sexta-feira, 31 de julho de 2009

LXXIV - Uma breve crítica ao cristianismo e a sua mais atroz forma: o (neo)pentecostalismo - parte 10 de 16.

.
.
.

§ 74






2.8. À nossa imagem e semelhança


É sabido que os cristãos crêem em um deus onipotente, onisciente e onipresente. Uma breve leitura do sacro livro levanta sérias dúvidas a esse respeito, pois essa visão abstrata (e escolástica) de deus como uma exorbitação conceitual se choca com as descrições bíblicas dos atos desse mesmo deus (principalmente os relatados no Velho Testamento).

Alguém que possui esses atributos não seria capaz de se surpreender, de se irar ou de se equivocar, não é mesmo? Nada para ele seria novidade, ele saberia de tudo, tanto o que já ocorreu quanto o que ainda ocorrerá, ele poderia tudo.

Um dos muitos trechos que não se conciliam com tal concepção de deus é o de Êxodo 32: 9-14. Como pode um ser com todos esses poderes enfurecer-se (versículo 10), esquecer-se (versículo 13) e, mais paradoxalmente, arrepender-se (versículo 14: Então o SENHOR arrependeu-se do mal que dissera que havia de fazer ao seu povo.)? E, pior, ele ainda por cima é corrigido por uma criação sua – Moisés. Depois que alguém supostamente infinitas vezes mais fraco, ignorante e estúpido que ele o corrige, ele MUDA DE OPINIÃO se arrepende do MAL que iria fazer!!

Patético.


2.9. Justificar o injustificável


Na verdade vos digo, que não passará esta geração sem que todas essas coisas aconteçam. (Marcos, 13:30)

São essas supostas palavras de Jesus. Todo este capítulo (intitulado “O sermão profético”) discorre a respeito do fim do mundo (eis os títulos dos sub-capítulos: O princípio das dores; A grande tribulação; A vinda do Filho do Homem; A vigilância). Daí conclui-se: o texto afirma que o fim do mundo (do princípio das dores à vinda do Filho do Homem) ocorreria NAQUELA geração da qual Jesus foi contemporâneo. Mas nada aconteceu nos últimos 2000 anos.

É cômico como estudiosos da Bíblia tentam consertar essa contradição. Só para citar alguns exemplos, afirma-se, por exemplo, que o discurso profético não se refere ao apocalipse, mas sim ao aparecimento da Igreja (católica, deixe-se claro), ou, ainda, à destruição de parte da cidade de Jerusalém (que realmente ocorreu naquela geração); outros, em arroubo absurdo de liberalismo, têm o despudor de afirmar que Jesus pode, simplesmente, TER-SE ENGANADO (e nesse caso ele errou feio!); há, ainda, outros que afirmam que “esta geração” não se refere àquela em que Jesus viveu, mas sim àquela na qual tiver início o princípio das dores: quando ele começar, vai acontecer tudo em uma só geração.

Todas essa afirmações são subterfúgios que tentam justificar o injustificável: a profecia não se realizou, portanto não há valor divinatório nas palavras do homem que a proferiu. Ele não é “filho de Deus”, tampouco possui “escolhidos” que levará ao “paraíso”, após o “juízo final” por ele profetizado: tudo isso é para multidão o que a cenoura é para o cavalo.






Atenção: Como eu já disse no § 46, esse texto foi escrito em 2002, quando eu tinha 16 anos. Muito do que está escrito aqui já não representa com exatidão a minha atual forma de pensar. Porém creio que o texto ainda pode ser útil para aqueles que atualmente vivem situações (de apostasia) semelhantes às que eu vivi à época em que escrevi isso.

***

Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sábado, 25 de julho de 2009

LXXIII - Meu deus quanto tempo eu estive sem saber! Isso não poderia ter acontecido # 3 - Nova Ordem Mundial é anunciada por Bush Sênior em 11/09/1990


.
.
.


§ 73






Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado. (George Orwell, 1984)


Segundo a The Cutting Edge (liderada por David Bay) o ex-presidente dos EUA Bush pai teria anunciado a vindoura Nova Ordem Mundial justamente no dia 11/09/1990, ou seja, exatamente 11 anos antes do atentado de 11 de setembro de 2001. Já segundo o primeiro filme do Zeitgeist (de Peter Joseph), o anúncio teria ocorrido em 11/09/1991, dez anos antes do maior ataque terrorista no território estadunidense. O documentário de Joseph não chama muito a atenção para essa coincidência, porque o filme não usa insistentemente a expressão Nova Ordem Mundial (NOM) para indicar a suposta ditadura global que os conspiradores estariam preparando.

Até onde eu me lembro, o vídeo que o filme Zeitgeist apresenta é o segundo filme que aparece no vídeo a seguir:



O pastor Bay é bem mais enfático em utilizar a expressão NOM. No texto O Número '11', Que Permeia os Ataques Terroristas em 11/9/2001, É Usado no Controle Mental Bay afirma o seguinte:

Resumo da Notícia: "Famosa Citação de George Herbert Walker Bush", em 11/9/1990; George Bush discursa no Congresso americano, Sessão Conjunta, www.telemange.ca, http://centre.telemanage.ca/quotes.nsf/2b27ef985647bda38525687b0025daee/013568bbd0bc6df68525687a007b2cc0?OpenDocument

"A guerra no Iraque é uma rara oportunidade para avançarmos rumo a um período histórico de cooperação. A partir destes tempos tumultuados... uma nova ordem mundial poderá emergir."

Outra frase famosa do presidente Bush durante essa invasão iraquiana ao Kuwait, foi quando disse em agosto de 1990: "Essa invasão não se susterá, pois ameaça a Nova Ordem Mundial." Depois que George Bush apresentou esse termo ao público em geral, todos passaram a usá-lo. O então vice-presidente Dan Quayle compareceu a diversos programas de televisão para explicar e dizer a todos o quão maravilhoso era o conceito. A primeira-ministra britânica Margaret Thatcher e o líder soviético Gorbachev repentinamente começaram a usar esse termo, que anteriormente era muito sigiloso, reservado apenas aos leitores de material ocultista selecionado.

Acho muito interessante que exatamente onze anos após o dia em que o presidente Bush fez seu discurso exaltando a Nova Ordem Mundial e declarando que era um fato inevitável, um grande golpe foi aplicado para finalmente colocar o mundo no rumo para esse sistema global. A Nova Ordem Mundial foi iniciada por George Bush e poderá ser concluída por seu filho George W. Bush. O estabelecimento do reino do Anticristo [a Nova Ordem Mundial] estará ocorrendo, portanto, entre os mandatos dos dois Bush! É um legado e tanto da Sociedade Caveira e Ossos, não é?


Bem, já sabemos que o anúncio do Nova Ordem Mundial ocorreu em sincronia com os atentados de 11/09/2001. A dúvida agora é: mas, afinal, foram 10 ou 11 anos antes? Para dirimir essa questão eu fui na Biblioteca Pública do Paraná pesquisar os jornais da época.

A foto que ilustra o início dessa postagem (clique nela para ampliá-la e ler a legenda) é da página 10 do jornal O Estado de São Paulo do dia 12/09/1990, quarta-feira. O jornal afirma o seguinte: "Washington - O porta-voz da Casa Branca, Marlin Fitzwater, antecipou o conteúdo de um discurso que o presidente George Bush deveria pronunciar ontem à noite em sessão conjunta do Congresso, sobre a política dos EUA na crise do Golfo Pérsico. Segundo ele, Bush quer convencer o povo norte-americano de que o esforço para deter o Iraque de Saddam Hussein vale a pena porque deverá resultar numa 'nova ordem internacional'". No final da postagem há uma foto do microfilme do jornal paranaense Gazeta do Povo da mesma data, no qual é afirmado o seguinte (clique na foto para ampliá-la e ler a legenda): "Washington - O presidente norte-americano, George Bush, pedirá a seus compatriotas que continuem confiando nele. Em discurso realizado na sessão conjunta do Congresso e transmitido em cadeia nacional de televisão, Bush explicará que os sacrifícios [leia-se: morte de civis estadunidenses] para obrigar o Iraque a voltar atrás valem a pena e anunciará o surgimento de uma nova ordem internacional promissora." O fato de o primeiro jornal se referir à notícia no futuro do pretérito e o segundo numa estranha mistura de futuro e passado se deve ao fato de que o discurso foi feito à noite nos EUA, provavelmente depois que as edições dos jornais já haviam fechado no Brasil.

Eu também pesquisei esses dois jornais do dia 12/09/1991 e não encontrei nenhuma notícia relativa ao suposto anúncio da NOM feito por Bush nesse dia. A notícia internacional de destaque era, em ambos os jornais, a decisão da URSS de parar de dar apoio financeiro à Cuba. Ambos os jornais, também, veicularam a mesma notícia protagonisada por Bush pai: o então presidente dos EUA se opunha a um empréstimo de US$ 10 binhões ao estado de Israel, em discussão no congresso; Bush ameaçava, se necessário, usar seu poder de veto.

O "Livro das conspirações 2005" publicado pela revista Superinteressante diz algo diferente na reportagem destinada a Harry Potter (tema do capítulo 75 desse blog), nas páginas 52 e 53: "O pastor americano David Bay parece ter descoberto o mistério. Segundo ele, tudo isso faz sentido se pensarmos na idéia de que a 'Nova Ordem Mundial' está dominando o planeta. A expressão foi cunhada pelo então presidente Bush, o pai, em 1991, logo depois da queda do Muro de Berlim. Pelo que ele disse na época, a Nova Ordem Mundial seria a 'união das nações para alcançar as universais aspirações humanas de paz, segurança e liberdade'. Pois é, mas muitos cristãos extremistas entenderam essa tal nova ordem como o início de uma era pagã, com o triunfo de Satanás, sob o comando de um anticristo. E é aqui que entra Potter, nosso bruxinho inglês." Percebeu algum problema? Pois é...afirma-se que a expressão NOM foi introduzida por Bush pai em 1991, e não em 11/09/1990, como o próprio David Bay, citado por ocasião da NOM, afirma e como está indicado nos vídeos e fotos dessa postagem. E, tenha ela sido anunciada em 1990 ou em 1991, o que importa é que a Superinteressante não estabeleceu a ligação desse anúncio com os atentados de 2001. Que belo trabalho jornalístico, não? Mas o que se pode esperar de um livro que já na introdução (p. 8) afirma que "não pretende subverter a história, mas sim proporcionar uma leitura de entretenimento e levar uma reflexão sobre as fronteiras entre ficção e realidade." A mesma introdução é encerrada em tom bem-humorado com a seguinte pergunta: "Leia as histórias a seguir [TODAS elas ruins e mesmo disparatadas] e tire sua própria conclusão: estão escondendo a 'verdade'?" Se você quer a mídia de massas - a voz da hegemonia do establishment - falando sobre teorias conspiratórias, você não pode esperar muito mais do que isso. O próprio livro (p. 11) admite que as teorias da conspiração que propõem uma explicação "alternativa" da história apenas são veiculadas pela "mídia 'alternativa'", ou seja: certamente não pela Superinteressante.

Esse livro da Superinteressante me lembrou uma reportagem da revista Carta Capital (de 12/02/2003, p.56) que trata da manipulação efetuada pela mídia de massa. Não surpreende que uma revista semanal que se dispõe a tratar desse tema tenha uma tiragem 20 vezes menor que a da revista Veja. Cito aqui parte dessa reportagem:

Padrões de Manipulação na Grande Imprensa, de Perseu Abramo (1929-1996), escrito em 1988 e nunca antes publicado, chega agora às livrarias porque seus editores julgaram que não perdeu a atualidade. Muito pelo contrário, diz Hamilton Octavio Souza, chefe do departamento de jornalismo da PUC-SP. "Uma das principais características do jornalismo no Brasil, hoje, praticado pela maioria da grande imprensa, é a manipulação da informação. O principal efeito dessa manipulação é que os órgãos de imprensa não refletem a realidade", escreve Abramo, de pronto.
Jornalista com atuação nos principais veículos do País, paralelamente a uma intensa atividade política (foi fundador do PT e dirigente do partido por 16 anos), Abramo vê quatro padrões de manipulação gerais para a imprensa. 1. Ocultação de determinados fatos. 2. Fragmentação da realidade, causando a descontextualização.3. Inversão da relevância de aspectos da notícia ou a inversão da versão pelo fato ou, ainda, da opinião pela informação. 4. Indução do leitor a ver o mundo não como ele é, mas como querem que ele o veja.

Um exemplo de fragmentação: quando Roseana Sarney desistiu de concorrer à presidência, em 2002, o Jornal Nacional deu essa notícia em destaque, logo no início do programa. A última notícia, mais de meia hora depois, foi a de que houve a liberação de uma verba milionária de auxílio ao Estado do Maranhão...: as notícias foram estruturadas para impedir que o Homer Simpson que está assistindo a esse programa seja capaz de estabelecer qualquer nexo causal entre elas. Um exemplo de inversão da relevância: quando o governador do Paraná, Roberto Requião, iniciou uma guerra contra os bingos no estado, que segundo ele eram usados para crimes de lavagem de dinheiro, os jornais da RPC - Rede Paranaense de Comunicação - (tanto na televisão, na qual a empresa é retransmissora da Globo, quanto na imprensa escrita, com o jornal Gazeta do Povo) veicularam repetidas reportagens que salientavam que, com o fechamento dos bingos, famílias perderiam seus empregos e idosos não teriam como passar o tempo, porém nada - nada - foi dito sobre as acusações de lavagem de dinheiro.

Lembrei também, graças ao livro da Superinteressante, do conceito de contra-informação.

Para fechar essa postagem, cito aqui os famosos Protocolos dos sábios de Sião (protocólo V):

O problema capital do nosso governo é enfraquecer o espírito público pela crítica; fazer-lhe perder o hábito de pensar, porque a reflexão cria a oposição; distrair as forças do espírito, em vãs escaramuças de eloqüência.
(...)
Para tomar conta da opinião pública é preciso torná-la perplexa, exprimindo de diversos lados e tanto tempo tantas opiniões contraditórias que os cristãos acabarão perdidos no seu labirinto e convencidos que, em política, o melhor é não ter opinião.






***

Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sábado, 18 de julho de 2009

LXXII - Memórias das Trevas: Acerca do melhor dia da minha vida.


.
.
.


§ 72





Just because you feel it
Doesn't mean it's there
(Radiohead - There There)



Assim, os sonhos isolados distinguem-se da vida real na medida em que não entram na continuidade da experiência que se prossegue através da vida: e é o despertar que mostra esta diferença. Mas, se o encadeamento causal é a forma que caracteriza a vigília, cada sonho tomado em si apresenta também esta mesma conexão. Se nos colocamos, para julgar as coisas, num ponto de vista superior ao sonho e à vida, não encontramos na sua natureza nenhum caráter que os distinga claramente, e é preciso conceder aos poetas que a vida é apenas um longo sonho. (Arthur Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação, Tomo I, § 5)


Eu acordei. Estava deitado na mesa do professor de uma sala de aula da faculdade que costumo freqüentar. Observei que ainda estava de madrugada. Coloquei as mãos nos bolsos e encontrei uma chave. Não pergunte como, mas eu sabia de onde a chave era. Eu não acreditei no que estava acontecendo. A chave era da sala de um professor, o qual me iria aplicar uma prova na noite seguinte. Corri pelo edifício deserto até a sala dele e abri a porta. Lá dentro não foi muito difícil encontrar o gabarito da prova (que eu tive que copiar à mão). Enquanto procurava o gabarito, eu achei algo a mais do que esperava: uma pistola 9 mm, e pentes de munição. E o que eu fiz com ela? Quando eu saí da sala, eu encontrei quatro dos meus inimigos mortais (dois atuais e dois do meu passado distante) amarrados no chão, indefesos. Como eu já imaginava que aquilo era um sonho, eu tratei de matá-los rapidamente, mas não sem prazer.

Foi quando eu acordei.

Eu estava na minha cama, onde eu geralmente costumo estar quando acordo. Percebi que o gabarito da prova estava no chão. Não acreditei no que estava acontecendo. Levantei, confirmei se aquilo no chão era realmente o dito gabarito (e era) e procurei a pistola, para confirmar se ela "tinha vindo" junto comigo também (não tinha).

Eu obviamente achei que eu continuava sonhando, e por isso comecei a me dar tapas na cara e beliscões nos braços, para ver se acordava. Mas não acordei. Resolvi então lavar o rosto (o que eu não tenho o costume de fazer - pois lavar o rosto aumenta a incidência de espinhas), para ver se "acordava". Não funcionou. Não demorou e eu percebi que eu estava diferente. Eu estava mais "gordo", ou melhor dizendo, estava mais forte. Eu sempre fui pele e osso (antes daquela manhã eu tinha 1,74 metro e 52 kg) e agora, "do nada", eu devia estar pesando uns 65 kg, peso esse um pouco maior que o suficiente para eu não ser considerado tecnicamente um "desnutrido" (isso é, suficiente para eu ter um IMC - Índice de Massa Corporal - superior a 20). A maioria dos mortais, quando está insatisfeita com seu peso, geralmente se queixa do excesso de peso; comigo era o oposto. Mas agora tudo parecia estar resolvido. Não acreditei no que estava acontecendo. Como eu já tinha certeza que eu não estava sonhando, eu imaginei uma hipótese mais sinistra para explicar essa minha "sorte": eu provavelmente tinha vendido a minha alma para Lúcifer, em troca de uns poucos prazeres. Bem, se fosse isso mesmo, o melhor que eu tinha a fazer era aproveitar, pois provavelmente a minha felicidade seria curta.

Percebi que era "bem cedo" (7:36 AM). Eu geralmente acordo lá pelas 10h20 (saio de casa 10h35), e com muito esforço. Aproveitei para "estudar" o gabarito e para fazer meus exercícios matinais (os quais, aliás, não fazia há meses, pois sempre acordo tarde demais). Nossa, foi muito estranho quando eu me sentei na cadeira e percebi que não estava sentado em meus próprios ossos (em outras palavras: agora eu tinha uma "bunda"); também foi prazeroso fazer os exercícios físicos, pois o corpo estava bem mais "receptivo" a esse tipo de coisa. Pensei no psicomotrisismo e em Schopenhauer (pensei em Schopenhauer? que novidade...): com esse novo corpo eu percebi que tudo, do nada, parecia melhor e mais fácil (já faz algum tempo que, para mim, o sujeito está reduzido ontologicamente ao seu corpo). Eu sentia um prazer pelo simples fato de existir. Achei aquilo muito estranho, pois nunca havia sentido nada parecido. Foi quando eu entendi que aquilo era o que as pessoas chamam de "tudo bem" (eu nunca havia entendido esse negócio das pessoas se perguntarem umas às outras se "está tudo bem"; agora eu entendia facilmente). Meu deus, como era fácil viver assim!, com esse corpo e esse estado de espírito a vida parecia completamente diferente do que era antes. Eu não acreditei no que estava acontecendo. Saber como a vida "era fácil" com aquele corpo e aquela disposição de espírito me deixou com um pouco de raiva "do mundo" por não ter me dado isso antes; mas eu estava tão bem disposto que simplesmente não senti necessidade de ficar remoendo esse assunto.

Saí para almoçar e ir trabalhar (logo descobriria que pela última vez). (Eu trabalhava apenas de tarde, das 12h às 18h.) Todas as minhas roupas estavam justas (algumas nem entravam mais), pois eu tenho o costume de apenas usar roupas tamanho P (os outros tamanhos ficavam ridiculamente grandes e largos, devido a minha magreza). Passei em uma farmácia e confirmei que eu estava 13 kg mais pesado. Quando almocei também percebi que conseguia comer com mais facilidade. É que eu não tinha uma relação muito boa com a comida (1); sempre comi por obrigação, quase sem nenhum prazer; se pudesse eu viveria de pílulas, ou mesmo da luz do sol e da umidade do ar. Fiquei pensando como é que eu iria explicar aos colegas de trabalho que engordei 13 kg em um fim de semana. Resolvi dizer que simplesmente não sabia como e que iria esperar alguns dias para ver o que aconteceria (vai que eu continuaria engordando, até virar uma bola de carne?).

Enquanto trabalhava, aproveitei para consultar na internet os últimos 8 resultados da mega-sena. Se eu tivesse vendido minha alma a Satanás, eu provavelmente teria pedido para ganhar na loteria, o que me libertaria da "escravidão do salário" e permitiria que eu desperdiçasse minha vida com o que eu quisesse, ou seja, com uma fruição ininterrupta de prazeres fúteis. Anotei os resultados para conferir à noite (pois esquecera de levar o bilhete comigo - eu costumo fazer uma aposta por mês, no randômico ("surpresinha") e repito-a oito vezes ("teimosinha"), assim não tenho que ficar indo na loteria duas vezes por semana (pois não tenho tempo para isso)).

Quando foi tomar um café na copa, fui "assediado" por uma colega de trabalho (a mais gostosa, aliás). Como eu não tinha o costume de passar por isso, eu não acreditei que aquilo estava acontecendo. A seguir apresento a transcrição fiel do nosso diálogo; por mais inverossímil que ele possa parecer, eu asseguro, pela luz que me ilumina, que é isso mesmo que dissemos:

Laura: Você está uma delícia hoje, senhor Conrado.

Duan Conrado: Ah, capaz!

Laura: Como é que alguém pode mudar assim em dois dias.

Duan Conrado: Tem coisa que é melhor a gente nem saber...

Laura: (pegando no braço de Duan) Sério, eu não estou acreditando no que eu estou vendo.

Duan Conrado: Você que ver melhor?.. Talvez você acredite...

Nós transamos no banheiro feminino do oitavo andar (eu trabalhava no sétimo). Eu nem preciso dizer que percebi que meu "o rapaz" estava mais longo e grosso, e que a minha performance foi muito boa e mesmo surreal.

Duan Conrado: Temos que ir, antes que alguém perceba.

Laura: Duan...

Duan Conrado: O quê?

Laura: Eu acho que te amo.

Duan Conrado: Eu vou primeiro.

O quê?? Primeiro eu sou cantado, depois eu tenho uma ótima performance sexual, depois ainda alguém me diz que acha que me ama?!. Obviamente eu não acreditei que aquilo estava acontecendo. E novamente eu percebi como a vida era fácil quando se tinha aquele corpo e aquele estado de espírito.

Eu esqueci de dizer, mas quando eu cheguei ao trabalho eu descobri que um colega meu (que era um dos quatro inimigos que eu matei a tiros quando estava sonhando) morrera na noite passado, aparentemente de ataque cardíaco (embora ele estivesse em boa forma); a causa da morte não tinha, ainda, sido confirmada. A surpresa de todos com a morte prematura dele me ajudou, pois pouca gente prestou atenção em mim, o que me livrou de dar grandes explicações (obviamente ninguém seria louco de tentar estabelecer uma ligação causal entre os dois eventos). Em virtude da morte desse meu inimigo, eu fiz umas ligações e acabei "descobrindo" que um outro inimigo meu tinha morrido na mesma noite, por uma causa ainda desconhecida. Fiquei imaginando, então, como eu faria para confirmar a morte dos outros dois, já que eles não fazem mais parte da minha vida. Resolvi deixar isso para depois.

Na faculdade, fui para a biblioteca, estudar o tal do gabarito (que a essa altura eu tinha certeza que realmente seria o gabarito da prova que eu faria). Dessa vez fui assediado por um certo Vinícius. Eu até transo com mulheres, mas o que eu gosto mesmo é de homem - de rapazes, mais especificamente. Comi ele em cima da "mesa de estudos" de uma das "salas de estudos" da biblioteca.

Duan Conrado: Tá gostando hã? Toma pica, vai! Não era isso que você queria? Teu homem come o teu cu assim, seu vagabundo?..Cavalga nessa rola,vai......

Enquanto ele "me limpava" eu percebi que já estava 15 minutos atrasado para a tal da prova. Eu já estava na porta quando tivemos o seguinte diálogo:

Duan Conrado: Tenho que ir, estou atrasado para a prova.

Vinícius: Duan...

Duan Conrado: O quê?

Vinícius: Eu acho que te amo.

Duan Conrado: Eu também acho que...me amo.

Fui embora antes que ele me respondesse. Depois de gabaritar a prova e ser o primeiro a sair da sala de aula (mesmo sendo o último a entrar) eu fui para casa. A primeira coisa que fiz foi tomar banho, pois cheirava a sexo. Depois de comer algo que não um ser humano, eu fui conferir os resultados da loteria. Você não vai ficar surpreso se eu lhe falar que eu ganhei 30 milhões de reais, vai? Pois é, eu fiquei um pouco. Aquilo já estava indo longe demais. Resolvi "acender um da paz para relaxar". Pensei: "Doravante tenho autonomia para complexificar minha alteridade para além dos limites de todo paroxismo. Preparai-vos, gentes! Temei e tremei diante do que há de ocorrer!". Quando meu irmão, Rômulo, chegou em casa eu contei essa boa notícia para ele (perto dela, todas as outras pareciam pouco relevantes). Assim mesmo eu acabei contando tudo o que aconteceu, pois ele quis saber como é que eu tinha engordado daquele jeito em menos de 24 horas. Então nós passamos o resto da noite e da madrugada bebendo, fumando e tentando planejar o que faríamos com o dinheiro, além de especularmos uma explicação para o que estava acontecendo (ele achou a hipótese da venda da alma bem plausível).

Quando vi já era de manhã. Continuamos nossas piras até umas 10 horas, quando eu saí para tomar café da manhã em um hotel (pois dinheiro não era mais problema) e fui me "despedir" da minha chefe (fui formalizar minha demissão). Cheguei lá e joguei o meu crachá em cima da mesa dela, depois comecei a falar (ou melhor, a gritar) algumas "verdades". Por fim comecei a sapatear em cima da mesa dela (ah, eu esqueci de dizer que eu estava usando uma cartola e uma bengala). Pensei até em defecar em cima da mesa, mas, convenhamos, isso já seria exagero. Saí voando, triunfante, pela janela.

Foi quando eu acordei.

Eu estava na minha cama, onde eu geralmente costumo estar quando acordo. Não encontrei gabarito nenhum no chão, e verifiquei que já era 10:45. Para confirmar que tudo tinha voltado ao normal, eu levantei e constatei que eu estava tão magro e estropiado quanto antes. Além disso a sensação de "tudo bem" havia sumido. Fui ao espelho para confirmar que eu era eu mesmo, e não alguma outra pessoa (nunca se sabe). Enquanto me olhava, levei um susto. Atrás de mim havia um "preto velho", com um cigarro de palha na boca. Era o diabo...

Duan Conrado: Aí Bebu! Assim você me assusta. Nem para bater na porta, que nem gente...

Mefistófeles: Você sabe o que eu vim fazer aqui.

Duan Conrado: Sim, presumo que veio me lembrar que eu vendi a alma para você em troca de um sonho realista no qual eu conseguisse me divertir um pouco. Presumo que a essa altura da história eu já esteja morto e minha alma já esteja no inferno.

Mefistófeles: Eu vou me divertir muito! (solta uma risada maquiavélica)

Eu acreditei no que estava acontecendo.

Foi quando eu acordei.


_____________________

1 "O depressivo potencial, assim, possui dentro de si e como parte sua um objeto pelo qual ele tem sentimentos mistos: "a sombra do objeto cai sobre o eu". Ele fez uma identificação narcísica com o objeto tido como ambivalente. Sua auto-estima está comprometida, porque parte do seu eu contém elementos que ele odeia. Ele se encontra, portanto, vulnerável à depressão, ainda mais se uma perda ou um deslize na vida adulta o fizerem regredir à perda primordial com que ele não conseguiu se conciliar. A "oralidade" do depressivo, a recusa de comer ou a voracidade ("comida de consolo") são manifestações dessa regressão, em que o bebê lactente "destrói", por assim dizer, na sua mente o próprio seio que ele ama e do qual depende." (Jeremy Holmes - Ideas in Psychoanalysis - Depression)


***

Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

### 22 - Viagem rumo ao nada, a série.

.
.
.
#
#
#
22







Início do novo século, a vida dos miseráveis vale cada vez menos.

“Ajudaria um mendigo?”
“Em chamas, talvez.”

Solidão e medo da fome são regras da casa.

“Não sou sozinho, tenho minhas dívidas.”

E o individualismo é a lei.

“Este egoísmo está matando milhares de pessoas.”
“Antes eles do que eu.”

(http://www.malvados.com.br/)





***

Primeiro lama, depois nada. (Nietzsche)

sábado, 11 de julho de 2009

LXXI - O Império Romano da Antiguidade e o Império Estadunidense contemporâneo - parte 2 de 4 - Breve descrição da história do Império Romano.

.
.
.

§ 71






1. BREVE DESCRIÇÃO DA HISTORIA DO IMPÉRIO ROMANO.

1.1 Roma antes da expansão imperialista (séc. X a.C. – séc. VII a.C.).


A cidade de Roma surgiu aproximadamente no ano 1.000 a.C., como uma fortificação militar dos povos sabinos e latinos, que lutavam contra os etruscos. Em seu início, a economia romana era basicamente agrária, e assim permaneceu até o século III a.C.

A sociedade na época era formada por patrícios, ricos proprietário de terra, e plebeus, mão-de-obra livre que cultivava as terras, e, ainda, pelos escravos, cuja utilização era marginal. Apenas os patrícios podiam exercer funções públicas.

De 753 a.C. até 509 a.C. vigorou o regime monárquico. O regime era composto pelo rei, pela assembléia curial (legislativa) e pelo Senado, que era um órgão consultivo. A monarquia dissolveu-se devido a conflitos entre o rei e os patrícios.

O regime republicano, que vigorou entre 509 a.C. e 27 a.C., foi instalado pelos
patrícios como uma forma de atender aos interesses dessa classe. O Senado teve os seus poderes significativamente ampliados, e passou a ser o verdadeiro governante da sociedade.

A república foi primeiramente marcada pelos conflitos de classe entre plebeus e patrícios, ocorridos entre os séculos V e III A.C.. Os plebeus conseguiram paulatinamente melhorar as suas condições com a criação do tribuno da plebe (representante dos plebeus no Senado), da Lei da XII Tábuas (leis comuns a patrícios e plebeus), da Lei Canuléia (permitia o casamento interclasses), da Lei Licinia (fim da escravidão por dívida) e da assembléia da plebe (plebiscito).

Todas essas melhorias conseguidas pela plebe permitiram a estabilização da sociedade romana. Isso, em conjunto com a necessidade de aumentar as áreas agricultáveis, levou a sociedade romana a se voltar para o exterior, o qual passou a sofrer o imperialismo romano


1.2. O estabelecimento do Império Romano (séc. VII A.C. – séc. I D.C.).


As práticas imperialistas se iniciaram na Peninsula Italica. Após a conquista da Magna Grécia e da Sicília, os romanos se vêem inseridos no secular conflito contra Cartago, anti-ga feitoria fenícia. Após um século de batalhas, Roma subjugou Cartago e passou a ter o controle do Mediterrâneo, o qual passou a ser o “lago romano”, o mare nostrum. A águia romana é adotada como símbolo do poder de Roma. O império de expandiu, e passou a dominar o norte da África, as atuais França, Portugal, Espanha, Grécia, Turquia, Síria, e o atual leste europeu.

A cidade de Roma se tornou o centro de um império e se apropriou dos excedentes econômicos produzidos na periferia por meio da coerção política, militar e econômica. A Península Itálica se tornou exportadora privilegiada de uma série de produtos para a periferia do império.

O processo de dominação dos outros povos começava pela guerra de conquista. Os soldados vencidos se tornavam escravos. Uma vez subjugada a região em questão, ela perdia a sua autodeterminação e passava a ser dependente politicamente de Roma. Tropas romanas permaneciam na região, a fim de manter a coação militar. Um governo romano se instalava na região , com a intenção de garantir a satisfação dos interesses de Roma: a cobrança de impostos e a especialização produtiva regional. A cultura greco-romana também era levada para a região agora dependente; a religião local era tolerada, desde que, antes, fossem prestados os devidos louvores aos deuses romanos.

Por meio da cobrança de impostos, parte significativa do excedente econômico produzido nas áreas periféricas era transferido para Roma. Essa transferência dependia da coação política para funcionar: a área dominada tinha que perder a sua capacidade de autodeterminação para aceitar semelhante situação.

Em função desse afluxo de excedentes econômicos para Roma, essa cidade se transformou em um grande centro financeiro, o que determinou um grande desenvolvimento do seu sistema bancário.

O imperialismo modificou significativamente a sociedade romana: aqueles que exerciam funções públicas enriqueciam (a busca pela riqueza se tornou um novo incentivo para a participação na vida pública), a escravidão cresceu vertiginosamente (pela oferta oriunda da expansão do império), os plebeus foram marginalizados (foram sendo substituídos pelos escravos), os pequenos proprietários de terras entraram em falência por não conseguir concorrer com os produtos de outras regiões do império, ocorreu um processo de êxodo rural, a propriedade agrária se concentrou (formação de latifúndios), as cidades se encheram e surgiu uma população de cidadãos romanos ociosos (plebeus que não tinham em que aplicar seu trabalho, os quais passaram a ser sustentados pelo Estado e por cidadãos ricos), o consumo de artigos de luxo se ampliou e Roma se tornou deficitária com relação ao resto do Império.

Com relação a questão cultural, o imperialismo romano por um lado foi responsável pela difusão da cultura greco-romana nas regiões periféricas e por outro teve sua cultura tradicional seriamente abalada por influências das regiões periféricas. Houve, portanto, uma relativa reciprocidade de influências entre o centro e a periferia, não obstante o caráter impositivo da dominação romana.

Todas as mutações trazidas pelo império levaram a sociedade romana a uma desestabilização política, a qual levou a substituição da república pelo império como organização política. Os irmãos Graco (ambos foram tribunos da plebe) tentaram inutilmente fazer a reforma agrária e a reforma do Estado. A continuidade da instabilidade política levou às ditaduras de Mario e Sila, e depois aos dois Triunviratos, e por fim terminou com a implantação do império por Otavio Augusto. Os poderes do Senado diminuíram, mas o mesmo manteve uma série de conflitos de poder com os sucessores de Otávio.


1.3. O apogeu e a crise do Império (séc. 1 d.C – séc. V d.C.).


O apogeu do império foi também o apogeu do modo de produção escravista. Esse apogeu ocorreu nos dois primeiros séculos da era cristã; havia prosperidade e equilíbrio, havia a integração entre centro e periferia, o fluxo econômico era fluido e regular, as fronteiras eram bem defendidas contra invasões de povos estrangeiros, e, por fim, as guerras civis cessaram. Esse período ficou conhecido como a pax romana. Mas o desenvolvimento do escravismo ampliou as suas próprias contradições internas, as quais a levaram ao colapso.

Segundo Cyro Rezende a existência de muitas pessoas improdutivas bem como da escravidão determinaram uma limitação da demanda global do sistema, o que impediu o crescimento da produção (2005. p.38).

O fim das guerras de expansão do império cortou a principal fonte de escravos. Somem-se a isso as invasões crescentes de povos bárbaros e surgem vários desequilíbrios no império, assim descritos por Cyro Rezende: “Desequilíbrio entre a força dos exércitos romanos e a massa de bárbaros invasores, entre as despesas do Estado e sua arrecadação, entre a produção e o consumo, entre os campos e as cidades, e entre a proporção de escravos e de homens livres.” (2005, p.110).


Esses desequilíbrios marcaram a decadência do império, a qual se iniciou no século III d.C. Na tentativa de evitar o colapso, o Estado passou a intervir pesadamente na economia. Tratou-se do dirigismo estatal. O Estado criou corporações de oficio e incentivou o regime de colonato, também aceitou vários povos bárbaros como cultivadores de terras e protetores das fronteiras do império.

O lado ocidental mergulhou em um processo de ruralização e de superação da escravidão clássica como forma de extração do excedente econômico. Em paralelo à decadência econômica seguiu-se a política: os bárbaros foram paulatinamente conquistando os territórios do lado ocidental.

Em 476 d.C., Odoacro, rei dos bérulos, derrotou o imperador Rômulo e se declarou imperador. É o fim do Império Romano do Ocidente. Essa região passou então por uma fase de anarquia política na qual se desenvolveu uma nova forma de extração do excedente econômico. Tratou-se da Idade Média.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

REZENDE FILHO, Cyro de Barros. História Econômica Geral. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2005.





***

Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

LXX - Acerca de uma (primeira e única) postagem que trata favoravelmente do tema "auto-ajuda". Repita comigo: "a paz é mais importante".



.
.
.

§ 70






Mehr Licht. [Mais Luz] (Últimas palavras de Goethe)

Fortes são aqules que transformam em luz o que é escuridão. (Forfun, Sigo o som)

Disciplina é liberdade/Compaixão é fortaleza/Ter bondade é ter coragem. (Legião Urbana, inspirados pela Doutrina de Buda, Há Tempos)

Todos têm suas próprias razões. (Legião Urbana – Eu era um lobisomem juvenil)

Devemos ser a mudança que queremos ver no mundo. (Mahatma Gandhi)



Desde que comecei a escrever esse blog (em fevereiro de 2008) eu, por uma série de circunstâncias, consegui diminuir a sensação de estar "à beira do abismo", consegui diminuir a aflição e o ódio que me consomem. Gostaria de apresentar, aqui, alguns dos pensamentos que me ajudaram nessa tarefa.

Já no capítulo II (1) eu havia dito que em 2007 eu finalmente compreendera a lição estóica segundo a qual "não é a pobreza que causa a dor, mas sim a cobiça". De modo geral, as várias lições estóicas que Schopenhauer oferece são difíceis de eu entender, e ainda mais difíceis de serem colocadas em prática.

Enquanto a filosofia schopenhauriana destaca a existência de um fundo volitivo insaciável - o princípio do prazer - ela também, por meio do estoicismo e da eudemonologia, aconselha repetidamente que esse princípio se curve ao princípio de realidade. Schopenhauer dedica um livro inteiro à eudemonologia ("guia da vida venturosa" - um equivalente filosófico para a vilipendiada auto-ajuda): Aforismos para sabedoria na vida. Li esse livro em 2005; porém, na época, eu aprendi muito pouco com ele (eu estava mais preocupado em acusar o mundo do que sobreviver a ele - hoje percebo que, por mais sujo que seja esse mundo, faz-se necessário enfiar nele os pés, ainda que seja como condição para preservar a cabeça nas nuvens, na cucolândia). Creio que está na hora de relê-lo; e ele está lá, no topo da pilha de leitura, esperando pelo momento no qual eu terei tempo de dedicar-me a ele novamente.

Um dos problemas recorrentes na minha vida, eu percebi, é o seguinte: eu me aproximo das pessoas, então acabo me desentendendo com elas, então isso me faz sofrer, então eu me afasto das pessoas, daí eu me sinto sozinho, então eu me aproximo das pessoas novamente, etc. (o ciclo se repete). Isso lembra a "parábola dos porcos-espinhos" de Schopenhauer: os porcos-espinhos, num dia de frio, aproximam-se uns dos outros para se aquecerem; porém, com a proximidade, eles se machucam mutuamente com seus espinhos, daí se afastam: e assim eles ficam fugindo, ora do frio ora da dor, num movimento cíclico.

Percebo que as pessoas em geral, e eu mesmo, desenvolvem uma dependência emocional com relação aos outros. Nós precisamos que o outro perceba que existimos, e mostre que nos reconhece como alguém relevante. A maioria das pessoas se preocupa em se encaixar no grupo, em ser aceita por ele como um igual. Porém, e esse é o meu caso, é possível que o indivíduo queira marcar a sua presença para o outro como alguém que justamente não se encaixa, como alguém que é diferente - como um outsider. Em ambos os casos, contudo, o ato de ser reconhecido pelo outro tem papel fundamental para que o indivíduo se reconheça a si mesmo como uma individualidade estável no tempo e "digna" (isto está me cheirando a Hegel) (para mim, e eu acho que já escrevi isso antes em algum lugar, "dignidade" é um eufemismo para presunção).

Contra essa situação, Schopenhauer propõe (nos Aforismos...) que o indivíduo se esforce para "bastar-se a si mesmo", ou seja, para não depender física ou emocionalmente dos outros (identificados acertadamente, por Sartre, com o inferno). A idéia aqui, em consonância com a concepção schopenhauriana de minimização da dor em detrimento da maximização do prazer, é diminuir nossos sofrimentos na medida em que fundamentaríamos nossa felicidade e expectativas em nós mesmos, e não nos outros (que estão fora do nosso controle). Um conselho precioso aqui é o seguinte: não se meta na vida de ninguém e, sobretudo, não espere nada de ninguém. (Schopenhauer, nos Aforismos...cap. V.C.44, diz o seguinte: "Não amar, nem odiar", eis a metade da sabedoria; "nada dizer e em nada crer", eis a outra. É verdade que preferimos dar as costas a um mundo que precisa de regras como essas e as subseqüentes.)

Eu percebi, com já disse, que na minha vida o "ciclo do porco-espinho" está presente. Das várias máximas que eu já inventei (ou copiei) para tentar quebrá-lo, a última (e a que está funcionando até o presente momento) é a seguinte: "a paz é mais importante". Atualmente, estou me esforçando para que o desejo de estar em paz comigo mesmo e com os outros (o que, aliás, considero como um pré-requisito para a paz interior) seja mais forte que o meu desejo de ter razão ou de ser melhor que os outros. Claro que esse é um ideal, que eu ainda estou buscando implementar, com muito esforço. Resumindo: "a paz é mais importante".

Veja bem, o problema não é ser arrogante, o problema não é querer mostrar aos outros que se lhes é superior: o problema é querer essa superioridade sem tê-la de fato (e a maioria das pessoas, eu inclusive, não tem talento nenhum para mostrar por aí). Pois, nesse caso, é inevitável que a tentativa de mostrar superioridade aos outros se transforma em frustração, e portanto em sofrimento.

Daí chegamos a um outro ponto que o velho Schopenhauer salienta; não basta se esforçar para bastar-se a si mesmo; é necessário, também, conhecer-se a si mesmo, para não fundamentar suas expectativas numa pretensão que mais tarde será frustrada (porque era irreal): é necessário saber quem você é e do que você é capaz e não fundamentar sua expectativas fora desse perímetro. Caso contrário, quebrar a cara é inevitável.

Com relação ao papel das máximas na eudemonologia, a interpretação schopenhauriana é mais o menos a seguinte: como o caráter do indivíduo não muda (entre outros textos, isso pode ser verificado no § 55 do Tomo I d' O mundo como vontade e como representação), o que o indivíduo pode fazer é conhecer esse caráter e então buscar agir em conformidade com ele; nesse contexto, as máximas serviriam para fixar na memória do indivíduo esse auto-conhecimento, ajudando-o a não se esquecer de quem ele é: a máxima é capaz de sintetizar uma série de argumentos e descobertas num texto curto.

Uma interpretação mais atual para o fato de termos de lutar contra nós mesmos para nos impor uma determinada forma de comportamento que, sabemos, nos fará sofrer menos, é aquela que diz que nós nos viciamos em nossos neurotransmissores. Segundo essa interpretação, nós acabamos nos viciando em repetir determinadas situações em nossas vidas (não apenas as prazerosas, como a de humilhar alguém, mas também as dolorosas, como a de ser humilhado). Quando temos alguma dessas experiências, nosso corpo libera hormônios e neurotransmissores. No longo prazo a coisa se desenvolve de maneira análoga ao vício em drogas: cada vez precisamos de uma experiência mais intensa (ou de uma quantidade maior de experiência de intensidade igual à anterior) para que tenhamos a mesma sensação de antes (pois com o excesso de estímulo, os receptores do neurotrasmissor em questão vão ficando mais insensíveis, sendo necessárias doses maiores para dar o mesmo resultado que antes. Assim, diariamente, é possível ver pessoas presas em comportamentos repetitivos: cometem sempre os mesmos erros, sem que se mostrem capazes de aprender alguma coisa com eles. (De forma consistente à interpretação do vício nos neurotransmissores, todos nós conhecemos o conselho de "contar até dez" quando ficamos irritados: a idéia aqui é justamente dar um tempo para que a resposta automática do corpo (liberação de adrenalina e de certos neurotransmissores) se dissipe. Geralmente dez segundos não são suficientes para isso, motivo pelo qual há gente que mesmo recomenda que se aguarde noventa segundos.)

Voltando à máxima "a paz é mais importante". Ela, evidentemente, não trás nada de novo. Já Schopenhauer recomendava repetidamente o hábito do silêncio nos Aforismos...Como por exemplo:

Também se verá que, com relação aos broncos e aos tolos, só há um meio de mostrar juízo: é o de não lhes dizer palavra. (Cap. V.C. 23)

E ainda:

De acordo com isso tudo, o hábito do silêncio (2) tem sido insistentemente aconselhado por todos os professores de sabedoria, através dos mais variados argumentos, pelo que eu posso parar por aqui. Não obstante, quero ainda apresentar alguns provérbios árabes, pouco conhecidos e muito ilustrativos: "Aquilo que o teu inimigo não puder saber, não o digas ao amigo". - "Se eu guardar o meu segredo, ele será um prisioneiro meu; se deixar que fuja, serei um prisioneiro dele". - "Da árvore do silêncio pende o seu fruto, que é a paz." (Cap. V.C.42)

Da minha parte, em vez de recomendar-lhe que diga toda manhã ao espelho "eu sou feliz", ou "eu sou um vencedor", ou ainda "isto é Sansara, o mundo do prazer e do desejo, e portanto o mundo do nascimento, da velhice e da morte; é o mundo que não deveria ser; e essa é a população de Sansara, o que deles podeis esperar?" (3), eu lhe recomendo (se é que posso recomendar-lhe algo) que diga "a paz é mais importante"(4).

Além de Aforismos para sabedoria vida, um outro livro que trata de eudomonologia e cujas leitura e releitura são recomendadas pelo próprio Schopenhauer é A arte da prudência, do jesuíta Baltasar Gracián; o livro, que eu ainda não li, é composto por 300 parágrafos numerados, cada um desenvolvendo um aforismo.

__________________________________

1 Voltemos à máxima de Epícteto que foi o ponto central do capítulo II:

Não é a pobreza que causa a dor, mas sim a cobiça.

Se o indivíduo está com uma "dor", creio que há pelo menos três formas possíveis de tentar minorá-la.

Caminho 1: O caminho mais comum e previsível, que preenche a vida das pessoas enquanto elas não se deparam com um desejo que não podem realizar (com uma "pobreza" insuperável) é simplesmente correr atrás da satisfação do desejo (ou do "sonho", numa acepção burguesa). Dessa forma, busca-se diminuir a grandeza absoluta da "pobreza".

Porém, se a pessoa se encontra diante de um desejo que não é possível realizar (e nesse caso a palavra cor-de-rosa "sonho" soa como uma piada de mal gosto), então ela pode recorrer a um dos dois caminhos a seguir:

Caminho 2: reconhece-se que a "pobreza" é uma grandeza relativa e que existe apenas enquanto definida a partir de alguns referenciais arbitrários (que mudam de pessoa em pessoa, de cultura em cultura, etc.), como o que é "bom", "belo", "forte", "digno", etc. Nesse caso, a estratégia da pessoa seria a de se esforçar para reformular as suas crenças e valores de forma a ver-se a si mesma como alguém menos "pobre" do que se considerava antes. Esse método soa como uma auto-enganação, e ele é doloroso na proporção direta da força com a qual essas crenças e valores "ruins" estão introjetados no indivíduo (bem como na proporção direta da sua força de caráter).

Caminho 3: A outra alternativa (que é a qual eu estou tentando aplicar no momento) é aquela que o próprio Epícteto salienta: o indivíduo não nega a sua "pobreza" (que é o caminho apresentado acima), nem se esforça, em vão, para mitigá-la (pois estamos diante de um desejo que não pode ser satisfeito): o esforço do indivíduo se concentra simplesmente em não desejar mais deixar de ser "pobre"; ele "aceita" a sua pobreza, em vez de negá-la.

Há um aforismo psicanalítico que diz que “onde há depressão há esperança”. Há também a sabedoria popular que diz que “a esperança é a última que morre”. Pois bem, o meu caminho para sair da depressão é justamente matar a esperança (sem substituí-la por NADA): então estará tudo morto, e eu terei paz. (Perceba que eu falo em "paz", não em "felicidade".)

2 Uma forma de não discutir com as pessoas é simplesmente fazer o outro falar e depois concordar amavelmente com tudo que ele diz. Se discutir com alguém já é estressante, é pior ainda quando o outro é (ou pensa ser) entendido do assunto discutido. Um livro que pode nos ensinar algo sobre o silêncio é O estrangeiro (de Camus, um clássico da literatura existencialista). Eis algumas frases que você pode usar para abortar um diálogo:

Tanto faz.
Como (você) preferir.
Prefiro não falar sobre o assunto.
Não tenho nada a dizer/criticar/acrescentar/corrigir/etc.
É você quem está dizendo.
Prefiro não comentar.
Todos têm suas próprias razões.
Arram.
Que diferença faz?
Por que eu deveria me importar?
É um país livre.
Ninguém vai me dizer o que fazer.
São só palavras.
Entendo.
Concordo plenamente.
Sim.
Não.
Certamente.
No momento adequado.
O que você entende por (algum conceito que o outro está querendo por em discussão)?
Seu discurso é essencialmente emocional.
E o que você acha disso? (Faça o outro falar e depois concorde com o que ele disse, inclusive repetindo com outras palavras o que ele lhe disse)
E o que você ganha/perde com isso?
(...) (Silêncio: quando o outro fica simplesmente sem qualquer resposta)


3 Schopenhauer recomendou que se repita esse ditado budista quatro vezes ao dia numa nota de rodapé no § 156 de Parerga e Paralipomena, capitulo XII.


4 "Gosto não se discute, lamenta-se". O meu objetivo não é apenas deixar de discutir gostos alheios como também deixar de lamentá-los: o objetivo é aceitá-los pacificamente, sem espanto, desgosto ou má-vontade.

Eu luto contra mim mesmo (eu que sou tão pouco receptivo a esse doloroso procedimento) para me convencer de que eu não tenho a obrigação de “ensinar” – e os outros não têm a obrigação de “aprender” – as pessoas a serem “melhores” (ou seja, a serem mais parecidas comigo – isso pode até parecer engraçado, mas a verdade é que quase todo mundo age assim, quase todo mundo pensa que está certo e que os outros estão errados, quase todo mundo tenta mudar o comportamento alheio, quase todo mundo “se ofende” com as atitudes alheias quando essas são diferentes das suas, quase todo mundo vê apenas um defeito de caráter quando esse se manifesta nos outros, mas não em si mesmo).

Dessa forma eu mantenho a minha individualidade, mas me libero da obrigação de replicá-la no outro. (As pessoas que tentam mudar os outros, tentando moldá-los a sua própria imagem, estão, na verdade, se defendendo, estão tentando se convencer que elas estão certas; elas não tentariam mudar os outros se estivessem seguras de si mesmas, se tivessem certeza de que estão certas e de que não terão seus pensamentos mudados pelos outros). Eu não me esforço para mudar o outro, nem para me defender dele: eu me esforço simplesmente para ignorá-lo: nada que ele diga ou faça vai me afetar (bem, pelo menos é esse o ideal a ser alcançado). Se as pessoas querem ser ignorantes, querem ser alienadas, querem ser manipuladas, não querem saber dos fatos evidentes que revelam a sua escravidão e a sua mediocridade, então ótimo! Por que eu deveria me importar?

Ao pensar dessa forma, é comum eu me questionar, alegando que se eu não fizer nada o “futuro da humanidade e do planeta estarão comprometidos”. Primeiro, pensar isso é ser arrogante e é conferir a mim mesmo uma importância e uma legitimidade que eu não possuo. Segundo, eu quero mesmo é que se dane tudo: eu não tenho compromisso com o planeta ou com a humanidade; se dependesse de mim tudo acabava agora mesmo.





***

Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.