sábado, 16 de agosto de 2008

XXXII – Acerca do “amadurecimento” individual decorrente do aprofundamento do processo de domesticação do animal humano.

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§ 32





Ao longo do seu duro e penoso processo de educação (i.e., de domesticação) o indivíduo aprende, nessa ordem, primeiro a ter medo, depois a ter respeito, e, por fim, quando atinge uma fase mais nobre, madura e elevada do seu desenvolvimento social, aprende a ser hipócrita. Na forma mais geral possível, o medo já se aprende quando criança, o respeito só se fundamenta na adolescência, e a hipocrisia é um dos sinais de que se chegou à idade adulta. Enquanto em mentiras pontuais se mente sobre algo que se fez ou se fará, na hipocrisia se mente sobre aquilo que se é. (Se não me engano, esse parágrafo inteiro, com a exceção do que está entre parênteses, foi escrito pelo velho Schopenhauer nos “Aforismos para sabedoria na vida”; não vou me dar ao trabalho de confirmar essa informação.)

Faz parte, também, do processo de “amadurecimento” a diminuição da presunção e dos desejos faraônicos. Quanto ao egoísmo, a civilização capitalista – ao contrário do que muita gente imagina – não o cria no indivíduo, nem sequer o infla, mas, ao contrário, o reduz (a criança é muito mais egoísta que o adulto, por mais que a massa ignara acredite no oposto), e o modela para que seja “útil” ao sistema (predatismo econômico, emulação pecuniária, ócio e consumo conspícuos e vicários, etc).

O indivíduo, no alto de seu amadurecimento, não mais é um rebelado (se é que algum dia o foi). Ele finalmente é uma roda dentada bem azeitada, e para onde olha não vê nada que o desagrade, a não algumas inovações, que sinalizam as mudanças. Mas o mal-estar com as mudanças, e com os novos costumes introduzidos pelos mais novos, mal-estar esse que é tão recorrente nos idosos, só serve como comprovante de que o indivíduo está satisfeito com o stablishment, o qual vai mudando contra a sua vontade.

Com relação à diminuição dos desejos faraônicos, o indivíduo é obrigado, com o tempo, a reconhecer que ele não passa de um medíocre, de mais um na multidão (a menos, é claro, nos poucos casos em que o tempo mostra a real superioridade dele com relação aos seus patrícios, ou nos casos que ela nunca achou que seria grande coisa). Também contribui para essa diminuição o fato de que o sujeito percebe, mediante a experiência social, que ele pode ter, com objetivos muito menores, a mesma satisfação que acreditara que apenas poderia alcançar por meio da grandeza para a qual acreditara estar destinado.



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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

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