sábado, 25 de outubro de 2008

XXXVII – Acerca de observações "funestas", ocorridas em um diálogo satânico, decorrentes do contato social com um pedinte em um ônibus.

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§ 37








Sobre os pobres é proclamada a irrevogável sentença; exigindo-lhes todas as forças, travando-lhes todo o ideal; a penúria e a miséria pesam-lhes sobre os ombros. Schopenhauer.


Conrado: “O pedinte, um ex-delta atirado na casta dos épsilons por um trágico acidente, falava em nome de deus. Dizia coisas do tipo ‘que deus dê em dobro’ e ‘que deus abençõe a todos que ajudaram, e a todos os que não puderam ajudar também’.”

Mefistófeles: “E quem é ele para falar em nome de deus?? Faz isso com que direito? Como pode pretender ser capaz de abençoar alguém se não é capaz de abençoar a si mesmo?”

Duan: “Ele falou que precisa comprar leite para as crianças...É verdade! Sofreu um acidente e agora é inválido; não tinha seguro, nem da propriedade nem de si mesmo.”

Mefistófeles: “E quem mandou ele ter filhos? Ele foi obrigado? Onde está o tal livre-arbítrio?”

Duan: Caro, você sabe que tal coisa não existe entre os humanos. Não há livre-arbítrio; há, isso sim, servo-arbítrio. São todos escravos.

Mefistófeles: Justamente.

Conrado: “Uma das crianças, a recém-nascida, tem, segundo o relatado em tom emocional, uma doença grave. Precisa de medicamentos e de uma lata de leite que custa R$15,00 a unidade.”

Mefistófeles: “Ah! E você agora vem me dizer que ele não sabia que isso podia ocorrer? Que ele não conhecia a possibilidade não desprezível da criança nascer com uma das milhares de doenças existentes nesse mundo nojento?”
[Enquanto dizia isso, Mefistófeles materializou um grosso volume em suas mãos, na capa do livro estava escrito: CID - Código Internacional de Doenças]

Duan: “Mas...a assimetria é da natureza da informação.”

Conrado: "E como a informação é assimétrica, meu deus..."

Mefistófeles: “Ora, Duan, francamente né... Sabe quando você coloca um besouro de costas no chão e ele fica se revirando para tentar ficar em pé?”

Conrado: “Sim, ele ficará se remexendo sem descanso até a morte por inanição, nem que isso leve semanas, nem que isso leve meses, nem que isso levasse toda a eternidade.”

Mefistófeles: “Então, é a mesma coisa.”









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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sábado, 11 de outubro de 2008

XXXVI – Acerca de pensamentos "blasfêmicos" decorrentes do contato social com uma idosa religiosa ignorante - Velha cretina.

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§ 36







(...)Se colocássemos sob os olhos de cada um as dores, os sofrimentos horríveis a que a vida nos expõe, o pavor tomar-nos-ia: peguem o mais amadurecido dos otimistas, levem-no através dos hospitais, dos lazaretos, das salas onde os cirurgiões fazem mártires; através das prisões, das câmaras de tortura, dos telheiros para escravos; nos campos de batalha, e nos locais de execução, abram-lhe todos os negros retiros onde se esconde a miséria, que foge dos olhos dos curiosos indiferentes; para acabar, façam-no lançar um olhar na prisão de Ugolino, na Torre da Fome: ele verá, então, bem o que é o seu meilleur des mondes possibles (Leibniz, Essais deThéodicée sur la bonté de Dieu, 1, 8). E aliás, de onde é que Dante tirou os elementos de seu Inferno, senão deste mundo real? Na verdade, ele fez um inferno bastante apresentável. Mas quando se tratou de fazer um Céu, de lhe descrever as alegrias, então a dificuldade foi insuperável: o nosso mundo não lhe fornecia nenhum material. Portanto, ele apenas teve um caminho a seguir: em vez de falar da felicidade do Paraíso, voltou a dizer-nos as lições que tinha dos seus antepassados, da sua Beatriz e de diversos santos. Chega para confessar o que é nosso mundo. (...) (Arthur Schopenhauer, O Mundo como Vontade e como Representação, Tomo I, §59)


Estava eu, mais uma vez, no ônibus quando o mesmo passou ao lado de um acidente automobilístico: uma colisão entre uma caminhonete e um motociclista. Este último, ou o que restara dele, se encontrava sob a primeira.

Dentro do ônibus, uma velha sentada com um livro grosso (em cuja capa estava escrito “Bíblia Sagrada”) nas mãos se mostrou em visível aflição pelo ocorrido. Para uma outra velha, sentada logo no banco de trás e com o mesmo livro entre as mãos, começou então a fazer comentários cretinos, como “vamos pedir para deus ajudar ele a se recuperar” ou “deviam [o governo, sempre ele] fazer isso ou aquilo para que isso não acontecesse”.

Pronto. Ouvir esse monte de merda foi suficiente para estragar o resto do meu dia, e foi suficiente para que eu escrevesse esse capítulo. Então vamos continuá-lo.

Velha idiota. Ela tem que ver o sofrimento ao vivo e a cores (de preferência com odores também) para ser capaz de se comover.

Então ela não sabe que pelo menos um acidente igual ou pior que aquele ocorre neste planeta a cada cinco minutos? Então ela não sabe que uma mulher é violentada no mundo a cada minuto? Então ela não sabe que a cada segundo algum desgraçado morre de fome ou sede neste planeta? Então ela não sabe que, também a cada segundo, alguém morre de malária aqui na Terra? Então ela também não sabe que a cada minuto uma mulher morre nesse planeta em conseqüência de um parto mal feito (e que essa é a maior causa de morte feminina atualmente existente)? Então ela não sabe que a cada dia, apenas na China, cinco operários sofrem amputações decorrentes de acidentes de trabalho? Então ela ainda não sabe que, todo ano, dezenas de milhares de pessoas são vendidas como escravas ao redor do mundo? Então ninguém contou para ela que, todo maldito dia, centenas de pessoas morrem, nessa porcaria desse planeta, por falta de atendimento médico adequado? E ninguém contou para ela que todo mês, apenas no glorioso Brasil, desaparecem cerca de 3.500 crianças. Ou que ainda morrem, na média, mais de 30 crianças em cada 1000 por ano, antes de completar um ano de idade, por motivo de doenças torpes - causadas pela falta de educação formal e de saneamento básico. Então ela também não sabe que a maioria da população deste triste planeta é formada por indigentes? Etc (se eu fosse escrever todas as degraças do mundo aqui, esse seria um parágrafo sem fim).


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Nem vou falar do holocausto dos milhões de animais que são torturados e executados diariamente (isso mesmo, milhões diariamente), numa verdadeira indústria da tortura¹ e da morte, com o objetivo de dar mate ao apetite necrófago desse homo sapiens, isso não obstante:

“Bom é não comer carne, nem beber vinho, nem fazer outras coisas em que teu irmão tropece, ou se encolerize, ou se enfraqueça.” (Romanos 14:21)

A necrofagia vai mais longe, e chega mesmo ao canibalismo. Na China, nação destinada a dominar o mundo cultural e economicamente, os fetos dos milhares de abortos realizados diariamente são vendidos e consumidos como iguarias.





Os chineses também comem cães e gatos, e tudo o mais que o mova.











Mas não, o mundo dessa velha idiota se resume, com a exceção da figura do Papai Noel (da qual logo iremos falar), àquilo que ela consegue ver, ouvir tocar e cheirar no aqui e no agora. E nada mais. Eis a sabedoria que vem com a idade. Pois essa cretina poderia viver um milhão de anos sem que fosse capaz de se aperceber disso.

E já que ela falou tanto desse tal de “Deus”, o que ela, se soubesse e entendesse tudo isso, diria a respeito do rapaz? Deus esse que – diferentemente dela e de acordo com os poderes que ela acredita ele possuir – assiste, impassível, ao vivo e a cores, e ainda simultaneamente, a todas essas cenas de sofrimento; a cada uma delas e a muitas outras não mencionadas aqui, de sofrimento igual menor ou maior, que já ocorreram, que ocorrem nesse instante ou que ainda ocorrerão. O que se pode esperar de um mundo feito às pressas (em seis dias)? Jeová, porém, achou tudo "muito bom" (Gênesis 1:31).

Mesmo assim, ela acredita que todos os seres humanos devem alguma coisa a esse deus, que afinal de contas é o legítimo proprietário de toda a sua criação. Mesmo assim, ela acredita que esse mesmo deus é digno de louvor.

Ela, agora que, após sessenta anos, tomou conhecimento dessas informações, poderia alegar, em defesa do seu deus, por exemplo, que cada um sofre o que merece, sofre de acordo com as escolhas que o seu livre-arbítrio faz. Mas aí ela se esqueceria de dois pontos: (i) isso acaba com a capacidade dela de sentir compaixão pelo próximo, e assim ela troca o fim (amar o próximo) pelo meio (acreditar em deus e temer o seu castigo, ou esperar a sua recompensa); e (ii) então uma criança é estuprada porque merece, então alguém morre por não ter atendimento médico porque merece, então alguém morre de fome porque merece, então um trabalhador é amputado porque merece, etc., etc., etc.

Mas a nossa querida velhinha ainda poderia tirar outra carta da manga (na verdade não, pois ela é tão tapada que não conseguiria pensar em um argumento “sofisticado” como esse, e muito menos no seu respectivo contra-argumento): ela poderia dizer que, pelo livre-arbítrio, o pecado entrou no mundo, e com ele todo esse sofrimento que a humanidade padece; poderia, ainda, acrescentar que o problema já foi resolvido, há quase 2.000 anos, pelo próprio deus disfarçado de humano, e que, portanto, vai terminar tudo bem.

Os erros desse argumento são muitos, dos quais destaco os seguintes:

a) Se o homem foi capaz de pecar – de praticar um ato de corrupção – isso apenas foi possível se ele já era, antes mesmo do primeiro pecado, alguém corrompido e, portanto, passível de pecar.

Se, segundo a lógica de abracadabra da crença retardada dessa velha, deus criasse o homem livre, mas perfeito (não corrompido) seria impossível ao homem, mesmo se fosse onipotente, pecar; como, aliás, o é para esse mesmo deus ao qual se atribui onipotência e perfeição: se é perfeito, ele, por definição, está apartado para sempre do pecado.

b) O mesmo se aplica à historinha sobre Lúcifer (isso no caso previsível de nossa velhinha querer “jogar a culpa” sobre o diabo). Lúcifer apenas poderia se rebelar se deus já o tivesse criado com a inveja a ganância e a prepotência que foram necessárias para levá-lo a se voltar contra seu criador.

Com relação a essa questão da culpa de Lúcifer, só existe uma maneira dela não acabar caindo sobre o próprio deus: é a que afirma ser Lúcifer um poder paralelo a Jesus e não um poder criado pelo próprio deus. Mas isso tira desse deus a coroa de criador de tudo, e acaba por colocar o diabo em estado de igualdade, no que diz respeito aos poderes, para com deus. E nossa querida velhinha certamente não quer isso.

c) O suposto livre-arbítrio não pode negar a onipotência e a onisciência de deus. Ou seja, esse deus, mesmo com o livre-arbítrio (obra de sua criação voluntária e portanto responsabilidade sua), já sabia ex ante, e já sabia há um tempo infinito, tudo o que ocorreria, inclusive o pecado original (que na verdade é uma conseqüência lógica e inevitável da constituição humana tal como – sempre segundo essa crença estúpida da velha – deus a criou), e inclusive esse acidente automobilístico que agora surpreende e aterroriza a pobre, bondosa e imbecil velhinha.

Portanto, se deus criou tudo sabendo de todas as conseqüências de seus atos, adivinhem quem é o único responsável nessa história toda.

Apesar de tudo, ela continua acreditando que esse deus é bom, que esse deus é justo, que esse deus tem misericórdia, que esse deus tem compaixão, que esse deus merece louvor, que esse deus, coitadinho dele, se ofende, fica chateado, quando alguém peca (o que ocorre dezenas de milhares de vezes por segundo).

d) Nem vou comentar acerca da “justiça” e da “bondade” de uma regra (inventada hipoteticamente de boa vontade pelo próprio deus no qual ela parvamente crê) que faz com que pessoas que nascem, vivem e morrem hoje paguem por um único pecado cometido (e cometido com uma tal facilidade que era óbvio que ele seria cometido logo depois da criação do primeiro homem, como “de fato” ocorreu) por um terceiro há pelo menos 5.000 anos, mesmo depois do problema já ter sido pretensamente resolvido há quase 2.000 anos. O tempo de deus, mas é claro, é diferente do dos homens. Enquanto isso a gente vai tomando no cu.

e) Também não vou comentar que o mesmo deus que inventou arbitrariamente regras poderia mudá-las in continenti, com a mesma facilidade com a qual as tirou de sua cartola. Mas ele não o faz. Não o faz porque não o quer.

f) E, ainda, também não vou comentar sobre a perfeição e a onipotência de um criador que não é capaz – ou não quis ser capaz – de fazer uma obra perfeita, verdadeiramente à sua imagem e semelhança, isto é, de conciliar liberdade e ausência de pecado (propriedade essa que ele mesmo hipoteticamente possui – a menos que alguém admita que deus também peca; se pecasse não teria moral para “se ofender” com os pecados de sua criação, e então não seria deus)
Essas histórias do pecado original e da origem de Lúcifer são as histórias mais mal contadas que eu conheço. Lúcifer não se rebelou contra deus junto com DOIS TERÇOS dos anjos? Como ele conseguiu convencer toda essa gente? Vai ver a vida diante da presença de deus não era tão boa quanto a "história oficial" quer que a gente acredite.
A ignorância, a estupidez e a fé (nos deuses em geral) caminham de mãos dadas. Já o relacionamento entre a sabedoria e a inteligência com a fé é bem diferente: é como trancar numa mesma jaula um leão e um cordeiro.

Mas argumento algum mudou ou vai mudar a crença de alguém, pois cada uma acredita no que quer acreditar, e cada um quer acreditar naquilo que é conveniente aos seus interesses materiais, ou à sua personalidade. Se queremos mudar a opinião de alguém é a esses interesses que devemos nos reportar.

As pessoas são estúpidas.

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1 Se você ainda duvida que a brutalidade e baixeza humanas não têm limites, então tenha o culhão de assistir a esse vídeo, no qual fabricantes de peles as arrancam dos pobres e indefesos animais ainda vivos, e depois os jogam num canto para agonizarem até a morte: http://www.peta.org/feat/ChineseFurFarms/index.asp









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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.