na relação das partes para o todo, ou do todo para as partes. Primeiro, segundo Spinoza devemos considerar a ordem natural do universo como um todo e sabermos qual nossa inserção nela. Pela ordem natural do universo todas "as coisas se esforçam, enquanto podem para preservar a sua existência.' No entanto, todas as coisas estão determinadas a interagir com causas exteriores. Pode ocorrer de um corpo interagir com alimento e fortalecer sua existência; mas pode interagir com um vírus , uma bactéria ou uma causa mecânica que venha suprimir sua existência. Portanto para Spinoza a questão é simples: sofremos porque somos limitados e determinados pelo todo a interagir com as partes.
Uma bela e simples explicação. Com uma vantagem: em nenhum momento o filósofo recorreu as causas sobrenaturais.
No entanto, nosso ego é ansioso por uma explicação sobrenatural [presumo que o cristianismo não tenha nada a ver com isso...kkkk, eu não ia ficar comentando o texto dele aqui - já vou fazer isso exaustivamente abaixo -, mas não resisti...] para a nossa existência e para as causas do que ocorre em nossas vidas [perceba que a palavra "ego" foi introduzida com o fim sub-reptício de introduzir um juízo depreciativo de valor - ah, o poder das palavras!]. Afinal, quem vai "pagar a conta" [sede de justiça/vingança...como direi, em outras palavras, mais abaixo] dos que sofreram com as doenças, guerras, escravidão, acidentes etc. Como restituir aos que sofream as maiores injustiças e até às vezes perderam a vida de forma tão precoce?
Só um Poder Superior pode realizar tal tarefa [Abrakadabra]. Não é de se admirar que a crença em divindades seja tão universal.
Eu também acredito num poder Superior, mas me declaro agnóstico, ous eja: acredito, embora não tenha como explicá-lo ou entendê-lo.

*A minha resposta:

Duan Conrado

Pessoa 1, uma visão radicalmente diferente da sua [Não é necessariamente verdadeira, é apenas radicalmente diferente]

Bem, eu questionaria a própria estrutura da sua pergunta (aliás, uma pergunta tão imiscuída no senso-comum). O que são "pessoas boas"? O que são "coisas ruins"? Como inferir a existência de um nexo causal entre essas duas categorias? O que é "bem"? O que é "mal"? O exemplo das crianças com câncer é clássico no sentido de ser sintomático de uma estereotipação que não ultrapassa da aparência da realidade. No limite, diria que sua pergunta não pode ser respondida porque está mal formulada, é uma contradição em si mesma, ou, antes, é reveladora da insuficiência do discurso de mundo (1) que a fundamenta.

Novamente (como eu já falei a você em outras oportunidades) esse tipo de raciocínio é sintomático de uma teleologia, duma visão de mundo finalista, onde implicitamente se admite que tudo foi criado com algum propósito que sempre remonta à humanidade . Essa teleologia antropocêntrica é ainda acrescentada duma teleologia moral que advoga que, no fim, o "bem" (as "pessoas boas") é sempre recompensado e o "mal" (as "pessoas más") castigado, por algum mecanismo universal ubíquo e plenamente eficiente garantidor eterno da justiça.

Ora, essas crenças, que servem para consolar o indivíduo diante do caos e do despropósito da existência, são abaladas quando é inserida, mediante a experiência de vida, uma contradição fenomenológica, que releva a insuficiência dos modelos explicativos da realidade até então adotados pelo indivíduo como referenciais para a sua atuação na vida. É diante dessa contradição (p.ex., crianças com câncer) que o indivíduo se angustia ao entrever o caos e a anarquia atrás dos véus criados por seu discurso de mundo, sua descrição de uma realidade ilusória supostamente harmônica moral e esteticamente.

Por exemplo o caso de câncer. Está subsumido na sua fala que o câncer é uma espécie de "castigo", de punição para o mal: eis a teleologia moral implícita ao seu discurso. Se "pessoas más" tiverem câncer, então tudo bem!, isso é visto como nova prova da existência de uma teleologia moral universal. Porém essa teleologia moral desmorona diante da realidade de seres supostamente bons (p.ex., crianças) acometidos por essa doença. Desmonta-se assim o discurso teleológico que conferia coerência à realidade, permitindo ao indivíduo - desesperado de medo diante do vazio da máquina - entrever o caos e a anarquia que regem a realidade em detrimento das crenças sociais e individuais de harmonia e justiça.

As pessoas, ao longo se suas vidas, constroem "laços pulsionais, afetivos, libidinais". Porém o fazem num mundo anárquico no qual nada é garantido, a não ser a garantia de que tudo que existe está condenado à destruição. Então, de repente, sem aviso, sem justificativa moral, sem explicação (e, portanto, em oposição à teleologia moral na qual o indivíduo acredita), esses laços são rompidos pelas causalidades da vida (por exemplo, uma criança com câncer). O indivíduo tem toda sua estrutura psíquica, então alicerçada nesses laços pulsionais, comprometida abruptamente por uma realidade "cruel", que não liga para a moral, para a justiça, para a beleza, para a bondade, ou para qualquer ideal ético ou estético no qual o indivíduo acredita se fundamentar a realidade. Assim, o indivíduo é lançado abruptamente na realidade que ele buscou negar durante toda sua vida. E, dessa maneira, o indivíduo, para reconstruir seu equilíbrio psíquico, busca novas respostas, novos remendos para sua crença numa teleologia moral que nega a essência anárquica da realidade, porque a obscenidade de algumas verdades é simplesmente insuportável.


TODO DIA milhares de pessoas morrem no mundo, muitas delas de fome, sede, doenças facilmente curáveis (como malária e verminoses), câncer, acidentes automotivos (que são sacrifícios humanos socialmente aceitáveis ao deus-automóvel, nosso senhor e algoz de metal, plástico e espuma), acidentes de trabalho, assassinatos, suicídios, gripe, velhice, DSTs, nas guerras, no tráfico (de drogas, de armas, de influência, de pessoas, de órgãos,), etc. TODO DIA milhares de mulheres e crianças (a maioria, presumivelmente "inocente" e "boa") são violentadas, estupradas e mesmo traficadas como escravos (mas façamos justiça: os homens também são traficados como escravos, inclusive como escravos sexuais e eunucos, os quais, vale lembrar, são castrados presumivelmente sem anestesia, assim como ocorre milhares de veses TODO DIA com os animais destinados ao abate). TODO DIA milhões (eu disse MILHÕES) de animais (TODOS presumivelmente inocentes) são sacrificados nos açougues e nos laboratórios de pesquisa mundo afora, em honra do apetite humano e do "progresso" da ciência e da civilização (além dos animais mal-tratados, mortos, estuprados, torturados e comidos por seus donos). TODO DIA milhares de laços afetivos são rompidos abruptamente por um "destino cruel", infligindo angústia existencial a milhares de pessoas. Se tudo isso ocorre TODO DIA só podemos inferir que o sofrimento não é a exceção, mas sim A REGRA na vida humana (e na dos escravos animais). "Toda a vida é sofrimento" (Arthur Schopenhauer, plagiando o budismo no § 56 do tomo I de O mundo como vontade e como representação).

As pessoas, porém, presas no seu narcisismo (que apenas reconhece o que ocorre na sua experiência pessoal, ignorando a totalidade da vida universal [comparar com o que foi dito pela Pessoa 1 acima: "necessidade de pensarmos o problema de maneira sistêmica"]), e em sua tentativa covarde de fugir a essa realidade (pois ela, tal como é, lhes é insuportável) criam discursos de mundo que abolem o conflito, ou ao menos o legitimam, advogando a existência duma teleologia moral harmoniosa, perfeita, ubíqua, eterna, racional, justa, bela. Porém, mais cedo ou mais tarde, o "mal", a "realidade cruel, avassaladora e anárquica", negada pelo indivíduo a todo instante, acaba batendo à porta de TODOS NÓS (ninguém escapa [ - talvez alguns escapem sim...]). É esse o momento do encontro trágico do indivíduo (princípio de prazer) com a verdade (princípio de realidade) da qual ele buscou evadir-se ilusoriamente, mediante as elaborações discursivas do seu psiquismo, ao longo de toda sua vida, até esse fatídico momento: o caos reina! [ O que é dito aqui é reelaboração do conteúdo já apresentado no capítulo XXXVI.]

Um exemplo de reducionismo ontológico.

Divido aqui com vocês reflexões que me foram suscitadas por ocasião do conteúdo aqui discutido nesse tópico. Trata-se de um mero exemplo de reducionismo ontológico, que me ocorreu e que descreverei a seguir.

Vamos analisar a afirmação, tão recorrente no senso-comum, de que "tudo tem seu lado bom e seu lado ruim".

Novamente, vemos aqui um reducionismo ontológico preso ao princípio do terceiro excluído. Mas já há aqui alguma sofisticação do pensamento: em vez de advogar radicalmente uma realidade dualista dividida estaticamente entre "bem" e "mal", admite-se agora alguma contradição na realidade. Todavia, o reducionismo permanece, pois não se questiona as próprias definições de "bem" e de "mal", e mantém-se um dualismo que ignora: (i) que o que é "bom" (condizente aos interesse egoísticos do indivíduo que enuncia o juízo de valor) para alguém agora pode não ser bom logo antes ou logo depois; (ii) que o próprio julgamento que a pessoa é capaz de elaborar sobre o que lhe é "bom" está sujeito a sua limitação de consciência, de intuição, de informação, de racionalidade; (iii) que esse julgamento pessoal pode mesmo ser simplesmente incapaz de ser emitido: ou seja, a pessoa pode simplesmente ser incapaz de avaliar sua realidade momentânea em termos de maximização da sua utilidade pessoal; (iv) que, em função dos custos (de tempo e energia) dos processamentos cerebrais necessários aos juízos de valores, as pessoas acabam por adotar comportamentos maquinais (“rotinas”, “costumes”) que podem opor-se aos seus reais interesses (à maximização da utilidade pessoal) momentâneos, ou mesmo de médio e longo prazos; (v) que a própria identidade pessoal (em referência à qual são realizados os juízos de valor) é fluída, fugidia, mutante, incerta, permanentemente (re)construída, ficcional; (vi) que o que é "bom" para uma pessoa não necessariamente é, no momento, "bom" para uma outra, embora possa ter sido num passado ou possa ser num futuro (e essa multiplicidade anárquica é expressa pelo próprio senso-comum: "o remédio de uns é o veneno de outros"); (vii) que o futuro, ainda mais numa sociedade capitalista de alta entropia, é incerto e impossível de se prever com a precisão geralmente necessária para se executar qualquer planejamento de longo prazo; (viii) que o passado, e portanto a identidade do indivíduo, é permanentemente esquecido e relembrado e que, nesse processo, ele é permanentemente reconstruído e constantemente (re)definido; (ix) que muitas das decisões são irreversíveis (para repetir o chavão: “na vida não se pode voltar atrás”) e cumulativas; (x) que um único acontecimento ou decisão, mesmo tomada no curto prazo, é capaz de mudar completamente o curso de uma vida.

Ou seja, toda a complexidade da realidade, a angustiante polissemia do mundo, é destruída por uma fórmula racional e simplista: "tudo tem seu lado bom e seu lado ruim". O caos reina, mas esse caos é abolido, enquanto discurso, por uma racionalidade ingênua, despótica, arrogante e prepotente que desconhece suas próprias limitações (que não realiza a autocritica, tão necessária para evitar a estupidez), bem como desconhece sua função de mero instrumento do ego, do narcisismo e do hedonismo, sujeita ao imaginário e ao desejo.

As pessoas se apressam em falar da realidade, mas não percebem que as palavras roubam e reconstroem o real: elas não são uma descrição efetiva, perfeita, da realidade (que, em si, é irredutivel à palavra, e, portanto, à razão: é inominável). As pessoas falam palavras achando que estão falando da realidade. Não percebem que a linguagem, e portanto a razão (e principalmente uma razão que não se autocritica), não dá conta do real: ela não é o real, mas apenas uma mera interpretação. “Um mapa não é o terreno que ele representa, é apenas um mapa” (Alfred Korzybski) [ou, como diria Alan Watts, "O cardápio não é a refeição].

Mais uma tragédia qualquer

Acabei de assistir, enquanto almoçava, num telejornal uma notícia que relatou um caso em que dois bebês foram trocados na maternidade (aparentemente de PROPÓSITO, por uma decisão de uma enfermeira (isso é típico da síndrome do pequeno poder), que ao que tudo indica já fez isso antes OUTRAS VEZES). Como o bêbe era branco e o pai negro, o casamento (contraído recentemente) acabou sendo desfeito porque o marido achava que o filho não era dele, e que portanto fora traído. Vemos aqui a típica dramaturgia que enche a vida das pessoas nesse “mundo cruel”: por causa de uma decisão da enfermeira (a “pessoa má”) o casamento foi destruído, o amor do casal foi destroçado, os laços afetivos foram rompidos abruptamente, gerando grande sofrimento psíquico para o casal (a reportagem só entrevistou a esposa, desolada). Só depois dessa destruição do casamento é que a mulher fez um teste de maternidade e descobriu que ela também não é mãe da criança. Mas a tragédia não acaba aí: a polícia está fazendo investigações, está atrás do paradeiro do outro casal cujo filho foi trocado (segundo os registros da maternidade, há apenas outros três casais possíveis) e quando encontrar a outra criança trocada a justiça irá determinar A RETROCA das crianças: eis outra destruição abrupta dos laços afetivos que foram construídos no psiquismo dos pais das duas crianças ao longo de meses: de um dia para o outro, terão as crianças trocadas, e terão que reconstruir os laços libidinais. A mãe entrevistada diz que não quer fazer isso, pois já se afeiçoou à criança que agora sabe não ser sua (o que, convenhamos, é bastante compreensível quando entendemos o profundo laço libidinal construído entre mãe e bebê). Mas ela simplesmente NÃO TEM ESCOLHA: segundo a lei (que protege as crianças) a troca DEVE ser desfeita, e se ela, a mãe entrevistada, se recusar a fazê-lo estará cometendo um crime e será punida por isso. Por fim a mãe na entrevista solta o típico raciocínio finalista, sintomático da crença, agora colocada em dúvida, numa teleologia moral garantida por deus (conforme eu disse nos scraps acima): “eu me pergunto a deus o porquê".

Guerra à Besta Logocêntrica



Criei uma comunidade intitulada “Guerra à Besta Logocêntrica”. KKKKKKKKKKKK. Não é algo “sério”, mas apenas um desabafo, um grito de liberdade.

Segue descrição da comunidade:

Para aqueles que estão fartos do reducionismo ontológico forjado por uma razão despótica, ingênua e arrogante, que não se autocritica, e que ainda insiste em desconhecer suas limitações, bem como que não passa de uma ferramenta do psiquismo individual, sujeita à ação do desejo, do imaginário, da limitação intuitiva, e das contingências associadas à corporeidade.

Para aqueles que reconhecem que o real não é racional e que a realidade, em si, é inominável, irredutível à palavra. A palavra não é representante perfeita da realidade, que em sua complexidade e anarquia é irredutível aos esquemas simplórios de interpretação construídos pela lógica clássica (2).

Para aqueles que odeiam os infames princípios da identidade e do terceiro excluído, bem como outras fantasias que foram construídas pela lógica clássica e impostas pela Besta Logocêntrica - o Pensamento Ocidental - aos incautos, temerosos e ingênuos como sendo verdades apriorísticas.

Rebelar-se contra esse despotismo majestoso é a única opção digna!



Está na hora de acordar

Postei nos vídeos do meu perfil um série de vídeos chocantes sobre o sofrimento humano: crianças deformadas, miseráveis na África e na Ásia, exploração dos animais na indústria da carne e derivados, tortura de animais em nome da ciência, etc. Tudo SEM CENSURA (quem tem estomago fraco nem pense em assistir...). Quem tiver culhão que assista. A verdade tem que ser dita, doa a quem doer. SOMENTE ASSIM as coisas podem mudar, pois só sabendo a verdade as pessoas podem tomar alguma atitude transformadora do real (a Bíblia não diz, por exemplo, que "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará"?). As pessoas, em sua covardia, egoísmo e comodismo, recusam-se a saber a verdade sobre o sofrimento absurdo que se reproduz todo o tempo em todo o mundo - para além do bem e do mal. Está na hora de acordar!

* Segue resposta dada pela Pessoa 1

Você voltou ao "Apeiron! Parmêndes , filósofo grego, também afirmava que a realiade última do universo era indizível, inominável.
Claro que você dá sustentação ideológia [perceba o uso da palavra ideologia para introduzir o juízo de valor e descartar a validade de tudo o que eu disse] numa linguagemmoderna e daseada snos conhecimentos científicos atuais o que sobremaneira enriquece o tema.

Spinoza já chamava a atenção entre a interaçãod os entes de razão ( nosso conceitos ) e os entes reais, usegrindo que nem sempre o que conceituamos corresponde a realidade, Não passam de dogmais verbais.


Descuple-me se minha definição é simplicista demais.
Parabéns pel iniciativa e já solicitei participação [na comunidade Guerra à Besta Logocêntrica]


* Daí eu aproveitei e chutei o pau da barraca de vez:


Racionalismo e o conceito mais vulgar de filosofo

Todos aqui conhecem a definição de filosofo: amigo da sabedoria. O que os racionalistas – que não são amigos da sabedoria, mas sim idólatras da razão – não percebem é que a própria definição mais vulgar de filosofia esconde um afeto (a amizade) e, portanto, uma irracionalidade.

Os idólatras da razão querem acreditar que a beleza e a virtude são derivadas da razão, e que todas as outras faculdades humana (chamadas de “sentimentos”) devem ser abolidas e reprimidas. Eles pensam que são “racionais”, mas não percebem que criaram um novo deus, um novo fetichismo, em louvor ao qual se curvam e fazem sacrifícios humanos e de animais.

Isso significa que o próprio projeto racionalista – que, vale lembrar, é uma construção histórica ocidental –, ao abandonar e reprimir a afetividade humana acaba por servir para a construção de um mundo despótico, maquinal, impiodeso, sem amor, sem compaixão – compaixão (empatia) que é a verdadeira fonte da moral (e não o deus-razão).

Em sua cegueira, os idólatras da razão contribuem para a destruição dos próprios ideais de beleza e justiça, substituindo-os, na prática, pelo látego de um despotismo que a tudo domina e reifica, que reduz tudo ao status de engrenagem do seu maquinismo.






A falta de autocrítica é a estupidez fundamental

Eu não sou uma pessoa de meias-palavras. Já que eu comecei a falar aqui, eu direi tudo (depois fiquem à vontade para me expulsar por não cumprir as regras sagradas da comunidade [como foi feito]). Em minha defesa, respondo antecipadamente a qualquer acusação citando a Bíblia (que, pelo que percebi, é respeitada por muita gente nessa comunidade [mas não por mim, embora eu já tenha citado tanto ela aqui nesse blog]):

Fiz-me, acaso, vosso inimigo dizendo-lhe a verdade? (Gálatas, 4:16)

Penso que as pessoas ficam presas num reducionismo ontológico porque não têm o hábito da autocrítica. A falta de autocrítica é a estupidez fundamental [A autocrítica da razão é sua mais autêntica moral", Adorno]. Assim, as pessoas [ou seja, o senso-comum] apressam-se em “explicar” a realidade reduzindo-a a formas simplistas, fundadas nos princípios da identidade e do terceiro excluído. Eis alguns exemplos clássico dessas formas simplistas (que enchem os “debates” dessa comunidade, que se considera tão sábia): Bem x Mal, Verdade x Mentira, Certo x Errado, Sim x Não, Alma x Corpo; Espírito x Matéria, Liberdade x Fatalismo, Eu x O outro, Nós x Eles, etc. (eu poderia escrever vários scraps apenas enumerando esses dualismos [ver capítulo CXVI]). As pessoas ficam girando em seus argumentos circulares, sem perceber que para sair desse ciclo vicioso precisam questionar “verdades” que se recusam a discutir.

Citando novamente a Bíblia (e eu gostaria de lembrar que eu sou ateu):

(...) antes, em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato de obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. (Romanos, 1:21-22)

Os tópicos criados por muitos membros dessa comunidade – que se acham tão inteligentes (e que não percebem que ao afirmar isso – julgando a si mesmos e por conseqüência ao outro (que é burro) – caem numa falta de autocrítica e num desrespeito ao próximo) – estão cheios desse reducionismo. Vamos pegar apenas um exemplo qualquer, o tópico chamado “Homossexualismo”.

“Questão” levantada (perceba o uso reducionista do princípio do terceiro excluído): “A pessoa já nasce [homossexual] ou opta por ser?” (definiu-se uma questão com sete palavras!) (foi usada a dualidade liberdade x fatalismo).

O título do tópico revela que a pessoa que formulou a questão não estudou minimamente o assunto, pois não sabe a diferença entre homossexualismo e homossexualidade (como apontado pelo Osvaldo, que, aliás, se vocês não perceberam, deixou a comunidade – por que será?). Continuando no reducionismo ignorante, estúpido (ausência de autocrítica), a pergunta formulada e as respostas giram em torno de dualidades ingênuas, como a de gênero (homem x mulher). Acham que o homossexual masculino é, no fundo, um ser insatisfeito com seu sexo biológico, não sabendo, portanto, que esse é o conceito de transsexualidade, e não de homossexualidade. Ora, francamente...

Em seu reducionismo simplista, pretendem decifrar os segredos dessa questão com algumas poucas palavras: pergunta de sete palavras e respostas de poucas linhas (se ler já dá preguiça, imagine escrever!).

Em vez de estudarem a questão minimamente – e, francamente, nós estamos na internet, se não pesquisaram é por preguiça e comodismo –, o que exige esforço e autocrítica (e, portanto, coragem e humildade), pretentem resolvê-la com poucas palavras (porque insistem em alimentar a cômoda crença de que a realidade é simples e não complexa), não percebendo a arrogância e a falta de autocrítica em que caem. Isso porque para eles a verdade não importa, mas sim importa construir uma opinião (um achismo) o mais facilmente possível (com alguns silogismos – de preferência apenas um), de forma rápida e indolor, para assim satisfazerem seus egos criando a ilusão de terem algum controle da situação (estou me referindo ao conceito foucaltiano de vontade de saber/poder).

Em seus “discursos” (tenho até vergonha de chamar de discurso um ou dois silogismos baratos) reducionistas provam que não superaram o senso comum, do qual, em sua arrogância infantil, acreditam ter se libertado há muito tempo (de novo, a ausência de autocrítica). Provam que não conhecem conceitos básicos para entender a questão da sexualidade humana (conceitos que estão disponíveis de graça na internet, bastando um pouco de boa vontade para achá-los e compreendê-los): sexo, gênero, identidade sexual, orientação sexual, posição sexual, etc. (e, pelo que eu percebi, nem mesmo o membro que, no referido tópico, teve a coragem de se admitir bissexual não se deu ao trabalho de dominar esses conceitos). Toda a diversidade da sexualidade humana é reduzida à dualidade de gênero: um mundo multidimensional é transformado à força numa monolítica e eterna dualidade criada por uma razão ingênua com o auxílio do princípio do terceiro excluído: Homem x Mulher. Nossa, como a realidade é simples e como nós somos inteligentes...

Depois de afirmar que a ausência de autocrítica é a estupidez fundamental, eu poderia fazer um “juízo moral” (não considero moral pois usarei as palavras a seguir com isenção de juízo de valor) e me perguntar porque as pessoas não se autocriticam. Eis algumas possibilidades de resposta: porque são arrogantes (acham que sabem a verdade), porque têm medo de destruírem as verdades prontas e acabadas que escoram seu psiquismo e que usam para tomar decisões no dia-a-dia. Não acredito que seja por falta de inteligência (falta de capacidade de processamento cerebral) [talvez acredite sim...], mas sim por preguiça, comodismo, ingenuidade (falta de acúmulo informacional), medo e arrogância.

“Poucos sabem pensar, mas todos querem ter opiniões.” (Berkley)

Não estou lhes dizendo para acatarem as verdades eternas enunciadas por autoridades intelectuais. O que eu estou é, do fundo do meu coração, incitando-lhes à autocrítica: será que vocês sabem pensar? (o que eu penso disso já deve ter ficado claro...) Não está na hora de rever certas verdades (talvez insuportáveis) que, em seu dogmatismo, vocês se recusam a discutir?

Agora podem me expulsar por ter dito tudo isso aqui (me acusem de ter desrespeitado as regras da comunidade), e aproveitem para apagar tudo o que eu escrevi. Ou simplesmente finjam que não leram (se é que leram – afinal eu escrevo "demais"...) nada disso e continuem a viver num mundo ilusório, mas simples e gratificante ao ego.

Vida longa à R.E.L.A! Uuuuuuuuuuuuuuuu


*Pessoa 2 afirmou:

Eu não entendo porque desejariam ti expulsar, essa comunidade tem um patrulhamento ideológico?
Caso isso seja verdade não cabe a minha presença também, mas o fórum é para debater, neste sentido distorções e erros são corrigidos pelos contra argumentos prevalecendo a sensatez, ou será que alguém tem a resposta para tudo?
Pelo que percebi há duas vertente bem claro nesta comunidade: os religiosos ou filosofias espirituais e os mais agnósticos e voltado pela política social, penso que ambos podem conviverem e extraírem grandes ideias, mas já percebi que no
calor do debate, aparece um moderador sempre com as regras do R.E.L.A. , até entendo que não desejam serem uma comunidade como tem várias que ofensas e grosseriass prevaleçam, mas acabar em uma censura prévia também não é positiva, e tem tópicos que parecem discutir física quântica com a anti-matéria, isto é, não leva a lugar nenhum, delirando como a ingestão de um chá do Santo Daime ou um Absinto do Belle Epoque.

* Eu respondi:

Pessoa 2,

Bem, resta saber se realmente existe um diálogo, um debate, nessa comunidade, ou se há apenas encontros de monólogos. Eu repito aqui o que o Osvaldo disse antes de se retirar da comunidade (no tópico "Fico triste"):

"Eu não concordo com seu ponto de vista, pois como moderador você poderia ao menos levar em consideração, em uma comunidade de “autoconhecimento”, algumas das premissas básicas da teoria do conhecimento, que se faz necessário para atingirmos um grau satisfatório acerca de uma suposta "metodologia" dialética, na qual há a tese, antítese e síntese, o que não ocorre nesta comunidade por falta de adequada moderação para que possamos ir além de postagens iniciais e ficar o dito pelo não dito.
Meu discurso está longe de ser totalitário, mas sim focado naquilo que conhecemos dentro da diversidade que nos constitui e de comunicação clara e sem devaneios, com balizadores e norteamento claro para o desenvolvimento do bom debate.
Todos nós aqui sem exceção, inclusive eu, carecemos de informações, reflexões, contrapontos e também irmos para mais longe daquilo que pressupostamente determina nosso condicionamento pensante e subjetivo.
A impressão que tenho é que você [um dos moderadores da comunidade] simplesmente passa a mão na cabeça de todos dizendo que amanhã as coisas ficarão bem, e não se preocupem com nada, como em uma canção de ninar. "

*Pessoa 1 (LUTO) respondeu:

Duan, você interpretou muito mal o meu post. E talvez não tenha lido alguns comentários que fiz, citando Spinoza.

Agora é preciso que observemos a ordem requerida para filosofar; é preciso partir do todo para as partes, das causas para os efeitos [ou seja, ele está defendendo o método dedutivo]. O homem é uma parte da natureza e está submetido a interagir com causas internas e externas. Algumas coisas na natureza são úteis ao homem, outras prejudiciais, outras neutras. Portanto, o sofrimento é uma consequência necessária e inevitável da relação do homem com o universo e portanto consigo mesmo, visto que somos parte deste uiverso Nunca interpretei o sofrimento como castigo... A natureza nem é boa, nem é má; ela é um conjunto de causas efeitos .

era o que gostaria de esclarecer

*Eu respondi:

Pessoa 1,

De forma alguma eu "interpretei muito mal o post".

Pois é, eu li TUDO o que você escreveu. Por isso mesmo a minha "surpresa": basta a fatalidade abater-se sobre sua pessoa que, em detrimento do spinozismo, você se coloca a questionar "por que coisas ruins ocorrem a pessoas boas?" O que eu lhe propus é ir além dessas "verdades" (bem, mal, pessoas boas - e as pessoas más que são sua contrapartida necessária - , justiça, razão, blá, blá, blá) e aproveitar o seu luto para entrever o caos e a anarquia da realidade, que não se curva à teleologia moral. Não é curioso que você tenha se posto a questionar a teleologia moral e a afastar-se do cômodo "ponto de vista do infinito" [spinozismo] justamente quando a desgraça lhe bate à porta? Pois bem, o que eu estou afirmando (e eu acredito, diferentemente de você, que você realmente leu tudo o que eu escrevi), é justamente que esse sofrimento é permanente [do ponto de vista universal], e que as pessoas comodamente fecham os olhos para ele até o momento fatídico em que ele lhes bate à porta.

Você disse: "Agora é preciso que observemos a ordem requerida para filosofar; é preciso partir do todo para as partes, das causas para os efeitos."

Gostaria de saber de onde você retirou esse método infalível (o método dedutivo) para decifrar a verdade...(isso é uma pergunta, favor responder).

Você disse: "Nunca interpretei o sofrimento como castigo... A natureza nem é boa, nem é má; ela é um conjunto de causas efeitos."

Se você nunca interpretou o sofrimento como um castigo, então me esclareça por que ficou surpreso com o fato de "coisas ruins ocorrerem a pessoas boas?".

Talvez você que tenha "interpretado muito mal" tudo o que eu escrevi.

Você disse:

"No entanto, nosso ego é ansioso por uma explicação sobrenatural para a nossa existência e para as causas do que ocorre em nossas vidas. Afinal, quem vai "pagar a conta" dos que sofreram com as doenças, guerras, escravidão, acidentes etc Como restituir aos que sofream as maiores injustiças e até às vezes perderam a vida de forma tão precoce?
Só um Poder Superior pode realizar tal tarefa. Não é de se admirar que a crença em divindades seja tão universal.
Eu também acredito num poder Superior, mas me declaro agnóstico, ous eja: acredito, embora não tenha como explicá-lo ou entendê-lo."

Ora, tudo isso se resume a uma expressão: TELEOLOGIA MORAL. Se você não conhece, sugiro que pesquise.

Se você não concorda com minha argumentação, ótimo! Agora não venha me acusar de "interpretar muito mal" [o que não deixa, em parte, de ser um vício racionalista que acredita que as palavras são uma descrição exata e imediata do real].

* Respostas da Pessoa 1

Bem Duan vamos por partes:

1. "Pois é, eu li TUDO o que você escreveu. Por isso mesmo a minha "surpresa": basta a fatalidade abater-se sobre sua pessoa que, em detrimento do spinozismo"

R-) estudo a filosofia de Spinoza muito antes do meu luto, aliás há mais desde de 1988 e portanto a sua argumentação acima foi precitada. [Ah é? Que isso sirva-me de lição para entender a vacuidade de tentar dialogar]

2 "...sofrimento é permanente, e que as pessoas comodamente fecham os olhos para ele até o momento fatídico em que ele lhes bate à porta."
R-) Não acho que o sofrimento seja permanente; pelo contrário há muitos momentos que conseguimos superá-lo e quanto mais compreendemos as suas causas, mas fortes seremos para combatê-lo.

3. "Você disse: "Agora é preciso que observemos a ordem requerida para filosofar; é preciso partir do todo para as partes, das causas para os efeitos."
Gostaria de saber de onde você retirou esse método infalível..."
R-) Na verdade este o ponto de partida da filosofia spinozista: temos que interpretar natureza como um todo. Como um todo ela é um conjunto de causas e efeitos e destituída de finalidade ou teleologia. O homem não é algo diferente da natureza ; ele é natureza na natureza é uma parte da natureza e está determinado a interagir com causas exteriores e interiores. Como o poder que homem tem de preservar a sua existência é infinitamente superado pelas causas externas, resulta daí a vulnerabilidade do homem aos sofrimentos. Portanto esta é uma explicação mecânica e não teleológica [concordo plenamente!].

"Se você nunca interpretou o sofrimento como um castigo, então me esclareça por que ficou surpreso com o fato de "coisas ruins ocorrerem a pessoas boas?".
R-) Nas realidade este não é um questionamento pessoal meu; mas uma indagação universal da filosofia. Citei até um livro que pormenorizava melhor esta situação [o leitor percebeu as estratégias argumentativas usadas aqui?] Como sou spinozista defendo que a nossa vulnerabilidade ao sofrimento resulta não de algum castigo, mas é uma consequência necessária da forma como a natureza funciona e da nossa inserção nela - como expliquei acima.

4.
"No entanto, nosso ego é ansioso por uma explicação sobrenatural para a nossa existência e para as causas do que ocorre em nossas vidas. Afinal, quem vai "pagar a conta" dos que sofreram com as doenças, guerras, escravidão, acidentes etc Como restituir aos que sofream as maiores injustiças e até às vezes perderam a vida de forma tão precoce?
Só um Poder Superior pode realizar tal tarefa. Não é de se admirar que a crença em divindades seja tão universal.
Eu também acredito num poder Superior, mas me declaro agnóstico, ous eja: acredito, embora não tenha como explicá-lo ou entendê-lo."
R-) Mais uma vez me referi às indagações que a humanidade faz à séculos a tais situações que descrevi e na crença existente em muitas culturas da necessidade da existência de um Poder Superior para restituir aos que sofreram .
No final relatei a minha posição com agnóstico; ou seja que não tínhamos uma base sólida para afirmar que tal Ser Superior Exista, mas também que não temos como negar esta possibilidade de forma definitiva

"Ora, tudo isso se resume a um expressão: TELEOLOGIA MORAL. Se você não conhece, sugiro que pesquise."
R-) Eu sei de há muito que o postulado básico do conhecimento científico é a recusa de explicar a natureza em termos de causas finais, ou seja como algo projetado para atingir tal finalidade. O princípio científico é, portanto, o da objetividade
A teleologia moral se restringe mais a posicionamentos religiosos e há algumas filosofias. Mas, não é levado muito a sério pela ciência. No entanto - e atente bem para isso - não é possível para a ciência afirmar categoricamente e em definitivo a não existência de uma teleologia moral na natureza, até porque é impossível se imaginar uma experiência científica que a refute totalmente.
Por exemplo Darwin desenvolveu a Teoria da Evolução baseada no princípio da objetividade, mas declarou´ser agnóstico em relação a natureza ter ou não um sentido moral, dela ter sido criada ou não por um Deus.

Se você não concorda com minha argumentação, ótimo! Agora não venha me acusar de "interpretar muito mal". DUAN
DUAN,
Quando me referi a você não interpretado bem o meu post, eu quis dizer o seguinte: nele eu não só manifestei minha opinião pessoal, mas fiz algumas conjecturas e especulações que o pensamento religioso e filosófico tem em relação a este assunto

perceba que eu dissertei sobre diversos pontos de vista: explicação teleológica, explicação mecanicista, agnosticismo etc.

Então, nem tudo que escrevi representava uma opinião particular, mas um brevíssimo relato de algumas mundivisões.

Sobre sua opinião, ela me parece uma defesa da filosofia de Schopenhauer. Como tal , tudo que você escreveu é legítimo de se defender. Mas a filosofia do "Schop", embora brilhante está longe de ser recebida com unanimidade; alguns concordam outros discordam, outros "ficam no muro"... isso ocorre com todas filosofias [não diga...]

Portanto, você tem o direito de exprimir a sua opinião mas não de reivindicar para ela o status de irrefutabilidade. [comparar com o que foi dito acima: "Agora é preciso que observemos a ordem requerida para filosofar", e depois: "Na verdade este o ponto de partida da filosofia spinozista"]

Então, vamos pesquisar juntos porque a existência de ideias diferentes levará a seleção cultural das mais adequadas e isto é o que promove a evolução cultural.


* Minhas respostas

Vamos às devidas respostas....

1) Não entendi o que você quis dizer, caro Pessoa 1, senão vejamos: você afirma estar estudando Spinoza há 22 anos...e mesmo assim, quando ocorre uma desgraça em sua vida, você se põe a questionar, e a tentar entrever porque a teleologia moral na qual você acredita A PESAR DE SPINOZA não funciona perfeitamente. Isso CONFIRMA o que eu disse, e não nega...favor esclarecer, pois não estamos conseguindo chegar a um acordo nesse ponto...(ler o resto antes de responder isso aqui, pois eu repetirei argumentos nos tópicos seguintes).

2) Quando eu afirmei que o sofrimento é permanente, eu afirmei que ele é JUSTAMENTE DO PONTO DE VISTA DA TOTALIDADE EXISTENCIAL, conforme DESCRIÇÃO que eu inclusive fiz num dos scraps. Mas você continua a ver do ponto de vista do indivíduo (é claro que nas nossas vidas pessoais o sofrimento não é permanente). Concordo que essas minhas afirmações foram influenciadas pela filosofia schopenhauriana.

3) Pois é, é um pressuposto spinozista, e não uma verdade eterna e inquestionável que nós devemos seguir sem questionar. Concordo que não há teleologia moral na descrição mecânica de Spinoza. PORÉM NÃO CONCORDO que não haja teleologia moral na pergunta com a qual você criou esse tópico. É justamente por isso a minha consternação: COMO É QUE VOCÊ, spinozista há 22 anos, me levanta uma questão dessas?

4) Lamento informá-lo, mas essa NÃO É UMA INDAGAÇÃO UNIVERSAL DA FILOSOFIA. Aconselho-o a estudar FILOSOFIA CONTENPORÂNEA (a partir de Nietzsche), e você descobrirá que estas questões JÁ FORAM SUPERADAS, justamente pelo caminho que eu indiquei (QUE NÃO É SCHOPENHAURIANO): foi "demonstrado" que essa perguntas não podem ser respondidas porque simplismente NÃO PODEM SER FORMULADAS. O livro que você citou NÃO É FILOSOFIA, pelo menos não para mim, mas sim é uma AUTO-AJUDA BARATA E BURGUESA DAQUELAS QUE SE VENDE EM SUPERMERCADO JUNTO COM "CREPÚSCULO" E "MARLEY E EU".

"Como sou spinozista defendo que a nossa vulnerabilidade ao sofrimento resulta não de algum castigo, mas é uma conseqüência necessária da forma como a natureza funciona e da nossa inserção nela - como expliquei acima."

Repito de novo: se você REALMENTE pensasse assim, não teria criado esse tópico (não é evidente?). O fato é que a sua experiência de luto pessoal levou-o a QUESTIONAR JUSTAMENTE ISSO, pelo motivo que eu já discorri longamente: quando o sofrimento bate à nossa porta é que nos percebemos a insuficiência de nossas "verdades". O fato é que, para amainar o seu sofrimento pessoal, VOCÊ QUER ACREDITAR que existe uma teleologia moral que justifique a sua perda.

5) "A teleologia moral se restringe mais a posicionamentos religiosos e há algumas filosofias. Mas, não é levado muito a sério pela ciência."

O quê????? Hahahahahhahahhahahahaaaa. Você só pode estar de brincadeira, né? MESMO QUE a ciência não possa provar que não existe teleologia moral (e realmente não pode - assim como não pode provar que deus não existe), NENHUMA teoria científica decente e confiável recorre a QUALQUER teleologia moral. Se eu estou errado, então me DÊ UM ÚNICO EXEMPLO. E não me venha falar DA OPINIÃO PESSOAL DE DARWIN OU DE QUALQUER OUTRO CIENTISTA, eu estou falando de CIÊNCIA, não de CIENTISTAS.

Finalizando)

Lamento informá-lo mas eu NÃO ESTOU fazendo uma defesa da filosofia de Schopenhauer, por um motivo simples: ela TAMBÉM CONTÉM UMA TELEOLOGIA MORAL [Ohhhh]. O primeiro filósofo moderno a abandonar a teleologia moral foi Nietzsche. E, depois dele, praticamente toda a FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA fez o mesmo. Então, se você quiser saber mais, e se quiser conhecer a “evolução cultural” eu o convido a ABANDONAR O SÉCULO XVII estudar filosofia pós-Nietzsche.

“Então, vamos pesquisar juntos porque a existência de ideias diferentes levará a seleção cultural das mais adequadas e isto é o que promove a evolução cultural.”

Mas adequadas para quê? Evolução cultural para onde? Para se chegar à ‘verdade”? Ou para escorar o psiquismo individual em seu cotidiano de família e trabalho? Será que a “verdade” é realmente “suportável” para quem quer levar uma vida da maneira mais confortável possível?

Eis alguns nomes de filósofos e pensadores contemporâneos (além, é claro de Nietzsche, Marx, e Freud): Sartre, Camus, Foucault, Derrida, Adorno, Horkheimer, Marcuse, Arendt, Debord, Baudrillard, Habermas, Deleuze, Benjamin, Jung, Lacan, Reich, Fromm, Adler, Reich, Lukács, Gramsci, Barthes, Wittgenstein, Heidegger, Bergson, Russell, Husserl, Zizek, Kurz, Harvey, Durkhein, Weber, Engels, Kuhn, Cioran, Berger, Gorz, Bourdieu, Bachelard, Chomski, Khun, Wiener, Dewey, Popper, Lipovetsky, Vattimo, Lyotard, Canevacci, Lévi-Strauss, Morin, Touraine, [ver P.S.] etc., etc.

* Resposta da Pessoa 1:

Duan esta não é uma comunidade spinozista e por isso não me sinto na obrigação de fazer indagações partindo apenas da mundivisão de Spinoza.
Estudei Spinoza e vários outros pensadores e portanto não me sinto na obrigação de me ater apenas a ponto de vista de um só filósofo.

Você afirma que meu post não é uma indagação universal da filosofia. Eu entendo por filosofia "amor á sabedoria" e é claro que o questionamento sobre o porquê do sofrimento está presente no ego das pessoas. Não podemos conceituar "filosofia" apenas as idéias que foram publicadas por pensadores famosos [com certeza o "filósofo" autor do livro "Quando coisas ruins..." é bem mais famoso do que muitos que eu citei - que são conhecidos apenas nos círculos acadêmicos, e não por pessoas que ficam filosofando no Orkut].
Você citou alguns pensadores que parecem não se importar muito com este tema [realmente SÓ PARECEM não se importar]; eu poderia citar vários que se interessam, ous e interessaram entre eles Einstein . Em vários momentos de sua obra Einstein faz referências a existência de Deus e aos porquês da vida (aliás defendendo a mesma hipótese de Spinoza) Não vejo nenhum destes que você citou ter superioridade intelectual em relação a Einstein

Em nenhum momento eu disse que a ciência recorre a teleologia moral para explicar o universo; antes pelo contrário disse que a ciência se fundamentava no Princípio da Objetividade que é exatamente recusar qualquer explicação finalista.

Sobre evolução cultural eu convido você a estudar a ciência que há muito tomou o lugar da filosofia [pois é...]. Leia Sobre o DNA, o Código Genético, a Teoria da Evolução, A Teoria da Relatividade, A Teoria Quântica A teoria da Endossimbiose Sequencial, a microbiologia etc etc [e depois compre no supermercado o livro "Quando Coisas Ruins Acontecem Com Pessoas Boas" do "filósofo" Harold S. Kushner - pois, afinal, a sagrada ciência continua não sendo suficiente para a "sede de respostas" de alguns]

A verdadeira evolução cultural apontada por Auguste Comte traz a seguinte sequência de estágios do conhecimento em sequência ascendente de complexidade
1. conhecimento religioso.
2.conhecimento filosófico
3.conhecimento científico

Eu estudo há 22 anos Spinoza e o considero um dos melhores filósofos. Mas não fiquei no Spinozismo; eu procurei dar o salto intelectual da filosofia para ciência e procuro entender as teorias científicas, claro dentro das minhas limitações interpretativas [e por algum motivo prefere não saber o que a filosofia do século XX têm a dizer sobre a religião e sobre o pensamento teleológico e universal].

A ciência superou a filosofia porque não ficou apenas fazendo especulações abstratas, mas procurou compreender experimentalmente a natureza e a a partir deste conhecimento trazer melhorias à qualidade de vida da humanidade.
A ciências deu à humanidade os antibióticos, as vacinas, a eletricidade, as técnicas cirúrgicas, os mais diversos tratamentos médicos, a tecnologia moderna.. vais nos dá muita coisa ainda como as revolucionárias terapias com células-tronco, nanotecnologia etc.
Além de tudo a ciência através do seu método experimental deu à humanidade um conhecimento muito mais apurado do universo e da evolução e desenvolvimento da vida na terra.

Se queres evoluir culturalmente amigo, não fiques apenas na filosofia. Embora a filosofia seja uma das mais prazerosas fontes de conhecimento e intelectualidade, o conhecimento científico é, sem dúvida ( como disse Einstein ) "a melhor ferramenta que temos para conhecer a realidade"

Mas, como saudosista que sou, às vezes curto muito debater filosofia...[A filosofia anterior ao século XX, ou a de algum "filósofo"de auto-ajuda.]

* Resposta da Pessoa 3 (um dos moderadores da comunidade - finalmente chegou!)

Duan Conrado!

Meu amigo! (jovem até acredito) quantas expectativas lhe atormentam, acalme-se!!

Primeiramente:

É um prazer ter você aqui, fique a vontade, escreva o que lhe faz bem, se essa linha dialética e seu modo de tratar as opiniões alheias desta forma lhe traz descanso a sua consciência, continue...

Suas opiniões são bem interessantes, gosto do modo que escreve, "esteticamente" é bem legalzinho.

Esse é seu estilo? OK! As diferenças são e sempre serão bem vindas aqui!

Se o conteúdo me agrada, isso eu não sei ainda, talvez não ou sim, mas e dai? Afinal...sou apenas um moderador "irresponsável" que insiste em acreditar nas pessoas, hunnn...talvez outra coisa além daqui, não esteja legal para você, mas, só talvez né? São tantos talvez na vida que me dou ao habito de me preocupar com coisas menos importantes, como no motor do meu fusca 1970 que está com um barulho diferente de uns dias para cá, pois é...já faz uns dias e não corri para ver isso ainda... Cara chego a conclusão que nem o carro que me leva toma minha atenção ou a Paz como "talvez" deveria, é... nem isso. Tenho momentos de raiva, mas na maioria das vezes estou em Paz.

Espero que você melhore se estiver com problemas, você e meu fusca... é talvez melhore.

De qualquer modo fui aceito na sua comunidade e agradeço e por respeito as pessoas não farei de lá um palanque moralista com base no que acredito ser o ideal! criticas podem ser redigidas de modo respeitoso, fique em Paz.


* Minha resposta

KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

Vocês são uma piada mesmo. Agora vêm falar de de ciência! Só faltou falar que o livrinho de auto-ajuda é filosofia sim (se é que não é ciência...). Realmente não sei o que a biologia tem a ver com o que estamos falando aqui, a menos que seja para o Pessoa 1 mostrar que o pensamento dele vai além de Spinoza (o que eu sei, pois já o conheço de outros carnavais...).

Com relação ao que disse o Pessoa 3. Agradeço pelo elogio. Saiba que eu vou muito bem, obrigado! Aliás, nunca estive melhor. Como eu estava de férias no trabalho eu acabei "bobeando" e caindo nessa comunidade (para qual fui convidado à época de sua criação). Assim como eu vim, "do nada", eu vou aproveitar esse momento para me retirar novamente às minhas atividades (trabalho, faculdade, blog, etc.).

Abraços a todos!

Au revoir!

(P.S.: Peço que encerremos a discussão aqui, senão eu serei obrigado a responder. A menos que me expulsem...)

* Resposta da Pessoa 1

Eu falei de ciência porque vc relatou que meus estudos tinham parado em Spinoza e que precisaria ler autores contemporâneos. Lembre-se que dentro deste tópico você refutou a necessidade de pesquisarmos para chegarmos a uma evolução cultural [????]. Para mim evolução cultural e saltarmos intelectualmente da filosofia para ciência, sem ,é claro a necessidade de abandonarmos de todo a filosofia. [Ou seja, continuamos a usar a filosofia anterior ao século XX - que é uma filosofia em geral mais leve e inteligível - como muleta existencial para as indagações que a ciência não é capaz de responder devido às limitações do seu método. Confundir auto-ajuda com filosofia é um erro ingênuo e fatal.]

A biologia tem tudo a ver com o conhecimento humano, pois como afirmou Jacques Monood ( prêmio Nobel de Fisiologia): "Todo conhecimento que verse sobre o homem tem que partir da biologia." [isso se chama biologismo - uma "ideologia"...] As próprias condições que nos levam a pensar têm base biológica em células especiazadas...
Aliás, a Teoria da Evolução é uma das principais teorias que dão conhecimento em relação a nós mesmos e que que contextualizam o homem dentro da natureza.

Sem o devido conhecimento biológico da natureza humana e da sua relação com a natureza, teríamos que apelar para especulações abstratas e sem respaldo experimental [como as de Kushner & cia, com seu livros cujos títulos são friamente planejados para serem exposto em livrarias e supermercados e serem comprados por ingênuos e incautos leitores da pequena-burguesia].

Mas, é isto ai Duan. É muito importante que os debates se formem em torno de ideias diferentes. Como já frisei algumas vezes, "se todos tivéssemos o mesmo pensamento, morreríamos de tédio" Então, é melhor fazermos uma "guerra intelectual" (rss).

* Minha resposta

Sim. Mesmo que nós dois permaneçamos "irredutíveis" em nossas opiniões, amigo Pessoa 1, é possível que esse debate tenha sido muito instrutivo para outras pessoas que o leram, e que, de repente, não concordam nem comigo nem contigo.

P.S.: Quando eu escrevi tudo isso, eu não conhecia o pensamento da complexidade, tampouco a obra de Edgar Morin. Se eu conhecesse, teria citado-os amplamente. Afinal, a minha luta nesse texto foi justamente contra o pensamento linear, simplista, reducionista.

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(1) Nota para este blog: Passei a usar a expressão "discurso do mundo" para substituir a expressão "visão do mundo" (mundivisão, cosmovisão), que eu usava antes (por exemplo, usei no capítulo LVIII). É importante entender por que eu mudei essa expressão: eu pretendo com isso salientar o caráter processual e subjetivo da formação da visão de mundo. Embora a visão obviamente seja um processo biológico, está implícito no uso corrente dessa palavra um caráter de "dado empírico", de "objetividade", de descrição fiel da realidade. É por isso que substituí, nesse caso, a palavra "visão" por "discurso".

(2) Nota para este blog: Um dos motivos pelos quais as pessoas são levadas aos extremos ontológicos (exemplo: “a sociedade controla o indivíduo” x “o indivíduo é totalmente livre”, ou ainda “o gay nasce assim” x “o gay escolhe ser assim” – ou seja “fatalismo” x “livre-arbítrio”) é porque assim elas podem – ao adotarem como verdade absoluta uma das posições antitéticas – forjar para si uma relação lógica básica – simplista e reducionista – linear do tipo “A implica em B” (A → B). Ora, para alguém que tem um mínimo de treinamento em crítica da razão, é demasiada visível a ingenuidade da maioria das pessoas, que realmente acredita que a realidade pode ser descrita pela lógica clássica, aristotélica – embora essa ingenuidade já tenha sido, no século XX, definitivamente superada pela filosofia e pelas ciências, ela permanece arraigada no senso comum da cotidianidade reificada. Igualmente, é demasiado visível o predatismo da razão, animada pela vontade de saber/poder, sobre o real, levando a razão a falsificar a realidade para que ela se submeta aos seus ditames. Também é fácil entrever, por detrás dessas polarizações dualistas, o velho conhecido princípio do terceiro excluído, acompanhado do seu amigo do peito, o princípio da identidade. Kant – no século XVIII, ou seja, há bastante tempo – chamaria esses extremos ontológicos antitéticos de “antinomias da razão pura” (vide Crítica da razão pura).





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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sábado, 17 de julho de 2010

CXII - Acerca de esboços do uso da dicotomia indivíduo x sociedade na tentativa de decifrar as causas da angústia existencial individual.

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§ 112




Tipos de revisão [teórica] a serem evitados: (...) Coquetel teórico [ou ecumenismo]. Diz-se daquele estudo que, para atender à indisciplina dos dados, apela para todos os autores disponíveis. Nestes casos, Marx, Freud, Heidegger, Bachelard, Gramsci, Habermas, Foucault, Morin, Lyotard e muitos outros podem unir forças na tentativa de explicar pontos obscuros. (Alda Judith Alves-Mazzotti, A "revisão da bibliografia" em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis - o retorno, no livro A bússola do escrever)


A tentação de sermos espirituosos e concisos pode levar-nos à inverdade. Por mais elegante e resumida que seja, a brevidade nunca pode, pela natureza dos fatos, ter em conta todos os aspectos de uma situação complexa. Ao tratar de um tema com essas características, só se pode ser conciso à custa de omissões e simplificações. A omissão e a simplificação auxiliam-nos a compreender, contudo auxiliam-nos, em muitos casos, a compreender imperfeitamente, pois a nossa percepção pode limitar-se a noções definitivas e abreviadas, sem abarcar a da realidade vasta e ramificada, a partir da qual tais noções foram formuladas de modo bastante arbitrário. (Aldous Huxley, Regresso ao admirável mundo novo)


A sociedade não é diferente do indivíduo, e o indivíduo não difere da sociedade. A estrutura psicológica da sociedade reflete fielmente os mais recônditos pensamentos humanos. Os que insistem em afirmar que o indivíduo e a sociedade são entidades diversas, não refletiram adequadamente sobre o assunto. Além disso, é cômodo perpetuar a divisão; ela se adapta à nossa inércia psicológica, porque ao dizermos 'a sociedade deve mudar' nos absolvemos da necessidade de mudarmos como indivíduos. (Robert Powell, A mente livre - O caminho interior para a libertação)


O self se desenvolve no processo da interação simbólica. O indivíduo aparece como sujeito e como objeto da ação, emergindo simultaneamente com a configuração progressiva do "outro generalizado". (R. M. Frumkin)


Como o habitus é uma capacidade infinita de engendrar produtos - pensamentos, percepções, expressões, ações - cujos limites são fixados pelas condições histórica e socialmente situadas de sua produção, a liberdade condicionante e condicional que ele garante está tão distante de uma criação da novidade imprevisível quanto está de uma reprodução mecânica simples dos condicionamentos iniciais. (Pierre Bourdieu, Esboço de uma teoria da prática)

A capacidade repressiva de uma sociedade pode se manifestar de maneira sutil e dissimulada, conseguindo habitualmente a adesão de muitas pessoas de boa fé, mas gerando insatisfação entre os que dispõem de sentido crítico bastante para entender seus mecanismos. A conscientização em relação ao terror oculto é algo semelhante ao que A. J. Tougnbee reconhece como a perda do pecado original (A civilização posta à prova, 3. ed. São Paulo: Nacional, 1967). (Baldomero Cores Trasmonte , no verbete Terror do Dicionário de Ciências Sociais da UNESCO traduzido pepa FGV, 2.ed., 1989)


É importante salientar que eu não estou tratando aqui do conceito psicanalítico de angústia, mas sim de meus devaneios interpretativos pseudopsicológicos e pseudo-sociológicos. Se bem que, se queremos entender as raízes históricas da angústia, é inevitável que lancemos nossos olhos sobre a história do processo civilizador. Tudo o que eu disser a seguir provavelmente já foi muito melhor dito pela psicologia social, pela antropologia cultural, pela epistemologia genética, pela ciência da complexidade e pela cibernética social, disciplinas as quais eu nunca terei tempo de estudar (mas quem sabe tenha um dia...), além de tantas outras metanarrativas que se debruçaram direta ou indiretamente sobre a temática aqui tratada. O esboço de metanarrativa aqui apresentado é, comparada àquelas, mera brincadeira de criança, mero (e fajuto, aliás) malabarismo conceitual - mas brincar é importante para o desenvolvimento e para o auto(des)conhecimento (a (des)construção do self)...

O que eu pretendo nesse texto é reelaborar as idéias já apresentadas no capítulo VII e torná-las mais inteligíveis, ao custo do texto ficar mais longo. Eu reproduzirei o texto do capítulo VII em amarelo. De certa forma, o que é dito aqui é uma “resposta” ao que foi dito pelo Gabriel no texto “Garimpagem do recalcado – ensaios sobre o pensamento”, postado em seu blog.

O capítulo VII é um capítulo de extrema importância para mim, tanto que ele provavelmente é o capítulo mais citado (por meio de links) ao longo dos textos desse blog. Todavia, reconhecendo que ele é obscuro, o que eu pretendo consertar agora nesse capítulo CXII, embora eu saiba ser impossível transpor a minha linguagem e torná-la acessível ao senso-comum (que, obviamente, nunca lerá esse blog mesmo). Esse texto em particular, e esse blog em geral, não é um livro didático - embora eu me esforce para ser o mais claro possível, sendo às vezes propositalmente prolixo como forma de dar ênfase a alguns pontos: se você (garotinh@ inocente, garotinh@ juvenil) não entende alguma palavra, já estudar; se não quer estudar, então não leia e vá se alienar com algum produto da indústria cultural.

Para mim o presente capítulo é o 3° melhor desse blog, ficando atrás apenas do LXXXIV (2°) e do CI (1°). Sugiro ao leitor atenção redobrada na leitura. Se for para lê-lo superficialmente, nem leia. Eu compreendo que você tenha mais o que fazer.

Você ainda está aqui? Então vamos em frente...


***

Como indicado pelo título, o que se pretende aqui é trazer luz sobre o fenômeno da angústia existencial do indivíduo mediante o estudo das relações entre indivíduo e sociedade. O que eu pretendo demonstrar aqui, e isso em oposição às conclusões do Gabriel, de quase toda auto-ajuda, do senso-comum, e de praticamente qualquer texto já escrito sobre angústia, é que as raízes da angústia existencial individual não estão no indivíduo, mas sim na própria sociedade. Da maneira mais maniqueísta e reducionista possível, podemos afirmar que o que eu estou fazendo é “jogando a culpa na sociedade”; todavia, mais adiante veremos que eu não faço exatamente isso, embora sinalize favoravelmente nesse sentido.

***

As diferentes formas de desajustamento social não devem ser vistas como "erros" do sistema, mas sim como "resíduos" do "processo de (re)produção social" (o processo de produzir a vida social, e de reproduzir as suas próprias condições de produção). Esses resíduos - ou "produtos defeituosos" -, por sua vez, surgem naturalmente do desajustamento dos dispositivos de regulação do próprio processo produtivo. Como estes dispositivos, devido à presença de informações incompletas e viscosas, inerentes à realidade material na qual existe uma guerra eterna entre as forças e todas as formas de vida pela disputa do espaço-tempo (e por conseguinte da matéria)- o bellum omnium contra omnes - , jamais estarão perfeitamente ajustados, um certo grau de desajustamento social é, nesse sentido, "natural", portanto esperado a priori, e de forma alguma "um erro".

Esse primeiro parágrafo foi dedicado à sociedade.

Em oposição a uma visão estanque da sociedade, o que se busca salientar aqui é a sua dinâmica histórica, seu estado de permanente mudança. A vida social é constantemente produzida e reproduzida: ou seja, constantemente ela é produzida juntamente com as condições necessárias para uma nova produção. Essa necessidade de permanente reprodução reside, em última instância, na própria corporeidade dos indivíduos, que impõe demandas que precisam ser atendidas e re-atendidas diariamente. Esses conceitos de produção e reprodução eu devo à tradição marxista. O indivíduo precisa ser produzido diariamente (mediante o atendimento das necessidades diárias de alimentação, vestimenta, saúde, segurança, etc.), bem como permanentemente reproduzido (mediante a procriação).

Todavia, não vivemos num mundo idealizado, que funciona como um modelo matemático de precisão exata (e descrito por um conjunto de poucas equações), no qual todas as decisões são otimizadas (e simétricas) e tudo funciona da maneira mais perfeita possível (admito junto com Pitágoras que "Todas as coisas são assimiladas pelo número", porém, uma descrição detalhada das cibernéticas social e psicológica transcende a linguagem matemática e a capacidade computacional atualmente disponíveis). A “causa” dessa dissonância entre ideal e real é a própria materialidade do mundo, a qual determina um fluxo truncado de informações, causado pelo conflito permanente essencial à materialidade, e aqui eu remeto a Schopenhauer, bem como aos modelos econométricos dos neoliberais. Schopenhauer nos mostra (no livro II do Tomo I d’ O mundo como vontade e como representação) que há no mundo um permanente conflito, uma “guerra eterna”, entre as diferentes formas de vida, bem como entre as diferentes manifestações materiais. Cada ato que executamos encontra oposições. O próprio ato de respirar é um processo dialético (e aqui remeto a Hegel...) de “assimilação por dominação” (Schopenhauer) no qual o corpo absorve o oxigênio e o utiliza na manutenção do seu processo vital. Esse próprio ato de respirar enfrenta a “oposição” do oxigênio, o que por fim gera resíduos (radicais livres) que afetam negativamente o próprio organismo. Assim, o “preço” da sobrevivência a curto prazo é o comprometimento da vida do organismo no longo prazo. De forma análoga, o processo de duplicação do DNA, por não ocorrer num mundo idealizado de precisão matemática, mas sim num mundo material de “guerra eterna”, está sujeito a pequenos erros cada vez que ocorre. Como esse processo ocorre centenas de vezes por dia em nosso corpo (o qual, aliás, é praticamente reconstruído totalmente a cada quatro anos), esses erros vão se acumulando e se manifestam sobre a forma do envelhecimento, culminando ao fim no colapso do organismo (morte).

Ora, essa guerra eterna inerente à materialidade soma-se à atomização das decisões no sistema. O sistema é formado pelas inter-relações de suas partes, cada qual agindo de acordo com seus propósitos (instintos de auto-preservação e de reprodução, vontade schopenhauriana - também conhecida como "o querer-viver" (vide livro IV do O mundo...) - , vontade de poder nietzscheana, vontade de saber/poder foucaultiana, microfísica do poder, princípios e pulsões psicanalíticos: princípios do prazer e do nirvana, pulsão de morte, jouissance lacaniana, Eros e Tânatos, Anima e Animus junguianos, homeostase psíquica, economia libidinal, economia das trocas simbólicas, desperdício conspícuo, além da racionalidade microeconômica utilitarista voltada para o interesse próprio, ou, ainda, na linguagem usual: auto-estima, riqueza, poder, prazer, sexo, felicidade, etc.) e conhecimentos limitados: não existe uma instância decisória responsável pela regulação fina do sistema; ao contrário, a regulação é realizada anarquicamente, como resultante do conjunto de forças em jogo. Essa ausência duma instância decisória superior elimina a teleologia no desenvolvimento do sistema: a sua evolução não tem uma finalidade pré-definida, não há um caminho a ser seguido a priori. A ausência dessa figura ubíqua que decide em última instância, garantindo a otimização perfeita dos processos, tem como conseqüência justamente a "imperfeição" e a "desotimização" desses processos, justamente porque eles se dão num mundo materialmente concreto, e não num modelo matemático idealizado, o qual, enfim, existe apenas como imaginário utópico reducionista e ingênuo.

É por isso que essas "imperfeições" não podem ser consideradas "erros": porque elas já estão "previstas" e são partes integrantes do processo de produção e de reprodução da vida social - e porque a sua negação é fruto do desejo (as vontades citadas acima) que alimenta o imaginário utópico. De forma análoga, a morte do indivíduo não pode ser vista como um "erro" do corpo ou da vida em geral, pelo simples fato que ela já faz parte da "estrutura" da vida, e já foi "solucionada" mediante a procriação. Em verdade, a morte, decorrente da guerra eterna, é uma "conseqüência" da própria procriação: como todas as formas de vida estão buscando se reproduzir o máximo possível, elas entram em conflito (guerra eterna), em conseqüência do qual surge a morte. Morte e vida estão, assim, intimamente ligados (ver Schopenhauer, § 54 do tomo I d' O mundo como vontade e como representação). Essas "imperfeições" e "erros" do processo de (re)produção social só podem assim ser entendidas quando contrastamos a realidade a um modelo ideal que não lhe diz respeito (e, por isso, seguirão sendo citadas entre aspas). Nesse sentido, enquanto confrontado com um imaginário, o real só pode ser julgado como imperfeito a partir de um juízo de valor - não é possível um juízo positivo, dada a ausência do perfeito imaginado enquanto fato (e, a rigor, a matematização - a tentativa de efetuar juízos de valor balizados pela matemática - é apenas um artifício ingênuo de ocultação "científica" do ideal).

Como esse processo de reprodução não é "perfeito", mas sim está sujeito a contingências, ele "naturalmente" implica em "resíduos", em "produtos defeituosos": esses são parte integrante da reprodução social, são parte integrante dos seus custos: a sua existência é "aceita" como inevitabilidade estocástica pelo sistema. O sistema não tem a presunção de eliminar todo erro, todo defeito, todo resíduo: o que importa é que esse custo não inviabilize o processo de reprodução social da vida, o que significa que o volume de resíduos deve ser tal que não coloque em risco esse processo.

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Como em todo processo industrial, há um rígido controle de qualidade, que se apresenta na forma de coerções que buscam abafar a atividade dos resíduos e assim minimizar os malefícios decorrentes de sua inevitável presença. Quando e se alguma categoria de resíduo (e uma delas é a do outsider) sair do controle e ameaçar colocar todo o sistema em crise, a sociedade aciona seus mecanismos de defesa no sentido de regularizar a situação, por meio da eliminação física de parte do próprio organismo.

Esse processo de reprodução social passa pela produção e reprodução dos indivíduos, agentes desse sistema. Falaremos sobre o indivíduo mais abaixo. Chamaremos o processo de formação do indivíduo de processo de individuação e o processo de ajustamento do indivíduo à sociedade de processo de socialização. A primeira coisa a salientar aqui é a ressalva com a qual usamos a categoria "indivíduo". Esse indivíduo, longe de ser uma coisa em si, é ele mesmo um processo, uma construção histórica, uma cumulação em espiral. Esses processos (de individuação e de socialização) estão sujeitos às contingências e "imperfeições" dum sistema material no qual há atomização das decisões e guerra eterna. E por isso é inevitável que "erros" surjam, cabendo ao sistema não a tarefa impossível de eliminar qualquer erro, mas sim a tarefa de impedir que o volume de erros seja grande o bastante que ponha em perigo o próprio processo de reprodução social (de perpetuação da vida humana em sociedade), processo esse que nada mais é que o processo social de afirmação do querer-viver (até onde eu saiba, Schopenhauer não usou esse expressão).

Os "resíduos" são formados por todo tipo de desajustados que, a rigor, não podem ser produzidos além dum volume limite que impeça a perpetuidade do processo de reprodução social, e, portanto, de perpetuidade da vida humana em sociedade. O insider, a "pessoa comum" (ver capítulo CVII) é o "modelo" a ser reproduzido socialmente. O outsider é um dos resíduos possíveis, mas não é o único: temos também outros tipos de desajustados, como excluídos sociais, prisioneiros, rebeldes, terroristas, anarquistas, doentes mentais, dependentes químicos pesados (digo pesados pois, a rigor, praticamente todos os seres humanos são dependentes químicos), etc.: todos esses grupos são formados por "seres defeituosos" (com isso não pretendo qualquer juízo de valor, trata-se duma "descrição positiva") em relação ao "padrão", o insider, a "pessoa comum". O sistema, porém, é elástico e possui mecanismos em geral eficientes para abafar a atividade dos resíduos e, na medida do possível, integrá-la produtivamente ao restante do processo de reprodução social (por exemplo, por meio da arte e da sua mercantilização e reprodução técnica como mercadoria). Mas, tão logo o perigo representado pelos resíduos for grande o suficiente para ameaçar a estabilidade do sistema, o mesmo agirá energicamente, não raro efetuando a eliminação física (extermínio) dos resíduos. Novamente cabe, aqui, salientar a imperfeição e contingência desse processo: o sistema - dada a ausência de uma entidade ubíqua reguladora (deus, por exemplo) - não possui mecanismos de detecção precisa do perigo, o qual portanto está sujeito à especulação, à incerteza e, ainda, à paranóia, e, enfim, a decisões precipitadas e "incorretas" (medidas desnecessárias).

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Como a vida é um desdobramento contínuo e cíclico da atividade, e como o indivíduo está preso ao seu narcisismo, a ele o seu desajustamento é apresentado, por meio de sofismas elaborados por sua racionalidade (racionalidade essa que não passa de uma ferramenta que se encontra totalmente a serviço da volição individual), como uma qualidade, da qual não deve se envergonhar e a qual deve aceitar e defender, colocando-o, portanto, em desacordo com o sistema, mas em acordo com sigo mesmo.


A vida, da forma mais genérica possível, pode ser descrita como o desdobramento da atividade e a consequente complexificação fenomenológica de um algoritmo autopoiético subsumido a restrições de recursos. Como a vida é um afirmação de si mesma, ela se torna uma repetição infinitamente variada do mesmo tema (esse é o tão buscado "sentido da vida"). Ela vai se desdobrando e se fragmentando sempre que pode, variando-se "horizontalmente" e complexificando-se "verticalmente", multiplicando-se qualitativa e quantitativamente. Ora, com todo esse desdobramento - por trás do qual vemos o querer-viver schopenhauriano - é inevitável que surjam todo tipo de "bizarrices", isto é, de formas de vida que se desviem, de todas as formas possíveis e imagináveis, do "arquétipo da normalidade".

Chegado nesse parágrafo, está na hora de falar sobre o indivíduo, o outro componente da nossa dicotomia analítica. Como eu já adiantei, a primeira ressalva a se fazer é eliminar a concepção de um indivíduo pronto e acabado, que se constituiria numa espécie de coisa em si. Já falei sobre isso no capítulo XCIX. No limite, o que eu deveria fazer é simplesmente abolir a palavra "indivíduo" e substituí-la por uma mais adequada à realidade (talvez "sujeito"). Mas infelizmente eu, até o presente momento, não encontrei um substituto adequado [1]. O indivíduo, longe de ser uma coisa em si, é, ele também, um processo, e um processo resultante de uma conjunção de fatores materiais, biológicos, sociais, culturais, etc. Longe de ser uma unidade (algo "indivisível") o indivíduo, semelhantemente ao átomo, é um amontoado de determinações e sobredeterminções (isto é, uma causação dialética), construído num processo multidirecional e cumulativo, sujeito a "imperfeições" e contingências. Já aqui vislumbramos porque eu coloco a "culpa" na sociedade: pois o indivíduo, a rigor, não existe como unidade; como ele pode ser "responsável" se ele próprio é uma construção social?

O indivíduo é dotado de instintos, volições, necessidades biológicas: todas essas características são legadas pela natureza, dizem respeito à sua animalidade no sentido estrito. O indivíduo, porém, também é dotado de linguagem, de imaginário, de discurso do mundo (discurso do real e do ideal - ver capítulo XCVI), de convicções, de memórias do seu passado e de expectativas quanto ao seu futuro (e também quanto ao futuro da coletividade). Essas últimas características das quais o indivíduo é dotado não lhe são legadas pela natureza, ao contrário, são todas elas, a começar pela linguagem, construções sociais, históricas. Chamaremos de "processo de individuação" o processo de construção do próprio indivíduo, o processo dialético cumulativo e multidirecional no qual o legado da natureza (material genético) interage com o legado social (ambiente) na formação de uma individualidade, de uma ilusão de unidade relativamente estável. Esse processo leva anos e, a rigor, pode nunca ser concluído. É claro que o processo de produção da "pessoa comum" não pode se arrastar indefinidamente: o processo de individuação precisa ser concluído, nem que a custo da própria realização individual, porque essa pessoa precisa cumprir suas tarefas no processo de reprodução social. No caso da "pessoa comum" essas tarefas se resumem, na sociedade capitalista em que vivemos atualmente, a três: trabalhar (produzir mais-valia), consumir (realizar mais-valia) e se reproduzir (reproduzir o indivíduo, criar novos trabalhadores e novos consumidores). Já falamos antes sobre a "rotina circular trabalho-família-consumo conspícuo-entretenimento-religião" (capítulos XCV e CVII) que preenche a vida das "pessoas comuns", rotina na qual elas andam hipnoticamente tal hamster na roda. Ora, já vimos o papel social do trabalho e da família. Mas qual é o papel da indústria cultural (fornecedora, em geral, do entretenimento), do consumo conspícuo e da religião? O seu papel básico é propiciar a catarse individual e coletiva necessárias para a estabilidade das psiques individual e coletiva (ver capítulos com o marcador "indústria cultural/cultura de massas"). Noutras palavras, trata-se de muletas existenciais, de lubrificantes sociais, de instrumentos de alienação e hegemonia. Essa função catártica de forma alguma é algo supérfluo, um luxo. Pelo contrário, ela é essencial para conferir ao indivíduo - um ser tão fraco, limitado, desesperado, ignorante, hedonista, mas, ao mesmo tempo, tão necessário ao processo de reprodução social - um mínimo ilusório de consistência, de sentido, de unidade. Sem esse processo catártico, o indivíduo ou desmoronaria ou se rebelaria contra o sistema, nos dois casos colocando em xeque o processo de reprodução social. Além da função catártica, a indústria cultural tem por função difundir os discursos hegemônicos, reproduzindo assim permanentemente o processo de socialização (do qual falaremos a seguir), e mantendo assim os indivíduos como consumidores compulsivos, eleitores dóceis e trabalhadores produtivos, além de renovar a cumplicidade que os mesmos têm para com o establishment (que inclui, inclusive, a decisão de ter filhos, além da decisão diária aceitar a cumplicidade com a reprodução do status quo). Essa decisão de renovação da cumplicidade é tão essencial para a reprodução social que o processo de socialização trabalha para "automatizá-la", ou seja, para torná-la completamente inconscientes e, portanto, fora de qualquer reflexão ou senso-crítico: a sociedade é mais importante que a autonomia do indivíduo (e aqui o meu discurso se aproxima do de Durkheim). Com relação à reprodução, lembrei da forma ingênua que se refere a ela o manifesto do Movimento de Extinção Humana Voluntária: "Fazer bebês parece ser um ponto cego na nossa percepção de vida" - comparar isso com o § 60 d' O mundo como vontade e como representação.

Além do processo de individuação, outro processo simultâneo (os dois processos se interpenetram e se relacionam dialeticamente) é o processo de socialização, o qual tem por função ajustar o indivíduo construído (ou em construção) à sociedade, de tal forma que ele coopere com o processo de reprodução social. Esses processos são simultâneos; a rigor a própria construção da individualidade é norteada pelos interesses do processo de reprodução social. Novamente, vemos, sob esse meu ponto de vista, como é ingênua a tentativa de "culpar" o indivíduo: como ele pode ser "culpado" se ele é uma criação social, se (como eu disse mais abaixo no capítulo VII) é "o sistema que cria cada indivíduo em si (no seu seio), por si (pelos seus mecanismos) e para si (para transformá-lo em parte do processo (re)produtivo)"?

Remeto aqui aos capítulos XXXII e LIII, nos quais eu falei do "processo de domesticação" o qual é basicamente o mesmo processo que agora eu estou chamando de "processo de socialização": trata-se do processo de domesticação do animal humano e da sua integração ao processo reprodutivo social. Remeto também ao livro O processo civilizador de Norbert Elias, que relata esse processo com uma bela riqueza de exemplos retirados dos manuais de etiqueta publicados na Europa a partir do século XIII. Só para se ter uma idéia do que eu estou dizendo: manuais de etiqueta da Idade Média diziam explicitamente (sem eufemismos) que as pessoas (e lembremos que naquela época só os nobres sabiam ler, portanto já estamos falando das pessoas mais qualificadas da época) deveriam usar lenço, e não se limpar nas roupas (que, aliás, quase nunca eram lavadas), que não deveriam comer o muco nasal e o escarro, e, mais incrível, que após defecar (lembremos que na época não existiam banheiros (o Palácio de Versalhes, p.ex., não tem nenhum) e as pessoas defecavam nas ruas, muros, escadas, etc.) as pessoas não devem pegar nas mãos o "material mal-cheiroso" (fezes) e mostrar aos demais! Hoje em dia (às luzes da civilização), qualquer conduta desse tipo só pode ser vista em hospícios (além é claro dos clubes de sado-masoquismo, nos quais, inclusive, se pratica aquele que, para mim, é o maior tabu criado pelo processo civilizador: a coprofagia (a propósito, eu desconfio - e isso é um achismo meu, pois não estudei o assunto o bastante - que as manifestações coprofágicas em adultos, inclusive como uma "forma de sexo" (parafilia), são causadas, em parte, pelo próprio processo civilizador, quando ascendem à consciência impulsos reprimidos violentamente na infância, uma manifestação de uma espécie de fixação sobreposta das fases oral e anal.)) (Para verificar uma ordem divina à coprofagia, ver Ezequiel 4:12.). Mas o que me cabe salientar aqui, e é esse o caráter trágico desse processo civilizador, é que todo o progresso histórico que a humanidade levou séculos para acumular precisa ser introjetado, como "natureza", em poucos anos pelas crianças: obviamente essa introjeção só pode ocorrer mediante a violência, o que, por sua vez, gera um grande volume de conteúdos reprimidos e recalcados. Novamente vemos que, se pretendemos "garimpar o recalcado", não devemos olhar para o indivíduo "acabado" (construído), mas para o processo social de formação da individualidade e de socialização. Novamente sinalizamos que a "responsabilidade" pela angústia individual deve ser buscada na sociedade, e não no indivíduo.

Todos esses processos são ignorados pelo indivíduo que, em seu narcisismo, irá elaborar um discurso no qual seu "defeitos" (assim definidos em relação à "pessoa comum") lhe aparecem como qualidades - e isso como juízo de valor, ou seja, da mesma forma que ele se sente acusado de ser um defeituoso (de ser inferior ao modelo de "perfeição") ele, igualmente, se defende (reage) elaborando uma argumentação na qual o que é considerado defeito pelos outros é considerado por ele como qualidade, ou seja, como superioridade frente aos demais (e, principalmente, frente à "pessoa comum"). Eis um exemplo típico disso: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=208540

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Devido à coerção decorrente do controle de qualidade, as certezas do indivíduo quanto a correção de sua constituição podem ser colocadas em dúvida, não obstante ele "sinta", pelo já explicado, que ele está certo e que não merece castigo por sua situação, pela qual, aliás, ele geralmente não é responsável, cabendo-lhe tão somente aceitá-la e afirmar a sua vida dentro das possibilidades que lhe foram fornecidas pelo próprio sistema (isso é, uma facticidade) com o qual agora ele está em conflito justamente em função dessa afirmação que acaba por ser a essência tanto de cada indivíduo, quanto da sociedade, bem como cada uma de suas instituições. Dessa forma, os indivíduos vivem como problemas individuais o que são na verdade problemas sistêmicos; isso por que a ideologia oficial assim trata esses problemas, a fim de eximir o "sistema" das suas responsabilidades - a "responsabilidade" pelos problemas sistêmicos é cobrada de suas vítimas.

Após apresentarmos a "sociedade" ("processo de reprodução social") e o "indivíduo" ("processo de individuação e processo de socialização"), podemos usar essa categorias para entender como os desajustamentos "naturais" e inevitáveis desses processos redundam em todo tipo de "resíduos", inclusive manifestando-se como angústia existencial individual. O que eu busco advogar aqui é que essa angústia é fruto de falhas nos referidos processos, o que por sua vez implica no desajustamento social do indivíduo que, por isso mesmo, se angustia, se deprime, se rebela, se suicida, assassina os outros, etc. É essencial repetir aqui: as ideologias dominantes transformam problemas sistêmicos em problemas individuais, purgando assim o sistema de qualquer responsabilidade. A própria psicanálise, por ignorar as determinações estruturais e superestruturais (conceitos marxistas), é muito usada, principalmente na França, na legitimação dessas ideologias.

Mas as ideologias dominantes - todas elas comprometidas com a forma estabelecida (o establishment) do processo de reprodução social e, portanto, com o processo de produção do "indivíduo normal por excelência" - negam qualquer "responsabilidade" do sistema, e apressam-se em jogar toda a culpa pelo desajustamento social do indivíduo sobre ele mesmo, a fim de purificar a imagem do sistema, eximindo-o de qualquer mácula. Recusam-se a ver, porém, que o indivíduo é uma construção social.

Por mais que a sociedade lhe rotule como doente, o indivíduo, em seu narcisismo - e vale lembrar aqui se os seus "defeitos" são, também eles, apropriados na construção de sua individualidade, na construção da sua ilusão de unidade apriorística - , se esforça para negar o caráter defeituoso (juízo de valor depreciativo) dessas suas características que fogem ao modelo de "perfeição". Instala-se, assim, um conflito entre o indivíduo e a sociedade.

Faz-se necessário esclarecer o que eu quis dizer com "(...) dessa afirmação que acaba por ser a essência tanto de cada indivíduo, quanto da sociedade, bem como cada uma de suas instituições". A sociedade (primeiro a bárbara, depois a civilizada) é um estágio mais avançado da afirmação do querer-viver da espécie humana - mais avançado no sentido em que viabiliza uma expansão quantitativa e qualitativa da vida do animal humano sobre o restante na natureza. O predatismo humano sobre a natureza é tão natural quanto a reprodução de qualquer forma de vida. A sociedade (e antes: a combinação de telencéfalo altamente desenvolvido com polegares opositores) é uma nova estratégia da espécie humana para o recrudescimento da sua afirmação do querer-viver – para a sua tentativa de vitória, de hegemonia, na “guerra eterna”. Assim como Schopenhauer insiste na soberania da espécie sobre o indivíduo, o mesmo vale para a sociedade com relação ao indivíduo: embora a dinâmica social tenha como motor a mesma dinâmica instintiva natural (animal) do indivíduo, a instintividade individual deve curvar-se aos interesses sociais (e, em última instância, da espécie) – e o processo de socialização trabalha no sentido de permitir ao indivíduo aceitar alegremente essa situação. A tendência à reprodução infinita e ao predatismo é a mesma já encontrada na primeira molécula auto-replicante que surgiu na Terra há cerca de 3,5 bilhões de anos, da qual descendem todas as formas de vida. Evidentemente que uma reprodução descontrolada ao infinito não é a melhor estratégia evolutiva: para um parasito, a melhor estratégia evolutiva é aquela que mantém o hospedeiro vivo e permite assim sucessivos ciclos de reprodução do parasito. Para um predador, a destruição completa dos predados seria a sua morte. De forma análoga, a sociedade, embora seja impulsionada pelas mesmas pulsões básicas do indivíduo, possui mecanismos de regulação dessas pulsões, para garantir a sua sobrevivência a longo prazo: o predatismo humano sobre a natureza e a exploração do homem pelo homem precisam ser sustentáveis para não acabarem consigo mesmos (aliás, a sustentabilidade (dinâmica e dialética) faz parte do conceito marxista de reprodução, e, por que não dizer?, do conceito de natureza também). Ora, esses mecanismos sociais de regulação aparecem, para o indivíduo isolado, como (já adivinhou?) forças coercitivas repressoras e manipuladoras/conformadoras da instintividade individual - o indivíduo deve se conformar aos imperativos coletivos (podemos, por exemplo, imaginar Jeová e suas ordens repressivas como uma simbolização patriarcal do querer-viver coletivo sobre o individual). Essas forças coercitivas, por sua vez, geram conteúdos recalcados, os quais, por sua vez, implicam em angústia. Quando o indivíduo, ao longo dos processos de individuação e de socialização, consegue aceitar essas regras do jogo, ele se torna alguém “ajustado” ao sistema. O desajustado é aquele que, por uma série de contingências ("falhas" nos processos), mantém-se num estado de conflito e não-aceitação desses “fatos da vida”.

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Instala-se no indivíduo – reduzido ontologicamente, pelo irracionalismo pós-moderno, a um mero feixe de sensações hedonistas – , portanto, um conflito entre a afirmação, proveniente de seu mecanismo de auto-preservação e de auto-afirmação, e a negação, proveniente dos mecanismos de auto-preservação e de auto-afirmação da sociedade – a qual, aliás, encontra-se constitutivamente transpassada por uma cultura de pulsão de morte – , dessas características anômalas de sua constituição. Características que, se se multiplicarem dentro do sistema, levá-lo-ão ao colapso, dada a sua estruturação e dadas as condições materiais de (re)produção. O rebelde, portanto, não passa de um desajustado. Aquele que está ajustado não conhece o descontentamento contra o sistema que cria cada indivíduo em si (no seu seio), por si (pelos seus mecanismos) e para si (para transformá-lo em parte do processo (re)produtivo).

Cabe esclarecer a afirmação de que "o rebelde não passa de um desajustado". Novamente, não há aqui juízo de valor: trata-se se uma "descrição dos fatos". O que eu estou afirmando é que se o indivíduo tivesse sido produzido - pelo próprio sistema - nos moldes da "perfeição" (ou seja, como uma "pessoa normal propriamente dita"), ele se ajustaria à sociedade (que está centrada na figura da "pessoa normal propriamente dita", por isso só esse tipo de pessoa se ajusta "perfeitamente"), e, por isso, "naturalmente" não se rebelaria: aliás, nem mesmo qualquer sombra de rebelião iria ascender à sua consciência, muito menos seria aceita e trabalhada. O que quero com isso, longe de "culpar" o indivíduo taxando-lhe de desajustado é, pelo contrário, chamar a atenção para a responsabilidade que o próprio sistema tem na formação do "rebelde". No limite, e isso é tão óbvio (dado tudo o que já foi dito aqui) que eu não escrevi no capítulo VII, se o sistema fosse perfeito (tal qual os modelos matemáticos idealizados nos quais todas as decisões são otimizadas e ubíquas) simplesmente não haveria rebeldia e oposição alguma. Em outras palavras, se há rebelião, é porque o sistema é falho. Se há angústia existencial, suicídio, assassinato, suicídio mental, etc., é porque o sistema - a sociedade - é falho. Essa falha, porém, só existe quando confrontada com um ideal, com um imaginário utópico - o qual, todavia, é instigado, em parte, pelo próprio sistema como parte da educação individual e do ajustamento do indivíduo médio aos ditames coletivos, ou seja, como discurso ideológico (de legitimação do establishment).

É também conveniente salientar que a "rebeldia" não é conseqüência necessária da inteligência, se o fosse, não existiriam intelectuais de direita. Ora, esses intelectuais de direita estão ajustados ao atual sistema de dominação - que se subsume ao processo de reprodução da vida social, até o ponto em que um se confunde com o outro, e a exploração do homem pelo homem parece tão natural e inevitável quanto a própria afirmação do querer-viver (há aqui ecos do conceito marxista de ideologia e do conceito gnóstico de sístase) - , e por isso dedicam-se a defendê-lo. Inteligência não é o bastante para ter-se um rebelde; é preciso antes de tudo ter desajustamento.

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O referido conflito no indivíduo causa-lhe frustração e pode, se não administrado corretamente, levá-lo a atitudes desesperadas, geralmente no sentido de reprimir, ou mesmo suprimir, o seu processo de vida. Por mais perspicaz e ardiloso que seja o indivíduo, ele não é forte o bastante para vencer a sociedade.


As engrenagens da sociedade são lubrificadas com sangue, com suor, com lágrimas e com sonhos frustrados.


Esse conflito entre indivíduo e sociedade, em torno da afirmação de características individuais "anômalas", gera angústia, rebelião, e pode terminar em tragédias, ou num embotamento permanente do indivíduo "defeituoso" que se retrai em sua depressão e vai definhando até a morte: mais uma vida perdida, mas o sistema (de reprodução e de exploração) está ileso (aleluia!).

Todavia, eu não pretendo adotar uma postura fetichista de reificação da sociedade. É preciso reconhecer que a sociedade, por mais que se imponha como um poder externo às pessoas (ao qual elas devem se curvar) é produzida e reproduzida permanentemente pela próprias pessoas e, supostamente, para as próprias pessoas (certamente bem mais para umas do que para outras...). Como o processo de reprodução social é permanentemente reconstruído, há sempre espaço para mudança e, a priori, há espaço para que as pessoas atuem no sentido de se emancipar, como coletividade, das mazelas e insuficiências da sociedade atual.

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Subjacente ao discurso do real aqui apresentado, é perceptível um discurso do ideal que anseia por um sistema que funcione perfeitamente ao mesmo tempo em que emancipe o indivíduo, conferindo-lhe autonomia ("liberdade" - eu não gosto de usar essa palavra) - que anseia por "um novo céu e uma nova terra" (Apocalipse 21: 1). Ora, o presente reconhecimento da impossibilidade de, no atual estágio da civilização, levar a termo esse projeto utópico não será, por mim, usado para justificar o comodismo diante do establishment. Continuarei a apoiar as lutas emancipatórias. Como diz José Teixeira Coelho Netto ao fim do livro O que é utopia: "Muito difícil tudo isso? Impossível concretizar o programa ditado pelo princípio do prazer? Nem tanto. A imaginação utópica é muito realista nesse ponto; para ela, o impossível é o mínimo a exigir."


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[1] Acrescentado em 24/01/2011: Eis o substituto adequado para indivíduo: multivíduo. Como não pensei nisso antes? Eu não pensei. Eu li penúltimo parágrafo do livro Fetichismos visuais: Corpos erópticos e metrópole comunicacional (de Massimo Canevacci): "Avatar é a metamorfose de um multivíduo mimeticamente incorporado aos fetiches digitais."

Doravante, usarei em meus textos (e pensamentos) o multivíduo como substituto do indivíduo - o qual está, agora, morto e enterrado.

O multivíduo possui uma dividualidade, mas não possui uma identidade, ou uma unidade. Ele é um sistema interativo e mutante de unidades, de identidades, de eus. Ele só possui uma unidade no sentido de aglomerado de fragmentos distintos e conflitantes. O multivíduo é legião.




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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.