quarta-feira, 18 de maio de 2011

CXVIII – À guisa de conclusão: Acerca de como o meu cérebro virou pudim, bem como das conseqüências disso decorrentes.

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§ 100+6+6+6






Dedico esse capítulo aos meus amigos que tanto insistiram em tentar me tirar da beira do abismo.




"Quem deve enfrentar monstros deve permanecer atento para não se tornar também um monstro. Se olhares demasiado tempo dentro de um abismo, o abismo acabará por olhar dentro de ti." (Nietzsche, Além do bem e do mal)

“A falta de afeto, a neurose, a angústia e a frustração tratadas pela psicanálise surgem sem dúvida da incapacidade de amar ou de ser amado, da incapacidade de dar e aceitar prazer, mas o desencanto radical tem origem na sedução e no seu fracasso. Só aqueles que se mantêm totalmente externos à sedução adoecem, ainda que permaneçam com plena capacidade de amar e fazer amor. A psicanálise acredita tratar do distúrbio de sexo e desejo, mas na realidade está lidando com distúrbios de sedução. (...) As deficiências mais graves sempre estão relacionadas com o encanto e não com o prazer, com o encantamento e não com uma satisfação vital ou sexual.” (Baudrillard, Sedução)

“Claro. Está fodido desde o começo. Você nunca representará, Raphael, o sonho erótico de uma garota. Chegou a hora de admitir. Essas coisas não são para você. De qualquer maneira, já é muito tarde. O fracasso sexual, Raphael, que você conhece desde a adolescência, a frustração que o persegue desde os 13 anos de idade, deixarão em você uma marca indelével. Mesmo supondo que você possa, de agora em diante, arranjar mulher – no que, francamente, não acredito –, isso não bastará. Nada mais bastará. Você sempre será um órfão dos amores não vividos na adolescência. Em você, o ferimento, já doloroso, será cada vez maior. Uma amargura atroz, implacável, acabará por tomar conta do seu coração. Para você não existirá nem redenção nem libertação. É assim. (O protagonista anônimo de Extensão do domínio da luta, de Michel Houellebecq)

“Ainda mais geral, estamos todos submetidos ao envelhecimento e à morte; mas a noção de envelhecimento e de morte é insuportável ao indivíduo humano; em nossas civilizações soberana e desregulada, ela se desenvolve, preenche cada vez mais o campo da consciência e não deixa nada mais subsistir. Assim, pouco a pouco, estabelece-se a certeza da limitação do mundo. O próprio desejo desaparece; só restam a amargura, o ciúme e o medo. Sobretudo, resta a amargura; uma imensa, uma inconcebível amargura. Nenhuma civilização, nenhuma época, foi capaz de desenvolver nos seus elementos tamanha amargura. Desse ponto de vista, vivemos momentos sem precedentes. Se fosse preciso resumir o estado mental contemporâneo com uma palavra, seria, sem dúvida, esta que eu escolheria: ressentimento.” (Idem)

“Que contraste com o poder absoluto, milagroso, da leitura! Uma vida inteira lendo teria satisfeito os meus desejos. Isso eu já sabia aos sete anos de idade. A textura do mundo é dolorosa, inadequada. Realmente, acho que uma vida inteira lendo teria sido o melhor para mim.
Tal vida não me foi dada.” (Idem)

“O espaço que nos separa dos outros significa, para o conhecimento, a mesma coisa que o tempo que se intercala entre nós e o sofrimento do nosso próprio passado, a saber, uma barreira intransponível. Mas a dominação perene da natureza, a técnica médica e não médica, tira sua força dessa cegueira; só o esquecimento a tornaria possível. A perda da lembrança como condição transcendental da ciência. Toda reificação é um esquecimento.” (Adorno e Horkheimer, Dialética do Esclarecimento, Notas e esboços, Lê prix du progrès)

“Verdade. Verdade. Verdade. Esse é o circuito mais alto de todos...” (Timothy Leary, em O gatilho cósmico: O derradeiro segredo dos Illuminati, de Robert Anton Wilson)

“Ninguém é verdadeiramente são até que sinta gratidão por todo o universo.” (Oscar Ichazo, apud Robert Anton Wilson, op. cit.)

“Tudo isso é muito bonito, mas o que é preciso é cultivar o nosso jardim.” (Cândido, em Cândido ou o otimismo, de Voltaire, capítulo XXX)

“Podeis entreter-vos a pedir a todos os passageiros do navio que contem a sua história, e não encontrareis um só que não maldiga a sua vida e não se julgue muitas vezes o mais infeliz dos homens.” (A Velha, Ibidem, capítulo XII)

“Meu amigo – disse-lhe o orador –, acreditais que o papa seja o Anticristo?
Ainda não o tinha ouvido dizer – respondeu Cândido –, mas quer o seja, quer não, preciso comer.” (Ibidem, capítulo III)

“E como esse rei era um grande gênio, compreendeu, por tudo o que soube de Cândido, que ele era um jovem metafísico, muito ignorante das coisas deste mundo, e concedeu-lhe a sua graça com uma clemência que será louvada em todos os jornais e por todos os tempos.” (Ibidem, capítulo II)

“De facto, o sentimento de irrealidade pode ser explicado pela falta de cor emocional que as percepções dos pacientes revelam. Deste modo, recebem-se impulsos de natureza visual, auditiva, entre outros, mas, no seu processamento, não se activa o sistema límbico, fundamental para lhes conferir significância afectiva. Deste modo, tudo surge igual e sem emoções interligadas para os despersonalizados. Pode-se, então explicar o seu distanciamento à realidade, visto que não lhe providencia sentimentos. De certa forma, é a ausência de emoções que altera as percepções físicas.” (Wikpédia, Despersonalização)

“A reflexão é importante para estes se tornarem mais conscientes de si mesmos e suas próprias ações em ambientes sociais. R. D. Laing sugere que sem ser preenchido com injeções interpessoais de realidade, ocorre um empobrecimento na própria imagem pessoal que se tem, tornando-se mais e mais vazia e volátil, fazendo o próprio indivíduo se sentir irreal.” (Wikipédia, Transtorno de personalidade esquizóide)

“Sim, eu existo! Não obstante a minha identidade cósmica com os algoritmos gerais da vida e da humanidade, eu possuo uma inalienável individualidade decorrente da particularidade histórica do meu processo de individuação. Ou seja, em uma insuprimível dimensão do real, a da particularidade histórica, eu existo.” (Eu, hoje ao acordar)

“Ser um epifenômeno não é não existir, mas sim existir sob uma delimitação até então desconhecida. Se tenho minha autonomia tolhida na medida em que sou um epifenômeno, tenho-a reafirmada na medida em que, no domínio fenomênico – da existência observável e vivível –, a minha consciência é autônoma na medida em que desconhece e em que todos os seres cognoscíveis não podem ser oniscientes: a autonomia é tão real quanto a impossibilidade da ubiquidade [a liberdade só pode existir se deus não existir, ou se ao menos não for onisciente]. É esse o espaço de minha existência e de minha glória: o desconhecido é pré-condição à possibilidade e está à autonomia.” (Eu, no banho em 26/10/2011)



“Nós não somos humanos. Nós somos seres hiperdimensionais vivendo uma experiência humana.” (David Icke, The Lion Sleeps No more )

“Um ser crístico é quem alcançou o sentimento de amor incondicional. É aquele que está acima das ‘trevas’ e ‘luz’. É aquele que sente compaixão (aceitação) aos comportamentos que o ser humano comum vê como ‘errado’ ou ‘mau’. É aquele que destruiu todas as dualidades do ‘certo’ e ‘errado’, ‘verdade’ e ‘mentira’, ‘bom’ e ‘mau’, ‘bem’ e ‘mal’, ‘feio’ e ‘bonito’, ‘vida’ e ‘morte’, etc. É aquele que sabe que é a encarnação de um espírito, não um mero ser humano. É aquele que está livre da escravidão do ego. É aquele que não liga para coisas materialistas. É aquele que sabe que a vida humana é apenas um sonho, onde ele é um personagem sonhado no sonho dos outros.” (Estação Fraterna Francisco de Assis, no blog Evoluindo sempre)

"O mito é um modo de pensar que parte do princípio de que, se não se pode compreender tudo, não se pode explicar coisa alguma." (Claude Lévi-Strauss)

"As teorias de conspiração não podem, é claro, ser aceitas como ‘fato’. Entretanto, não devem ser reduzidas ao fenômeno da moderna histeria das massas. Tal noção ainda apela para o ‘grande Outro’, o modelo de percepção ‘normal’ da realidade social compartilhada, não levando em conta que é justamente essa noção de realidade que está sendo minada hoje em dia. O problema não é que ufólogos e os teóricos de conspiração regridem a uma atitude paranóica incapaz de aceitar a realidade (social) – o problema, sim, é que essa própria realidade está se tornando paranóica." (Slavoj Zizek na parte O grande Outro não existe do ensaio Matrix: ou os dois lados da perversão no livro Matrix: Bem-vindo ao deserto do real)

“Essa cisão é perfeitamente representada no fenômeno do ciberespaço. O ciberespaço deveria nos deixar todos juntos numa aldeia global. Mas o que efetivamente acontece é que somos bombardeados com uma multiplicidade de mensagens pertencentes a universos inconsistentes e incompatíveis.” (Idem)

“É uma reação muito natural tentar compreender o mundo. Os TCPs [Teóricos conspiracionistas paranóicos] estão tentando desesperadamente compreender um mundo com o qual eles não conseguem mais se relacionar. O mundo é complicado demais, ruim demais, frio demais, insatisfatório demais para eles. No mundo real, eles não são considerados nada e se desesperam por estarem não mais que do lado de fora, olhando para dentro. Eles vêem a ciência como algo que lhes diz que eles são acidentes e suas vidas não têm sentido. No seu mundo alternativo, eles mandam e têm esperanças. Tudo está em seu lugar ou será posto em seu lugar. Existe ordem e sentido. A vida tem significado.” (Robert Todd Carroll, Dicionário do Cético, Illuminati, A Nova Ordem Mundial & Teóricos Conspiracionistas Paranóicos (TCPs))

“Outro autor de grande calibre é Thomas Pycnchon. Físico por formação, lida diretamente com a entropia em The crying of lot 49 (O Leilão do Lote 49) de 1966. Ali ele mostra a desintegração mental de Oedipa Maas que, em contato com um bando de malucos, inclusive os roqueiros The Paranoids, acaba destruída pelo excesso de informações desordenadas, ao tentar penetrar no mistério de uma organização de correios secreta na Califórnia. Qualquer semelhança com nossa época hiper-informada e superconfusa não é mera coincidência.” (Jair Ferreira dos Santos, O que é pós-moderno, capítulo Anartistas em nuliverso)

“Esse novo padrão de raciocínio nada tem a ver com progresso. Ele gera um fenômeno que podemos chamar de 'curto-circuito'. Finalizar qualquer coisa, dominar um processo, requer tempo, determinação e energia. Quando se está distraído, com a mente movendo-se de uma coisa para a outra, torna-se cada vez mais difícil manter a concentração sobre uma coisa por algumas horas, que dirá meses e anos. Assim, a mente tende a entrar m curto-circuito; não consegue executar uma tarefa do início ao fim. Deseja partir para alguma coisa que pareça mais atraente.” (Robert Greene, A 50 ª Lei, capítulo 8)

“E a invenção do fetiche – conceito de irrefreável sucesso – terá um papel-chave na gestão política e lingüística do outro. E será projetada por este mesmo outro. Um círculo virtuoso de extraordinária eficiência.” (Massimo Canevacci, Fetichismos visuais: corpos erópticos e metrópole comunicacional, III, 1, 3)

"O sujeito multividual é metamórfico, por isso assume os novos fetichismos. (...) Avatar é a metamorfose de um multivíduo mimeticamente incorporado aos fetiches digitais." (Ibidem, III, 3)

“No entanto, para sermos absolutamente honestos, sempre vamos alimentar a suspeita de que está acontecendo algo sinistro e terrível nos bastidores, algo muito maior e mais sério que uma mera conspiração. O universo é misterioso. A própria realidade é misteriosa. Nenhum ser humano tem realmente noção do significado transcendental da vida, ou se existe vida após a morte, ou se existem de fato entidades como o bem e o mal absolutos.”
(Graham Hancock, Robert Bauval, John Grigsby, O mistério de Marte: A conexão oculta entre a Terra e o Planeta vermelho, capítulo 26)

“Não vamos continuar listando atrocidades individuais e coletivas que poderiam ocupar centenas de volumes, como todos sabem. Queremos simplesmente sugerir que é pouco provável que uma espécie tão atraída pelas trevas consiga passar pelo desafio da galáxia. Com efeito, parece que demonstramos inabilidade em vencê-lo durante as primeiras décadas de nossa descoberta de Marte e pela nossa incapacidade de demonstrar interesse pela proteção de nosso precioso e insubstituível planeta, que, pelo que sabemos, pode ser o último lar para a vida que resta no universo.” (Idem)

“As linguagens materiais comuns do dinheiro e da mercadoria fornecem uma base universal no capitalismo de mercado para ligar todos a um sistema idêntico de avaliação do mercado e, assim, promover a reprodução social da vida através de um sistema objetivo de ligação social. Mas, nessas restrições amplas, estamos ‘livres’, por assim dizer, para desenvolver à nossa própria maneira nossa personalidade e nossas relações, nossa ‘alteridade’, e até para forjar jogos de linguagem grupais, desde, é claro, que tenhamos dinheiro bastante para viver satisfatoriamente.” (David Harvey, Condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural, capítulo 5)

“A segunda arena de dificuldade geral nas sociedades capitalistas concerne à conversão da capacidade de homens e mulheres de realizarem um trabalho ativo num processo produtivo cujos frutos possam ser apropriados pelos capitalistas. Todo tipo de trabalho exige concentração, autodisciplina, familiarização com diferentes instrumentos de produção e o conhecimento das potencialidades de várias matérias-primas em termos de transformação em produtos úteis. Contudo, a produção de mercadorias em condições de trabalho assalariado põe boa parte do conhecimento, das decisões técnicas, bem como do aparelho disciplinar, fora do controle da pessoa que de fato faz o trabalho. A familiarização dos assalariados foi um processo histórico bem prolongado (e não particularmente feliz) que tem se renovado com a incorporação de cada nova geração de trabalhadores à força de trabalho. A disciplinação da força de trabalho para os propósitos da acumulação do capital – um processo a que vou me referir, de modo geral, como ‘controle do trabalho’ – é uma questão muito complicada. Ela envolve, em primeiro lugar, alguma mistura de repressão, familiarização, cooptação e cooperação, elementos que têm de ser organizados não somente no local de trabalho como na sociedade como um todo. A socialização do trabalhador nas condições de produção capitalista envolve o controle social bem amplo das capacidades físicas e mentais. A educação, o treinamento, a persuasão, a mobilização de certos sentimentos sociais (a ética do trabalho, a lealdade aos companheiros, o orgulho local e nacional) e propensões psicológicas (busca da identidade através do trabalho, a iniciativa individual ou a solidariedade social) desempenham um papel e estão claramente presentes na formação de ideologias dominantes cultivadas pelos meios de comunicação de massa, pelas instituições religiosas e educacionais, pelos vários setores do Estado, e afirmadas pela simples articulação de sua experiência por parte dos que fazem o trabalho.” (Ibidem, capítulo 7)

“Todo mestre já foi um desastre” (T. Harv Eker, Os segredos da mente milionária: Aprenda a enriquecer mudando seus conceitos sobre dinheiro e adotando os hábitos das pessoas bem-sucedidas, parte 2, 17)

“O que é bom? – Tudo que aumenta a sensação de poder, a vontade de poder, o próprio poder no homem.
O que é mau? – Tudo que se origine da fraqueza.
O que é felicidade? – A sensação de que o poder cresce, de que uma resistência foi superada.” (Nietzsche, O anticristo)

“O objetivo inconsciente da literatura de massas é, portanto, capacitar o leitor ideologicamente para que interprete seus incessantes problemas reais desde um ponto de vista e desde uma possível solução predeterminada e preconceituosa, desde a ideologia da classe economicamente dominante.” (Ariel Dorfman e Manuel Jofre, Super-homem e seus amigos do peito, capítulo III)

“A cada porcaria que sai da minha boca eu me sinto mais limpo.” (Pierre Louys apud Ezio Favio Bazzo em A lógica dos devassos: no circo da pedofilia e da crueldade)

“Foi exatamente a respeito do fenômeno Óvni que Jung traçou uma profunda análise a respeito de nossa crescente perda de individualidade. Descaracterizado e cada vez mais nivelado por baixo ao homem médio das estatísticas, o ser humano apresenta uma tendência cada vez maior de pensar em si mesmo como uma entidade anônima. Ao invés de procurar viver, o ideal é apenas sobreviver dentro de uma organização coletiva mais ou menos abstrata – o trabalho, a escola, o Estado. Pois Jung foi o primeiro a ver no fenômeno Óvni os sinais de uma reação contra essa forma massificada de existência. A pessoa que passa por uma experiência ufológica é distinguida dessa massa amorfa. Ela foi escolhida pelos ‘poderes do alto’ para o contato, por isso pensa em si mesma como sendo especial, diferente, mesmo que esse pensamento não seja formulado conscientemente.” (Carlos Reis e Ubirajara Rodrigues, A desconstrução de um mito: Um mito nada moderno sobre coisas vistas na Terra: porque os discos voadores podem não existir, capítulo Comandantes estelares: somos marionetes?)

“Simultaneamente, o ufólogo francês Bertrand Méheust demonstrou, em seu livro ‘Science Fiction et Soucoupes Volantes’, que todas as constantes do fenômeno Óvni – formas, manobras, técnicas de propulsão, dimensões e um interminável etc. – foram antecipadas pela ficção científica dos anos 20 e 30, e mesmo muito antes disso. Os crossovers entre a ficção científica e os discos voadores são bastante freqüentes e um caminho de mão dupla: se a FC, especialmente no cinema, incorporou a imagem do disco voador, a recíproca é igualmente verdadeira. Existe como que um circuito de retroalimentação entre ambos.” (Ibidem, O ‘grande irmão’ sideral)

“O homem está condenado a ser livre.” (Sartre)

O “intelectual maldito” é “alguém que dedica o essencial de sua reflexão a se auto-comover, a abalar a si mesmo, se flagelar confiando que a melhor obra é a que contém uma descoberta mortal para o próprio descobridor.” (...) “Não que seja um contestador. Muito pelo contrário. Agindo a maioria das vezes dentro da ordem estabelecida, ela a põe em xeque com o recurso, apenas, de acentuar alguns de seus traços grotescos.” (...) “Não se sabe se condena horrores e perversões porque, na verdade, quer [apenas] mostrá-los; não se sabe se fala de purezas e valores sagrados para poder estabelecer, na verdade, um jogo de profanações. Se é funcionário ‘do mal’, antes de mais nada aprende a ser ambíguo e a exibir tudo por vias transversas.” (Horácio Gonzalez, O que são intelectuais, capítulo Primeiro quadro: o intelectual maldito)

“Aprender a ouvir seu cérebro na posição de testemunha, sem julgar, pode exigir prática e paciência, mas quando você domina essa habilidade, torna-se livre para ir além dos preocupantes dramas e traumas criados por seu contador de histórias [o hemisfério esquerdo].” (Jill Bolte Taylor, A cientista que curou seu próprio cérebro: O relato da neurocientista que viu a morte de perto, reprogramou sua mente e ensina o que você também pode fazer, capítulo 16)

“Muito provavelmente, essa dificuldade se deve ao fato de que é na rotina que nossas diferenças ficam sobressalentes e, algumas vezes, chegam a ser gritantes, incomodando o outro de forma perturbadora. Daí, em vez de aproveitarmos o ensejo para perceber nossas limitações, tendemos a interpretá-lo como uma afronta e, imediatamente, passamos a agredir o outro para nos defendermos.” (Rosana Braga, O poder da gentileza: o modo como você trata as pessoas determina que você é!, capítulo 5)

"A autocrítica da razão é sua mais autêntica moral." (Adorno)

“Não duvidamos que o apocalipse se aproxima. Verdade é que, quando os gafanhotos proliferam em demasia, seu comportamento muda, formando um instinto de rebanho e a nuvem termina suicidando-se no oceano. Os lêmingues também agem assim, e talvez a própria humanidade.” (Fernando Grossmann, Manifesto Gótico)

"A miséria religiosa é, à uma, expressão da miséria real e protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura aflita; é o sentimento de um mundo sem coração e o espírito de condições nada espirituais. É o ópio do povo." (Marx, na Introdução da Contribuição para a crítica à filosofia do direito de Hegel)

“O oposto da depressão não é a felicidade, mas a vitalidade. E minha vida é vital, mesmo quando triste.” (Andrew Solomon, O demônio do meio-dia: Uma anatomia da depressão)

"Não percamos tempo com discursos vazios. Façamos alguma coisa, enquanto há chance! Não é todo dia que precisam de nós. Ainda que, a bem da verdade, não seja exatamente de nós. Outros cuidariam tão bem do assunto, senão melhor. O apelo que ouvimos se dirige antes a toda humanidade. Mas neste lugar, e nesse momento, a humanidade somos nós, quer nos agrade ou não. Aproveitemos, antes que seja tarde. Representemos dignamente, pelo menos uma única vez, a espécie a que o destino nos meteu." (Vladimir, em Esperando Godot, de Samuel Beckett.)

“Nós somos consciências multidimensionais infinitas, encarnados em um corpo físico, por um período de intensa experiência na ‘estrada’ da evolução. Porém, desde a última intervenção genética de nossa espécie, estamos sendo monitorados, controlados e manipulados tanto encarnados como desencarnados. Isso se torna evidente depois que ELES puderam manipular nosso código genético. É óbvio que também poderiam ‘administrar’ um ciclo reencarnatório.” (Rodrigo Morais, Senhora Anunnaki da Reencarnação)

“A ressurreição do corpo, um artigo de fé dos apóstolos, é um dogma com várias conseqüências curiosas. Havia um autor, há não muitos anos, que tinha um engenhoso método de calcular a data do fim do mundo. Argumentava que tem de haver ingredientes necessários ao corpo humano em quantidade suficiente para garantir a presença de todos no dia do juízo. Calculando cuidadosamente a matéria-prima disponível, concluiu que a dada altura toda esta teria sido já consumida. Quando tal data chegar, o mundo tem de acabar, pois de outro modo a ressurreição do corpo seria impossível. Infelizmente esqueci-me da data, mas creio que não falta assim tanto.” (Bertrand Russell, Um esboço do lixo intelectual)

“Tudo isto é deprimente, mas a tristeza é uma emoção inútil.” (Idem)

“Todos os avanços de civilização foram considerados antinaturais quando eram ainda recentes.” (Idem)

“Gosto igualmente dos homens que estudam a grande pirâmide, com vista a decifrar a sua sabedoria mística. Muitos bons livros se escreveram sobre este assunto, alguns dos quais me foram apresentados pelos seus autores. É um fato singular que a grande pirâmide prediga sempre com exatidão o curso da história mundial até a data de publicação do livro em causa, mas que após essa data se torne menos fiável. Em geral, o autor espera, muito em breve, a ocorrência de guerras no Egito, seguidas pelo Armageddon e a vinda do anticristo, mas por esta altura já se identificou tanta gente com o anticristo que o leitor se deixa levar relutantemente ao ceticismo.” (Idem)

“Um homem sábio desfrutará os bens que há em abundância, e de lixo intelectual encontrará abundante dieta, no nosso tempo como em qualquer outro.” (Idem)

“Deus não destruiu o povo de Nínive. Não existe nenhuma possibilidade de que Deus não vai seguir com seu intento de destruir o mundo em 2011, podemos saber que a partir de suas relações com o povo de Nínive de que Deus é cheio de misericórdia. Isso deve incentivar cada um de nós para ir a Deus e Lhe implorar por Sua grande misericórdia.” (Folheto cristão fundamentalista, assinado por www.ebiblefellowship.com, que garante que o “dia do julgamento” ocorrerá em 21/05/11 e que o “fim do mundo” ocorrerá em 21/10/11. Documento disponível (por enquanto) em: http://www.ebiblefellowship.com/pt/may21_pt.html)

“Francamente, qual é o sentido (fora o astrológico plagiado dos messias anteriores...) de Jesus ressuscitar e logo depois ser transladado?? Por que não fez ao menos um sermão para uma multidão, em vez de se mostrar em sua glória apenas para os apóstolos e parentes (além da rodada, mas redimida, Maria Madalena, que, segundo dizem as más línguas, era parente dele também)? Por que não se deu ao trabalho de fazer a sua ressurreição ser reconhecida pelo grande público, pelos historiadores da época, pelo Estado romano? Por que não se deu ao trabalho de facilitar um pouco mais o sucesso do seu próprio plano de salvação da humanidade (já que já tinha sofrido tanto por amor a nós pecadores...) forjando ao menos UMA ÚNICA prova? É pedir demais? Por que não ficou na Terra para sempre? Se nem o apóstolo Tomé acreditou, porque alguém mais em sã consciência e sem medo do inferno acreditaria? Ah, foi por causa do sadomasoquismo da ‘fé’. Afinal, certamente não há solução mais perfeita em sua circularidade do que essa, não é? Além disso, a ‘Palavra’ (Bíblia) já é prova suficiente, dizem os entendidos. Mas espera aí, não foi a Igreja Católica, sob o papado, que escolheu quais evangelhos eram verdadeiros e quais eram falsos? (Por que Jesus já não entregou o Evangelho, bem como a sua doutrina, prontos e redigidos por ele próprio?) Para um cristão protestante fundamentalista isso deve ser bem desconfortável...se a Igreja Católica já não nasceu sobre a influência de Lúcifer, como Jesus deixou-se perdê-la? Aliás, como Jeová deixou os satânicos romanos destruírem o templo onde ele próprio – o criador do universo – residia? Nos dois casos a resposta é a mesma: para castigar a depravação do povo, que nunca deixa de se corromper, para a sempre renovada surpresa do Criador. Bem, quando uma tática não dá certo, a gente a abandona: errar uma vez é humano...mas errar o mesmo erro repetidas vezes é estupidez. Já a versão (interpretação) ‘oficial’ da conceituação do pecado original, tão essencial para os cristãos protestantes, foi elaborada por Santo Agostinho, depois de séculos de controvérsias.” (Eu, hoje, como um adendo a Uma breve crítica ao cristianismo e a sua [atual] mais atroz forma: o (neo)pentecostalismo)

“Ele ria à medida que escrevia, lia e pensava: ria do assunto, caía na gargalhada com a presunção de seus praticantes, rolava de rir dos erros deles, chorava às gargalhadas com suas inconsistências, zombava dos leitores, ria baixinho dos correspondentes, sorria por sua própria tolice de se envolver em tal negócio, dava risadas com as críticas de seus livros e teve acessos de riso à minha custa ao ver que eu estava realmente organizando a Sociedade Forteana” (Henry Holt, sobre Charles Fort em prefácio d’ O livro dos danados, apud Stephen J. Spignesi, Os 100 maiores mistérios do mundo: A lista mais completa sobre coisas estranhas e inexplicáveis, capítulo 22)

“Depois da vida, há coisa pior do que perder o brilho da vida?” (Leonardo Boff)

“Não é a pobreza que causa a dor, mas sim a cobiça.” (Epicteto) [Nunca será demais repetir isso.]

“Há alguma coisa de altamente problemático no fato de que a sociedade capitalista está predisposta a harmonizar-se com o método científico.” (Lukács, História da consciência de classe)

“Se você não fizer hoje o que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje o que hoje não pode ser feito, dificilmente fará amanhã o que hoje deixou de fazer.” (Paulo Freire)

“As pessoas saudáveis e relativamente felizes desaparecem porque estão de fato absorvidas pela vida, dedicadas ao trabalho, aos filhos, aos amigos, escrevendo um livro, compondo uma sinfonia, construindo uma casa, dando aula, concertando um carro. Silenciosamente. O tipo fálico você vê o tempo inteiro. Já com o adulto você raramente topa, a não ser quando precisa dele. Então ele vai estar lá. O fálico só estará se puder, com seu gesto, conseguir alguma repercussão social.” (André Gaiarsa, O que é angústia, capítulo O começo do fim)

“A emancipação consiste no pleno desenvolvimento humano sobre a natureza bem como sobre a própria natureza da humanidade.” (Marx, Grundrisse, Caderno V)

“Embora, no início, o desenvolvimento da espécie humana se tenha feito às custas da maioria dos indivíduos humanos e até mesmo de classes, ao seu término ela rompe essa contradição e coincide com o desenvolvimento do indivíduo; portanto, o desenvolvimento superior do indivíduo só é atingido por um processo histórico ao longo do qual indivíduos são sacrificados.” (Marx, Teorias da mais-valia, parte II, capítulo IX)

"Uma vida feliz é impossível: o máximo que o homem pode atingir é um curso de vida curso de vida heróico." (A. Schopenhauer, Parerga e Paralipomena, cap. XIV - Contribuições à doutrina da afirmação e da negação do querer-viver, § 172)

“Não há real e, muito menos, um ‘sentido’ nesse real. Há somente o simulacro, a imagem, a representação (imaginária) dessa realidade. Essa é a única realidade.” (Michel Zaidan Filho, A crise da razão histórica)

“Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e a energia de seu crescimento, portanto também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza. Mas quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto mais maciça a superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do suplício de seu trabalho. Quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial. Essa é a lei absoluta geral da acumulação capitalista. Como todas as leis, é modificada em sua realização por variegadas circunstâncias, cuja análise não cabe aqui.” (Marx, O Capital, Livro I, capítulo XXIII)

“Um mês após sua chegada a Dresde, no verão de 1814, Schopenhauer começou a tomar os primeiros apontamentos, reunindo em número sem conta aforismos soltos e aparentemente sem nexo entre si. Só em março de 1817, três anos mais tarde, começa a ordenar as idéias, dando início à obra propriamente dita. Dessa época, ele mesmo dirá: ‘Eu estava no apogeu das minhas forças. Minhas locubrações haviam atingido o máximo de tensão . Onde quer que eu batesse com os olhos deparavam-se-me revelações, fazendo surgir como por encanto no meu cérebro uma série de idéias, todas dignas de nota. Aliás, nunca deixei de as anotar’.” (Karl Weissmann, Vida de Schopenhauer, capítulo IV)

"Apesar de seu imenso amor à verdade, sua missão [a de Schopenhauer] não é explicar, mas acusar o mundo." (Idem)

“Daí que cada leitor [da imprensa] tem, para si, uma imagem da realidade que na sua quase totalidade não é real. É diferente e até antagonicamente oposta à realidade. A maior parte dos indivíduos, portanto, move-se num mundo que não existe, e que foi artificialmente criado para ele justamente a fim de que ele se mova nesse mundo irreal.” (Perseu Abramo, Padrões de manipulação na grande imprensa)

“Quando Darwin descobriu a história da evolução biológica, sua teoria da seleção natural na ‘luta pela existência’ foi logo transposta à sociedade humana. O próprio Darwin não deixou de tomar partido. Em algumas de suas cartas, ele recriminava o então incipiente movimento sindical, uma vez que suas exigências por solidariedade atravancavam o processo de seleção natural e oneravam a sociedade com espécimes exangues e inaptos à concorrência. Esse darwinismo social mantinha um vínculo obsceno com a ‘física’ do mercado. Ao fim do século XIX somou-se a eles a chamada eugenia ou ‘higiene social’ que apregoava a transmissão hereditária de qualidades sociais. As camadas inferiores de criminosos e desclassificados ganharam a pecha de homens ‘hereditariamente inferiores’, a quem se devia coibir a reprodução. No reverso da moeda, figurava o aclamado ‘tipo vitorioso’ do homem belo, forte e de ‘herança salutar’.
(...)
A naturalização da economia, porém, acarreta como conseqüência lógica a bestialização das relações sociais.” (Robert Kurz, Os últimos combates, capítulo A biologização do social)

“O processo global da sociedade é um processo causal, que possui suas próprias normatividades, mas não é jamais objetivamente dirigido para a realização de finalidades. Mesmo quando alguns homens ou grupos de homens conseguem realizar suas finalidades, os resultados produzem,via de regra, algo que é inteiramente diverso daquilo que se havia pretendido.” (Lukács, Temas de ciências humanas)

“Toda vez, com efeito, que o homem perde seu sangue-frio, toda vez que ele sucumbe sob o golpe da infelicidade, que se encoleriza, ou se entrega ao desencorajamento, mostra, com isso, que encontrou as coisas diferentes do que esperava, consequentemente que se enganou, que não conhecia nem o mundo nem a vida, que não sabia que a natureza inanimada, por acaso, ou a natureza animada em vista de um fim oposto, ou mesmo por maldade, contradiz, a cada passo, as vontades particulares; ele não se serviu da razão para chegar a um conhecimento geral da vida; ou o poder do juízo é nele demasiado fraco para reconhecer, no domínio do particular, o que admite no domínio do geral; é por isso que ele se encoleriza e perde o sangue-frio. Do mesmo modo, todo alegria intensa é um erro, uma ilusão, porque o prazer do desejo satisfeito não é de longa duração, e também porque todo nosso bem, ou toda nossa felicidade, só nos é dado por um tempo, e como pro acaso, e pode, por conseguinte, ser-nos arrebatado num momento. Todas as nossas dores vêm da perda de uma ilusão semelhante; deste modo os nossos bens e os nossos males vêm todos de um conhecimento incompleto; eis por que motivo a dor e os lamentos são estranhos ao homem sensato, e por que motivo nada poderá abalar a sua ataraxia.” (Arthur Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação, tomo I, § 16)

“Com exceção do instinto de autopreservação, a propensão para a competição é provavelmente o mais forte, alerta e persistente dos motivos econômicos. Numa comunidade industrial, esta propensão para a competição se exprime na concorrência pecuniária; e isto, no que se refere às comunidades civilizadas ocidentais da atualidade, é virtualmente equivalente à sua expressão em alguma forma de desperdício conspícuo. As tendências para o desperdício conspícuo estão, portanto, prontas para absorver qualquer aumento da eficiência ou aumento industrial da comunidade, depois de supridas as necessidades físicas mais elementares.” (Thorstein Veblen, Teoria da classe ociosa, capítulo V)

“Para quem compreendeu bem tudo isto, e sabe separar a vontade da idéia, a idéia do seu fenômeno, os acontecimentos do mundo já só terão significado enquanto sinais reveladores da idéia do homem; eles não terão nenhum em si mesmos nem por eles mesmos. Já não se acreditará então com o homem vulgar que o tempo possa trazer-nos qualquer coisa de uma novidade ou uma significação reais; já não se imaginará que alguma coisa possa, por si ou em si, chegar a um absoluto; já não se atribuirá ao tempo, como a um todo, um começo ou um fim, um plano e um desenvolvimento; já não se lhe determinará, como faz o conceito vulgar, para objetivo final o mais alto aperfeiçoamento deste gênero humano, a última geração sobre a terra e cuja vida média é de trinta anos.” (Arthur Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação, Tomo I, § 35)

"The facts are simple. The earth is flat. You can't orbit a flat earth. The Space Shuttle is a joke — and a very ludicrous joke. Nobody knows anything about the true shape of the world... The known, inhabited world is flat. Just as a guess, I'd say that the dome of heaven is about 4,000 miles away, and the stars are about as far as San Francisco is from Boston. Wherever you find people with a great reservoir of common sense they don't believe idiotic things such as the earth spinning around the sun. Reasonable, intelligent people have always recognized that the earth is flat." (Charles K. Johnson, president of the International Flat Earth Research Society apud Robert J. Schadewald in “The Flat-out Truth: Earth Orbits? Moon Landings? A Fraud! Says This Prophet The idea of a spinning globe is only a conspiracy of error that Moses, Columbus, and FDR all fought...)

“O papel dos utopistas liberais estará definitivamente encerrado, quando nosso regime for reconhecido. Até lá nos prestarão grande serviço. Por isso, impeliremos os espíritos a inventar toda espécie de teorias fantásticas, modernas e pretensamente progressivas; porque teremos virado a cabeça a esses cristãos imbecis, com pleno êxito, por meio dessa palavra progresso, não havendo uma só mentalidade entre eles que veja que, sob essa palavra, se esconde um erro em todos os casos em que se não tratar de invenções materiais, porque a verdade é uma só e não pode progredir. O progresso, como idéia falsa, serve para obscurecer a verdade, a fim de que ninguém a conheça, salvo nós, os eleitos de Deus, e sua guarda.” (Protocolos dos sábios de Sião, XIII)

“Quando o desejo maior dos seres humanos é o repouso, o aconchego perene, a paz, os vínculos com Tânatos são estreitos: onde encontrar essa paz eterna senão na morte? Daí, segundo Freud, os impulsos de autodestruição: matar-se, destruir-se é, para esses indivíduos, a única forma de retornar ao útero, de reviver a quietude morna do corpo da mãe, o silêncio e o nada absolutos.” (Lúcia Castello Branco, O que é erotismo, capítulo Nos domínios de Tânatos)

“A humanidade teve que se submeter a terríveis provações até que se formasse o eu, o caráter idêntico, determinado e viril do homem, e toda infância ainda é de certa forma a repetição disso.” (Adorno e Horkheimer, Dialética do Esclarecimento)

“Não faz diferença se está vivo ou morto, pois a quantidade de partículas subatômicas é a mesma.” (Dr. Manhatan, em Watchmen, escrito por Alan Moore)

“É tudo uma piada.” (O Comediante, idem)

“Assim, qualquer teoria crítica da sociedade defronta, logo de início, com o problema da objetividade histórica, um problema que surge nos dois pontos em que a análise implica julgamentos de valores: 1) o julgamento de que a vida humana vale a pena ser vivida, ou melhor, pode ser ou deve ser tornada digna de se viver. Este julgamento alicerça todo esforço intelectual; é apriorístico para a teoria social, e sua rejeição (que é perfeitamente lógica) rejeita a própria teoria; 2) o julgamento de que, em determinada sociedade, existem possibilidades específicas de melhorar a vida humana e modos e meios específicos de realizar essas possibilidades. A análise crítica tem de demonstrar a validez objetiva desses julgamentos, tendo a demonstração de se processar por bases empíricas. A sociedade estabelecida dispõe de uma quantidade e uma qualidade determinada de recursos intelectuais e materiais. Como podem ser esses recursos utilizados para o máximo desenvolvimento e satisfação das necessidades e faculdades individuais com o mínimo de labuta e miséria? Teoria social é teoria histórica, e história é a esfera da possibilidade na esfera da necessidade. Portanto, dentre as várias maneiras possíveis e reais de organizar e utilizar os recursos disponíveis, quais oferecem a maior possibilidade de ótimo desenvolvimento?” (Herbert Marcuse, Ideologia da sociedade industrial, Introdução)

“Se o ícone tende a romper a continuidade do processo abstrativo, porque mantém o interpretante a nível de primeiridade, isto é, na ebulição das conjecturas e na constelação das hipóteses (fonte de todas as descobertas); se o índice faz parar o processo interpretativo ao nível energético de uma ação como resposta ou de um pensamento puramente constatativo; o símbolo, por sua vez, faz deslanchar a remessa de signo a signo, remessa esta que só não é para nós infinita porque nosso pensamento, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, está inexoravelmente preso aos limites da abóbada ideológica, qual seja, das representações de mundo que nossa historicidade nos impõe.” (Lúcia Santaella, O que é semiótica, capítulo Para tecer a malha dos signos)

“No tipo suspense, ao contrário do anterior, pode-se notar a existência de um roteiro; entretanto, como nos clássicos do gênero, alguns pontos da trama permanecem obscuros até o final. A dificuldade aí é saber aonde o autor quer chegar, qual a ligação dos fatos expostos com o leitmotiv, ou seja, o tema do estudo. Em alguns casos, o mistério se esclarece nas páginas finais. Freqüentemente, porém, como nos maus romances policiais, o autor não consegue convencer. Em outros, ainda, numa variante que poderíamos chamar de ‘cortina de fumaça’, tudo leva a crer que o estudo se encaminha numa direção e, de repente, se descobre que o foco é outro.”(Alda Judith Alves-Mazzotti, A "revisão da bibliografia" em teses e dissertações: meus tipos inesquecíveis - o retorno, no livro A bússola do escrever)

“Mesmo na renúncia à própria liberdade não se tem a consciência tranqüila: ao mesmo tempo que sentem prazer, no fundo as pessoas percebem-se traidoras de uma possibilidade melhor, e simultaneamente percebem-se traídas pela situação reinante.” (Adorno, O fetichismo na música e a regressão da audição)

“Porém, toda a atividade muda seu caráter quando não está mais fixada na esfera de tempos de fluxo abstratos, esvaziada de sentido e com fim em si, podendo seguir ao contrário o seu próprio ritmo, individualmente variado e integrado em contextos de vida pessoais; quando em grandes formas de organização os homens se autodeterminarem, em vez de serem determinados pelo ditado da valorização empresarial. Por que se deixar apressar pelas exigências insolentes de uma concorrência imposta? É o caso de redescobrir a lentidão.” (Grupo Krisis, Manifesto contra o trabalho, capítulo 17)

“As manifestações do poder pastoral podem ser vistas não apenas em seminários e workshops, mas também em declarações de missões, em discursos messiânicos de alguns líderes empresariais, em práticas organizacionais e em processos sutis de cooptação dos funcionários e de suas famílias. Em um mundo onde falta sentido e coerência, os artefatos corporativos procuram preencher as lacunas, fornecendo um senso de direção e propósito. Qualquer semelhança com técnicas de lavagem cerebral pode ser mais que mera coincidência.” (Thomaz Wood Jr., A estava do ator: o drama executivo no teatro corporativo, capítulo Ovelhas new age)

“E é aqui que voltamos a encontrar o mito. A semiologia nos ensinou que a função do mito é transformar uma intenção histórica em natureza, uma eventualidade em eternidade. Ora, este processo é o próprio processo da ideologia burguesa. Se a nossa sociedade é objetivamente o campo privilegiado das significações míticas, é porque o mito é formalmente o instrumento mais apropriado para a inversão ideológica que a define: a todos os níveis da comunicação humana, o mito realiza a passagem da antiphysis para a pseudophysis.” (Roland Barthes, Mitologias, 2, O mito é uma fala despolitizada)

“As notas de rodapé, em si mesmas, nada garantem. Os inimigos da verdade – e a verdade tem inimigos – podem usá-las para negar os mesmos fatos que os historiadores honestos confirmam com elas. Os inimigos das idéias – e também elas têm inimigos – podem usá-las para montar citações sem qualquer interesse para os leitores, ou para atacar o que quer que se pareça com uma nova tese. Todavia, as notas de rodapé constituem uma parte indispensável, ainda que confusa, daquela mistura de arte e ciência: a história moderna.” (Anthony Grafton, As origens trágicas da erudição: Pequeno tratado sobre a nota de rodapé)

“A leitura transforma-se, então, numa válvula de escape. Mas não apenas isso: direta ou indiretamente, ajuda a elaborar – através do relaxamento de nossas tensões – sentimentos difíceis de compreender e conviver. Assim sendo, o conceito de escapismo aplicado ao modo de ler torna-se ambíguo, como observa Robert Escarpit; embora possua uma carga pejorativa, o termo evasão pode significar ‘fuga para a liberdade e conseqüentemente uma abertura intencional de novos horizontes’.” (Maria Helena Martins, O que é leitura, capítulo 4)

“A magia sempre deixa rastros, especialmente a magia negra.” (Dumbledore em Harry Potter e o príncipe mestiço)

“Porém a vida é curta e o conhecimento, ilimitado: ninguém dispõe de tempo para tudo. Na realidade, somos, de modo geral, forçados a optar entre uma exposição impropriamente breve e a impossibilidade de expor. Sintetizar é um mal necessário, e a tarefa daquele que sintetiza é fazer da melhor maneira possível um trabalho que, embora essencialmente mau, ainda seja melhor do que nada. Ele deve aprender a simplificar, mas sem chegar ao extremo de falsificar. Deve aprender a concentrar-se no essencial de uma determinada situação, mas sem desconhecer muitos aspectos marginais expressivos da realidade. Assim sendo, pode suceder que ele não esteja capacitado a dizer toda a verdade (porque toda a verdade a respeito de quase todos os assuntos importantes é incompatível com a concisão), mas poderá dizer consideravelmente mais do que as temerárias meias verdade e quartas partes da verdade que sempre foram moeda corrente do pensamento.” (Aldous Huxley, Regresso ao admirável mundo novo)

“Entende-se que a socialização tenha sido malsucedida quando existe um alto grau de assimetria entre a realidade subjetiva e objetiva, ou seja, a visão de mundo assimilada pelo indivíduo é bastante discrepante do mundo tal como objetivamente definido pela sociedade em que ele vive.” (João-Francisco Duarte Júnior, O que é realidade, capítulo A aprendizagem da realidade)

“Segue-se que nosso maior esforço deveria ser o de conservar sobretudo um alto grau de saúde completa, que há de florescer em alegria. (...) Sem dúvida esteiam-se nove décimos da felicidade sobre a saúde apenas. Com ela, tudo é fonte de prazer; ao contrário, se faltar, nenhum bem externo, de qualquer espécie, pode ser fruído; até os bens subjetivos, as qualidades do espírito, do ânimo, do temperamento, são diminuídos e muito atrofiados pela doença. (...) Logo, a maior de todas as tolices é sacrificar a saúde, seja lá para o que for, para a aquisição de riqueza, para ser promovido, para conquistar saber, ou fama, sem falar em concupiscência e em prazeres fugazes. Tudo deve vir depois dela.” (Arthur Schopenhauer, Aforismos para sabedoria na vida, cap. II)

"A humildade é o último degrau para a sabedoria." (Sêneca)

“Se a analogia do terceiro capítulo do livro do Gênesis estiver correta, a conspiração foi a primeira atividade espontânea em que os seres humanos se envolveram logo após a criação, antecedendo até mesmo o sexo, que só aparece no capítulo quarto.” (Robert Wenick, Smithsonian Institute, 1994 apud Abreu em O poder secreto!)

“É hora de alguém lhe contar a verdade. Há um Cordão Invisível que pode ser facilmente traçado ligando os banqueiros europeus que encomendaram o assassinato do presidente Lincoln aos Illuminati alemães e o ‘rabino comunista’ que é o elo com Karl Marx, a Comissão Trilateral, a Casa Morgan e os banqueiros britânicos, que, por sua vez, fundaram a KGB soviética. Essa é a ‘restrita cabala que tem por objetivo nada menos do que estabelecer a nova ordem para a raça humana sob a dominação de Lúcifer’.” (Greg Palast satirizando Marion ‘Pat’ Robertson no capítulo 6 de A melhor democracia que o dinheiro pode comprar)

“Daí se segue que aquele que lê muito e quase o dia inteiro, e que nos intervalos se entretém com passatempos triviais, perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria, como quem sempre anda a cavalo acaba esquecendo como se anda a pé [?]. Este, no entanto, é o caso de muitos eruditos: leram até ficarem estúpidos.” (Schopenhauer, Parerga e Paralipomena, §24 - Sobre livros e leitura)

“Seria bom comprar livros se pudéssemos comprar também o tempo para lê-los, mas, em geral, se confunde a compra de livros com a apropriação de seu conteúdo.” (Idem)

“Na minha opinião, o que houve na praça Dealey, em 22 de novembro de 1963, foi um golpe de Estado. Acredito que esse golpe foi instigado e planejado com muita antecedência por anticomunistas fanáticos da comunidade de informações dos Estados Unidos; que foi executado, certamente sem aprovação oficial, por pessoas que atuavam na máquina de operações clandestinas da CIA e por colaboradores que não pertenciam ao governo; que foi acobertado por membros do FBI, do Serviço Secreto, do departamento de polícia de Dallas e das forças armadas; e que seu objetivo era impedir que Kennedy buscasse uma détente com a União Soviética e Cuba e pusesse fim à guerra fria.” (Jim Garrison, JFK – Na trilha dos assassinos: Como investiguei e processei os envolvidos na Caso Kennedy, capítulo 26)

Vatican Assassins identifica corretamente a razão por que o presidente Kennedy foi assassinado: ele iria retirar os EUA da planejada Guerra do Vietnã. Além disso, Kennedy planejava reduzir drasticamente o poder e a abrangência da CIA e da Federal Reserve, e alguns até acreditam que ele iria revelar o plano total dos Illuminati para colocar em cena o Anticristo!” (The Cutting Edge, Uma Grande Fusão das Forças da Magia Ocorreu Quando o Papa Paulo VI Foi Coroado, em 1963!)

“Ora, Schopenhauer se identifica e defende a negação do querer-viver, enquanto Nietzsche, que tanto estudou Schopenhauer, se identifica com e defende a afirmação do querer-viver. Ambos são bastante explícitos em suas colocações, de forma que seria atestado de ignorância em suas filosofias negar isso. Ambos adotam uma posição extremada: Não absoluto x Sim absoluto. De forma coerente com o vaticinado por Schopenhauer (§ 56 do tomo I d’ O mundo como vontade e como representação), Nietzsche (o qual supostamente teve uma visão da totalidade existencial – portanto teve acesso a um conhecimento intuitivo – do ‘puro poder, liberto das perplexidades do intelecto’) propõe um caminho que permite a existência, na sua afirmação de si, se construir de uma forma verdadeiramente nova.” (Eu, parte de um capítulo que não postarei mais)

“O senso comum é grotesco, mas é uma interpretação adequada, eficiente (do ponto de vista da otimização de recursos escassos) e suficiente ao nível de realidade (a luta pragmática e cotidiana pela sobrevivência, pelo prazer e pela reprodução do vírus humano) maquinal no qual o insider vegeta. O senso comum, destarte, mantém uma relação dialética com a pobreza escandalosa do cotidiano: a causação é circular e cumulativa, e não linear.” (Eu, em outro capítulo que não vou postar mais)

“Sobre o governo oculto (que, na hipótese mais contida e discreta seria a ‘corporocracia’) são jogados centenas de véus. O insider modelo está entretido demais com a própria vida, com a sua família, com o seu trabalho, com o consumismo, com a indústria cultural e com a religião para perceber qualquer coisa além das aparências oficiais. Mas há outros véus possíveis (a se depender da imaginação de cada um). No limite, os tentáculos do governo oculto estariam infiltrados em qualquer comunidade interpretativa: nas esotéricas, ufológicas, nas esferas acadêmicas, nas artes, nas teorias da conspiração, nos partidos políticos, nas ONGs, nas sociedades secretas, etc. Quantas seitas não poderiam ter sido criadas por “eles”? Quantas correntes acadêmicas não foram financiadas por “eles”? Movimentos políticos idem? Livros idem? Quanta desinformação foi plantada por “eles” para esconder a verdade tão fundo que simplesmente nunca saberemos qual ela é? Bem-vindo ao fantástico mundo das teorias da conspiração.” (Idem)

“Um discurso de mundo é o modelo mental da realidade para um multivíduo. É o ‘mapa’ semiótico da realidade que está gravado neuroquimicamente no cérebro multividual (o mapa – e o signo em geral – é sempre uma simplificação daquilo que ele representa). Essa gravação é realizada em um processo cumulativo nos quais interagem determinações naturais e sociais, herança genética e histórica, além da dinâmica cotidiana e, em retroalimentação, picuinhas idiossincráticas. A maioria das pessoas acaba cristalizando seus mapas mentais ao longo do tempo – principalmente no que diz respeito a questões normativas (isso se chama ‘posicionamento’).
As pessoas tomam suas decisões (movem-se no mundo, vivem a vida) de acordo com o referencial empírico do momento e de acordo com os modelos mentais que lhe afirmam o que o mundo é (note-se o papel fundamental da memória na construção da realidade). São esses modelos que lhes permitem imaginar o futuro (próximo ou distante), e, assim, viabilizar a realização de uma escolha mais bem fundamentada e com maior chance de sucesso para a sua sobrevivência e progresso (a escolha ‘certa’ e não a ‘errada’) – uma escolha ‘racional’ e ‘lógica’. Toda decisão (e, portanto, todo julgamento) que vai além da mera e imediata reação instintiva pressupõe um discurso de mundo, um modelo de realidade não apenas positivo, mas normativo (ideologia e utopia).
Quanto mais dogmático um discurso de mundo, mais ele estará blindado contra mudanças significativas em sua estrutura, desde que, é claro, o hospedeiro – em sua cegueira, medo, comodismo, preguiça e inautenticidade, ou, na falta de tudo isso, em seu cinismo e regalias – concorde com esse dogmatismo (não se rebele contra ele, concorde que ele é a ‘verdade’ a qual se deve agarrar, não perceba, ou finja não perceber, os efeitos deletérios do discurso de mundo sobre seus interesses pessoais).
Porém, quanto mais dogmático for um discurso de mundo, maior e mais grotesca é a sua diferença para com a realidade presente observável ou descoberta mediante novas investigações sociais contra-intuitivas (método científico, ciência como instituição social), e, portanto, mais contraproducentes serão as decisões tomadas a partir dele, o que vai diminuir a sua credibilidade (por exemplo, caso de descrédito da Igreja após a peste negra). Em sua cegueira e perversão, o discurso de mundo sofre um processo de dialética negativa.
Quanto maior a dissonância entre o discurso de mundo dogmático e retrogrado e a realidade (sempre mutável) atual das coisas, maiores serão os erros e insucessos das decisões multidividuais e coletivas, e, portanto, menor a chance de sobrevivência da comunidade (hoje globalizada). No limite, um discurso de mundo generalizado mas equivocado, que não salienta as variáveis e relações vitais, implica em extinção da espécie (a qual pode muito bem estar a caminho nesse momento em que você lê essas palavras). Outrossim, quanto mais incompatível a opinião de um multivíduo com a opinião da maioria, e quanto mais dogmática e totalitária for a sociedade, menores são as chances de sobrevivência do multivíduo (por exemplo, Giordano Bruno).
O conhecimento humano é formado a partir de uma interação entre intuição, razão, imaginação, sentimentos, e evidências empíricas, tudo isso em um contexto histórico (possivelmente não teleológico). Por mais deslocado que um discurso de mundo esteja dos fatos empíricos, ele, para sobreviver (e garantir os interesses dos grupos que dele se privilegiam politicamente), sempre vai tentar forjar evidências empíricas e argumentativas para fundamentá-lo (por exemplo, teologia, o ‘design inteligente’, ou ‘Saddam tem armas de destruição em massa’). Com a transformação da barbárie em civilização e a complexificação desta, houve uma passagem da violência para a fraude como principal instrumento de poder e persuasão (e também de keynesianismo militar – ‘progresso’). Mas a violência pode ser ainda utilizada quando a fraude não é persuasiva o suficiente (por exemplo, Tribunal do Santo Ofício, guerra santa, ou Guantanamo). A força bruta ainda é a ferramenta persuasiva de última instância na gestão do outro. Aliás, própria mãe - a figura que é socialmente tida como o epítome do amor - também, junto com o resto da sociedade, ensina à criança que a violência física, praticada ou apenas ameaçada, é uma forma legítima de gestão do outro.
Os discursos de mundo (principalmente os dogmáticos), como resultados da vontade humana – e (sempre) política – de saber/poder, expressam esse desejo totalitário, esse desejo de dominação mundial no tempo e no espaço – na eternidade (pois o desejo é infinito): eis a sua natureza viral e parasitária.
Todas as religiões, seitas e ideologias políticas querem dominar o mundo, alegando que buscam salvá-lo. Como se tal coisa - a salvação - fosse de fato possível.” (Idem)

"Basta eu acordar, diz Foucault, que não posso escapar deste lugar, o meu corpo. Posso me mexer, andar por aí, mas não posso me deslocar sem ele. Posso ir até o fim do mundo, posso me encolher debaixo das cobertas, mas o corpo sempre estará onde eu estou. Ele está aqui, irreparavelmente: não está nunca em outro lugar. Meu corpo é o contrário de uma utopia. Todos os dias, continua Foucault, eu me vejo no espelho: rosto magro, costas curvadas, olhos míopes, nenhum cabelo mais... Verdadeiramente, nada bonito. Meu corpo é uma jaula desagradável. É através de suas grades que eu vou falar, olhar, ser visto. É o lugar a que estou condenado sem recurso.
É possível que contra esse corpo tenham nascido todas as utopias, dele nasce a utopia original - a de um corpo incorporal: o país das fadas, dos elfos, dos gênios, onde as feridas se curam imediatamente, onde caímos de uma montanha sem nos machucar, onde podemos ficar invisíveis.
Há outra utopia dedicada a desfazer o corpo é o país dos mortos. A múmia é o corpo utópico que desafia o tempo. Há as pinturas e esculturas dos túmulos, que prolongam uma juventude que nunca vai passar, que será eterna. Meu corpo se torna sólido como uma coisa, e eterno como um deus.
A outra, a maior utopia criada contra o corpo é o grande mito da alma, que funciona maravilhosamente dentro do meu corpo, mas escapa dele. É bela, pura, branca, ao contrário do meu corpo. Durará para sempre. É meu corpo luminoso, purificado.
Assim, pela mágica dessas utopias, meu corpo pesado e feio desaparece magicamente. Recebo-o de volta fulgurante e perpétuo. Mas meu corpo, nele mesmo, seus recursos próprios de fantástico. Tem lugares sem-lugar. Tem seus lugares obscuros e praias luminosas. Minha cabeça é uma estranha caverna, com duas aberturas, meus olhos. E, se as coisas entram na minha cabeça, ficam ao mesmo tempo fora delas.
Corpo incompreensível, penetrável e opaco, aberto e fechado: corpo utópico. Absolutamente visível - porque sei o que é ser visto e ver os outros. Mas esse corpo é também tomado por uma certa invisibilidade: minha nuca, por exemplo. Minhas costas: conheço seus movimentos, sua posição, mas não as vejo. Corpo que é um fantasma, que só posso ver pelo truque, pela miragem de um espelho.
Esse corpo não é uma coisa: anda, mexe, quer, se deixa atravessar sem resistências por minhas intenções. Só quando estou doente –dor de estômago, febre - ele se torna coisa, opaca, independente de mim.
Não, o corpo não precisa de fadas e almas para ser utópico, visível e invisível, transparente e concreto. Para que eu seja utopia, preciso apenas ser... um corpo. As utopias não apagam o corpo: nasceram dele, para só depois, talvez, voltarem-se contra ele.
Uma coisa, entretanto, é certa: o corpo humano é o ator principal de todas as utopias. O sonho de um corpo imenso, o mito dos gigantes, de Prometeu, é uma utopia. O sonho de voar também. O corpo é também ator utópico quando se pensa nas máscaras, na tatuagem, na maquiagem. Não se trata, aqui, propriamente, de adquirir um outro corpo, mais bonito ou reconhecível.
Trata-se de fazer o corpo entrar em comunicação com poderes secretos, forças invisíveis. Uma linguagem enigmática e sagrada se deposita sobre o corpo, chamando sobre ele o poder de um deus, a força surda do sagrado, a vivacidade do desejo. Fazem do corpo o fragmento de um espaço imaginário, que entra em comunicação com o universo dos outros, dos deuses, das pessoas que queremos seduzir.
O corpo é arrancado de seu espaço próprio e arremessado a um outro espaço. As vestimentas religiosas, por exemplo, fazem o indivíduo entrar no espaço cercado do sagrado, ou na comunhão da sociedade. Tudo o que toca no corpo, uniformes, diademas, faz florescerem as utopias internas do corpo.
E a carne nela mesma pode ser também utópica. Faz o corpo voltar-se contra si: o outro mundo, o contra-mundo, penetra nesse corpo, que se torna produto de seus fantasmas: o corpo de um dançarino, por exemplo, é um corpo dilatado pelo espaço – espaço que lhe é interior e exterior ao mesmo tempo. O corpo do mártir acolhe a dor e a salvação. O corpo de um drogado, de um possuído, de um estigmatizado, recebe em si o que lhe é exterior. Bobagem dizer portanto, como fiz no início, que meu corpo nunca está em outro lugar. Meu corpo está sempre em outro lugar. Está ligado a todos os outros lugares do mundo, e está num outro lugar que é o além do mundo. É em relação ao corpo que existe uma esquerda e uma direita, um atrás e um na frente, um embaixo e um em cima.
O corpo está no centro do mundo, nódulo utópico a partir do qual penso, sonho, me comunico. O corpo, como a Cidade de Deus, não tem lugar, e é de lá que se irradiam todos os lugares possíveis.  Apenas o espelho e o cadáver selam e calam essa voragem utópica. Os dois estão num outro lugar impenetrável, mas nesse momento já não sou eu mesmo. Para que eu seja eu mesmo, no meu corpo, sem utopia, é preciso uma situação bem definida. Só o ato amoroso, quando nos entregamos a ele, acalma a utopia do nosso corpo: por isso é tão próximo, no imaginário, ao espelho e à morte. É porque só no amor o meu corpo está AQUI." (Parte da conferência de Michel Foucault, chamada Le corps, lieu d´utopie, em 1966)

“A mente de cada indivíduo tem de ser sempre o último juiz nas próprias ações. E entregá-la a outro para seguir cegamente o que nos dizem é um ato de suicídio mental que se opõe diametralmente ao grande mandamento da evolução, que é uma das leis fundamentais do cosmos.” (Salvador Freixedo, Defendamo-nos dos deuses)

“Algumas pessoas também creditam que existe uma conspiração supragovernamental, um grupo de indivíduos incrivelmente poderosos que desejam ‘dominar o mundo’. A maioria de nós desdenha desses visionários julgando-os malucos paranóicos. Contudo, não se pode negar que, durante mais de cem anos, vem-se desenvolvendo um movimento entre os principais intelectuais, industriais e ‘viajantes globais’ do mundo, destinado a acabar com as guerras e resolver os problemas sociais (como superpopulação, desequilíbrios comerciais e degradação ambiental) por meio da criação um único governo mundial. Ser este movimento globalista a ‘conspiração diabólica’ de um grupo de malvados ou um ‘consenso amplo’ de muitos líderes bem-intencionados, não faz diferença. Ele é tão real quanto a AIDS e potencialmente tão mortífero, pelo menos para nossas liberdades individuais, se não para nossas próprias vidas.’ (Jerry E. Smith, Armas eletromagnéticas: Seria o projeto HAARP a próxima ameaça mundial?)

“A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional.” (Carlos Drummond de Andrade)

“Mas se o aumento da população e do consumo de eletricidade continuarem no ritmo atual, em 2600 as pessoas ficarão ombro a ombro, e o consumo de eletricidade deverá deixar a Terra incandescente.
Se você dispusesse todos os novos livros um ao lado do outro à medida que fossem sendo publicados, teria de correr a 145 quilômetros por hora apenas para acompanhar o fim da fila. Claro que, em 2600, as novas obras artísticas e científicas virão em formas eletrônicas, e não como livros e artigos físicos. Contudo, se o crescimento exponencial prosseguisse, surgiriam dez artigos por segundo no meu ramo da física teórica, e não haveria tempo para lê-los.
Evidentemente, o atual crescimento exponencial não pode durar para sempre. Então o que acontecerá? Uma possibilidade é nos exterminarmos completamente por algum desastre, como uma guerra nuclear. Os pessimistas dizem que o motivo por que não fomos contatados por extraterrestres é que, quando uma civilização atinge o nosso estágio de desenvolvimento, torna-se instável e destrói a si mesma. Contudo, sou um otimista. Não acredito que a raça humana tenha chegado tão longe simplesmente para se extinguir justo quando as coisas estão se tornando interessantes.” (Stephen Hawking, O universo numa casca de noz, capítulo 6)

"Se liberdade significa algo, significa o direito de dizer às pessoas aquilo que elas não querem ouvir.” (George Orwell)

"Desde que me entendo por gente, acho-me em oposição ao mundo. (...) Quando atingi os quarenta anos de idade, tive a impressão de haver ganho a demanda contra o mundo em última instância, e encontrei-me então elevado a um ponto ao qual nem sequer havia ousado aspirar. Em troca, a vida tornava-se cada vez mais monótona e vazia." (Schopenhauer, citado por Karl Weismann, Vida de Schopenhauer, capítulo 4)

“E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
Se a via-crucis virou circo, estou aqui’” (Legião Urbana, Faroeste cabloco)

“Há de provar o adágio de que, montado o mendigo, fará o cavalo galopar até morrer." (Shakespeare - Henrique VI).

“Outra crítica feita a Schopenhauer, agora pelo filósofo húngaro Lukács (1885-1971), foi a de que ele escreveu uma filosofia pequeno-burguesa, presa ao cansaço existencial de sua [decadente] classe social. Esse crítico talvez pensasse que, por não ter de lutar pelo sobrevivência, Schopenhauer ocupou-se com a arte e, para tornar as coisas mais picantes, meditou sobre o sofrimento e a compaixão.” (Jair Barboza, Schopenhauer: A descifração do enigma do mundo, capítulo 6)

“Melhor é o fim das coisas do que o princípio delas; melhor é o longânimo do que o altivo de coração.” (Eclesiastes, 7:8)

“O cadáver de Deus ainda se mexe.” (Não lembro onde li isso, acho que foi em um dos livros do Ezio Flavio Bazzo)

Uma vez descartada a hipótese do suicídio, só nos resta o otimismo." (Albert Camus) [Otimismo ou morte.]

“Um indie é um emo que leu um livro ou outro.” (Desciclopédia, Indie)

“A um discordiano é proibido acreditar naquilo que lê.” (Malaclypse o Jovem, Principia Discordia)

I'm as mad as hell and I'm not going to take it anymore!” (Howard Beale, no filme Network)

“Mas há outra questão que, até este momento, não consideramos. E é esta: por que se deve impedir a igualdade humana? Suponhamos que tenha sido bem descrita a mecânica do processo: qual é o motivo desse vasto e bem calculado esforço para congelar a história num determinado instante?
Aqui chegamos ao segredo central. Como vimos, a mística do Partido e, acima de tudo, do Partido Interno, depende do duplipensar. Mais fundo do que isto, porém, há o motivo original, o instinto jamais posto em dúvida, que primeiro levou à conquista do poder e gerou o duplipensar, a Polícia do Pensamento, a guerra contínua e todo o restante equipamento necessário. Esse motivo realmente consiste...” (Teoria e prática do coletivismo oligárquico, livro fictício atribuido a Emmanuel Goldstein e lido pelo personagem Winston no capítulo 17 do livro 1984, de George Orwell)

“Eu tenho à medida que designo – e este é o esplendor de se ter uma linguagem. Mas eu tenho muito mais à medida que não consigo designar. A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la – e como não acho. Mas é do buscar e não achar que nasce o que não conhecia, e que instantaneamente reconheço. A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas – volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu.
E é inútil procurar encurtar esse caminho e querer começar já sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser despessoal. Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. A trajetória somos nós mesmos. Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes. A via-crucis não é um descaminho, é a passagem única, não se chega senão através dela e com ela. A insistência é o nosso esforço, a desistência é o prêmio. A este só se chega quando se experimentou o poder de construir, e, apesar do gosto de poder, prefere-se a desistência. A desistência tem que ser uma escolha. Desistir é a escolha mais sagrada de uma vida. Desistir é o verdadeiro instante humano. E só esta é a glória própria de minha condição.
A desistência é uma revelação.”(G.H., em A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector)

“Desta desordem, o psicanalista fez o fundamento de uma representação que, mesmo quando é tida como ordenada, não o é senão na aparência, já que esta ordem é secundária em relação à Desordem inicial do Inconsciente. E, ao longo de toda sua obra, Freud irá desenvolver uma sucessão e uma diversidade que verá como absolutas, uma vês hipostasiadas na realização da idéia de um Ser supremo que é, em última análise, puro caos. Mas é justamente por ser Caos que este Ser supremo lhe parecerá apto a explicar toda sucessão e toda a diversidade da esfera fenomenal.
Tal procedimento comprometeu seriamente o trabalho de Freud. Ele não se deu conta de que esta atitude racional iria conduzi-lo a um relativismo que era contrário com seu projeto de estabelecer uma verdadeira ciência. Sobretudo, a partir da metapsicologia – portanto, da influência crescente de Schopenhauer – ele se vê no papel de um monarca absoluto que ignorasse estar constantemente se referindo a textos enaltecedores da anarquia. Neste sentido, pode-se falar de um ‘sono dogmático’ de Freud, parodiando aquela crítica que Kant dirigiu a si próprio quando percebeu o conteúdo veiculado pelo leibniziano-wolfismo que ele ensinava. Mas Kant sabia que dormia, ao passo que Freud nunca disso se apercebeu.” (Pierre Raikovic, O sono dogmático de Freud: Kant, Schopenhauer, Freud)

Wake me up
Wake me up
Wake me up
Wake me up
Wake me up
Wake me up
Wake me up
Wake me up
(Radiohead, Separator)

"I put the shadows back into the boxes" (Radiohead, Supercollider)

"If you try the best you can
If you try the best you can
The best you can is good enough
"
(Radiohead, Optimistic)


...Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!!..

Walter Benjamin tinha um sonho de escrever um livro apenas com citações. Será que alguém já fez isso?





666 x 1 - Por onde começar?





Informo o meu fracasso em cumprir as promessas realizadas na postagem anterior. O que se segue é um esclarecimento dos motivos desse fracasso, bem como uma descrição do que ocorrerá doravante a esse blog - o seu encerramento.

Vou tentar atualizar, da forma mais sintética possível, o leitor acerca do que ocorreu na minha vida intelectual desde setembro de 2010. Mas para isso será necessário fazer um resumo dos acontecimentos dos últimos anos, inclusive dos motivos da criação desse blog. O que farei aqui é um resumo mental dos intermináveis rascunhos do capítulo “Acerca do encerramento desse blog e do que mudou na minha vida desde que ele foi iniciado”, anunciado na postagem anterior.

“Essa procrastinação poderá ser fatal para esses capítulos, pois nada garante que na metade do ano que vem eu terei alguma disposição em concluí-los, embora eu queira fazê-lo e não tenha o costume de abandonar projetos inacabados.” (Eu, postagem anterior)

Foi um erro prometer o que não se pode garantir que se vai conseguir cumprir. Agora, meses depois, eu não tenho mais motivação, energia, desejo, razões para postar nada do que havia prometido. Nem mesmo a monografia.

Como diria Serra (e tantos outros políticos) ou um personagem de um conto machadiano (não lembro qual), “quando eu prometi era verdade”. Quando um homem volta a um rio, ele já não é mais o mesmo homem. Mas o rio também não o é. Quem prometeu algo em setembro de 2010 não é o mesmo que terá que cumprir a promessa um ano depois; nem ele é o mesmo, nem a sua vida é a mesma.

“Eu pretendia escrever sobre vários outros assuntos, porém em função dos recentes acontecimentos (que serão posteriormente relatados...) eu perdi a disposição em empreender esse projeto, por perceber que posso usar o meu tempo em algo mais proveitoso para mim mesmo.” (Eu, postagem anterior)

De forma simples (mas com alguns rodeios essenciais), o que aconteceu antes e depois de setembro de 2010 será exposto a seguir. A narrativa ficou meio confusa, dando voltas que poderiam ser talvez eliminadas. Mas acho que o texto está bom o suficiente para encerrar esse blog. Aliás, as voltas dadas expressam bem a confusão mental em que eu me meti.

Essa narrativa é uma interpretação contingente e aberta a revisões. A interpretação de hoje pode não ser a de amanhã. Mas o amanhã não pertence a este blog. Então fiquemos com hoje.



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666 x 2 - Flashback #13




2008 a 2011

Desde o começo de 2009 eu estou, supostamente, escrevendo a minha monografia. Nesses últimos três anos (2009, 2010, 2011) eu apenas fiz algumas cadeiras residuais na faculdade (de Economia) enquanto supostamente escrevia a minha monografia.

Mas até agora eu não escrevi nada! Como isso é possível? O depressivo do Lars von Trier já está lançando outro filme e eu sequer redigi uma monografia ridícula?! Algo por aqui está podre – podríssimo.

Parece ridículo demorar tanto para escrever uma monografia que, em número de caracteres digitados, não precisa ser – como critério mínimo para aprovação – maior do que esse capítulo desse blog. Mas escrever um texto acadêmico é mais difícil do que redigir esse blá, blá, blá aqui.

O que eu fiz desde 2009 foi usar a monografia como mera desculpa para ir estudando vários assuntos do meu interesse. Isso me levou a dar voltas enormes, passeios divertidos e excitantes, mas não cumpri o objetivo original: a monografia.

Quando eu criei esse blog, em 2008, eu era obcecado por Schopenhauer. Eu conheci a obra de Schopenhauer em 2003, e em 2005 resolvi estudá-la com profundidade. Cheguei a ter uma grande intimidade com os textos dele, sabendo várias partes de cor. Hoje em dia, já esqueci muita coisa.

Quando, em 2010, eu fui entender – mediante autocrítica – o porquê de eu ter estudado Schopenhauer, eu fiquei chocado. A verdade é um soco na boca do estômago. Eu falarei do motivo, mas não agora.


2003 a 2010

Vale lembrar que eu escolhi fazer o curso de Ciências Econômicas e que havia, em 2005, começado a trabalhar num banco público, mediante aprovação em concurso. Então eu tocava essas três atividades: trabalho, faculdade, estudo de Schopenhauer.

Santo deus! [sic] Por que eu fui estudar Economia? Isso deve parecer inexplicável a qualquer leitor do blog. A resposta é mais ridícula do que por que eu fui estudar Schopenhauer. Na época da escolha profissional (2003) eu tinha basicamente três preferências: Filosofia, Sociologia, Economia. Escolhi o último por causa da “empregabilidade” e por que fornecia possibilidade de curso à noite, afinal o meu pai já me alertara de que eu não teria a regalia de estudar sem trabalhar.

A minha principal intenção ao escolher Economia era ter uma visão crítica da sociedade - era isso, não era ganhar dinheiro ou ajudar as pessoas. Ora, se essa era a intenção, o caminho óbvio seria Sociologia, e não uma ciência social aplicada. Mas o curso de Sociologia apenas era ofertado pela manhã.

Já Filosofia é um curso em geral muito distante do cotidiano. Sinceramente, eu não sei se teria paciência para estudar qualquer filósofo anterior a Kant. Não agüentaria ter que discutir os escolásticos, Spinoza e outros. Com certeza prefiro conviver com colegas de classe burguesinhos alienados do que com platonistas e tomistas; pelo menos os primeiros estão bem mais próximos do "mundo real" (cotidianidade concreta) que esses neuróticos idealistas e teístas.

Mas espera aí. O fato de que eu “teria que trabalhar” não significava que eu teria que trabalhar em um banco...eu poderia ter até mesmo me esforçado para conseguir uma bolsa acadêmica. Mas eu, robótico, cego e com amnésia de mim mesmo, simplesmente fui fazer Economia. Se bem que, à época, as bolsas acadêmicas eram bem mais escassas do que atualmente. Até o PET (Programa de Educação Tutorial) estava à beira da extinção. As universidades federais ainda estavam se recuperando do processo de "sucateamento pré-privatização" da era FHC. O papel higiênico e o sabonete ainda levariam anos para voltar aos banheiros.

E por que eu queria ter uma visão crítica da sociedade? Pelo mesmo motivo que decidi estudar Schopenhauer a partir de 2005. Já direi qual é.


Voltando a 2009

Uma vez que o curso de Economia não me permitiu uma visão crítica da sociedade, eu acabei usando a monografia como mote para pesquisar ciências sociais. Isso pois eu já não me satisfazia com o discurso schopenhauriano, seja pelo meu agnosticismo endêmico, seja por que a metanarrativa schopenhauriana foi ultrapassada em qualquer aspecto, seja pela psicologia, seja pela psicanálise, seja pela filosofia contemporânea, seja pela física, seja pela química, para não falar na biologia [1] (afinal a filosofia schopenhauriana, enquanto metanarrativa abrangente, tem necessariamente que passar por todas as principais disciplinas do conhecimento humano). Eu não tinha condições de transformar Schopenhauer em uma nova religião (eu abandonara a religião, um tal de cristianismo, aos meus 15 anos de idade), seja pelo meu agnosticismo seja pela própria pobreza do pensamento de Schopenhauer, o qual é tão fechado em si mesmo que deixa pouco espaço para uma atualização sem que se jogue tudo fora. Eu consegui transformá-lo em religião apenas por alguns meses (nesses meses eu realmente acreditava que essa filosofia tinha explicado as maiores questões da existência). Mesmo abandonando-a como religião, essa filosofia ficou impregnada na minha mente pelo menos até 2010.
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[1] Em algum lugar d' O mundo como vontade e como representação Schopenhauer diz que nunca apareceria na biologia alguém que representasse o que Newton representou à física; e presumo que ele pensava que nunca apareceria alguém que superaria Newton na física. Errou em ambos os casos. [1]
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No segundo semestre de 2008 o tema da monografia, eu havia decidido, era sobre as condições de trabalho da classe trabalhadora inglesa no século XIX. Eu até redigi um projeto (o qual foi aprovado na cadeira Técnicas de Pesquisa em Economia), com extensa bibliografia. Mas o projeto foi abandonado por mim, basicamente por dois motivos: porque eu queria escrever sobre os dias atuais, e porque eu queria escrever algo mais grandioso  – algo espetacular.

Em 2009 usava o tempo livre (fora do trabalho e fora desse blog) para pesquisar sobre os aspectos sociológicos do mundo atual. Acabei chegando ao pós-modernismo, o qual me afetou profundamente, apontando mais do que nunca para o fracasso de Schopenhauer como o decifrador do enigma do mundo - o universo inteiro explicado em 1.400 páginas?! só pode ser piada...[2] – , se bem que o pós-modernismo é devedor de Schopenhauer, via Nietzsche, quanto à vontade de poder.
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[2] Aliás, essa é basicamente a mesma pretensão da Bíblia (“Sagrada”), com a diferença que O mundo como vontade e representação é um livro zilhões de vezes mais inteligente, compassivo, nobre, belo, elegante, racional, justo, coerente, sábio e amoroso do que a essa biblioteca de literatura infantil chamada por alguns de “A Palavra de Deus”. Ambos os livros são metanarrativas ideológicas e utópicas-milenaristas. Aliás 2: Schopenhauer chamava os poucos seguidores que teve em vida de “apóstolos”, o que indica que ele se considerava (numa incrível falta de autocrítica) o messias. [2]
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Os meus estudos também me levaram à Escola de Frankfurt e ao Situasinismo, os quais desconhecia completamente (porque fiquei anos no século XIX remoendo Schopenhauer, e porque nada disso é estudado no curso de Economia). Quando cheguei neles, descobri que tudo o que eu planejava escrever na monografia já vinha sendo escrito, pelo menos desde 1940. Isso era um alívio, pois eu percebi que as idéias que eu esboçava não eram apenas minhas, mas que eram amplamente discutidas há décadas. A rigor, foi apenas nessa época que eu percebi que realmente deveria ter cursado Sociologia a qualquer preço.

Se parece estranho que eu fale que abandonei progressivamente Schopenhauer sendo que o capítulo anterior a esse é justamente sobre ele, é porque na verdade aquele texto já estava escrito desde 2009 (ou 2008, não lembro), e foi postado apenas a título de procrastinação, enquanto eu redigia os capítulos que nunca terminarei.


E 2010 novamente

O assunto da monografia – então algo como “o despotismo do capital sobre a humanidade” – ficou tão amplo que eu acabei desistindo de escrever sobre isso, e pensei em fazer algo mais simples. Porém, eu apenas iria concretizar essa mudança de assunto em setembro de 2010. Enquanto isso eu continuei nas minhas pesquisas genéricas.

Em Janeiro de 2010 eu conheci os trabalhos prospectivos (proféticos) de Raymond Kurzweil e fiquei completamente seduzido pelas previsões dele. Aquilo atingiu a minha megalomania em cheio (para não falar do medo da morte), e eu cheguei a pensar em desistir de criticar o capitalismo. Todo mundo tem um preço, e o meu não é muito alto não.

Quando descobri Kurzweil fui assolado pela pergunta: “que outras informações devastadoras para a minha programação mental há nesse mundo para se descobrir que eu ainda não estou sabendo?” Sim, ao abandonar o dogmatismo schopenhauriano, um admirável e misterioso mundo novo se descortinou, cheio de possibilidades e surpresas.

Foi então que, em meio a muitos assuntos transversais pesquisados anarquicamente, que eu, aos poucos, tive a brilhante idéia de tentar entender quais eram as minhas reais motivações para todas as pesquisas que vinha empreendendo cegamente. Afinal, se o meu interesse era apenas pela verdade, por que eu sempre era atraído pelas mentes críticas? Se meu interesse era apenas a verdade, por que estava disposto a mudar radicalmente minhas idéias depois que fui seduzido por Kurzweil? Se meu interesse era também a utopia, como pude me interessar visceralmente pelas palavras de Robert Greene? Então descobri a verdade chocante: paralelo ao desejo de verdade e de utopia, havia o desejo de vingança. Por mais ridículo (alguns diriam óbvio...) que seja, o que me motivou a seguir caminhos críticos era, no fundo, uma sede de vingança.

Vingança do quê? Basicamente da insatisfação pela minha vida, por ser tão difícil (para não dizer impossível) realizar os meus muitos e megalomaníacos (alguns diriam infantis) sonhos, todos eles presos a ideais: beleza, justiça, verdade, e utopia (isto é, felicidade para todos). Não que o mundo não seja realmente uma merda, mas eu resolvi me vingar jogando essa verdade na cara de todos, tirando a sujeira debaixo do tapete (recentemente descobri que esse meu comportamento é o estereótipo do intelectual maldito). Em vez de lutar um pouco mais pelos meus sonhos, preferi o comodismo de me isolar e ficar ruminando meu ódio como uma espécie de vingança.

Sim, vingança. Wellington Menezes de Oliveira que o diga. Mas, diferentemente dele, eu tenho a autocrítica de admitir isso, em vez de travestir minha empreitada com as cores de uma maniqueísta guerra santa, ou de uma luta pelo esclarecimento das massas ignaras. A minha vingança dar-se-ia pela criação de um discurso de mundo que mostrasse a verdade da ruína da humanidade: ou seja, o algoritmo típico do intelectual maldito.

O discurso de vingança é um discurso de ódio. O discurso de ódio é baseado no ressentimento, e o ressentimento é baseado na frustração, a qual é baseada em desejos não realizados. Se não há frustração, não há ódio, há apenas indiferença (eu conheço pessoas que alegam ser indiferentes, se é verdade eu não sei).

Eu apenas poderia viver como um intelectual maldito (o que é, com certeza, muito divertido e gratificante) se fosse mais inteligente e/ou menos pobre. Mas nas condições reais em que vivo é simplesmente impossível viver esse personagem sem ser levado à bancarrota. Vale lembrar que muitos intelectuais malditos levaram as suas vidas até o fim (portanto não caindo na bancarrota), morrendo de velhice e relativamente satisfeitos por seus feitos.

Prefiro não entrar nos detalhes das minhas frustrações (que são muitas) (e não pergunte), mas para mim ficou inegável o fato de que a sede de vingança era o principal motivo que me animava (mais até do que a busca pela verdade ou pela utopia).

Eu até poderia continuar essa busca de vingança se ela não estivesse conspirando contra mim: quanto mais eu alimentava o ódio, mas sofria, quanto eu mais sofria, mais alimentava o ódio. Ocorre que eu já tinha, supostamente, me comprometido há anos com o objetivo de minimizar o sofrimento (e fiz isso justamente em função dos estudos eudemonológicos de Schopenhauer).

Foi só eu parar de criticar o universo e passar a tentar entender por que estava fazendo isso que percebi que os motivos não sobreviviam ao escrutínio do meu próprio senso crítico. Vingança?! Ora, francamente... Se desse certo, ainda tudo bem. Mas no fim eu apenas faço mal a mim mesmo e mais a alguns poucos infelizes que têm o azar de ter de conviver comigo.

Tantas atividades que eu, agora que trabalhava e tinha renda (agora que deixara de ser um delta e virara um gama), poderia ter realizado e eu decidi me trancar no quarto para estudar Schopenhauer, um filósofo idealista e ultrapassado do século XIX?

Isso mesmo.

Tantas formas diferentes de afagar o meu ego e eu decido fazê-lo sendo um pseudo-intelectual maldito?

É.

Sério?

É...já disse que sim.

É até engraçado...Tragicômico, para não dizer ridículo.

E se eu tivesse estudado Nietzsche, quanto sofrimento teria poupado?

Não sei, talvez nenhum. Talvez a melhor escolha fosse não estudar nada, mas sim “viver a vida” (em vez de ficar trancado em um quarto)...

Loucura?

Será?

...

Tá legal, dadas as circunstâncias do momento, eu provavelmente tomei a melhor decisão possível quando decidi estudar Schopenhauer em busca de uma mistura de verdade, vingança e redenção. Mas agora as circunstâncias são outras, e com pesar eu mudo de caminho com aquela sensação de ter perdido vários anos em uma causa vã. Mas não importa o que eu deveria ter feito – isso é um custo perdido. O que importa é o que eu farei. Quem se arrepende erra duas vezes.

Em meio à descoberta de que eu estava sendo movido pela sede de vingança, eu precisava escrever a monografia. Como eu disse na postagem anterior, decidi escrever sobre o pequeno príncipe – decidi linchá-lo. Fiz isso por dois motivos: primeiro porque parecia fácil, segundo porque eu (uma parte de mim) ainda queria se vingar do universo (da vida em geral, do “sistema”) mediante a promoção de um escândalo intelectual. Adoro escândalos intelectuais. Aliás, a minha predileção pelo escândalo e pela teatralidade parece estar acima do meu amor pela verdade.

Hoje percebo que teria sido mais fácil voltar ao projeto original (sobre as condições de trabalho na Inglaterra do século XIX) do que escrever sobre literatura. Mas agora já é tarde demais, embora não o fosse em setembro de 2010.

Quando eu percebi, à época da postagem anterior, que passei 2009 e 2010 “enrolando” e não havia escrito uma página da monografia (aliás, até agora não escrevi nenhuma), decidi abandonar esse blog para focar a minha atenção.

Foi então que eu fiz as promessas na postagem anterior.

Como de costume, eu estava sendo otimista (estava superestimando as minhas capacidades), pois as coisas inesperadamente ruíram.

Primeiro que, mesmo abandonando o blog, eu continuava numa expansão insana da consciência para os mais diversos campos das ciências sociais (e finalmente para o abismo sem fundo do ocultismo): depois que se começa uma viagem dessas, é difícil parar. Geralmente só se para na ruína. Foi um verdadeiro turismo intelectual (uma variação da masturbação mental). Uma criança deslumbrada em uma loja de brinquedos. Um viciado em busca da próxima dose. Deixei algumas lembranças de viagem como epígrafes desse capítulo.

Segundo, porque o tema (crítica ao pequeno príncipe) que parecia tão fácil ficou muito complexo, exigindo tantas etapas que se tornou irrealizável, além de ser contraproducente como monografia (talvez como tese de doutorado até valesse a pena). Trata-se da minha habilidade – nem um pouco científica, pragmática e disciplinada, mas sim ingênua e mitológica – de ir seguindo as várias conexões entre as disciplinas e assuntos a fim de tentar formar uma metanarrativa que as explique em seu conjunto.

Bem... eu estava acreditando em mim mesmo, estava sendo otimista e irradiando convicção na vitória contra meus moinhos de vento, estava irradiando pensamento positivo... onde está a “lei da atração” agora? Não adianta nada ter pensamento positivo sem ter o realismo do conhecimento das suas próprias capacidades e fraquezas, bem como das circunstâncias em que se está inserido. E não adianta nada ter pensamento positivo sem ter disciplina. Não há milagres.

É claro que se eu conseguisse focar-me em um discurso de mundo (especificamente o de Lukács, autor que eu pretendia usar para liquidar de vez o pequeno príncipe) até seria fácil. Mas alguém agnóstico e viciado em metanarrativas tem grandes dificuldades em simplesmente focar em um único discurso, principalmente depois de dois anos de turismo intelectual desenfreado. A verdade é que é bem mais excitante e divertido volitar entre os diversos universos ontológicos do que ter que se comprometer com algum deles, estudando-o monasticamente. Mas a vida real (e eu já deveria saber disso) exige sacrifício da diversão em nome da seriedade, da disciplina e da especialização; exige sacrifício da inspiração em nome da transpiração.

Compromissos, eis algo difícil para mim. Ocorre que a vida real exige que se assumam alguns deles, por mais que não se queira e se lamente ter que fazê-lo. E não escolher, ou procrastinar, já é uma escolha.

É fácil criticar o pequeno príncipe num blog, mas a crítica acadêmica exige método. E logo a minha pesquisa já estava tão ampla que eu já não sabia que método usar. Ou melhor, sabia que tinha que usar o método marxista (sem dúvida o mais apropriado à ocasião, ainda mais num curso de Economia), o problema é que, como agnóstico, eu simplesmente não conseguia mais acreditar nele, não conseguia me comprometer com ele.

Pensei em escrever algo mais amplo: “O julgamento do pequeno príncipe”, no qual eu redigiria a acusação e a defesa, bem como o veredicto, cujo conteúdo só saberia após amplo escrutínio (apesar de que, para mim, o fato desse livro ser tão popular é um bom sinal de que há algo de muito podre nele – seria análogo a dizer que é preciso um amplo estudo musicológico, semiológico, histórico, antropológico, etc. para ter certeza que as músicas do É o Tchan são de qualidade duvidosíssima; se bem que até isso pode ser relativizado – e o que não pode, afinal?). Ou seja, já não sei mais se o que escrevi sobre o pequeno príncipe é válido – não sei nem se é valido pelo referencial marxista (já que até agora eu não cheguei a estudar Lukács...).

O projeto da monografia sobre o pequeno príncipe necessariamente (para ter consistência acadêmica) teria que passar por quatro níveis:

1 Alienação e ideologia em Marx
2 Alienação e ideologia em Lukács
3 Alienação e ideologia na literatura
4 Alienação e ideologia na literatura infantil

Em dezembro eu, já antevendo que não daria conta da leitura e do processamento de toda a literatura básica, decidi cortar (com aperto no coração) o item 4. Semanas depois cortei, pelo mesmo motivo, o item 3.

A monografia, que tanto eu inflei desde o começo de 2009, havia se transformado em um texto miúdo, desprovido de qualquer escândalo, presunção ou megalomania. “Você pagou pela sua própria arrogância”, eu repetia a mim mesmo.


2011, enfim

Essa decisão foi tomada em Janeiro. Quando comuniquei a minha orientadora sobre a desistência de atacar o pequeno príncipe, ela me disse “parabéns, você está curado”, referindo-se, presumo, ao abandono do desejo pelo escândalo megalomaníaco. Bem, agora as coisas estavam fáceis, não? Eu terminaria a monografia e depois o blog e daí poderia viver uma “vida nova” na qual buscaria viver em harmonia com a galáxia, buscando o amor (ágape, mas quem sabe algum dia até o eros) e não o ódio. Essa harmonia exige exercitar o hemisfério direito cérebro, cuidar da saúde, deixar de ser sedentário, aprender a fruir os pequenos prazeres da vida, aprimorar a capacidade de relacionamento interpessoal, aprender a viver um dia de cada vez, etc.

Mas daí veio outro soco no estômago.

Em Fevereiro voltei a ter sintomas depressivos mais pesados, além de excessiva sonolência (dormia entre 9 e 12 horas por “noite” (até ao meio-dia não pode ser considerado noite...))

Além disso – e muito mais grave – em algum momento de Março eu percebi que havia ficado “burro”, ou seja, que toda a minha desenvoltura intelectual havia sumido. Ou melhor, havia sumido para as obrigações (leia-se trabalho monografia), pois eu continuava com fome insaciável de metanarrativas (se não tivesse que trabalhar para viver, certamente morreria de overdose de metanarrativas, iria consumi-las até sair pelos ouvidos).

A idéia era terminar a monografia nas férias de 30 dias que tirei do trabalho, entre Março e Abril. Ou ao menos, se não conseguisse acabar, a idéia era redigir a maior parte do trabalho. Tudo parecia muito fácil, como sempre parece. Mais uma vez eu estava sendo otimista.

Os 30 dias escorreram pelos meus dedos. Não consegui nem terminar a leitura do Dicionário do Pensamento Marxista (não estou lendo-o inteiro, mas li grande parte para me contextualizar e não escrever besteira na monografia) (quanto mais eu leio esse dicionário, mais perco o interesse pelo marxismo, afinal eu sou um generalista, e os detalhes são tediosos e decepcionantes...). A maior parte do tempo se perdeu em atividades pessoais burocráticas (uma “lista de coisas a fazer” que se acumulava há quase um ano), dormindo, pensando na vida, e, principalmente, com teorias da conspiração.

Ah! As teorias da conspiração... De todos os meus vícios, esse é provavelmente o maior. Agnosticismo, paranóia, vício em metanarrativas, isolamento social (o que dificulta a coerção social sobre a construção do meu discurso de mundo) e ódio pelo senso comum, além, é claro, de umas pitadas de ingenuidade à lá Cândido : eis a combinação para me levar às garras das teorias da conspiração.

Depois que eu soube que o programa CQC da Band passou a apresentar a suposta simbologia dos Illuminati nas suas vinhetas, eu resolvi dar uma olhada nos blogs e comunidades no Orkut (eu sei que o Orkut já morreu, mas não tenho saco de criar outro fake agora no Facebook (ah sim, Duan Conrado é um fake, você (obviamente) já tinha percebido, né? (adoro colocar parênteses dentro de parênteses (vou até colocar mais um par, hehe)))) sobre teoria da conspiração. Sabe como é...uma coisa leva a outra, sempre começa com uma besteirinha. Dessas comunidades eu passei ao documentário End Game (de Alex Jones), e acabei decidindo estudar (por curiosidade) sobre o David Icke. Afinal eu estava preparando um capítulo para esse blog sobre teorias da conspiração, então o tempo não seria perdido...

O David Icke me impressionou bastante. Trata-se simplesmente da metanarrativa mais extravagante que já descobri na vida (e olha que eu adoro metanarrativas, e adoro extravagância). Fui previamente preparado para me entusiasmar com Icke porque eu estava, desde a metade de 2010, estudando, entre tantas coisas, ocultismo.

Percebe a miscelânea que virou a minha mente? Virou um aterro sanitário. Virou uma cloaca. Não que isso não seja divertido, mas é insustentável – é suicida – , principalmente para quem precisa trabalhar para viver (ou seja, para a maioria das pessoas, inclusive eu), e principalmente para alguém que precisa se focar em um projeto (monografia... lembra?). Eu fico volitando de um mundo a outro, de um livro a outro, tentando amarrar as pontas e criar uma metanarrativa que una (e explique) todas as outras. Convenhamos, um projeto desses (o qual apenas recentemente eu percebi conscientemente de maneira (auto)crítica) para uma pessoa como eu (trabalhador gama terceiro-mundista que está longe de ser um gênio e que desenvolveu a inteligência abdicando da vida emocional e interpessoal para devorar metanarrativas) é impossível de se realizar. Melhor, isso é humanamente impossível, embora uma pessoa em melhores condições pudesse chegar a algum resultado mais consistente daquele no qual eu fui parar.

Todas as coisas estão interligadas... teorias da conspiração, utopia, esoterismo, sociologia, literatura, ficção científica, transhumanismo (a lista poderia ser bem maior, mas eu perdi o fetiche de escrever longas listas). Nas minhas pesquisas descobri a sociologia do conhecimento, área de estudo que me empolgou bastante, embora eu não tenha me aprofundado nela (que surpresa... para falar a verdade, depois de Schopenhauer eu não me aprofundei em mais nada). Eu estou tão viciado em expansão mental, em generalismo, estou tão fascinado em volitar despreocupado pelos universos ontológicos, que não consigo mais me aprofundar em nada. Mas a vida de adulto exige mais do que esse parque de diversões.

Pelo menos David Icke serviu para exorcizar os fantasmas do cristianismo que ainda habitavam a minha mente. Com relação ao demiurgo Jeová, descobri que as minhas acusações ateístas já haviam sido levantadas pelo gnosticismo (o qual, aliás, parece ser, segundo o estado atual das minhas pesquisas, o protótipo das teorias da conspiração).


2010 mais uma vez

Retomando o transhumanismo: desde mais ou menos Julho de 2010 eu o estava transformando em neófito de uma nova religião, assim como anteriormente fiz com Schopenhauer e com o marxismo. Mas essa nova religião não iria durar muito, como não duraram as outras. Primeiramente, embora eu tenha me entusiasmado bastante no começo, eu logo percebi que não poderia fundamentar a minha vida nisso. Sim, essa é uma procura que estou fazendo há tempos: estou procurando um fundamento. Jung disse que todos os pacientes dele tinham problemas que, no fundo, se resumiam à questão religiosa.

Não por acaso eu disse que estava procurando uma nova religião. “Para ocupar o vazio deixado pela rebelião contra Jesus”, diria um cristão. Já o ateu Freud diria o seguinte: que a religião é uma neurose geral (partilhada pela maioria) e que quando o indivíduo a abandona ele sente a necessidade de criar uma neurose particular, exclusiva dele.

É claro que eu percebi que o transhumanismo é uma espécie de utopia, de milenarismo. O que me levou ao estudo sociológico e filosófico da utopia. Eu arranjei um jeito de justificar esse estudo como parte da monografia (iria acusar o discurso de Exupéry de ser uma utopia; iria não, eu já o fiz no capítulo 101, lembra?). É claro que, dadas as circunstâncias, eu não me aprofundei nesse estudo. Mas já percebi que a questão merece maior atenção, e que o seu estudo (inclusive o estudo das críticas de Popper e de Cioran) se encaminha inevitavelmente para a erosão do totem transhumanista que eu estava construindo para mim mesmo.



Não adianta, quanto mais eu fujo mais eu percebo que só terei alguma paz quando parar de ficar buscando um fundamento para me agarrar e simplesmente viver a vida, aqui e agora, e não em troca de qualquer promessa futura ou abstração intelectual. Para alguém que nunca fez isso, para alguém que é insensível aos pequenos prazeres do cotidiano, a mudança certamente é dolorosa.

Durante o processo de transformação do transhumanismo na minha religião, eu me agarrei a ele para criar três objetivos de longo prazo: Longevidade (viver o máximo de tempo possível, para quem sabe me beneficiar das promessas transhumanas), manter-me empregável (pois é provável que sem isso não terei o status social e a renda necessários para ter acesso às tecnologias transhumanas) e acumular um patrimônio (para adquirir essas tecnologias, embora provavelmente elas poderão ser financiadas (se é que serão popularizadas, afinal podem ser consideradas ilegais ou podem ficar restrita a uma pequena elite de “iluminados”)). Ora, qualquer semelhança disso com a vida de um insider não é mera coincidência, só faltou o ter filhos (o que não faz parte do plano, pois iria desviar recursos necessários à agenda transhumana). “Você é traidor do movimento, véio!”. Que seja.

A preparação para a longevidade exige um esforço disciplinado em várias áreas: é necessária uma reprogramação mental que garanta a resiliência e a motivação necessárias (isso mesmo, resiliência e motivação, você não leu errado) para sobreviver às brutais mudanças que ocorrerão no mundo ao longo do século XXI, é necessário criar uma rotina de cuidados com a saúde mental (incluindo “higiene mental”) e corporal, é necessário criar uma rotina de administração do patrimônio, e é necessário desenvolver habilidades de relacionamento interpessoal. Se alguma dessas questões for preterida, a chance de chegar, por exemplo, até 2090 com algum patrimônio (ou mesmo sem nenhum) cairão drasticamente.

Do ponto de vista marxiano, o transhumanismo é obviamente uma ideologia burguesa que serve para legitimar o atual estado de coisas e seduzir ao conformismo fantasista alguns rebeldes. Não é por acaso que eu falei ali em cima em “empregabilidade”. Ora, uma das funções da ideologia é justamente resignar ao trabalho. Em resposta a essa acusação, eu apenas posso, por ora, considerá-la verdadeira, mas salientar duas questões: i) algumas vertentes marxistas também professam um milenarismo tecnológico e ii) é preciso confirmar se o capitalismo é o melhor modo de produção para promover um rápido desenvolvimento tecnológico (se não for, e segundo alguns não é, o transhumanismo pode ser descolado de uma apologia ao capitalismo).

Embora eu já tenha abandonado o transhumanismo como religião – e tenha percebido que a saída é viver aqui e agora, e não ficar se agarrando a promessas utópicas –, essa questão ainda está em aberto, seja como objeto de estudo mais detalhado seja como real possibilidade futura. Por isso os objetivos de longo prazo (longevidade, empregabilidade e patrimônio), continuam válidos. Mesmo que o transhumanismo revele-se a armadilha sedutora para a escravização final da humanidade, eu quero estar vivo para ver isso ocorrer.

À época em que o transhumanismo estava se tornando a minha religião, eu redigi um capítulo (de devaneios, como todo esse blog), intitulado “Acerca de esboços de algumas características da minha utopia transhumanista”, o qual é uma antítese ao capítulo 19. Reproduzo o rascunho desse capítulo a seguir:


1. A condição humana foi substituída pela pós-humana (transhumana), a qual se caracteriza pela alteração administrada, mediante tecnologia, na própria natureza humana, e pela fusão do humano e do tecnológico.

2. A inteligência média dos transhumanos é, em termos atuais, de um QI de mais de 1.000 pontos – esse é o primeiro ponto fundamental para que todo o resto seja possível. Dentro do quadro tradicional da natureza humana, qualquer projeto emancipatório da humanidade esbarra inevitavelmente na estupidez geral.

3. Há uma hipertrofia (em comparação à atualidade) da empatia – esse é o segundo ponto fundamental para que todo o resto seja possível. Sem um recrudescimento da compaixão, da fraternidade – do amor – , para se contrapor à razão instrumental, é inevitável que a vida planetária seja escravizada por um cínico e cruel pragmatismo que tudo esmaga sob as engrenagens de seu maquinismo.

4. Se as pulsões narcisistas destrutivas e deletérias são determinadas biologicamente (isto é, pela natureza), então elas podem ser suprimidas pela reengenharia biológica. Se as referidas pulsões são determinadas historicamente (isto é, pela sociedade), então é possível eliminá-las por uma reengenharia social. Na hipótese, mais provável, de se tratar de uma confluência de determinações biológicas e históricas, então é igualmente possível efetuar uma gestão com o intuito de mitigá-las (se é que é realmente necessário suprimi-las, talvez nem seja). Em qualquer hipótese materialista, a natureza humana torna-se potencialmente administrável, dependendo apenas da amplitude das ferramentas de gestão disponíveis. Negar isso é cair, junto com Schopenhauer, numa hipótese idealista que afirma a existência de uma essência imaterial (e portanto não administrável pela tecnologia) que impede a priori a realização de uma utopia.

5. Os multivíduos são capazes de editar os seus corpos, tanto nos mundos virtuais de imersão, quanto o(s) avatar(es) usados no mundo físico (um mesmo multivíduo pode usar mais de um avatar simultaneamente, já que a consciência é agora capaz de manter a atenção em mais de um ponto simultaneamente).

6. A natureza é administrada por uma gestão da engenharia planetária: a natureza foi totalmente instrumentalizada e sujeitada à civilização. Não existem no planeta forças naturais que estejam livres a administração transhumana. Às favas a natureza.

7. A democracia representativa foi substituída por uma espécie de simbiose entre a tecnocracia (isto é, sistemas automatizados e impessoais de gestão) e uma democracia de fato, não representativa, presencial, direta.

8. Não houve destruição de documentos do passado, pelo contrário: cada detalhe da história humana é estudado e dissecado exaustivamente.

9. Todo conteúdo inconsciente foi trazido à consciência. (Isso traria conseqüências dramáticas, não?)

10. As pessoas são efetivamente autônomas, não sendo seduzidas/manipuladas/persuadidas por guias, mestres, senhores, sacerdotes, gurus, charlatões, publicitários, advogados, marketeiros, formadores de opinião, padres, médicos, psicólogos, escritores, empresas, etc. Todavia existe um ordenamento jurídico comunitário ao qual todos devem obedecer para fruir dos irresistíveis benefícios sociais.

11. A “servidão voluntária” (E. de La Boétie) foi superada.

12. O “desperdício conspícuo” (T.B. Veblen) foi superado.

13. A figura da “massa”, do “povão”, desapareceu. Afirmações como “sem profecia o povo se corrompe” (Provérbios, 29:18) são tão absurdas e infantis quanto acreditar em Jesus, Virgem Maria, Zeus ou Papai Noel.

14. Embora possa existir alguma forma de espiritualidade ou esoterismo, as seitas e religiões tradicionais – inclusive o cristianismo – foram totalmente superadas, e implodiram pelo completo abandono do público (a oferta estancou por falta de demanda), já que ninguém mais acredita nessas besteiras.

15. O trabalho basicamente se resume à produção de informações (científicas, técnicas, burocráticas, artísticas). A exploração do homem pelo homem está superada, assim como os trabalhos braçal e de subsistência.

16. Há um governo global e uma economia global (não há uma religião global porque não existe mais religião). A autonomia das nações está sujeita a uma confederação global das nações. As nações são basicamente nominais, não existindo uma profunda diferença entre uma e outra. Impera um amplo (mas não absoluto ou total) consenso universal.

17. Há uma homogeneidade de pensamento e interesses forte o suficiente para evitar a existência de guerras (mesmo porque as armas disponíveis destruiriam todo planeta instantaneamente – as armas continuam existindo para proteção contra asteróides e, quem sabe?, alienígenas (fodam-se os pacifistas)). A diferença entre os povos dilui-se pela morte das religiões e idiomas locais (foda-se a língua portuguesa): o transhumanismo tecnocrático pós-capitalista é o pensamento hegemônico.

18. O transhumanismo básico é tão evidentemente, premente e necessário que é algo consensual: não há oposição a ele. Eventuais opositores retiram-se voluntariamente do sistema (se é que isso é possível, já que provavelmente o planeta inteiro estará colonizado), ou são convidados pela “Assembléia dos Comuns” a se retirar (podem ir morar em locais análogos às ilhas previstas por Aldous Huxley). Isso se dá de forma democrática, e com a autoridade da supremacia da coletividade e do ordenamento jurídico sobre o multivíduo.

19. Não há um inimigo ou bode expiatório pelo qual possa ser incutido o terror na população.

20. O capitalismo foi superado: conserva-se seus inegáveis benefícios e elimina-se suas distorções grotescas.

21. Não há autoritarismo.

22. O projeto comunista - “de cada um conforme sua capacidade e a cada um conforme sua necessidade” - foi implantado com sucesso.

23. A consciência alienada/reificada/fetichizada foi superada.

24. A ética da gestão reificante foi substituída pela ética do cuidado e do carinho, na qual o outro não é coisificado, mas sim respeitado em sua alteridade e subjetividade.

25. Há uma grande liberdade de costumes, mantido o respeito à autonomia multividual e à sacralidade da vida.

26. Há uma mistura de grande licenciosidade moral com ausência espontânea de vulgaridade. (Esse é difícil, né?)

27. Na produção cultural foi substituído o padrão quantitativista pelo qualitativista: não há mais “cultura de massa” ou “indústria cultural”. Ninguém seria estúpido de gastar recursos produzindo ou consumindo conteúdos medievais (humanos, demasiado humanos) como Transformers – A vingança dos vencidos, Marley & eu, Quem me roubou de mim? - O seqüestro da subjetividade e o desafio de ser pessoa, etc. Esses produtos são estudados como mitos dos tempos primitivos, humanos, assim como atualmente estudamos as pinturas rupestres.

28. As pessoas são imortais: apenas morrem se e quando quiserem. Dada a existência generalizada de backup mental e de avatares, a única forma de morte existente é o suicídio, o qual ocorre por um desligamento voluntário dos sistemas que sustentam o(s) organismo(s) (ou seja, com a trazida à consciência dos mecanismos inconscientes, todos as dimensões do processo vital passam a poder ser administradas pela consciência).

29. Embora a sexualidade esteja mais sofisticada do que nunca, há uma recusa voluntária geral quanto à procriação. A reprodução transhumana saiu da esfera privada e foi para a esfera pública (mais ou menos como ocorre em Admirável Mundo Novo, de Huxley), sem que isso crie um despotismo majestoso que destrua a autonomia multividual, muito pelo contrário. (Hã?)

30. Ninguém é obrigado por lei a usar qualquer tipo de droga psicoativa (como o soma de Huxley). Por outro lado, dada a inauguração da capacidade transhumana multividual de administrar o prazer de maneira sustentada (sem cair no circuito bárbaro e animalesco do vício), não há qualquer motivo de “saúde pública” para impedir o uso de todo tipo de enteógenos. O uso dos mais diversos enteógenos é um costume generalizado e subsumido nas práticas holísticas de autoconhecimento e de investigação da realidade, ou mesmo de prazer e diversão (masturbação transcendental).

31. A subsunção da razão instrumental no ser social não escraviza o prazer/erotismo/jouissance ao pragmatismo utilitário, mas, ao contrário, confere-lhe uma autonomia até então inédita.

32. A dialética comportamental masculino x feminino foi substituída por uma síntese andrógina, dada a redundância da especificidade psicológica dos sexos para a reprodução social (a qual não possui mais dimensão privada e foi transferida para a vida pública). Os corpos masculino e feminino são simulacros que não guardam correlação com os antigos e respectivos comportamentos (arquiteturas dos softwares mentais). Há a possibilidade de corpos andróginos, hermafroditas, assexuados, etc.,todos desvinculados da necessidade de ter uma arquitetura mental feminina ou masculina.

33. Crimes violentos e tradicionais (assassinato, seqüestro, estupro, evasão fiscal, estelionato, etc.) tornam-se redundantes e impraticáveis, quer pela existência de um monitoramento ubíquo de todos os atos sociais, quer pela possibilidade da pulsão de morte ser catartizada pelo uso de simulacros, quer pelo aumento administrado da inteligência e da empatia (reprogramação biológica), quer pelo fim do desperdício conspícuo, quer pela homogenização das personalidades individuais com o fim de valores tradicionais (medievais-aristotélicos-humanos), quer pela possibilidade de serem revertidos (poderia se ressuscitar alguém assassinado – além disso é provável que o multivíduo tenha mais de uma versão sua atuando ao mesmo tempo, de tal forma que ele mesmo poderia, se necessário, empreender à recuperação do avatar assassinado ou destruído, se é que essa recuperação seria necessária, afinal haveria backups das consciências).

34. O monitoramento de todos os atos sociais não causa o fim da liberdade, mas, ao contrário, é a inauguração da verdadeira era de liberdade transhumana. (Tá bom...)

35. Há uma progressiva deteriorarão do princípio de identidade pessoal, de tal forma que as fronteiras entre cada um dos multivíduos são cada vez mais difusas e tortuosas. Há a emergência de uma “consciência cósmica”, uma grande consciência coletiva na qual os multivíduos vão progressivamente se amalgamando.

36. A família, a tradição, a propriedade e a religião desapareceram e são vistas como indícios da barbárie na qual viviam os antepassados humanos.

37. O legado transhumano é espalhado, por colonização, para outros planetas (a começar pelo sistema solar – os planetas e luas poderiam se tornar habitáveis quer por engenharia planetária quer por engenharia genética).



2011 de novo

Voltando às teorias da conspiração: tanto Alex Jones quando David Icke acusam o tranhumanismo de ser uma estratégia para implantar o controle total e final sobre a população. É claro que um paranóico como eu já desconfiava que o transhumanismo poderá ser usado para instalar a ditadura final (aliás, eu já antevi isso no capítulo 19, baseado, à época, na minha extrapolação sobre o livro 1984), mas eu, seduzido, estava convenientemente fechando os olhos para isso.

O capítulo sobre teoria da conspiração que eu planejava escrever, por mais longo que fosse, não seria mais esclarecedor do que os seguintes livros: A culture of conspiracy: Apocalyptic visions in contemporary América (Michel Barkun), e Conspiracy Theories: Secrecy and Power in American culture (Mark Fenster). Com certeza uma consulta à Wikipédia, com todas as suas deficiências, é muito mais completa e profissional do que o texto bobo que eu estava redigindo, inclusive, claro, no quesito enciclopédico. Outro livro útil, embora menos sociológico (trata-se basicamente de uma compilação sucinta de teorias da conspiração), é “Conspirações: Tudo o que não querem que você saiba”, de Edson Aran. O livro O gatilho cósmico: O derradeiro segredo dos Illuminati, de Robert Anton Wilson (RAW) também é bem-vindo (além de fazer referência a muitos outros livros sobre o assunto) (RAW escreveu, em parceria com Robert Shea, uma trilogia de romances sobre teorias da conspiração, The Illuminatus! Trilogy, mas o primeiro romance sobre conspirações (gênero tão popularizado pelos Dan Browns da vida) foi O leilão do lote 49, de Thomas Pynchon, considerado uma das obras pioneiras da literatura pós-moderna). Por fim, também é de valia o artigo Será tudo mentira? Aforismos para uma genealogia da teoria da conspiração, de Marcelo Bolshaw Gomes. Embora eu não vá mais postar aqui as minhas opiniões sobre as teorias da conspiração (o melhor seria dizer doutrinas da conspiração), eu falei brevemente sobre o assunto em recentes comentários ao capítulo IX desse blog (e também no ### 29).

Tanto as teorias da conspiração quanto as utopias (incluindo o transhumanismo, mas também o milenarismo e o messianismo) mereciam, para mim, um estudo urgente. E ambas – ideologia e utopia – convergem à sociologia do conhecimento...

Foi aí que meu cérebro virou um pudim. Quando me dei conta, a minha mente havia sido vandalizada, havia virado uma cloaca, um cu arrombado no qual quase qualquer idéia entrava sem dificuldades – um aterro sanitário no qual essas idéias, sentimentos e eus se amontoam desodernadamente.

Eu concordo que é importante, para a busca da verdade e da sabedoria, ter a “mente aberta”. Mas eu exagerei; além do mais, pesquisei sem método que não a minha curiosidade abrangente mas pouco profunda.

O problema é que eu, ainda... não me fundi com um supercomputador. Minha mente ainda está presa num cérebro mediano (tá legal, um pouco acima da mísera média), num corpo que precisa viver em sociedade para manter-se funcionando. Ora, dar as costas para tudo isso (o corpo e os relacionamentos interpessoais) foi fatal, pois, sendo-se um ser humano (e eu sou, infelizmente), não se pode ignorar esses aspectos sem que eles “se vinguem”, ou seja, sem que a sua própria ignorância e inabilidade não conspire para a sua ruína física, mental e social.

A minha interpretação atual é que, desde que eu abandonei Schopenhauer definitivamente, eu fui enfiando tantos discursos de mundo diferentes e com tanta voracidade que o meu cérebro parou de responder. É uma saturação, um bode entrópico. Como um guloso que enche vários pratos e depois não consegue comê-los. E eu enchi dezenas de pratos, tudo de forma anárquica, tudo enquanto continuava a trabalhar, tudo enquanto acreditava que estava escrevendo a minha monografia.



De todas as pesquisas com as quais a minha mente se entreteu, apenas uma é no momento prioritária, do ponto de vista utilitário-racional-pragmático. Não, não são as teorias da conspiração... É justamente a pesquisa menos interessante: a ligada à monografia, alienação e ideologia na teoria da literatura de Lukács.

Ah, a monografia... Serei jubilado no fim desse ano, e ainda não tenho nada. No momento parei de me dedicar a ela para juntar as poucas forças mentais que sobraram para terminar a última cadeira que falta na faculdade. Semestre que vem faltará apenas a monografia. Semestre que vem será a minha última chance, o tiro de misericórdia. “Está entregue a Jesus”, como diria uma colega de trabalho minha. Não, Jesus não vai me salvar. Está entregue a mim, eu o único interessado e capaz de concluir isso de uma vez.

Apesar disso, da iminência do jubilamento, passei o fim de semana retrasado lendo o livro O mistério de Marte: a conexão secreta entre a Terra e o Planeta Vermelho (Hancok, Bauval, Grigsby). Gostaria que fosse uma piada, mas não é. E o livro é bem legal até...




Até onde eu estava, em minhas investigações, procurando a verdade e a redenção (e a vingança) e a partir de onde as pesquisas não se tornaram uma espécie de entretenimento, uma fuga de mim mesmo e das minhas condições concretas de vida? Existem várias formas de se perder (drogas, sexo, religião, vício em trabalho, amor, etc.), e a minha foi essa.

Não que eu me arrependa do turismo intelectual desses últimos anos (se arrepender apenas criará um sofrimento inútil). Mas é preciso saber a hora de parar. E essa hora já passou.

É provável que de vários pontos de vista diferentes (positivismo, cientificismo, humanismo, marxismo, pragmatismo, Nietzsche, Cioran, Popper, etc.) considerem o fascínio por metanarrativas e utopias como um resquício religioso - como um legado do maldito cristianismo.

Fiz um gráfico para tentar esclarecer a questão da desintegração entrópica mental:



Esse comportamento é quase suicida. Vindo de mim, não estou surpreso.

Por falar em suicídio... esses dias tomei a decisão radical, aquela que estava evitando nos últimos anos (pelo menos desde 2007). Essa talvez seja a questão central do depressivo. A questão é que eu estava desejando a morte, cortejando o suicídio, isso enquanto os meus instintos (visto que o meu corpo não atingiu uma “negação do querer-viver”) insistem em afirmar a vida. Ou seja, a minha consciência (mais fragmentada e caótica do que nunca) virou um campo de batalha entre Eros e Tânatos: uma parte de mim quer morrer, outra quer viver, outra não quer se decidir, outra sinceramente não sabe o que quer.

A saturação é um ponto de inflexão. É um estado crítico que força uma tomada de decisão – pois a saturação gera um desabamento da estrutura mental, sendo necessário substituí-la por uma nova, que não pode ser igual a anterior (senão o desabamento se repetiria). Decidir-me de uma vez quanto a viver ou morrer: eis o clímax dos processos mentais que me entreteram nos últimos anos e sem os quais não teria criado esse blog.

O pensamento suicida torna-se, pelo menos tornou-se para mim, uma espiral descendente: quanto mais cortejo a morte, mais a vida parece insuportável: quanto mais cede-se à tentação da morte, mais os pequenos detalhes dolorosos da vida, antes suportáveis ou ignorados, se tornam insuportáveis. Essa espiral força, inevitavelmente, a necessidade de a consciência tomar uma posição, em vez de ficar que nem uma peteca indo de um lado a outro.

Em um mundo em permanente mudança, no qual todos estão lutando por seu “lugar ao sol”, no qual a maioria quer a vida irrefletidamente, a indecisão prolongada (viver ou se matar de uma vez?) – paralisia – equivale à lenta morte por esmagamento nas engrenagens do maquinismo social: enquanto se decide se se quer vida ou morte, vai-se sendo levado à segunda.

E a decisão que eu tomei, a decisão radical é que, droga, SIM eu quero viver!, e que, uma vez tendo me posicionado, eu devo, com firmeza, afastar veementemente as idéias suicidas. Chega de ficar na penumbra da indecisão. Não é possível viver à beira do abismo por muito tempo. O abismo leva-o ao desespero e força uma tomada de decisão: afinal, pular ou continuar a escalada? Após muito cu doce eu decidi continuar. Eu vou até o fim, aconteça o que acontecer.

Uma vez eu insinuei para um completo insider a possibilidade de eu cometer suicídio e o sujeito ficou bastante assustado. Para muita gente, a morte (e principalmente o suicídio) é algo que não é sequer encarado. Não se trata de voltar a um posicionamento covarde desse tipo (tudo o que eu estou propondo aqui é exatamente o oposto da covardia), mas sim de, uma vez decidido que se quer viver, parar de ficar cortejando a morte como uma saída fácil. (A minha opinião atual sobre a morte (do eu) é de que ela é, em parte, uma ilusão - pelo simples motivo de que a própria vida (do eu) é, em parte, ilusória.) [3] (Bem, o que vou dizer pode parecer contraditório com a mensagem geral desse texto, mas acho que as pessoas valorizam demais o estarem vivas... isso cria uma espécie de paranóia que dificulta a própria fruição do estar vivo, entende?)

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[3] Acrescentado em 26/10/11: É justamente por ser mortal que tenho motivos para viver. Se me contento em ser uma coleção de algorítimos genéricos sem uma especificidade histórica, então não preciso viver minha própria vida. Ao tentar negar a morte pela identificação com a vida em geral eu acabo nadificando a minha vida em particular. A síntese está em reconhecer a simultaneidade da identidade com a vida em geral e com a particularidade ineliminável do curso de uma vida pessoal: sou, simultaneamente, todos os seres e eu mesmo, e é justamente porque cada ser tem uma substância – existir – que eu posso ser algo ao ser todos e ser, simultaneamente, eu mesmo. Se a identidade com a vida em geral e eterna me conforta diante da morte, a identidade com a vida particular e mortal me motiva diante da vida. A eternidade do geral reconforta diante da morte e a efemeridade do particular motiva diante da vida.[3]
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Não pense que eu mudei de idéia em ralação ao mundo, que agora eu acho esse mundo um lugar maravilhoso (que eu, agora, acredito nas propagandas de margarina e dos bancos, e, na verdade, em todas as outras). Não, pelo menos não ainda. Talvez nunca. A incerteza está justamente no fato de eu não me agarrar mais à posição de Tânatos, de um não à vida, posição que é um resquício schopenhauriano. Por ora, e aí está o radicalismo, eu decidi me agarrar à vida (e lutar por ela) mesmo ela sendo infeliz (O quê?? Absurdo! Traidor!). Se essa posição vai durar muito tempo, não tenho a menor idéia, mas a intenção é que dure. Não pense também que eu planejo virar um insider. Ora, isso é impossível, mesmo que eu quisesse (e não quero). Não há como voltar. Só nascendo de novo (e não estou me referindo a Jesus).

Essa decisão pelo "sim!" não é a cura da depressão, mas parece ser, pelo menos no meu caso, uma condição prévia para a cura. Antidepressivos também são úteis, mas de nada servem sem uma reprogramação mental que implique em ver a vida de uma forma diferente (no caso, dispor a vivê-la, parando de recorrer aos pensamentos suicidas e às críticas sem fim como fonte de escapismo e vingança).

Lembro que em 2007 eu relatei as minhas tragédias para um amigo (um esquizóide, mas um caso mais leve que o meu) e ele me respondeu: “E por que você não luta para mudar essa situação?” Sim, por que eu não lutei? Aparentemente por puro derrotismo: preferi me render antes mesmo de tentar ir até o fim. Era mais cômodo ficar trancado no meu quarto roendo a alma do que sair e lutar.

“A vida gosta de quem gosta dela” (do filme a Suprema felicidade). É quase uma “lei da atração”: se o multivíduo desdenha repetida e conscientemente da vida em um mundo no qual a maioria das pessoas se agarra a ela com a cegueira desesperada do instinto (a Vontade schopenhauriana), é inevitável que o multivíduo, ao longo dos seus relacionamentos, seu viver no mundo, acabe levando-se à ruína, ao abismo que tanto cortejou. Em um mundo no qual todos lutam desesperadamente pela vida e pelo poder, esnobar a vida e essa luta só pode levar ao colapso.

Esse esnobismo suicida foi exatamente o que eu fiz pelo menos desde 2005, quando comecei a estudar Schopenhauer. Foi uma pena ter gastando tanto tempo lendo Schopenhauer. Esse tempo talvez tivesse sido melhor investido em Nietzsche, Foucault, e Baudrillard, entre outros (ou mesmo conferindo mais atenção a Marx & cia.).

Por que não ver minhas tragédias pessoais como oportunidades de fortalecimento, em vez de vê-las como uma condenação eterna à mediocridade e, por fim, à débâcle? Todo mestre já foi um desastre... Essa atitude de mudança pressupõe um abandono da vitimização e da fracassomania. Pressupõe que eu me disponha a sair do comodismo e a jogar o jogo da vida, sem medo de fazer altas apostas.

Repito: ficar reclamando e se vitimizando (como eu fiz repetidamente nesse blog, principalmente em 2008) é o caminho da ruína, do fracasso e da morte. Eu (ainda) não desenvolvi (e talvez nunca o faça) um discurso de mundo baseado numa visão de mundo nietzscheana que coloque a defesa da vida acima de tudo. Mas foi só eu abandonar Schopenhauer e estudar um pouco o pensamento posterior ao dele para perceber que talvez a vida valha a pena sim. Pelo menos, penso que vale a pena tentar realmente chegar a uma teoria do tudo, empreitada na qual Schopenhauer obviamente fracassou (por mais que ele pensasse o oposto), além de tentar realmente chegar a uma sociedade utópica – a menos que fique demonstrado pela teoria do tudo que uma utopia, ou mesmo uma sociedade melhor do que a atual, é impossível. Se a teoria do tudo demonstrasse a futilidade radical da vida, penso que talvez a missão da humanidade fosse não cometer suicídio imediatamente, mas tentar encontrar e exterminar o restante da vida no universo (inversamente, os esotéricos e ufólogos otimistas dizem que se há uma civilização alienígena que chegou ao pleno desenvolvimento a sua missão seria ajudar na evolução das formas de vida mais atrasadas que habitam o universo).

A vida é uma merda, eu (ainda) não mudei de idéia. Mas, diferentemente do que quis Schopenhauer, as possibilidades não estão esgotadas. A história ainda não acabou, e as perguntas vitais ainda não foram respondidas.

Eu não resisti à tentação de existir. A depender da metanarrativa schopenhauriana, eu terei que viver outras vidas até chegar à negação do querer-viver. Segundo o budismo, Siddhartha Gautama viveu cerca de 900.000 vidas até chegar ao estado de iluminação. Vale lembrar que na filosofia schopenhauriana o suicídio não é uma salvação, tampouco é fruto da negação do querer-viver. “Sereis repostos no mundo.”

Agora, se é para existir, que se exista com vitalidade, convicção, coragem, veemência, e não com fraqueza, titubeio, indecisão, medo – glicose anal. Ora, como é possível ser forte e impetuoso quando se está pensando em suicídio o tempo todo, e principalmente quando surge qualquer dificuldade nova (e elas vão sempre surgir)?

Ora, se eu não gosto do meu trabalho e acho que mereço algo melhor do que ele, então cabe a mim estruturar e executar um plano para superar essa situação. Ficar remoendo meu ressentimento não irá solucionar a questão, apenas apressará a minha ruína.

Se eu sou contra a própria instituição do trabalho assalariado, então que eu lute para eliminá-la, ou abandone a sociedade, ou vire um mendigo voluntário. Agora, ficar nessa lamúria indefinida é torturante, é contra a minha intenção estóica de minimizar o meu sofrimento. E não adianta esperar para decidir até que se tenha um nível de informação suficiente para decidir com segurança: uma decisão terá que ser tomada com ou sem essas informações.

Também mediante a autocrítica percebi que, em relação à questão do trabalho, o meu desejo está, no fundo, mais para o desejo pequeno-burguês (e infantil) de viver do trabalho alheio (viver no ócio financiado pelo trabalho de outrem) do que para o desejo comunista de construir uma sociedade na qual todos contribuam conforme a sua capacidade e recebam conforme a sua necessidade (vale lembrar que O manifesto comunista prescreve trabalho obrigatório para todos...).

Se eu, quer por motivos estritamente biológicos, quer por supostos motivos metafísicos, sou incapaz de atingir a negação do querer-viver (a renúncia ascética da vida), não me resta outra opção senão escolher entre a neurose de negar a minha própria essência (opção essa que, dado o contexto da minha vida, é o caminho do suicídio – e vale lembrar que a própria metafísica schopenhauriana coloca o suicídio como resultado de uma afirmação do querer-viver) ou correr os riscos inerentes à sua afirmação.

Ora, se a própria metafísica schopenhauriana (na qual eu obviamente não acredito) opõe-se ao suicídio (o qual não é, para ela, uma libertação), se a mesma metafísica afirma que a negação do querer-viver é algo que ocorre naturalmente (que está além da capacidade de escolha multividual), se ainda a mesma metafísica diz que a única forma da Vontade se cansar da vida é... vivendo, então fica claro para mim que eu estou usando essa metafísica para justificar o meu comodismo, o meu medo e a minha neurose.

Parodiando o próprio Schopenhauer, a sua metafísica, a essa altura do campeonato da minha vida, tornou-se para mim uma muleta para uma perna sadia. Está na hora de esquecê-la. Doravante, Schopenhauer se resume à eudemonologia – e ainda assim com ressalvas (por exemplo, com relação à defesa do solipsismo e à misoginia). Às favas Schopenhauer.

Ora, viver a vida significa aprender a “jogar os jogos” e a “atuar nos palcos” da vida. Diante dessa necessidade de aprendizagem, e dada a minha atual bibliomania, acabei revendo o meu posicionamento diante de alguns livros da infame auto-ajuda. Aqueles livros que, em vez de motivação barata, ensinam algo sobre as sutilezas dos relacionamentos interpessoais nos diferentes ambientes de atuação (palcos). Essa literatura é especialmente instrutiva para alguém que, como eu, possui, em virtude da baixa inserção no processo de socialização, parca habilidade em perceber as “regras dos jogos”, regras essas que são não-verbais (mas que são explicitadas nessa literatura). É claro que os clássicos da eudemonologia continuam a ser bem-vindos, agora mais do que nunca.

Ignorar as regras dos jogos é suicídio. Eu não tinha motivo, porém, para me importar com elas enquanto procrastinava a decisão acerca de ser ou não ser.

Não posso virar um insider... Mas o que aconteceria se eu simplesmente parasse de ficar ruminando a minha outsiderness – se eu considerasse essa focalização supérflua ou mesmo deletéria?

Outra escolha radical que terá que ser feita é a de abandonar o generalismo e se especializar em algo. Mas eu ainda não sei no que me especializar. Devo saber em alguns anos. Será necessária uma faxina mental geral, para jogar fora (ou ao menos acondicionar em segurança) todo lixo intelectual que polui minha mente.

Para sobreviver na hipermodernidade eu serei coagido a me especializar em algo, abdicando do sonho generalista (que pode, quem sabe um dia, ser realizado pelo transhumanismo). Se eu não me especializar, se eu continuar a me divertir com os prazeres do generalismo, é provável que eu acabe sendo rebaixado à condição de delta (ou seja, um trabalhador não especializado...). Vou terminar no caixa do Giraffas. Virar um delta não seria problema se isso não fosse afetar negativamente a minha longevidade. Se eu quero viver até 2090 eu preciso, no mínimo, manter-me um gama.

O meu caso: uma mistura de introversão, de personalidade esquizóide, de rebelião contra a vida em geral e contra o capitalismo em particular, tudo isso dentro de uma família que flutuou entre os níveis delta e gama. Trata-se de uma bomba relógio, que eu nem sei mais se é possível desarmar (embora eu vá tentar fazê-lo). Eu fui tão longe, que já não sei se consigo voltar ao deserto do mundo real, à pobreza escandalosa do cotidiano.

Quanto ao turismo intelectual, foi divertido, mas ele não poderia continuar para o resto da minha vida. Mesmo que eu não precisasse trabalhar, é provável que se continuasse a insistir nessa brincadeira eu terminaria em algum lugar entre a estupidez e a loucura.

As forças (os eus) ligados à busca pela verdade a qualquer preço (inclusive ao preço de ferir o meu narcisismo) e ligadas à busca estóica pela paz de espírito e pela saúde acabaram por vencer as forças (os eus) lúgubres do ódio e da glorificação do sofrimento e da morte. E como a busca insana pela verdade é incompatível com a saúde e a paz de espírito, ela será preterida por eles, os quais, pela primeira vez, serão prioridade na minha vida.

Eu sei que as forças lúgubres não podem ser eliminadas de qualquer consciência humana. Mas elas podem ser canalizadas para fortalecer o multivíduo, em vez de enfraquecê-lo. E por que não ser forte, agora que se tem objetivos?



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666 x 3 - Diário



Hoje






Não tenho nada a perder correndo os riscos do transhumanismo e da ditadura tecnotrônica (transhumanismo, darwinismo social, sociobiologia, eugenia, holocausto... não é muito difícil estabelecer ligações entre esses assuntos): se essa é minha única vida, é melhor arriscar tudo para abandonar a mediocridade (mesmo porque essas previsões só ocorrerão, se ocorrerem, quando eu já estiver velho, quando já não tiver muito a perder). Se, pelo contrário, estou condenado a viver milhares de vidas, então posso me dar ao luxo de “desperdiçar” essa (por desperdiçar entenda-se cair em uma armadilha materialista (transhumanismo, marxismo, humanismo, ceticismo, pragmatismo, ateísmo) em vez de desenvolver – de acordo com as exigências da teleologia moral – a espiritualidade). Agora, se essa é minha última chance, então já era... se eu nasço só uma vez, isso é o melhor que eu posso fazer, and de best I can do is good enough. Se o apocalipse se aproxima, sinto-me lisonjeado de vivenciar o fim dos tempos (é bem mais divertido do que uma vida sem uma catástrofe global e final dessas). (Um dos meus devaneios é ser o último ser humano após o apocalipse. Enquanto eu agonizo em meio aos escombros, olho no relógio para saber a hora exata do fim da humanidade.) Mas, convenhamos, o mais provável é que a vida se desenrole sem que nada muito espetacular ocorra.

A verdade é que eu nunca vou ter informações suficientes para tomar qualquer decisão de uma maneira bem fundamentada (transhumanismo? esoterismos? ceticismo humanista? niilismo radical?, pragmatismo estóico? anarquismo? etc.). Assim sendo, a única solução é escolher uma opção com base na intuição (preferência subjetiva) e arcar com as possíveis conseqüências deletérias dessa decisão. A vida toda é um jogo, um cassino, uma roleta russa; não há garantias de sucesso – e nunca haverá. Ou “vai-se à luta”, ou fica-se eternamente escondido ruminando a indecisão e o fracasso.

Se eu quiser longevidade – e eu quero – é preciso ser alguém forte, flexível, esperto, confiante, etc. Se eu continuar cultuando a fraqueza e a vitimização, a ruína é inevitável.

Diante das mudanças relatas acima, qual é o destino desse blog?

Na medida em que eu decido soberanamente sair do limbo à beira do abismo, o conceito original desse blog está perdido, não fazendo sentido continuar com ele.

O "sim!" à vida se opõe ao conceito desse blog, um blog tomado inicialmente pelo "não!" e, posteriormente, tomado por uma indecisão, uma não tomada de decisão entre "sim!" e "não!" Na medida em que eu tomei conscientemente a decisão pelo "sim!", o conceito desse blog está esgotado. Eu não posso continuá-lo sem macular seu conceito. Se eu quisesse continuar a escrever um blog – e eu não quero – teria ou que mudar o nome desse blog (quem sabe para Outsider reloaded ou Outsider rising), escrevendo uma postagem de intermédio, ou teria que começar outro. Destarte, não me resta, a fortiori, outra ação além de encerrar o Outsider à beira do abismo. Quem sabe um dia eu faça um vlog, agora que isso está na moda...

Dos capítulos que eu havia prometido postar, alguns eu não quero mais porque eram mera enrolação, outros porque não concordo mais o suficiente com o que já escrevi (isso que dá ter a idéia e querer desenvolvê-la um ano depois), outros porque não estou disposto mais a empreender o grande, e pouco útil, esforço necessário para terminá-los. O fetiche que tinha por esse blog acabou. Assim como ocorre com uma análise (psicoterapia), o afastamento por algumas semanas ou meses foi suficiente para incentivar um rompimento definitivo.

De certa forma, todos os capítulos desse blog são superficiais e amadores, por mais profundos e eruditos que possam parecer a alguns incautos quando comparados com o senso comum. Eu não sou versado em nada o suficiente para ter redigido textos profissionais. Nada: Schopenhauer, marxismos, indústria cultural, etc.

Deixe-se claro: não estou dizendo que o conteúdo desse blog é mentiroso (que eu ache agora que minhas críticas à vida são infundadas). Ele é formado por vários pontos de vista, alguns mais plausíveis do que outros, mas todos convergindo para o ressentimento, para o ódio e para a vingança, além da verdade e da utopia. E eu não iria querer me vingar se não fosse um frustrado. Como eu já disse várias vezes, “o rebelde não passa de um desajustado”. Mas não existe, a priori, uma inadequação entre interesse e verdade. No fundo, qualquer tese acaba defendendo o interesse de alguém (Newton que o diga).

Em seu primeiro ano, o blog basicamente tratou do pessimismo e de uma visão lúgubre da vida, baseados então nas minhas interpretações de Schopenhauer, Radiohead, Marx (que, em absoluto, não é um pessimista) e outros (Veblen, etc.). Nos dois anos seguintes, o blog se alimentou, por um lado, da arqueologia de textos antigos, e, por outro, dos temas suscitados pela inflação mental animada pelo turismo intelectual; de vez em quando (p.ex., cap. CXI), a temática da lamúria era retomada.

Em 2008 e 2009 os textos eram escritos meses antes, inclusive não poucos foram desenterrados de anos anteriores a 2008 (ou seja, o processo para postá-los era relativamente rápido). Muita coisa postada em 2008 foi simplesmente transcrita dos meus “diários” de anos anteriores.

A partir de 2009 – e em paralelo com a inflação mental promovida pelo turismo intelectual – os capítulos principais (marcados como favoritos) foram ficando cada vez mais longos, presunçosos, genéricos, sincréticos e malabáricos.

Quando chegamos em setembro de 2010, eu tinha uma lista de alguns longos capítulos a escrever, os quais já não tinham qualquer ligação com a monografia, a qual eu tinha pouco mais de uma ano para redigir (redação que não realizei até agora). Foi ingenuidade achar que eu me disporia a retomar textos inacabados um ano depois. Porque um ano depois as minhas opiniões, interesses e motivações já seriam outros.

Como os capítulos desse blog são extremamente pessoais (embora possa não parecer a alguns desavisados ou apedeutas) não houve grandes dificuldades administrativas enquanto eu postava os textos meses depois de tê-los redigido. Mas inverter esse método – prometendo algo que ainda não foi concluído – foi estupidez, pois não havia como garantir a disposição necessária para honrar a promessa.

Bem, esse blog não poderia durar para sempre. Em algum momento as condições contingentes que ensejaram a sua criação e ampliação não mais estariam presentes na minha vida.

Encerrar esse blog é um ritual, uma forma de exorcizar o turismo intelectual e a depressão e seguir em frente. A vida continua. Como ritual de emancipação, o cadáver insepulto desse blog deve ser enterrado. Não há mais como adiar.

Eu tenho uma lista de coisas a fazer em 2011. Como a monografia está atrasadíssima, é preciso fazer algum sacrifício para cumprir a agenda. Mais um motivo para acabar com esse blog por aqui.

Duan Conrado Castro é um personagem (um fake, eu já disse) que criei e cuja vida vivi nos últimos anos. Qual personagem eu criarei no futuro? Não sei. E isso, no momento, não importa. O que importa é redigir a monografia (cultivar o jardim).

Mundos para desbravar é o que não falta. Basta sair da letargia e ousar explorá-los. Antes de iniciar esse blog, uma das minhas recorrentes preocupações era com o que preencher a vida; agora, a vida parece curta demais para se fazer tudo que vale a pena ser feito.

Para conseguir começar e terminar a monografia até novembro de 2011, é preciso eliminar todas as distrações, senão eu continuarei procrastinando. Todas as vezes que me tranquei no meu quarto e me foquei exclusivamente em um único assunto, sem distrações, e, inclusive, sem qualquer interação social a título de suposta catarse, os resultados foram satisfatórios. Esse não é o momento de querer inovar.

Ao terminar a monografia, eu partirei para a reprogramação mental que venho idealizando desde 2010. Não há mais tempo a perder redigindo capítulos sobre teorias de conspiração ou listas de 5.000 livros, mesmo que ambos já estejam parcialmente redigidos.

Está na hora de acabar a monografia. Mas para terminar é preciso começar. E para começar é preciso se focar.

O blog acaba como começou: por meio de uma decisão abrupta, porém convicta. Isso acaba aqui.

Está consumado.


Agora




Do abismo não adianta fugir. Todos – insiders e outsiders (esses, principalmente), ricos e pobres, belos e feios – terão que encará-lo mais cedo ou mais tarde. É como um ritual de iniciação, um encontro do qual não se volta – porque é impossível voltar. Ficar à beira do abismo é insustentável por muito tempo: ou você pula de uma vez ou continua a escalada. Eu decidi continuar.

Sim!, eu quero a vida! E a vida é aqui e agora.


Está na hora do grito de liberdade. Está na hora de se emancipar das amarras lúgubres do ressentimento, do ódio, da vitimização, do generalismo inócuo, e dos pensamentos suicidas.

O descalabro (jubilamento, despersonalização, demência, agonia, suicídio) vaticinado e cortejado se aproxima. Mas ele não precisa chegar. A ruína pode ser substituída pelo júbilo. O fracasso pode ser substituído pela luta heróica. O cortejo do abismo pode ser substituído pela escalada de uma íngreme montanha (melhor do que isso só voar, - mas e se melhor for impossível?). Embora eu tenha me perdido, eu ainda posso me reencontrar. O conhecimento acumulado não precisa ser desperdiçado. A mente devastada pode ser reconstruída – e, talvez, até mais forte do que nunca. O corpo, desdenhado e à beira da doença, ainda não perdeu o seu potencial de regeneração. O bom-humor ainda não foi perdido (ri muito escrevendo a maioria dos capítulos desse blog). Apesar de todos os meus esforços em destruí-las, ainda resistem as possibilidades da saúde, da paz de espírito, do conforto e da dignidade. O ódio ainda pode se transformar em amor e a indiferença em empatia. O esoterismo ainda pode se transformar em razão científica e empática, e a megalomania em bom senso. (A civilização ainda pode acordar da sua amnésia suicida antes que seja tarde demais. A História ainda não acabou, ao contrário do que querem os derrotistas e os apocalípticos. O sistema que a tudo reifica e esmaga sob suas engrenagens ainda pode ser destruído. A humanidade ainda pode emancipar-se.)

Não importa o que fizeram comigo, mas sim o que eu farei com o que fizeram comigo.

As conseqüências de nossas escolhas (por mais imaturas, irrefletidas e desamparadas que elas tenham sido) nos perseguem até a morte – quiçá até depois dela. Eu escolho a vida, e não a morte! Eu escolho Eros e não Tânatos. Essa escolha, e sua respectiva responsabilidade, é minha – ninguém pode fazê-la por mim. E eu vou levá-la às últimas conseqüências. Ainda preferia não ter nascido. Mas, já que estou aqui, vou audaciosamente até o fim.

Esse não sou eu choramingando, alimentando a vitimização. Esse não sou eu me escondendo. Esse não sou eu ruminando as minhas idéias fixas. Esse não sou eu destilando o meu veneno como vingança contraproducente. Esse não sou eu chorando no muro das lamentações. Esse não sou eu procurando uma nova religião/neurose para substituir o cristianismo escarnecido e falido. Esse não sou eu procurando uma teoria do tudo. Esse não sou eu me distraindo com a diversão de um passeio deslumbrante, mas fatal. Esse sou eu assumindo o controle da minha vida. Saí da platéia e fui para o ringue.

Isso muda tudo. Isso muda a mim.

Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida.







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666 x 4 – Sua vez




E você, o que está fazendo com a sua vida?

Todo dia é dia para um recomeço. Todo dia é dia para fazer diferente. Todo dia é dia para amar. Não jogue esse dia fora, pois talvez você não tenha outro além dele.





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Encontrar-nos-emos onde não há trevas.