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§ 107
Vocês riem de mim por eu ser diferente. Eu rio de vocês por vocês serem todos iguais. (Bob Marley)
Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente. (Jiddu Krishnamurti)
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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.
Considerando-se que o título desse blog é Outsider à beira do abismo, eu não poderia deixar de tecer considerações sobre o outsider. Ora, falar do outsider exige que falemos também do seu oposto: o insider. O outsider é a negação do insider: o insider é a tese, o "normal", o outsider é sua antítese, sua negação, sua corrupção.
O que é um outsider? É essa pergunta que tentarei responder no presente capítulo. Ou melhor, o que eu farei é apresentar aquilo que, no momento, eu penso ser um outsider. Afinal, esse blog não trata da verdade, nem de arqueologia das idéias; ele trata, isso sim, das minhas tentativas (limitadas, contingentes e determinadas bio-socio-psico-economico-historicamente) de complexificar o meu discurso do mundo (ou seja, a minha interpretação discursiva do real e do ideal - ver cap. XCVI).
Como tantos outros capítulos desse blog, o presente capítulo é uma coleção de considerações sobre o tema indicado em seu título, não possuindo uma estrutura linear (começo, desenvolvimento, fim – como nos ensinam nas aulas de português na escola), nem pretendendo defender algum argumento central, o qual se apresentaria na conclusão (aliás, não há conclusão).
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Eu conheci a categoria "outsider" lendo o livro O outsider: o drama moderno da alienação e da criação, de 1956, escrito por Colin Wilson. Poucos são os livros que, de tão fraquinhos, eu comecei a ler de desisti (e olha que eu li O pequeno príncipe até o final, e depois o li novamente para escrever o capítulo CI). Esse foi um deles. A metodologia do livro é péssima: o autor faz uma análise de toda uma coleção de livros, a maioria romances, outros biografias. As opiniões pessoais do autor (com as quais eu discordo quase completamente) são demasiado visíveis por baixo de um verniz de imparcialidade. Como se não bastasse, o autor está intoxicado pelo racionalismo, negando, por exemplo, o pensamento schopenhauriano (ao mesmo tempo em que plagia a estrutura d' O mundo como vontade e como representação) e a psicanálise.
Logo no começo do livro (capítulo I), Wilson deixa claro (talvez para agradar ao leitor insider e assim vender mais livros) que ele não dá validade às sensações do outsider:
"A nós [insiders] nos compete julgar se o mundo pode ser visto de uma tal maneira, que torna inevitáveis as conclusões de [H. G.]Wells [no seu último e apocalíptico livro: Mind at the of its tether]; em caso afirmativo, decidir se essa maneira de ver as coisas é mais verdadeira, mais válida, mais objetiva do que a nossa maneira habitual de ver [isso é, a maneira do insider]. Mesmo que decidamos, antecipadamente, que a resposta é "não", haverá muito o que aprender com o exercício de mudar de ponto de vista."
Depois de ler várias outras besteiras análogas a essa, eu cansei desse livro e não o li até o fim. Outro livro que não agüentei ler - pois tinha besteira ingênuas em quase todas as páginas - é Tertium Organum (livro que, considerando-se a pretensão do seu título, foi um completo fracasso), do matemático-esotérico-pseudofilósofo P.D. Ouspensky. Aliás, não surpreende que Ouspensky seja mencionado nos capítulos finais de O outsider: o drama moderno da alienação e da criação, assim como não supreende que Wilson - autor de dezenas de livros (provavelmente um pior que o outro) - tenha publicado The strange life of P.D. Ouspensky (1993).
A sensação de irrealidade, que repetidas vezes Colin Wilson afirma ser uma característica do outsider, é apresentada por Jair Ferreira dos Santos (no livro O que é pós-moderno, de 1985) como uma sensação típica da condição pós-moderna.
No cap. XCV eu disse o seguinte sobre a sensação de irrealidade:
"Eu, desde o capítulo I, já falei várias vezes sobre a sensação de irrealidade. Agora percebo que essa sensação é um mero artifício para negar a realidade: como eu não aceito a realidade tal como ela é, ela me parece estranha, irreal. É mais fácil acreditar que esse mundo é irreal do que aceita-lo como ele é. Por "realidade" me refiro à cotidianidade medíocre e mecânica do trabalho, do tédio, da rotina, e da frustração: é dessa realidade que o indivíduo busca evadir-se por meio de delírios megalomaníacos. Quando ele "pressente" que o mundo não é real, o que ele está fazendo é negar essa realidade da cotidianidade medíocre e mecânica, em prol de um escapismo: o real é tão insuportável, é tão assolador para o princípio de prazer, que é preferível advogar a sua irrealidade do que aceitá-lo. De certa forma, a religião faz algo parecido, quando busca desprezar o mundo presente em favor de um mundo imaginário pós-morte. Em ambos os casos, a negação da realidade é um artifício adaptativo, que serve justamente para inserir o indivíduo na realidade que ele nega. Dessa forma, o indivíduo cria uma ilusão para adaptá-lo ao mundo, e no caso essa ilusão é justamente a irrealidade (ou a irrelevância) desse mesmo mundo que é o único efetivamente existente e, por isso mesmo, do qual o indivíduo não é capaz de evadir-se definitivamente, mas apenas de maneira imaginária."
O outsider, não raro, pressente um novo mundo (If living is seeing/ I'm holding my breath/ In wonder - I wonder/ What happens next?/ A new world, a new day to see - Björk, New World), pressente uma realidade diversa da cotidianidade miserável construída e vivida pelos insiders. Será esse pressentimento do outsider o pressentimento de algo real? Ou será apenas um delírio regressivo, um artifício para negar a única realidade possível e inaceitável? Eu, até o presente momento, não estudei e refleti o bastante para poder responder a essa questão.
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Eu, que critico o reducionismo ontológico causado por um uso exagerado do princípio do terceiro excluído (ver caps. CVI, CXIII e CXVI), não iria cair no erro ingênuo de dividir o mundo em dois pólos estanques e claramente definidos: insider x outsider. Antes, admito que essa dicotomia é apenas uma dos muitos instrumentos analíticos da realidade social e psicológica. Admito também a dificuldade de se aferir metodologicamente, na prática, em qual dessas duas categorias algumas pessoas se encaixam (embora outras possam ser facilmente categorizadas).
Mas, se é para esboçar uma tipologia insider x outsider, eu prefiro admitir dois conjuntos amplos (insider e outsider) dentro dos quais há infinitas variações dentro de subconjuntos mais amplos, assim classificados (ver figura abaixo):
* Superoutsider: Abandona voluntariamente a sociedade, virando um eremita, um mendigo, um andarilho, etc.
* Outsider: Não participa de grupos sociais, a não ser aqueles que são essenciais para sua sobrevivência, a saber: a família (enquanto ainda depende economicamente dela) e o trabalho. Se o outsider for rico o bastante para não depender nem desses dois grupos, então ele não participará nem deles.
* Out-insider: Participa, de forma efêmera e marginal, de grupos contestadores do establishment (p.ex.: ambientalistas, protetores dos animais, anarquistas, vegetarianos, punks, gays, ateus, Marcha da maconha, etc.).
* Ponto neutro: Ponto imaginário (um tipo ideal extrapolado) no qual o indivíduo é 50% out-insider e 50% in-outsider.
* In-outsider: Participa dos mesmos grupos contestadores do establishment, mas participa ativamente, inclusive como liderança.
* Insider: Essa é a "pessoa comum", sua vida gira em torno da rotina trabalho-família-consumo conspícuo-entretenimento-religião. A homeostase de sua psique depende visceralmente da vida em grupos, do afeto alheio. Não participa de grupos contestadores do establishment. Esse tipo de gente está em toda parte e 100% das propagandas da televisão é feita para ele.
* Superinsider: É uma caricatura do insider. É totalmente conservador (ou apolítico - o que no fundo dá no mesmo) e não tem vida psíquica fora dos afetos grupais, e dos grupos mais estereotipados possíveis (igreja - uma igreja grande, como a católica ou a IURD, nada de seitas marginais - , trabalho e família: e nada mais, além da indústria cultural - esse tipo de pessoa liga o rádio ou a televisão para "não se sentir sozinha", ela não pode ficar sozinha consigo mesma sem surtar). Nunca pensou nada que não seja um chavão, um senso comum.
Dentro de cada um desses conjuntos seriam observadas infinitas variações, de acordo com a distribuição das outras variáveis sociais, psicológicas, biológicas, históricas, etc.
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Com a pós-modernidade observou-se uma certa proliferação de características outsiders. Mas não se engane: o mundo está cheio de insiders, até "sair pelos ouvidos". O insider é a "pessoa comum". O que é uma "pessoa comum/normal"? Alguns pensam que pessoas comuns não existem, que "de perto, ninguém é normal", que "de médico e louco, todo mundo tem um pouco", e blá, blá, blá. Essa não é minha opinião. Embora admita que é um reducionismo dividir o mundo em dois pólos rígidos e opostos (insiders x outsiders), também de forma alguma vou negar a existência de um estereótipo (um arquétipo) da normalidade, o qual não é algo eterno, mas construído histórica e socialmente e em permanente modificação.
A vida de um insider se esgota no circuito trabalho-família-consumo conspícuo-entretenimento-religião. Se isso parece simplismo para você (como, francamente, parece para mim também), é porque você precisa conhecer melhor o "mundo real", se relacionar mais com "o povo", com "pessoas honestas e trabalhadoras", com "mães e pais de famílias", precisa visitar igrejas e ver o que as pessoas ouvem e falam lá dentro, precisa ligar a televisão e assistir aos programa de maior audiência, etc. Verá como a vida da maioria das pessoas gira em tordo desses quatro pólos - e não precisará de muito esforço para perceber que a maioria das pessoas nem sequer desconfia que a vida possa ser mais do que isso. Se você ainda não está convencido, ou ainda está um pouco desconfiado de que a vida das pessoas em geral não é "mais do que isso", isso é um sinal de que você provavelmente é um outsider.
Esse circuito básico preenche a vida do insider de tal forma que ele simplesmente não desenvolve o hábito de questionar as próprias atitudes. O insider simplesmente vive, não questiona, não tem "perplexidades do intelecto". Para citar Schopenhauer (n' O mundo como vontade e como representação, tomo I, § 60, terceira e última edição de 1859):
"O homem, desde que começou a conhecer-se, vê-se ocupado em querer,e regra geral a sua inteligência permanece numa relação constante com a sua vontade. Começa por procurar conhecer bem os objetos da sua vontade, depois os meios de alcançá-los. Então vê o que tem a fazer, e em geral não procura saber mais nada. Ele age, fatiga-se: a consciência, que tem de trabalhar sempre para o alvo que a sua vontade persegue, mantém-no preparado e ocupado; o seu pensamento ocupa-se com a escolha dos meios. Tal é a vida de quase todos os homens [insiders]: eles querem, sabem, o que querem, e procuram-no com sucesso suficiente para escapar ao desespero, suficientes fracassos para escapar ao aborrecimento com sua conseqüências. Daí resulta um certo júbilo, ou pelo menos uma paz interior, onde nem riqueza nem pobreza têm grande influência: nem o rico nem o pobre fruem aquilo que têm, visto que, vimos por que, os seus bens apenas os afetam negativamente; o que os mantém neste estado é a esperança de bens que esperam como prêmio das suas dores. Portanto, trabalham, persistem, com seriedade, mesmo com ar importante, tais como as crianças aplicadas no seu jogo - É apenas excepcionalmente que uma vida destas vê o seu curso perturbado, uma vez que a inteligência se libertou do serviço da vontade [Nietzsche e Foucault não concordariam com essa afirmação], e se dedicou a considerar a própria essência do universo, de um modo geral; ela chega então, para satisfazer a necessidade estética, a um estado contemplativo, para satisfazer a necessidade moral, a um estado de abnegação. Mas a maior parte dos homens foge, durante a sua vida, à frente da necessidade, que não os deixa refletir."
O hábito de questionar é negado pelo insider, que geralmente tem respostas prontas para quase todas as questões que considera relevante (quanto às demais, nem mesmo pensa nelas). O recurso a lugares-comuns é recorrente, p.ex., "a curiosidade matou um gato", ou "papel aceita tudo". Questionar é trazer insegurança, é abalar a cotidianidade reificada, é ameaçar destruir tradições e verdades eternas: nada disso interessa ao insider, que já está totalmente ocupado com a rotina circular trabalho-família-consumo conspícuo-entretenimento-religião e não quer pensar em nada além disso.
Assim como as categorias insider e outsider escondem uma infinidade de formas intermediárias, igualmente um indivíduo que atualmente se encaixa em uma categoria não está condenado a viver para sempre nela. Se, por um lado, o outsider permanentemente é coagido pela vida em sociedade a se tornar um insider, por outro as contradições, infelicidades e vacuidades da vida de insider pode levar um insider a "abandonar tudo" e a virar um outsider. Eu conheço pessoalmente pelo menos um caso desses. Quem já trabalhou com serviço social deve saber que é comum a figura do "mendigo voluntário": o sujeito que abandonou família e trabalho ("tudo") para perambular sozinho pelas ruas. Um caso famoso é o do "Professor", que primeiro abandonou trabalho e família para viver como mendigo e, depois, abandonou os amigos mendigos para voluntariamente morrer de fome. O caso foi veiculado pela mídia; por exemplo, nas duas reportagens da revista CartaCapital reproduzidas nas imagens abaixo (clique nas imagens para ampliar e ler): respectivamente, p. 6-7 da revista número 411 (20/09/2006) e p. 6-7 da revista número 415 (18/10/2006).
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Os caminhos que conduzem à condição de outsider são tão variados quanto à tipologia dos outsiders (e eu não vou me aventurar, aqui, a esboçar essa tipologia- pois precisaria estudar muito mais esse tema para me aventurar a fazê-lo). Seja como for, evidentemente todas as pessoas em todas as sociedades são educadas para se transformarem em insiders, pois é nesse sentido que se esforçam os processos de socialização e individuação (ver cap. CXII, ainda não postado). Quando esses processos falham (ver cap. CXII), o indivíduo resultante é um "desajustado". O conjunto dos desajustados, contudo, é mais amplo que o dos outsiders: todo outsider é um desajustado, mas nem todo desajustado é um outsider, o que significa que um desajustado pode ser um insider (e viver inserido me grupos marginais - mas inserido em grupos).
O comportamentos dos outsiders é muito diverso. O que os une num grupo é o fato de não participarem de grupos (o grupo dos outsiders é o grupo daqueles que não participam de grupo algum), mas, a depender dos grupos hegemônicos no ambiente de cada outsider, dois outsiders podem ter um perfil ideológico opostos ou completamente inconsistentes um com o outro.
O outsider pode ser um medíocre, assim como o insider pode ser um gênio: a inteligência pode até ser importante na configuração de muitos casos de outsider, mas certamente seria equivocado qualificar todo outsider como mais inteligente que as pessoas com as quais acaba convivendo por necessidade, a menos que o outsider chegue ao extremo de virar um eremita, um andarilho, ou um mendigo, nesses casos ele pode praticamente abandonar qualquer relacionamento com o resto da humanidade.
O outsider pode ser um medíocre, um perdedor, um fracassado; mas ele admite isso para si próprio, diferentemente do insider (que não obstante siga estereótipos acredita ser alguém diferente, único, original, especial - como, inclusive, ratificam-lhe insistentemente (sem que ele perceba a manipulação barata) os discursos publicitários ("porque você é especial", "porque você vale muito", "exclusivo [referindo-se a algum produto massificado] como você", "a qualidade que você merece"[e o que eu mereço?], etc.)). Pois ele, o outsider, possui uma profunda autocrítica, a qual seria insuportável para um insider. O outsider critica os outros, mas critica a si mesmo mais do qualquer outra pessoa; se ele não tolera a estupidez alheia, é sensato o suficiente para monitorar a si mesmo. A autocrítica, tão necessária para se evitar a estupidez, é rara entre insiders - e mundo segue miserável e tragicômico, cheio de idiotas cegos e faladores por toda parte. Como disse Schopenhauer (não lembro onde), "a massa tem olhos, bocas e ouvidos, mas não muito mais do que isso".
O outsider muitas vezes é um iconoclasta, outras vezes é um autista, outras é um sociopata, outras tem sérios transtornos de personalidade, outras ainda tem mais de uma dessas característica; por fim, ele pode não ter nenhuma delas. As formas das ligações entre todos esses fenômenos me são desconhecidas e exigiriam, para serem decifradas, estudos aprofundados.
Principal característica do outsider é a independência em relação aos afetos grupais. Dizer que o outsider é completamente desligado do afeto dos outros é exagero, mas ele, comparado ao insider, possui forte independência com relação a esse afeto - o que, aliás, o aproxima do autista (é bem provável que muitos outsiders sejam autistas). Para entender melhor o que é o outsider, seria necessário estudar a psicologia social e entender como os grupos sociais se organizam e como os grupos afetam os comportamentos individuais. Eu nunca estudei psicologia social, então o que direi a seguir é meu achismo, não sei se são conclusões que seriam ratificadas por essa ciência.
O outsider não desenvolve sua alteridade de forma grupal: enquanto outsider, ele está condenado à solidão: tão logo ele consiga se integrar com sucesso num grupo (seja lá qual for), ele deixa de ser um outsider. O outsider não se encaixa no esquema afetivo-libidinal oferecido pelos grupos sociais, e não consegue esgotar sua vida na rotina circular trabalho-família-consumo conspícuo-entretenimento-religião: essa rotina lhe é repugnante, e se puder - se tiver autonomia financeira suficiente - ele a abandonará completamente.
O outsider cansa das pessoas. Ele prefere se relacionar com desconhecidos (que não lhe apresentam intimidades - é que conhecer as pessoas mais a fundo é decepcionante, pois revela como elas são miseráveis, fúteis, superficiais, sem graça, vazias, hipócritas, estúpidas, etc.). Ao contrário do que ocorre com o insider, quanto mais um outsider conhece alguém, mais ele tem vontade de se afastar dessa pessoa - conviver anos com uma mesma pessoas (por exemplo, colegas de trabalho) é para ele um martírio. Prefere a solidão, e a busca com alegria (para ler uma defesa narcísea e eloqüente da solidão, ver cap. ### 6, no qual há um texto de Schopenhauer - que evidentemente era um outsider).
Perguntar seriamente "qual é o sentido da vida?" - em vez de simplesmente se agarrar a alguma das respostas disponíveis nas inúmeras comunidades interpretativas - torna o indivíduo um outsider (e aqui o outsider se aproxima do verdadeiro filósofo). O outsider tanto se questiona, e tantas dúvidas tem, justamente porque não participa de nenhum grupo, e, portanto, está à margem do processo de formação e difusão de interpretações da realidade. O outsider, por recusar as respostas prontas fornecidas pelos grupos sociais, ou busca construir suas próprias verdades (o que evidentemente é muito mais custoso do que simplesmente se agarrar às respostas prontas e acabadas disponíveis aos montes na sociedade), ou simplesmente desiste de questionar, passando a viver num estado de suicídio intelectual.
Por comunidade interpretativa eu quero dizer o seguinte (conforme o livro Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural, cap. 3, de David Harvey, 1989): comunidades "formadas por produtores e consumidores de tipos particulares de conhecimento, de textos, com freqüência operando num contexto institucional particular (como a universidade, o sistema legal, agrupamentos religiosos), em divisões particulares do trabalho cultural (como arquitetura, a pintura, o teatro, a dança) ou em lugares particulares (vizinhanças, nações, etc.). Indivíduos são levados a controlar mutuamente no âmbito desses domínios o que consideram conhecimento válido." Isso guarda semelhança com o que eu disse no cap. LVIII: "Dessa forma, embora as pessoas que possuem ensino superior estudem basicamente a mesma quantidade de tempo, suas visões de mundo não são semelhantes , e elas (as pessoas) ficam, em geral, presas dentro do “mundinho” desenhado pelas teorias estudadas por cada carreira profissional. Ao que parece, aqueles que estudam mais, como médicos e engenheiros, são, inclusive, mais bitolados que os demais. Acreditam que esse “mundinho” representa fielmente o “mundo real” (seja lá o que isso for). (...) Destarte, cada carreira profissional cria o seu “mundinho”, no qual existe um ideal implícito: o de que o mundo seria melhor se todos pensassem e agissem tal qual agem e pensam os indivíduos de categoria profissional em questão. No indivíduo, o processo é análogo: em nosso conselhos e críticas (que dizem mais a nosso respeito do que a respeito da pessoa aconselhada ou criticada) transparece a arrogância de recriar o mundo a nossa imagem e semelhança: “Vi que todos se tornaram iguais a mim, e compreendi que o mundo estava salvo”. A realidade, infelizmente, é bem mais complicada do que isso."
O conhecimento grupal, mas principalmente a afetividade grupal, fundamentam não raro uma metanarrativa, muitas vezes associada a uma teleologia moral. Outras vezes, o grupo fornece apenas afetividade a uma forma de catarse (entretenimento, hobibes, etc. ). Tudo isso compõe a construção de um sentido para a vida (que, a priori, não tem sentido algum a não ser se perpetuar e se multiplicar). Essa questão não é apenas racional mas é, antes e principalmente, afetiva. Mas o que confere sentido à vida das pessoas não é nenhuma explicação racional da totalidade existencial (uma metanarrativa); são, isso sim, os afetos grupais e amorosos/sexuais. Todavia, descobrir essa verdade não é garantia de que o outsider irá buscar construir essas afetividades em sua vida. Se é isso (afetividades) que confere sentido à vida, então talvez seja melhor viver uma vida sem sentido; se isso é, no limite, essencial para a própria perpetuidade da vida humana (individual e coletiva), então talvez seja melhor simplesmente não viver: se a vida se resume a essa miséria, então ela não tem valor algum.
No primeiro caítulo d' O outsider: o drama moderno da alienação e da criação, somos informados que "O outsider é alguém que despertou para o caos". Ora, o caos intuído pelo outsider é a fragmentação social, é o vazio, é a incapacidade de atribuir um sentido, é a incapacidade de formar vínculos afetivos que conferem sentido ao mundo.
A independência do outsider com relação aos grupos sociais lhe permite observar padrões invisíveis ao insider - o que ajuda a alimentar a aparência, às vezes verdadeira, de superioridade intelectual do outsider (como foi dito no capítulo LXXVII, é preciso ser doente pare entender um mundo que é doente - é que o patológico fornece, pelo exagero do burlesco, um vislumbre do que está em jogo nas condutas sociais gerais). Por outro lado, a falta de diálogo com outras pessoas pode levar o outsider a criar um mundo discursivo que pouco tem a ver com a "realidade" (seja lá o que for isso), levando-o a se perder em seus delírios. Igualmente, pelo mesmo motivo, um outsider pode demorar anos para perceber, com perplexidade, fatos evidentes da vida (p.ex., ver cap CIX, parágrafo 94, ou ainda o cap. XLIV).
A tragédia do outsider está na incapacidade de substituir o mundo que ele nega: ele não aceita o mundo do insider, mas não consegue - sozinho - criar um mundo alternativo que seja efetivamente viável.
A existência de outsiders é um forte indício da existência de um processo social organizado (e falho, sujeito à contingências) de "fabricação de pessoas normais" (novamente, ver capítulo CXII).
Posar de outsider satisfaz o narcisismo - o epíteto de outsider pode ser usado para alimentar um sentimento de superioridade em relação aos demais, por supostamente participar de um grupo seleto de pessoas "eleitas". Por isso, há muitos posers de outsiders. Não confundir querer ser e ser: o outsider não se consegue se encaixar na sociedade, mesmo sendo pressionado para isso: encaixar-se seria abandonar a sua identidade em troca de outra que ele despreza. Um outsider não posa para os outros, pois a opinião alheia não lhe importa, se lhe importasse ele teria uma dependência afetiva que o transformaria num insider.
Ter muito dinheiro (a ponto de viver permanentemente em ócio conspícuo) permite ao indivíduo a liberdade de desenvolver a sua alteridade. Se o insider pode, quando rico, apresentar comportamentos extravagantes, a riqueza, para o outsider, é praticamente uma porta aberta para a insanidade, pois ela elimina os últimos vínculos coercitivos que prendem o outsider aos padrões estabelecidos - a dependência financeira com relação aos familiares e a necessidade de trabalhar para sobreviver.
Se todos se tornassem outsiders seria o fim do mundo - pelo menos do mundo como o conhecemos: a existência humana chegaria num impasse decisivo: ou mudaria radicalmente, ou acabaria de uma vez.
Existem mais outsiders homens do que mulheres (quer em função da maior agressividade masculina, quer em função da maior uniformidade do comportamento feminino quando comparada à diversidade de comportamentos masculinos). O número de outsiders diminui com o envelhecimento da população. Em outras palavras: a maioria dos outsiders é formada por homens jovens.
O destino de muitos outsiders é se tornarem insiders, ou artistas (devido a sua forma ímpar de ver a realidade), e alguns poucos, talvez, até se tornem místicos ou mesmo santos (como quer Colin Wilson, pelo menos até onde eu li aquele livro dele). Mas o destino de muitos outros é mais trágico: suicídio, chacina, mendicância, loucura, prisão, etc. - de fato, ser um outsider é viver constantemente à beira do abismo (segundo o mesmo Wilson, o outsider já é vitorioso se conseguir sobreviver a si mesmo sem se matar). É difícil sobreviver como outsider a vida inteira, embora a ambiência urbana pós-moderna facilite em muito esse fardo (o que ajuda a entender o suposto aumento do número de outsider e de out-insiders - inclusive, parece existir uma correlação entre (pós-)modernidade e a emergência de outsiders, mas, para ratificar essa suposição, seria necessário empreender pesquisas históricas).
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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.
53 comentários:
Finalmente minha pesquisa cruzou com a sua!
Então, vou te passar um link que fala do mesmo tema em outros termos. Dê uma olhada no texto original, na resposta da Juçana e na minha:
http://pos-jung.ning.com/forum/topics/controle-dominacao-matrix?xg_source=activity
Veja, também, o comentário de Jung a esse respeito(na última pergunta, que começa no sétimo minuto do vídeo):
http://www.youtube.com/watch?v=kG-nxIw06Ww&feature=related
Abraços...
considerei o tema legal e coloquei conteúdo relacionado no meu blog:
http://insilasbrain.blogspot.com/2010/06/sobre-escravidao-psicologica-moderna.html
Lerei e comentarei lá no seu blog.
Resposta ao "Fernando Pessoa" (que, por algum motivo, postou coments desse capítulo no cap ### 34.
Fernando,
Belos comentários. Realmente Nietzsche alerta para o mal e para a decadência do niilismo: não adianta apenas negar os valores, é preciso transvalorá-los. E essa é uma grande tarefa, que cada outsider acaba tendo que enfrentar sozinho, e na qual a maioria fracassa. Eu também, como muitos outsiders, ando meio disposto a fracassar, a desistir dessa empreitada quixotesca.
Com relação a sua observação "consegui a confissão de quase todos eles de que vivem como outsiders por “vias-sem-coleta-de-lixo” pelo simples motivo de não terem outra opção melhor!": pois então receba agora a minha confissão também! Eu tenho certeza que sempre fiz "o melhor", sempre dei o melhor de mim: se me tornei outsider é porque fui "corrompido por um mundo cruel" (espero esclarecer a minha visão sobre esse assunto no cap. CXII).
"que seriam uma espécie de carência-mater, da qual todas as demais vão se seguindo em multicadeia complexa":
Uma vez eu li num livro de psicanálise (e eu - que tanto gosto de colecionar citações - não lembro qual livro foi!) que crianças que não recebem afeto "suficiente" na infância podem se tornar adultos que PROBLEMATIZAM O SIMPLES FATO DE ESTAREM VIVOS. Ora, isso parece bem outsider: a simples existência é desconcertante, ela não é suficiente por si mesma...Mas é claro, essa é só uma interpretação, que pode ser insuficiente ou estar errada (eu sou estudante de economia - tudo que sei de filosofia ou psicologia eu estudei por conta própria).
"mas se fosse escolher, confesso que no final, eu penderia para o extremo In"
Eu, se pudesse escolher, preferiria pender para o extremo "out": talvez terminar como o caso do "Professor", ou afogado no meu próprio vômito, depois de uma overdose: prefiro me afundar no caos do que levar uma vida pacífica - e passiva. Atualmente estou levando a sério a seguinte citação de Schopenhauer:
"Uma vida feliz é impossível: o máximo que o homem pode atingir é um curso de vida curso de vida heróico." (A. Schopenhauer, Parerga e Paralipomena, cap. XIV - Contribuições à doutrina da afirmação e da negação do querer-viver, § 172)
Prefereria ter uma vida "trágica" a uma vida feliz...mesmo porque eu já desisti da “obrigação” de ser feliz.
Concordo que a abordagem do "ressentimento". Se quiser ver o meu ressentimento mais explícito, veja os caps XXXI e CXI (esse último ainda não postado).
Eu sou bastante filisteu...não entendo nada de poesia ou música erutida. Mas darei uma olhada no seu blog e no seu canal do youtube. XD
Obrigado por me lembrar a referência do Schops.
“Contudo, vc consegue negar que um mundo 100% outsider é ruína e abismo, logo inviável, autodestrutivo, e que um mundo 100% insider é mais factível, mais duradouro?”
Não nego, mas também acabo achando, junto com Schopenhauer, que uma existência dessas simplesmente não lave a pena.
“dado que minha experiência de vida me colocou demasiadamente em contato com outsiders,”
Como eu gostaria de ter uma experiência de vida dessas...eu estou cercado de insiders...quem mandou cursar economia e trabalhar num banco? E quem disse que eu tenho capacidade para outra coisa além disso? (ou seja, “não tive escolha...”)
"Contudo, vc consegue negar que um mundo 100% outsider é ruína e abismo, logo inviável, autodestrutivo, e que um mundo 100% insider é mais factível, mais duradouro"
Se todos fossem insiders, as sociedades nunca mudariam. Estaríamos vivendo em tribos isoladas e provavelmente nômades com culturas que nunca mudam. A humanidade seria completamente insípida e infrutífera. Sempre com os mesmos costumes, a mesma religião(e filosofia de vida).
Bastaria uma mudança drástica no ambiente para a humanidade desaparecer, porque senso comum é uma caixa e em situações incomuns você precisa pensar fora dela...
Os Outsiders não são só acidentes, como resultado de uma criação defeituosa. São a pequena marca de consciência(que não se restringe em padrões morais) que ainda resta nesse mundo de zumbis. Podem ser bizarros e perigosos, mas pelo menos são originais..
Recomendo esse texto (tags: pessimismo, suicídio, ética, ego, pós-modernidade):
http://www.revistapiaui.com.br/edicao_25/artigo_766/A_liberdade_de_ver_os_outros.aspx
"Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial
Quando eles foram apresentados, ele fez um comentário espirituoso, na esperança de que ela gostasse dele. Ela riu extremamente alto, esperando que ele gostasse dela. Então cada um deles foi sozinho de carro para casa, olhando reto para a frente, com exatamente a mesma contorsão em seus rostos.
O sujeito que apresentou os dois não gostava muito de nenhum deles, apesar de agir como se gostasse, ansioso que estava por preservar boas relações 0 tempo todo. Nunca se sabia, afinal de contas, não é mesmo não é mesmo não é mesmo."
(In: Breves Entrevistas com Homens Hediondos; David Foster Wallace)
obs.: o texto que eu recomendei foi o do link. o micro-conto foi apenas para ilustrar.
obs2: o conto melhor traduzido:
Um história radicalmente condensada da vida pós-indutrial
Quando foram apresentados, ele fez uma piada, esperando ser apreciado. Ela riu extremamente forte, esperando ser apreciada. Depois, cada um voltou para casa sozinho em seu carro, olhando direto para frente, com a mesma contração no rosto.
O homem que apresentou os dois não gostava muito de nenhum deles, embora agisse como se gostasse, ansioso como estava para conservar boas relações a todo momento. Nunca se sabe, afinal, não é mesmo não é mesmo não é mesmo.
obs3: Eu suponho que David Foster Wallace foi um outsider. O discurso também dele expõe o "senso de irrealidade" que você citou.
Anônimo,
1.O link que vc apresentou indica uma página indisponível. O link está certo?
2 Eu não conheço David Foster Wallace. Pesquisarei sobre ele e seu trabalho. Gostei do micro-conto, e o tema da irrealidade é do meu interesse.
Silas,
Eu ainda não li o material que vc indicou. Mas lerei! Sobre o que você escreveu agora, penso que é importante diferenciar o outsider do iconoclasta. Nesse texto, eu não tentei correlacionar a temática do outsider com a do iconoclasta pelo simples fato que não conheço nenhum dos dois o bastante para fazê-lo. Eu até comprei um livro sobre o iconoclasta, mas, como de costume, ainda não o li ("O iconoclasta: um neurocientista revela como pensar diferente e realizar o impossível", Gregory Berns, 2008 - o livro é meio suspeito porque (i) foi escrito por um neurocientista e (ii) a edição original é da Harvard Business School Publishing Corporation, o que nos permite inferir o livro deve flertar com a linguagem corporativa e com a auto-ajuda).
A minha opinião é que o outsider é essencialmente problemático e desajustado, e pode sê-lo sendo um medíocre (sem ser um gênio da arte ou da ciência, sem ser um iconoclasta, sem ser alguém capaz de criar algo novo). Talvez, desse ponto de vista, pudéssemos ver o outsider como um iconoclasta que fracassou, alguém incapaz de levar a termo sua rebelião.
Agora, se queremos falar das mentes que revolucionam o pensamento e as práticas humanas, teríamos que estudar também os gênios, e os líderes (quanto a esses últimos, é bem difícil acreditar que sejam outsiders).
A minha visão do outsider é mais lúgubre, e se concentra justamente na sua inadaptação social e na sua incapacidade de realmente contribuir para alguma mudança social efetiva. Mas evidentemente eu posso estar errado. De certa forma eu escrevi esse capítulo pois me achava na obrigação de falar sobre o outsider nesse blog.
(sou o primeiro anônimo)
O link está certo.
http://www.revistapiaui.com.br/edicao_25/artigo_766/A_liberdade_de_ver_os_outros.aspx
Duan,
Um Outsider é um indivíduo que não se adapta por um motivo. Porque é diferente. Também me considero Outsider: nem no grupo dos Junguianos eu me encaixo direito (eu gosto de um livro do Hillman que todos eles[nunca vi um que aprovasse] desprezam). Meu blog nem temática tem, se você for ver.
Creio que, seja pelo motivo que for, o Outsider não se encaixa na realidade do insider, mas possui uma realidade própria. Essa realidade, das formas mais diversas, pode ser melhor para novas circunstâncias.
Por exemplo, hoje é útil que um homem se especialize em solda e outros serviços mecânicos. No entanto, a robótica pode tornar todos os serviços mecânicos irrelevantes. Alguém que, dentro desse contexto, é desajustado, poderá ser mais ajustado no novo.
Falo isso pela consideração do multiverso: não é possível uma pessoa ser desajustada em todos os contextos. Se assim fosse, eu não seria seu amigo. É simples assim. Seus contextos podem ser poucos e raros, mas existem. E, no futuro, a produção intelectual não será substituída por robôs, pois exige criatividade. Ou seja, seu ofício, mesmo que, como comigo, seja uma brincadeira, não se tornará ultrapassado.
Só um exemplo do que estou falando. É como num grupo de mariposas claras que se camuflava nas arvores. Algumas nasciam escuras e eram devoradas. Até que um dia construíram uma fábrica no lugar e a fumaça mudou a cor das arvores. Aí as escuras estavam prontas e sobreviveram, garantindo a continuidade da espécie.
Todas as revoluções são geniais para uns e absurdas pra outros. Não se trata de revolucionar, mas apenas de mudar, de ser diferente. Ser um Outsider é conservar em si uma parte da vivência humana que não é aceita no contexto social, mas que ainda continua sendo humana, "arquetípica"...
Anônimo,
Agora funcionou! Lerei depois e comentarei, se tiver algo a dizer.
Grato.
"Um Outsider é um indivíduo que não se adapta por um motivo. Porque é diferente."
Sim. Mas, convenhamos, há muitas formas de tentar interpretar as causas dessa diferença. Eu, como ficou claro no meu texto, tendi a interpretá-la como sendo uma independência ante à afetividade. Essa é só uma interpretação, e com certeza há muitas outras. O problema é que eu não estudei o assunto o suficiente para me posicionar melhor a respeito.
Até concordo que o que é defeito hoje pode ser vantagem amanhã, porém - mudando de assunto - manifesto algumas dúvidas a respeito da sua afirmação de que "no futuro, a produção intelectual não será substituída por robôs, pois exige criatividade. Ou seja, seu ofício, mesmo que, como comigo, seja uma brincadeira, não se tornará ultrapassado." Ocorre de Kurzweil vaticina um mundo em que a humanidade terá que se fundir com as máquinas para não se tornar completamente redundante.
Reproduzo aqui um e-mail que recebi há 3 anos:
O fim da intuição?
Livro recém lançado diz que sim. Vai dar o que falar.
Aos pouquinhos, está acontecendo. Tirando as vitórias sobre os grandes mestres do xadrez, computadores que humilham pessoas tem sido ficção. Não mais. Algoritmos e regras estatísticas estão passando a perna em especialistas em vários campos. Se você preza seu saber, cuidado! Pode haver um algoritmo à sua espreita. Experts em prever a qualidade de safras de vinho, têm sido derrotados por eles. Produtores de cinema têm levado surras ao estimar a bilheteria de novos lançamentos (e já consultam uma empresa chamada Epagogix.com para mudar roteiros e prever receitas). Técnicos avaliam jogadores sem nunca os terem visto jogar. Cassinos prevêem direitinho quanto dinheiro podem tomar de certo cliente antes que ele pare de jogar. Está ficando forte demais para ser ignorado.
O uso de modelos estatísticos já revoluciona o marketing, as políticas públicas e a indústria do cinema
O nome da coisa é “decisão com base em evidência”. O Google é sobre isso. A capacidade de fazer experimentos processando informações sobre o comportamento real dos consumidores, fez do Google uma agência de propaganda “matemática”. É isso o que ele é. O que dizer num anúncio de cerveja - “ Melhor sabor ” ou “ Menos ressaca ”? Teste os dois no Google. O sistema alterna os anúncios e seleciona (automaticamente) aquele em que o pessoal clica mais. Chega daquelas teorias malucas sobre o “percurso do olhar” de uma pessoa observando um anúncio impresso (“primeiro ela olha para o canto superior direito, depois desce em diagonal...”). Eu hein! Não é melhor ficar com o que funciona? Os médicos vão espernear, mas terão de encarar: computadores podem diagnosticar doenças melhor do que eles. Medicina baseada em evidência. É só haver um banco de dados (com muitos dados) para que o algoritmo descubra padrões que especialista algum consegue.
Um livro, ainda não publicado no Brasil, é a melhor fonte sobre essa tendência - ”Super Crunchers”, de Ian Ayres (Bantan Books, 2007). O autor queria chamá-lo “O fim da intuição”, mas mudou de idéia depois que uma campanha no Google AdWords constatou que “Super Crunchers” gerou 63 % mais cliques. O que funcionaria melhor: um programa tipo “bolsa família” que embutisse, de início, algumas exigências (contrapartidas) ou simples distribuição de dinheiro? O programa Progresa / Oportunidades no México, foi testado em 506 aldeias selecionadas aleatoriamente com e sem contrapartidas. Os resultados foram tão convincentes que o programa (com contrapartidas) foi estendido para todo o país. Política pública baseada em evidência.
Ayres prevê o sumiço de várias profissões baseadas em opinião de experts. Lembra do avaliador de empréstimo bancário? Um dia ele já foi bem pago. Sumiu. Foi substituído por operadores de call center que repetem scrpits sugeridos por computador. Professores, sua presença é necessária para engajar os alunos no processo de aprender, mas seu julgamento não é. Crianças aprendendo a ler, por exemplo, os melhores resultados vêm de lições codificadas passo a passo; timing de atividades estabelecido e validado por testes aleatórios. Alfabetização baseada em evidência. Vamos gostar de viver nesse mundo? Não sei, mas é bom se preparar. Chegou.
Recomendo a leitura do texto indicado pelo Silas. Realmente é bastante pertinente ao assunto tratado aqui.
http://insilasbrain.blogspot.com/2010/06/sobre-escravidao-psicologica-moderna.html
Duan,
"Eu, como ficou claro no meu texto, tendi a interpretá-la como sendo uma independência ante à afetividade."
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Então devemos diferenciar o desajustado do outsider. Nesse caso que você diz, o outsider é basicamente um sociopata (o que fica claro na sua tipologia). Há muitos sociopatas que, a despeito de terem essa independência afetiva, possuem grande capacidade de adaptação social. Aliás, há pessoas tímidas que, mesmo sendo insiders (no sentido de que pensam como a maioria), passam muito tempo excluídas por conta da timidez.
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Quer dizer, a sua tipologia baseada em "independência emocional", me desculpe, parece uma forma de você se convencer que não é afetado, já que é Outsider. Uma forma de se evadir dos próprios sentimentos afirmando que os outros não te afetam. Mas os caras que não são mesmo afetados geralmente participam ativamente de grupos, buscando apenas interesse próprio. Nunca um indivíduo desses pensaria em como emancipar a humanidade, seja por critérios marxistas ou por qualquer outro: somente buscam o próprio interesse e não entendem nada relativo à empatia.
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Pra mim, há diversas razões pelas quais os indivíduos são desajustados. Pensar diferente dos demais não é propriamente uma delas. Agora, ser um Outsider não presume que o indivíduo seja desajustado. Ey, por exemplo, sou bem mais ajustado hoje do que era antes, mas ainda me considero um Outsider. Pra mim isso é estar fora com a mente. Não ser andróide, não ser massa de manobra. Não ser um “deles”.
“O problema é que eu não estudei o assunto o suficiente para me posicionar melhor a respeito”
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Olha, em relação a isso eu não sei não... Você acredita mesmo que “estudando o assunto o suficiente” você saberá das coisas com maior segurança? Claro que é interessante estudar e ver diferentes perspectivas, mas a verdade é que aquele livro que você cita fala do assunto e você não terminou: você seleciona as fontes antes de ler segundo o que você VIVE. Pra mim esse estudo tem muito a ver com descobri o que somos, nosso lugar no mundo, talvez, e também a razão pela qual as pessoas são tão mecânicas...(apesar de que questiono isso de que há tantos insiders assim.)
Então, sobre a tecnologia eu volto a falar: Já foi comprovado que computadores biológicos são mais eficientes que os digitais. Então não seremos integrados com máquinas. Pelo contrário, provavelmente seremos integrados com organismos sintéticos. A questão aqui é sobre as mais diversas potencialidades humanas. Esse texto trata apenas da perspectiva mecanicista, racionalista (vou transcrever, aliás, um texto de Feyerabend no meu blog falando sobre o assunto). Vamos analisar as potencialidades a que ele se refere:
1) Xadrez
Atividade mecânica que não presume nem um pingo de criatividade. Há um número de possibilidades bem delimitado pelo tamanho do tabuleiro e dos movimentos das peças. Certamente um computador biológico faz isso melhor que um eletrônico: na verdade competir num jogo de xadrez no futuro vai ter tanto sentido quando fazer queda de braços robóticos, sendo que os dois braços são da mesma linha de montagem. Uma forma supérflua de se competir. A não ser que não se use os dispositivos auxiliares.
2) safras de vinho
Outra atividade mecânica mais relacionada à percepção. Certamente a biotecnologia, quando já tiver capacidade de percepção, vai funcionar muito melhor para isso do que um ser humano.
3) estimar a bilheteria
Também é bem mecânico, mas sempre há surpresas. Se fosse assim, todos os filmes de Hollywood que saem fariam muito sucesso. Não é o caso. Isso sem falar que basta você colocar elementos básicos num filme: sexo, morte e dinheiro.
4) Técnicos avaliam jogadores
Mesma resposta das safras de vinho.
5) Cassinos prevêem direitinho quanto dinheiro podem tomar
Isso, claro, partindo da premissa de que os jogadores são viciados (o que é verdade). E são viciados por motivos que não são medidos por esse sistema: ele serve apenas para ferrar mais a vida dos outros. De qualquer maneira, é tudo baseado em algoritmo. Bem simples. Essa habilidade é irrelevante para o ser humano enquanto ser criativo(assim como as outras até agora).
6) decisão com base em evidência
Isso é humanamente vazio, Duan. Esses sistemas não nos dizem os motivos. Eles apenas funcionam pra vender mais. Ele vai testando e descobre a forma mais eficiente. Conforme o Zeitgeist muda, ele continua fazendo testes e se adaptando pra maximizar os lucros. Mas é ridículo: serve pra um idiota ganhar dinheiro, mas não para aprendermos alguma coisa sobre porque o que acontece acontece.
7) Médicos
Dou minha cara a tapa quando um computador conseguir diagnosticar um problema psicossomático. Tudo o que ele fará é substituir o que há de mecânico na medicina. Mas isso já nem adianta: não importa quantas cirurgias a pessoa faz, a mente destrói o corpo das mais diversas maneiras. Isso só serve pra diagnósticos do tipo doutor house. Mas o que eu observei é que as doenças são muito mais do que os sintomas. Que a quantidade de causas mentais para as doenças é muito maior do que se supõe. Afinal, foi comprovado que a meditação retarda e até paralisa o desenvolvimento do Virus da AIDS! Quero ver o que um algoritmo pode fazer em relação a isso. Isso sem falar da a empatia entre o médico e o paciente.
8) O fim da intuição
Hahahahahahahahahahahahahahahahaha! Aparentemente o autor nem sabe o que é intuição pra dize rum absurdo desses. Tudo o que ele diz é sobre o fim do uso da intuição nos negócios. E mesmo assim não é propriamente a intuição, mas o pensamento mecânico. O pensamento intuitivo é abstrato. Você acha que o marxismo poderia ser criado por um algoritmo? Que uma algoritmo pode ser criativo e fazer uma revolução científica?
9) Professores
Ok. Ele ao menos admitiu que a presença empática do professor é vital. E convenhamos: que algoritmo pode responder uma pergunta específica? E que algoritmo pode iniciar um debate com os alunos, incitando sua criatividade? Numa boa, no sistema educacional o contato humano é importantíssimos para o desenvolvimento da criatividade e porque a empatia facilita o aprendizado. Inclusive há diversas abordagens pedagógicas e ele ignora tudo pra afirmas aquela mais positivista. ¬¬ E esse método não atinge 100% de sucesso. Inclusive ele desconsidera o contexto e tudo. talvez ele fosse interessante de todas as crianças fossem criada em laboratório! E mesmo assim teriam que dividir em grupos, porque há diferenças psicológicas pessoais. Enfim...
"nem faço sexo por ser outsider e não ter aproximação íntima com as pessoas."
É por aí...para um outsider é muito difícil ter uma vida amorosa ou mesmo sexual (apesar da "decadência e da promiscuidade" do mundo atual), pouco importando se ele é hetero, homo, bi, tri, pan, a, trans, etc.
A maioria dos textos desse blog (talvez todos) são extramorais, para além do bem e do mal, para além do certo e do errado. Não vou perder o meu tempo discutindo moral aqui, nem o conceito de natureza (necessário para se definir algo como antinatural).
Muito bom e pertinente o texto de David Foster Wallace indicado pelo anônimo acima. E o autor se matou mesmo depois de ter pensado e sistematizado esse texto...será que ele escreveu algum texto explicando os motivos do seu suicídio?
http://www.revistapiaui.com.br/edicao_25/artigo_766/A_liberdade_de_ver_os_outros.aspx
Duab,
Uma breve leitura sobre o conceito de Sociopatia (apesar de que tenho objeções)
“O Transtorno de Personalidade Anti-Social, vulgarmente chamado Sociopatia, é um transtorno de personalidade descrito no DSM-IV-TR, caracterizado pelo comportamento impulsivo do indivíduo afetado, desprezo por normas sociais, e indiferença aos direitos e sentimentos dos outros. (...) A maioria dessas pessoas tem uma família desestruturada e tiveram uma infância difícil, e quando atingem o fim da adolescência ou início da fase adulta, utilizam comportamento violento como meio de se "vingar" do passado, inconscientemente.”
(Wikipédia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_de_personalidade_antissocial)
Não poderíamos estabelecer um paralelo entre seu conceito de outsider e esse conceito de sociopata?
Enfim, vou explicar o que entendo quando ouço essa palavra, então depois você me diz o que acha.
Em primeiro lugar, o Outsider não é um revolucionário que move o mundo. O que move o mundo é uma força dinâmica que envolve tantos fatores que é ininteligível. Só que os Outsiders vivem às margens da mentalidade do senso comum. Assim, as mudanças se efetuam espontaneamente (Oo) e o Outsider é aquele que pode melhor se adaptar a elas. Não acredito em heróis ou revolucionários: pra mim, todas as épocas possuem seu Zeitgeist e as ideologias estão sempre mudando. Só que Insiders aprendem uma forma de viver no começo da vida e se adaptam nela, de maneira que nunca mudam até a morte: e é por isso que muitos velhos nunca se acostumam com os “Novos e corruptos tempos”. Ou você nunca viu um velho que acha que antigamente tudo era bom?
Isso me lembra de um comentário do meu padrasto (troglodita).
Segundo ele, nos bons tempos (quando ele era jovem), os gays eram atacados no meio da rua a troco de nada. Inclusive ele perseguia e espancava gays pelo simples fato de que eram gays. Aliás, bastava o sujeito ser meio afeminado, mesmo sendo hetero. Hoje em dia, diz ele, as coisas estão todas erradas. Você não pode mais atacar dois homens pelo simples fato de que estão se beijando.
Quer dizer, o senso comum da época dele perseguia os gays, mas o de hoje é bem mais liberal (e progredindo). Daí, sendo ele um insider, ele não conseguiu lidar com a mudança. Um Outsider daquela época provavelmente se adaptaria bem a essas mudanças: afinal, a mentalidade dele não é um mero fruto do meio, mas possui algum grau de originalidade.
Assim, o Outsider tanto se adapta bem quanto coloca mais pontos originais na sociedade, contradizendo das mais diversas formas o senso comum. É sempre por conta da visão estranha de um Outsider que muitos Insiders questionam sua forma de viver e o zeitgeist muda lentamente. Porque alguém tem que desafiar o estabelecido, alguém tem que assumir esse papel ingrato. Esses, segundo minha visão, são os Outsiders. Somos nós.
O que acha?
Sobre a simplicidade, isso é uma figura de linguagem. Pra dar ênfase ao que eu falei logo antes. Não creio que alguma coisa nesse mundo seja simples. Simples mesmo é a minha explicação.
Vamos jogar a real, duan. Esse conceito, em si, só pode ter significado enquanto se refere a nós. Não é, porventura, nossa discussão uma simples troca de confissões pessoais? temos mesmo que nos prender no conceito de N autores(que podem se contradizer entre si) para pensarmos sobre nossa condição diante da sociedade?
Não gosto dessa onda de racionalizações. Não estamos aqui fazendo um trabalho acadêmico. Pra mim somos dois amigos brincando de filosofar. Minha pesquisa gira em torno de Jung e da Psicologia do inconsciente, então não terei tempo para analisar esse ponto da perspectiva sociológica. Se você prefere não brincar, ok. Se quiser, no entanto, basta ver o que falei sobre os Outsiders (sobre o que NÓS somos) e comentar.
“Não acho que eles sejam ilusão. Mas também não acho que a vida - se ela se resumir a isso - valha a pena. Para mim amor e carinho são completamente insuficientes para justificar a vida, como eu, inclusive, disse no texto”
Bem, Duan, parece que você está em contradição aqui. Como pode saber que isso é insuficiente se nunca sentiu? E, mesmo assim, a vida está longe de se resumir a isso. Pra mim é uma lástima que um amigo meu tenha decidido que não há outra possibilidade na vida que não a infelicidade. De qualquer maneira, farei o que puder para diminuir sua infelicidade e tornar a vida mais suportável.
Escrevi esse comentário ontem e só pude postar hoje. Depois vejo seus novos comentários(parece que sao diários!)
Já adianto que é muito chato ter que ler coisas e caixa alta. Oorque você não escreve ot exto normalmente?
Anônimo: Também recomendo isso. Viu meu comentário ao Duan sobre a relação entre sociopatas e Outsiders¿
Indico esse texto do meu blog para o assunto:
http://insilasbrain.blogspot.com/2010/06/acerca-do-anarquismo-em-nivel.html
Grande texto Duan, que delineia muito bem, afinal, o objeto central do blog; admiro sua honestidade intelectual, se houvessem mais pessoas capazes desse tipo de raciocínio aberto e franco na sociedade, o mundo seria de fato bastante mais digerível.
Quanto ao dualismo real/irreal, penso que as massas identificam eroneamente apenas o que é MATERIAL como real, e tendem ( são domesticadas para ) a rebaixar a vida subjetiva como algo "inútil" e privado, já que não pode ser classificada e agrupada tão facilmente como as pedras e os fósseis de civilizações antigas, por exemplo. A vida pública de certa forma pressupõe a ignorância cabal dos homens, já que para manter-se e consolidarem-se os grupos é preciso torná-los acessíveis e portanto eliminar quaisquer tipos de requisitos "não-testáveis" - é preciso de qualquer forma "materializar" a vida subjetiva ( pense nas "provas" nas escolas e faculdades - realmente provam alguma coisa? ) e portanto transformar os homens em autômatos memorizadores de conteúdo - como se faz nos cursinhos. Daí a antiga distinção entre "conhecimento" e "sabedoria" - sendo "conhecimento" algo com uma face mais jovem, lembra um técnico em informática, e "sabedoria" sempre evoca a imagem de um velho com longas barbas brancas; de um lado a vida subjetiva útil e "materializada", de outro a subjetividade passiva, visivelmente inútil, mas que "deve servir pra alguma coisa" ( velhos barbudos sempre são magos e/ou feiticeiros nos desenhos animados e jogos de video-game, e geralmente suas magias são as mais poderosas, as que mais arrancam HP do inimigo ).
Aristóteles escreveu algo sobre este assunto quando tentou classificar os vários "tipos de conhecimento" na sua Metafísica.
O texto não é meu não. É de Feyerabend. Lá no blog você vai ver...
Henrique,
Grato pelo elogio.
Pois é. Eu, nesses últimos anos, foquei muito no acúmulo de conhecimento, em detrimento da sabedoria de vida. Esse meu comportamento foi necessário para eu aprender, na prática, a diferença entre conhecimento e sabedoria. Em breve (na verdade vai demorar mais de uma ano), eu me focarei na sabedoria em detrimento do conhecimento.
“Há de se reconhecer os problemas que o isolamento social causa no outsider - levando-o muitas vezes, mas não sempre, a uma espiral de insanidade destrutiva.”
Com certeza. Inclusive te falei daquela minha fase Schopenhauer onde eu desenvolvi um profundo desprezo pelas pessoas e por mim mesmo. O loop e pensamento era bem simples: 1) não posso me adaptar nesse meio porque eles são idiotas; 2) Não posso me adaptar nesse meio porque sou bizarro.
Gosto da idéia que Marie-Louise Von Franz (uma colaboradora de Jung) coloca num fragmento de texto que, inclusive, postei no meu blog e fala desse assunto. (http://insilasbrain.blogspot.com/2010/02/sobre-vocacao-para-profissao-de.html)
Eis um trecho interessante:
“Os símbolos do espírito animal-mãe, do tambor, da árvore e de muitos outros, em tão grande número que é impossível descrevê-los todos, são, sob o aspecto da psicologia junguiana, símbolos do Si-mesmo. Na tradição xamanística, o futuro curador não apenas precisa ter sofrido uma invasão do incosnciente coletivo, como também ter chegado ao seu núcleo, ao que Jung chamava de Si-mesmo. Estranhamente, com freqüência o Si-mesmo primeiro confronta a pessoa de maneira HOSTIL, como algo explosivo que poderia até provocar a LOUCURA.8 Os Tungus siberianos têm consciência disso. Eles dizem até que antes de a pessoa se tornar xamã, precisa ser molestada pelos espíritos durante alguns anos. Trata-se das almas de falecidos xamãs que fazem com que ela tenha delírios. Freqüentemente eles são aqueles que a mutilam durante a iniciação.”
O período em que estive isolado e preso a raciocínios circulares que somente aumentavam o meu sofrimento foi bem assim. Fui confrontado com muitas realidades dolorosas. Mas isso, percebi, pareceu ter um objetivo: antes disso, eu me considerava infalível e superior. Depois eu fui perceber que sou menos do que merda e que não tenho nenhum direito de declarar superioridade. E é só assim que uma pessoa pode pensar em amar. Caso contrário, nunca terá nada além de sentimentos auto-eróticos onde outras pessoas não passam de objetos. E que tipo de psicólogo clínico pode querer ajudar alguém se não dá a mínima para as pessoas?
(Não estuo dizendo que isso se aplica a você. Apenas que, na minha visão, essa espiral é necessária e, com frequência, ajuda o indivíduo a descobrir quem ele é)
"O período em que estive isolado e preso a raciocínios circulares que somente aumentavam o meu sofrimento foi bem assim."
Somente depois de 10 anos preso nesse tipo de situação que eu estou começando a me dispor a reconsiderar a forma como vejo o mundo e lido com as pessoas.
"antes disso, eu me considerava infalível e superior."
Idem.
No mais, nada a acrescentar ao que você disse. Eu vou acabar com esse blog justamente porque - em virtude de "circunstâncias adversas" (com as quais eu luto há seis anos para me resignar) eu não poderei sustentar a "crescente complexidade" que ele está tomando. Não que eu não gostaria de fazê-lo - na verdade, adoraria. Mas as responsabilidades de um trabalhador (que, diferentemente de uns e outros, não nasceu em berço de ouro) me obrigam a reconhecer que sou incapaz de ganhar a vida a troco da minha intelectualidade (leia-se: sou incapaz de virar um mero professor universitário).
Depois que terminar a tal da monografia (que eu nem comecei) e esse blog (tudo isso lá por Julho de 2011) eu vou passar provavelmente meses (talvez até um ano) pensando na MINHA vida - e não no mundo ou na vida em geral. Vou revisar todos os meus "diários" e tentar me entender melhor. Em vez de focar minha atenção em criticar e questionar. Em vez de ficar pensando em formas mirabolantes de atingir a verdade ou transformar o mundo, eu vou focar a minha atenção em motivos mais mesquinhos e pragmáticos: o meu conforto, a minha saúde, a minha empregabilidade, a minha paz de espírito. É isso que eu estou chamando de suicídio mental, mas talvez seja melhor qualificado como suicídio intelectual.
Isso me lembra classificação de Kinsey, sobre a sexualidade.
Anônimo,
É, lembra sim. Em ambos os casos pretende-se superar uma dicotomia fundada no princípio do terceiro excluído.
Eu sou o primeiro anônimo, o que recomendou o texto de Foster Wallace.
Encontrei outro texto pelo qual acho que você se interessaria:
http://www.hottopos.com/videtur26/jean.htm
é quase um adendo para sua postagem, mas o texto falha em não superar a dicotomia "Extrovertidos e Introvertidos".
Anônimo,
Ótimo texto. Acho a dicotomia “introvertidos x extrovertidos” até que útil. Talvez eu até devesse ter explorado ela no meu texto, e se não o fiz é em virtude do pouco contato que tenho com a literatura psicológica. Afinal, quando eu afirmo que o ponto central da caracterização do outsider é sua independência com relação a grupos, eu estou chamando-o, com outras palavras, de introvertido. Mas penso que o outsider geralmente apresenta algo "a mais" que a mera introversão - ele também está de alguma forma evolvido com a subversão dos valores/padrões estabelecidos, "vigentes" como diria esse texto. O ato de casar e ter filhos, por exemplo, já é bastante problematizado por muitos outsider, e mesmo negado por tantos outros. Já para um "introvertido estrito" isso não necessariamente é questionado - ele pode ser introvertido sem se "rebelar".
"Não que o I não se importe com os colegas; talvez até nutra por eles uma solicitude e um afeto mais profundos do que o dos E; afeto cultivado no recolhimento de sua personalidade."
Se formos comparar com o que eu disse, ficaria claro que o outsider está, na minha visão, mas perto de ser um sociopata, e não alguém que nutra solicitude e afeto pelos outros. Mas, no fundo, ao expor o que eu acho ser um outsider, eu devo, é claro, estar falando de mim mesmo...
Com relação aos suplícios descritos no texto, pelos quais os introvertidos têm de passar, eu, por sorte, vivo num contexto familiar e profissional no qual quase nunca preciso passar por esse tido de situação. Mas assim mesmo sei, por experiência própria, o terror que é viver sob a ditadura da extroversão.
"Talvez o dilema de alguns desses jovens E esteja precisamente nisto: a compulsiva necessidade de falar (um falar que não necessariamente deve ser classificado como comunicação), de "agito", de chamar a atenção; junto com a ausência do dizer, a superficialidade da mais absoluta falta de assunto para manter uma conversa com algum conteúdo, que possa minimamente superar os "tipo assim", "com certeza", etc."
Isso nos leva às dicotomias "forma x conteúdo", "aparência x essência", "superficialidade x profundidade", etc. O introvertido parece ter a oportunidade de desenvolver senso crítico e "profundidade", em oposição à superfluidade da "massa ignara".
Com relação à "a legitimação da eliminação da privacidade", isso lembrou o ótimo texto indicado pelo Silas, no segundo comentário desse capítulo, o qual fala da nova forma que a "sístase" está tomando: a sociedade do controle, do monitoramento ubíquo. Impossível não lembrar da "polícia de pensamento" orweliana.
"No caso dos I, porém, a própria idéia de associação (para não falar de passeatas...) está praticamente descartada."
Aqui há nova semelhança com o que eu disse sobre o outsider.
"Como sempre, na luta contra o preconceito e a discriminação o primeiro passo é o da conscientização e este artigo espera poder contribuir nesse sentido. Pois, em si, a introversão não é pior nem melhor do que a extroversão; simplesmente em nossa sociedade as vigências dão um caráter de "normalidade" ao E."
Essa passagem pode ser usada para fazer uma ligação entre os cap 107 e 112 desse blog.
"Há casos de I que não ligam a mínima para a opinião dominante (ele, por exemplo, simplesmente não aceita convites, doa a quem doer; ou simplesmente desaparece e deixa seus telefones todos na caixa postal etc.); enquanto outros, temem tanto a opinião alheia que procuram adequar-se aos padrões vigentes só para não ter sua vida devassada por interrogatórios e pedidos de explicação por parte da tirania dos E "
Tendo a acreditar que um outsider só seria a pessoa do primeiro tipo, a do segundo tipo seria um insider introvertido.
Aliás, o conceito de "vigência" lembra o de "habitus" de Bourdieu.
(ainda sou o primeiro anônimo)
Suas correlações e afirmações são coerentes.
Eu vou ler o texto da "sístase" e o cap. 112 do seu blog.
Desconheço o conceito de "habitus" de Bordieu, pesquisarei sobre isso.
"Nas coisas humanas não se procede com acerto tentando agradar à maioria, pois a multidão é a prova do que é pior. Busquemos, portanto, o que é melhor e não o que é mais comum, aquilo que nos estabelece na posse de uma felicidade eterna e não o que é aprovado pela massa, o pior intérprete da verdade" Sêneca
“E como poderia haver um ‘bem comum’? A palavra comum é sempre coisa de pouco valor.Finalmente, é preciso que seja como sempre foi: as grandes coisas são reservadas aos grandes, as profundas aos profundos, as delicadezas e os calafrios às almas sublimes, numa palavra, tudo que é raro aos seres raros.’" Schopenhauer
Em off: Eu pretendo fazer o curso de filosofia, e não sei se seria pedir muito, mas você poderia fazer uma lista das obras que você considera pertinentes para uma pessoa quer quer ter uma formação sólida em filosofia (e se interessa por assuntos diversos como Indústria Cultural, ciências sociais em geral, psicanálise, etc)? eu ainda estou sem base. Você pode me recomendar o que você achar pertinente, até autores literários.
Eu simpatizo muito com a obra de Schopenhauer e seu pessimismo (apesar de ser completamente leigo). De autores pessimistas conheço Emil Cioran e Machado de Assis.
Eu pretendo com essa formação, sobretudo, desenvolver uma visão de mundo mais abrangente e crítica e, em busca da "verdade", e ser um profissional competente (se ganhar dinheiro fosse minha maior prioridade eu faria Direito ou Medicina e me diluiria nos estudos conteudistas e por que não dizer, alienantes, dessas ciências).
“E como poderia haver um ‘bem comum’? A palavra comum é sempre coisa de pouco valor.Finalmente, é preciso que seja como sempre foi: as grandes coisas são reservadas aos grandes, as profundas aos profundos, as delicadezas e os calafrios às almas sublimes, numa palavra, tudo que é raro aos seres raros.’"
Essa afirmação causa-me dois tipos de repulsa: i) o meu espírito heróico-utópico se recusa a aceitar que as coisas "tenham" que ser assim e ii) a minha autocrítica me impede de me considerar alguém "raro", "profundo", ou qualquer coisa que seja "boa". Todavia, vejo-me cada vez mais forçado a encarar "os fatos da vida" e a acabar dando razão a Schopenhauer.
Com relação à lista de livros, tenho uma "boa notícia". Eu estou a quase um mês fazendo uma lista de livros, o "cânon de Duan Conrado Castro", que já está com mais de 2.000 livros e que vou postar no cap. CXXI do blog - só em Outubro. Se você estiver "com pressa", eu posso lhe mandar por e-mail quando eu terminá-la, o que espero conseguir fazê-lo até essa sexta.
Ainda com relação à lista, acrescento que acho essencial para a formação crítica estudar o marxismo. A crítica construída pelo marxismo é, porém, diferente da crítica de um pessimista como Schopenhauer. A crítica marxista é contra o capitalismo - é uma crítica mais política, e não existencial. O fato de eu misturar Marx com Schopenhauer nesse blog (e na minha cabeça) é uma “aberração teórica”, que é testemunha da minha indecisão teórica, que é, por sua vez, uma indecisão de tomada de um posicionamento diante da vida e do mundo.
Também devo esclarecer que eu não sou formado em filosofia e dedico-me a pensar a vida como uma "missão pessoal" (para não falar hobby...), a qual, aliás, eu repetidamente me sinto tentado a abandonar de uma vez por todas. Ou seja: eu talvez não seja a pessoa mais “adequada” para indicar livros.
HAHAHA, caramba! Quando puder, envie para estranhospensamentos@gmail.com
" ii) a minha autocrítica me impede de me considerar alguém "raro", "profundo", ou qualquer coisa que seja "boa". Todavia, vejo-me cada vez mais forçado a encarar "os fatos da vida" e a acabar dando razão a Schopenhauer. "
Eu acho que a idéia dessa frase de Schopenhauer já estava na sua cabeça quando você falou:
"O introvertido parece ter a oportunidade de desenvolver senso crítico e "profundidade", em oposição à superfluidade da "massa ignara"."
Por falar nisso...essa questão está está me incomodando:
E porque a "massa ignara" existe?
As massas não conseguem exercer o livre-pensar? Seria "culpa do sistema" controlador? Como se daria esse controle do pensamento reflexivo?
Obrigado pela sua opinião sobre a importância do marxismo para a formação crítica.
Ah, depois de abandonar seu "hobby", o que você pretende fazer? :-P
correção: suposto controle do pensamento refelxivo.
"Eu acho que a idéia dessa frase de Schopenhauer já estava na sua cabeça quando você falou:(...)"
Sim, já estava na minha cabeça. Mas eu insisto tentar acreditar que as pessoas são mais do que essa sopa rala de arsênico e fel...
"As massas não conseguem exercer o livre-pensar? Seria "culpa do sistema" controlador? Como se daria esse controle do pensamento reflexivo?"
Não sei até onde é culpa do "sistema". Acho que é um círculo vicioso de estupidez: o sistema dá o que as pessoas querem, e quando novas pessoas nascem num mundo já estúpido aprendem a querer só o que já está disponível. Schopenhauer já reclamava como o grande público consumia literatura de lixo, livros da moda que tem muitas tiragens no seu primeiro e último ano de vida. Não dá para simplesmente culpar a indústria cultural, como se, caso ela fosse destruída, as pessoas começariam a ler "Eros e Civilização" (ou qualquer outro livro decente) no ônibus.
Houve um contratempo, então é provável que eu só termine "o cânon" na terça. Quando estiver pronto eu lhe mando.
O que eu pretendo fazer é mais ou menos o seguinte.
1. Depois de postar o cap. CXXII do blog eu vou tirar umas férias dele, até julho de 2011, para escrever a minha monografia de conclusão do bacharelado em ciências econômicas.
2. Vou postar a monografia no blog e escreve mais uns capítulos para o blog (menos de 10) e então irei encerrar o blog definitivamente.
3. Daí eu vou abandonar os ideais de verdade, justiça, utopia social e salvação do mundo para me dedicar pragmaticamente a ideais bem mais mesquinhos: a minha paz de espírito, a minha saúde, o meu bem-estar. Vou estudar uma série de livros que devem me ajudar nessa tarefa (ver lista abaixo). Também vou criar uma rotina de prática de exercícios físicos. Além de estudar esses livros, vou rever todos os meus diários (cadernos manuscritos que escrevo desde 2005), a fim de aprofundar o meu autoconhecimento.
4. Depois de tudo isso, lá pela metade de 2012, é que eu vou ver o que farei da minha vida profissional: se vou continuar mofando no banco público onde trabalho desde 2005, se vou tentar outro concurso público, se vou tentar mestrado, se vou tentar virar sindicalista, etc.
Lista dos livros do item 3:
Aforismos para sabedoria na vida (Schopenhauer)
A arte de ser feliz (idem)
A arte de se fazer respeitar (idem)
A arte de conhecer a si mesmo (idem)
A arte de ter razão (idem)
A arte da prudência (Baltazar Gracián) [esse era um dos livros favoritos do Schopenhauer]
A arte da guerra (Sun-Tzu)
A arte da guerra (Maquiavel)
Da vida feliz (Sêneca)
O poder da gentileza (Rosana Braga)
Os porcos-espinho de Schopenhauer (Deborah Anna Luepnitz)
A mente livre - O caminho interior para a libertação (Robert Powell)
A doutrina de Buda (Sidharta Gautama)
Bhagavad Gita (Krishna) [esse era um dos livros favoritos do Schopenhauer]
O Homem medíocre (José Ingenieros)
Como fazer amigos e influenciar pessoas (Dale Carnegie)
Os sete hábitos das pessoas altamente eficazes (Stephen Covey)
Os dois últimos são "clássicos" da auto-ajuda. Eu nem sei se vou conseguir lê-los até o fim, mas irei tentar.
Cuando abro mis insomnes ojos al amanecer, me encuentro aprisionado en una oscura cueva de cuyo techo cuelgan insectos y por cuyo suelo se arrastran las víboras.
Cuando salgo a encontrar la luz, la sombra de mi cuerpo me sigue, pero la sombra de mi espíritu me precede y me guía hacia un lugar desconocido buscando cosas más allá de mi entendimiento, y asiendo objetos que no tienen sentido para mí. Cuando la marea se nivela, regreso y me acuesto sobre mi lecho, hecho de suaves plumas, y rodeado de espinas, y contemplo y siento los molestos y alegres deseos, y percibo con mis sentidos dolorosas y gozosas esperanzas.
A medianoche los fantasmas de los siglos pasados y los espíritus de la olvidada civilización entran por las grietas de la cueva a visitarme. Los contemplo y ellos me miran fijamente; les hablo y me contestan sonrientes. Luego trato de asirlos, pero se escurren entre mis dedos y desaparecen como la bruma que flota sobre el hago.
Soy un extraño en este mundo, y no hay nadie en el Universo que entienda mi lenguaje.
Fantasmas de recuerdos fantásticos cobran forma súbitamente en mi mente, y mis ojos producen raras imágenes y tristes pesadillas. Camino por las desiertas praderas, observando los arroyos correr rápidamente, hacia arriba y arriba, desde las profundidades del valle hasta la cima de la montaña; observo a los árboles desnudos florecer y dar frutos; y derramar sus hojas en un instante, y luego veo las ramas caer y convertirse en manchadas serpientes. Veo a los pájaros revoloteando en lo alto, cantando y lamentándose; luego se detienen y abren sus alas y se vuelven desnudas doncellas de larga cabellera, que me miran detrás de ojos pintarrajeados y lánguidos, y me sonríen con melosos labios sensuales, y alargan sus perfumadas manos hacia mí. Luego ascienden y desaparecen de mi vista como fantasmas, dejando tras de sí el resonante eco de su sarcástica y burlona risa.
Soy un extraño en este mundo... Soy un poeta que compone lo que la vida escribe en prosa, y que escribe en prosa lo que la vida compone.
Por esta razón soy un extraño, y permaneceré un extraño hasta que las blancas y amistosas alas de la Muerte me lleven a mi hogar en mi hermoso país. Allí, donde reinan la luz y la paz y el entendimiento, esperaré a los otros extraños que serán rescatados por la amistosa trampa del tiempo de este mundo estrecho y oscuro.
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A «transvaloração» e o «além do bem e o do mal» do "Anticristo".
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Isso não é bipolaridade se o outsider o for "psicologica" e não "sociologicamente", em uma "realidade" (psicossocial) nihilista? Enquanto o humano insider é mantido sistaticamente e se divertindo do real, por que o outsider quereria ser amoralista, autoritário e pragmático, superando-o como homem (— e se "excomungar", excomunicare, ao inverso de se abjungir do jugo, domínio e "sin(h)érese" —)?
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O livro "extramoral", sétima parte, as nossas virtudes, 225:
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"Hedonismo, pessimismo, utilitarismo ou eudemonismo: todos esses modos de pensar, que têm por medida o prazer e o sofrimento, isto é, certos estados acessórios são modos de pensar primitivos e ingênuos, que cada um que se sinta de posse de forças criadoras [o irônico poeta] e de uma consciência artística olhará com ar de desprezo, não falto de compaixão. Compaixão de vós, sim! Mas não a compaixão tal qual a entendeis, não se trata da compaixão pela miséria social, pela sociedade, pelos seus doentes e suas vítimas, pelos seus viciados e vencidos desde a origem que jazem espedaçados a nosso redor e menos ainda compaixão por catervas de escravos resmungadores, opressos e sediciosos, que aspiram ao domínio que chamam "liberdade". A nossa compaixão é bem mais elevada, vemos que o homem se empequenece, que vos o diminuis!"
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E prossegue em «Vontade de potência — Ensaio de uma transmutação de todos os valores»...
«Outsider», se epitético, não é laudativo, e isto é "verificável" por poesia vulgar, como «A Self Imposed Outsider», de Francis Duggan, e «Outsider With Insight», de Lawrence Pertillar, em http://www.poemhunter.com/search/?w=title&q=outsider; conota, coloquialmente, pejorativo aos anglófonos, e não é melhor a denotação sociológica de Howard S. Becker, em «Outsiders: Studies in Sociology of Deviance», a de Robert K. Merton, em «Insiders and Outsiders: A Chapter in the Sociology of Knowledge», e a de Norbert Elias, and John L. Scotson, em «The Established and the Outsiders: A Sociological Enquiry into Community Problems».
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Entretanto, estes livros, incluindo «The Outsider», estão alienados e infectados do e por o nihilismo e a caosmose (pós-)moderna, e que não nos permitiria o encômio psicológico de uma significação diatética, compreendendo-o não grupal ou socialmente, porém, "tribalmente", a considerar «tribunal», «contribuinte» e «tributário»: isto (¿) estaria coerente (?) com a resposta "hipócrita" de Wilson à entrevista de Paul Newman, de sugestão à inércia (não apraxia) e inconivência cultural, em http://wilderdom.com/wilson/, Interviews with Colin Wilson:
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In 'The Outsider' you gather a number of different types of thinker under one umbrella — examine and analyse their various types of alienation. But what is the central thesis?
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What I was saying is that in modern civilisation there does not seem to be a place for those people I call outsiders. That is people too clever to fit into everyday society and accept the jobs that most people do, but not clever enough to be scientists and artists and create their own niche. Our society ignores these people and they need to be given a sense of solidarity — to feel they are not alone. That is why, when 'The Outsider' came out, I was snowed under with letters beginning, "Dear Mr. Wilson, I am an outsider..."
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Este se "sentiria" (ou inteligiria) como O Poeta (— eis uma ironia —), de Khalil Gibram, em al-‘Awāsif (La Tempestad), de 1920, e não como o Silas, com devido respeito por a "desiformação" do blog: «Também me considero Outsider: nem no grupo dos Junguianos eu me encaixo direito»:
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EL POETA
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Soy ajeno a este mundo, y hay en mi exilio una severa soledad y una dolorosa tristeza.
Estoy solo, pero en mi soledad contemplo un país desconocido y encantador, y esta visión llena mis sueños de espectros de una tierra grande y lejana que mis ojos nunca han visto.
Soy un extraño entre mi gente y no tengo amigos. Cuando veo una persona me digo a mí mismo, "¿Quién es él, y de qué manera lo conozco, y por qué está aquí, y qué ley me -ha unido a él?"
Soy un extraño a mí mismo, y cuando oigo hablar en mi propia lengua, mis oídos se asombran de mi voz; veo a mi ser interior sonriendo, llorando, desafiando y temiendo; y mi existencia se 'pregunta sobre mi sustancia mientras mi alma interroga a mi corazón; pero yo permanezco ajeno, sumergido en un silencio tremendo.
Mis pensamientos son extraños a mi cuerpo, y al colocarme delante del espejo, veo algo en mi rostro que mi alma no ve, y encuentro en mis ojos lo que mi ser interior no encuentra.
Cuando camino con los ojos vacíos por las calles de la clamorosa ciudad, los niños me siguen, gritando: "Aquí hay un ciego. Démosle un bastón para que encuentre su camino." Cuando huyo de ellos, me encuentro con un grupo de doncellas que aferran los bordes de mis ropas diciendo: "Es sordo como una tapia; llenemos sus oídos con la música del amor.Y cuando me escapo de ellas, una multitud de viejos me señala con dedos temblorosos diciendo: "Es un demente que enloqueció en el mundo de los genios y los espíritus."
Soy un extraño en este mundo; recorrí el Universo de punta a punta, pero no pude encontrar un lugar donde aposentar mi cabeza; ni conocí a ningún humano con el que pudiera confrontarme, ni a un individuo que pudiera escuchar mis pensamientos.
Cuando abro mis insomnes ojos al amanecer, me encuentro aprisionado en una oscura cueva de cuyo techo cuelgan insectos y por cuyo suelo se arrastran las víboras.
Cuando salgo a encontrar la luz, la sombra de mi cuerpo me sigue, pero la sombra de mi espíritu me precede y me guía hacia un lugar desconocido buscando cosas más allá de mi entendimiento, y asiendo objetos que no tienen sentido para mí. Cuando la marea se nivela, regreso y me acuesto sobre mi lecho, hecho de suaves plumas, y rodeado de espinas, y contemplo y siento los molestos y alegres deseos, y percibo con mis sentidos dolorosas y gozosas esperanzas.
A medianoche los fantasmas de los siglos pasados y los espíritus de la olvidada civilización entran por las grietas de la cueva a visitarme. Los contemplo y ellos me miran fijamente; les hablo y me contestan sonrientes. Luego trato de asirlos, pero se escurren entre mis dedos y desaparecen como la bruma que flota sobre el hago.
Soy un extraño en este mundo, y no hay nadie en el Universo que entienda mi lenguaje.
Fantasmas de recuerdos fantásticos cobran forma súbitamente en mi mente, y mis ojos producen raras imágenes y tristes pesadillas. Camino por las desiertas praderas, observando los arroyos correr rápidamente, hacia arriba y arriba, desde las profundidades del valle hasta la cima de la montaña; observo a los árboles desnudos florecer y dar frutos; y derramar sus hojas en un instante, y luego veo las ramas caer y convertirse en manchadas serpientes. Veo a los pájaros revoloteando en lo alto, cantando y lamentándose; luego se detienen y abren sus alas y se vuelven desnudas doncellas de larga cabellera, que me miran detrás de ojos pintarrajeados y lánguidos, y me sonríen con melosos labios sensuales, y alargan sus perfumadas manos hacia mí. Luego ascienden y desaparecen de mi vista como fantasmas, dejando tras de sí el resonante eco de su sarcástica y burlona risa.
Soy un extraño en este mundo... Soy un poeta que compone lo que la vida escribe en prosa, y que escribe en prosa lo que la vida compone.
Por esta razón soy un extraño, y permaneceré un extraño hasta que las blancas y amistosas alas de la Muerte me lleven a mi hogar en mi hermoso país. Allí, donde reinan la luz y la paz y el entendimiento, esperaré a los otros extraños que serán rescatados por la amistosa trampa del tiempo de este mundo estrecho y oscuro.
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A «transvaloração» e o «além do bem e o do mal» do "Anticristo".
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Isso não é bipolaridade se o outsider o for "psicologica" e não "sociologicamente", de uma "realidade" (psicossocial) nihilista? Enquanto o humano insider é mantido sistaticamente e se divertindo do real, por que o outsider quereria ser amoralista, autoritário e pragmático, superando-o como homem (— e se "excomungar", excomunicare, ao inverso de se abjungir do jugo, domínio e "sin(h)érese" —)?
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O livro "extramoral", sétima parte, as nossas virtudes, 225:
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"Hedonismo, pessimismo, utilitarismo ou eudemonismo: todos esses modos de pensar, que têm por medida o prazer e o sofrimento, isto é, certos estados acessórios são modos de pensar primitivos e ingênuos, que cada um que se sinta de posse de forças criadoras [o irônico poeta] e de uma consciência artística olhará com ar de desprezo, não falto de compaixão. Compaixão de vós, sim! Mas não a compaixão tal qual a entendeis, não se trata da compaixão pela miséria social, pela sociedade, pelos seus doentes e suas vítimas, pelos seus viciados e vencidos desde a origem que jazem espedaçados a nosso redor e menos ainda compaixão por catervas de escravos resmungadores, opressos e sediciosos, que aspiram ao domínio que chamam "liberdade". A nossa compaixão é bem mais elevada, vemos que o homem se empequenece, que vos o diminuis!"
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E prossegue em «Vontade de potência — Ensaio de uma transmutação de todos os valores»...
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(Pensei que postara o final do comentário a 20/03. Ei-lo:)
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Essas "superações (in)complexas" (— ou hiperonímias plécticas? —) da dicotomia são, por pletismo, anátemas pliotácticos e antidialéticos, self-mindfucking politômica para incompreensão das diáteses e complexos. Heráclito, por G. A. Bornheim, disse que "A maioria tem por mestre Hesíodo. Estão convictos ser o que mais sabe, — ele, que nem sabia distinguir o dia da noite. Pois é uma e a mesma [metipsimus, de metipsa] coisa", ou, dialeticamente, "reconheçam que todas as coisas são um", em sua síntese polissêmica que complica e totaliza a unidade "pletórica" da pluralidade, reversa à simplificação e multiplicação. Porém, não depreciar a Hesíodo. Como Torrano "retifica" em sua tradução, «Teogonia: A Origem dos Deuses»,
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A manifestação das Musas não é apenas um esplendor e diacosmese que se opõem ao reino das trevas e da carência, mas sobretudo tem no antinômico reino da Noite o seu fundamento e, ao esplender em seu fundamento, dá a este mesmo reino antinômico a sua fundamentação. Nesta sabedoria arcaica, que encontrou em Heráclito a sua expressão mais clara (e mais obscura), cada contrário, ao surgir à luz da existência, traz também, por determinação de sua própria essência, o seu contrário. Na oposição em que se opõem, os opostos vigoram no mesmo vigor em que um contra o outro os opõe a unidade que na essência deles os reúne a um e outro; (III, Musas e Ser)
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Dia e Noite aqui são princípios ontológicos, a exprimirem imageticamente a esfera do Ser e a do Não-Ser. Esta oposição especular (Érebos: Éter: Noite: Dia) é subsumida no jogo enantiológico que é a mundivisão exposta na Teogonia. Dia e Noite, Ser e Não-Ser, guardam em si uma relação íntima e profunda entre si: o Ser vige e configura-se segundo uma estrutura configurada pelo Não-Ser, de tal forma que o pensamento que pensa o que é o Ser não pode não pensar o Não-Ser; (V, A Quádrupla origem da Totalidade)
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Quanto à Linhagem de Caos, já estudada no capítulo anterior, vamos retomá-la aqui concisamente. A ela pertence tudo o que se marca pela chancela do Não-Ser, todas as formas de violência das potências negativas e destrutivas. Os descendentes de Caos não se unem procriativamente a ninguém (exceto a união de Érebos e Noite, que procriam assim Éter e Dia, segundo o verso 125, que por isso é dado como não-hesiódico por alguns editores); eles atuam como potências de cisão, de desagregação, da violência e da morte, — pois assim se expressa o poder de Caos; (VI, Três fases e Três linhagens)
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A Alteridade coincide com a Ipseidade tanto quanto dela difere: o Outro é o Mesmo (coincide com o Mesmo) tanto quanto é — na referência ao Mesmo — o Outro (difere de si Mesmo). Zeus é os ciclopes e os ciclopes são atributos da essência de Zeus tanto quanto os ciclopes são os ciclopes (e não Zeus) e Zeus é Zeus (e não os ciclopes). Igualmente, Mêtis é uma faculdade do espírito de Zeus e Zeus tem incorporada a seu espírito essa faculdade nomeada Mêtis tanto quanto Mêtis é Mêtis com uma existência e uma história outras que não são nem a existência nem a história de Zeus;
A coincidentia oppositorum da Alteridade e da Ipseidade, pela qual ambos esses termos coincidem tanto quanto e ao mesmo tempo que diferem
entre si, é a condição [Metipseidade] que possibilita a relação de concomitância entre os entes e eventos, uma concomitância onto-cronológica (i.e., tanto temporal quanto ontogenética) que substitui a relação de causa e efeito. A imbricação do tempo na complexão de linguagem-ser-e-poder revela agora, na condição mesma pela qual essa imbricação se dá, o aspecto enantiológico que assume a manifestação do Ser para o pensamento da Época Arcaica; (VII, Memória e Moîra)
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Vimos já, na análise que fizemos do significado da palavra Kháos e de sua função nas origens mundificantes, que estas fórmulas temporais protista e épeita são um recurso entre outros de que Hesíodo se serve para indicar a prioridade meôntica (do Não-Ser, que se exprime na imagem mítica do Kháos e do Tártaro) na constituição ôntica (de cada ente em que se explicita o Ser-Fundamento da Terra, Assento irresvalável de tudo); e
"Bem primeiro" e "depois", ainda que sejam fórmulas temporais, não têm nesses versos implicações de ordem cronológica. Fórmulas temporais, elas constituem um dos recursos para se mostrar que Kháos (imagem mítica da Negação-de-Ser e do limite-contorno anti-ôntico que circunda e configura todo ser) tem uma envergadura e um peso mais decisivos na constituição de cada ser (de cada indivíduo) do que o Ser-Fundamento da Terra e Éros. (Éros [o primordial, e não o da cupidícia (cobiça), de Eros e Psique]: força cosmogônica e filogenética de procriação dos seres vivos, i.e., da vida). (VIII, A Temporalidade da Presença Absoluta)
Marcus
Sim, Nietzsche como de costume com sua filosofia devastadora. Admito que nunca me dediquei ao estudo das obras dele, e sei que se o fizesse mudaria radicalmente de opinião sobre TUDO.
Pelo seu nível de verborréia, depreende-se que está ANOS-LUZ há minha frente em investigações filosóficas, e na investigação acerca da natureza do outsider. Não tenho nada a fazer a não ser tomar os seus apontamentos para um futuro estudo (que nunca vai ocorrer, pois tenho uma lista gigantesca de “futuros estudos”). A verdade é que eu (como, se não me engano, confessei no próprio capítulo acima) não estudei minimamente a literatura sobre o outsider.
“That is people too clever to fit into everyday society and accept the jobs that most people do, but not clever enough to be scientists and artists and create their own niche.”
Bem, só posso dizer que, quanto a isso, CONCORDO PLENAMENTE. Aliás, eu vivo repetindo isso aqui nesse blog. Se eu fosse talentoso ou esperto o suficiente para me livrar do ambiente medíocre em que vivo, provavelmente seria um insider, um insider da “elite”. O que me mortifica é a mediocridade das pessoas que me cercam, mas também a autoconsciência da minha própria mediocridade, pois se eu realmente fosse talentoso o suficiente (ou tivesse nascido em uma família com mais recursos) teria conseguido me inserir na elite da sociedade, e provavelmente isso seria suficiente para saciar ao meu narcisismo.
Mas concordo que essa opinião de Wilson não é suficiente para explicar, por exemplo, o intelectual maldito (que eu considero um tipo de outsider), ou mesmo muitos ocultistas (como Gurdjieff), que eu também considero como outsiders. Com certeza é preciso diferenciar o outsider medíocre do genial. Talvez a diferença é que o medíocre sempre fracassa em tentar criar um caminho próprio, diferentemente do intelectual maldito ou do ocultista.
Hesíodo eu também desconheço completamente. Eu sou um outsider medíocre, que, aliás, já desistiu de estudar filosofia e se recolheu para a miséria do eudemonismo.
Minha linguagem está poluidíssima... porém, pretendi fazer algumas "correções" indiretas aos comentários antesseguidos e indicações às suas objeções.
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Na página 241, Wilson diz:
"All men should possess a 'visionary faculty'. Men do not, because they live wrongly. They live too tensely, under too much strain, 'getting and spending'. But this loss of the visionary faculty is not entirely man's fault, it is partly the fault of the world he lives in, that demands that men should spend a certain amount of their time 'getting and spending' to stay alive. …The visionary faculty comes naturally to all men. When they are relaxed enough, every leaf of every tree in the world, every speck of dust, is a separate world capable of producing infinite pleasure. If these fail to do so, it is man's own fault for wasting his time and energy on trivialities. ...
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... The ideal is the contemplative poet, the 'sage', who cares about having only enough money and food to keep him alive, and never takes thought for the morrow."
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Diria que "constituem os diádicos hipônimos «protagonista» e «antagonista» a hiperonímia agonística." A síntese é advertita nesta metábole: "(o insider) vive para trabalhar, (o outsider) trabalha para viver." Tripalium e não poesia (ambos ciladas)...
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Sobre a mediocridade, ou aurea mediocritas horaciana, leia em «vontade de potência»:
Livro Segundo, Crítica dos Valores Superiores, II — Crítica do Cristianismo, b) O ideal cristão: 134, 135, 136, 137, 138, 139.
Livro Quarto, Disciplina e Seleção, II — A Nova Hierarquia: 386, 387, 388; Por que os fracos são vitoriosos: 389.
(Lib)ertação e (sal)vação, e(man)cipação e e(duc)ação, não são todos da dinâmica agonista? Não há abjunção, e sim adversão entre protagonizar e antagonizar. A cult-ura e a civil-ização, a archaica matriz hierárquica, ponocrática e plutonômica, e a obsessão literária, pictórica e cênica, é tudo agonismo por concupiscência. Que é o sentimento de Irrealidade de em "what can be said to characterize the Outsider is a sense of strangeness, or unreality. This is the sense of unreality, that can strike out of a perfectly clear sky", senão a per-plexidade subseguida à consternação de que o homo s. sapiens (os humanos, não os "homens") estão fadados à "disipiência" e reificação? E abjungir-se não é "amor fati", padecer (de páthos, patescer) de amores ao fado (fatum). O deicídio de Cristo descrito no Passus ("deus crucificado" ou "deus está morto, e sacrificado ao nada", aludidos no § 55 do "extramoral") seria consolador se não estivéssemos sob o "laico" Estado e o Clero. Por isso, digo foda-se à resipiscência, pois transvaloração e resignação são adversões agonísticas, e o eterno retorno (e degeneração) dos homens, "das raças pródigas e de ascendência", são mal-ditas. Mediação também é per-versão, ao inverso de não-agonismo (quase praticado pelos primitivistas e anarquistas verdes e anti-civilização, também decepcionantes como tudo). ...necessita-se de uma dicotomia maior.
Natura non contristatur, a natureza não se contrista (afinal, não tem personalidade), como nos diz Schopenhauer no § 54. Não é legislado o nosso genius, e sim o nosso daemonium. Subtraio, alogicamente, à silogística e à dialéctica o suicídio por nonsense. E vou fazê-lo sem o egotismo psicanalítico e o ipseísmo daseinsanalítico.
Não tenho certeza que a referida metábole seja tão válida. Primeiro, porque penso que o trabalho não é necessariamente um fardo. O fardo é o trabalho alienante, que realmente é o trabalho que a maioria precisa executar para viver. Mais há trabalhos, aqueles que envolvem criatividade, expressão artística, expressão intelectual, expressão corporal, que, sob certas circunstâncias, podem ser gratificantes. Presumo que se usássemos essa metábole para diferenciar insider de outsider, encontraríamos mais outsiders do que com o critério que eu apresentei no texto, pois há insiders que não suportam seus trabalhos, mas que acabam se resignando seja por causa que têm bocas para alimentar (filhos) seja porque efetuam catarse mediante a religião, as drogas, indústria cultural, o coito, etc. Ora, todas essas catarses passam pela sociabilidade, pelos relacionamentos interpessoais, os quais são problemáticos ao outsider (por isso, ele não consegue se alienar por meio dessas catarses, ficando preso à dura realidade de sua mediocridade e inadaptação).
Como eu disse, nunca estudei Nietzsche. Embora agradeça pelas passagens que você me sugeriu a leitura, eu não iria estudá-las sem, antes, fazer todo um estudo introdutório ao pensamento do filósofo do martelo, pois creio que essas passagens só seriam completamente inteligíveis dentro do contexto maior da obra e da biografia dele.
Realmente estou impressionado com a sua linguagem poluída. Não entendi qual é exatamente o conteúdo que você está defendendo (onde você quer chagar com suas afirmações). Você está defendendo uma superação do agonismo? Que “dicotomia maior” é necessária?
"Referi-me à 'síntese" de Wilson, não a um critério: o "ideal" dele seria providenciar o mínimo a si sem fetichismo (que, digressivamente, me faz recorda "the food not bombs movement")... Concordando com você quanto ao trabalho (ou ponocratismo e coerção à procissão "empregomaníaca"?), sim, há as diferenças entre "labore", "opera" e "poese", e tal (criação de) necessidade de (exercê-lo/)executá-lo para (sobre)viver. Quanto às passagens, isto me é óbvio e não quero coagi-lo: há transposição (metátese) ou... «velle non discitur?» , i. e., se admitirmos o nosso "cérebro trino" como subreptiliano, ambiversa e reptativa «veleidade»? ...suponhamos (hipótese) velível subverter a vo(lu)ntade "intransversível" pela m(n)emética. E "contra" mim, que não admito imanência/transcedência em prol da dimanação introjetiva-intelectiva, posso distorcer esta palavra de Schopenhauer a este contexto: "Em suma, visto que o homem é inteiramente apenas a forma visível da sua própria vontade, não há seguramente nada de mais absurdo do que ir colocar-se à cabeça de um outro que não ele mesmo: para a vontade, isto é cair numa contradição flagrante consigo mesma. Se é vergonho vestir-se com a roupa doutro, é-o muito mais parodiar as qualidades e particularidades do outro: é confessar claramente a sua própria nulidade."
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"Superação do agonismo", não. (Des)compreensão. E improdutiva. A transvaloração (consignativa, afirmativa) e a resignação (desvalorativa, "opositiva"), a distinguir sín(t)ese de sín(d)ese, expressa na primeira (res)significação pela arrenegação e, na segunda, (trans)significação pela abnegação. Disso resulta a advertência, mas e o tri-vial? Consideremos que dialético é a concepção de indivíduo (unidade, ambitendência) e unitário (metipseidade, amb-ição), (in)equívoco e "ambívio", por evecções diádicas, triádicas, tretádicas ou poliádicas, não dualismo e "monismo", (bi)unívoco e "trívio". A dicotomia maior seria a "aversividade" ao abjuntivo e abjeto vs. as adversariedades adjuntivas e adjetas, entendendo o vertente projeto-disjunção dos constructos da efetividade (com a idealização, realização e legitimação) ao evertente trajeto-subjunção dessignificante da facticidade (com o virtual, atual e sensualístico), para (irr)elevar a insignificância e nihilidade. Assim ficaria a trivialidade "reducionista": ex(s)ecrável: anticrístico/protagonista ou (biunivocidade: adversário) consecratória: crístico/antagonista, e "sacrílego": "ateístico/abagonista".
Hum, agora (acho que (meio que)) entendi a sua proposta. “(Des)compreensão. E improdutiva.” E isso no contexto do desenvolvimento da própria alteridade (tornar-se a si mesmo)...Isso foi o melhor que eu, na minha ignorância, consegui extrair da sua linguagem complexa.
Próprio: idem, ipse? Mesmo: self, sibi? Alteridade, identidade, ipseidade, "mesmitade; mesmitude; mesmice". ..."nós", improducentes...
"Vita via est"
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