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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.
Início do novo século, a vida dos miseráveis vale cada vez menos.
“Ajudaria um mendigo?”
“Em chamas, talvez.”
Solidão e medo da fome são regras da casa.
“Não sou sozinho, tenho minhas dívidas.”
E o individualismo é a lei.
“Este egoísmo está matando milhares de pessoas.”
“Antes eles do que eu.”
(http://www.malvados.com.br/)
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Primeiro lama, depois nada. (Nietzsche)
1. BREVE DESCRIÇÃO DA HISTORIA DO IMPÉRIO ROMANO.
1.1 Roma antes da expansão imperialista (séc. X a.C. – séc. VII a.C.).
A cidade de Roma surgiu aproximadamente no ano 1.000 a.C., como uma fortificação militar dos povos sabinos e latinos, que lutavam contra os etruscos. Em seu início, a economia romana era basicamente agrária, e assim permaneceu até o século III a.C.
A sociedade na época era formada por patrícios, ricos proprietário de terra, e plebeus, mão-de-obra livre que cultivava as terras, e, ainda, pelos escravos, cuja utilização era marginal. Apenas os patrícios podiam exercer funções públicas.
De 753 a.C. até 509 a.C. vigorou o regime monárquico. O regime era composto pelo rei, pela assembléia curial (legislativa) e pelo Senado, que era um órgão consultivo. A monarquia dissolveu-se devido a conflitos entre o rei e os patrícios.
O regime republicano, que vigorou entre 509 a.C. e 27 a.C., foi instalado pelos
patrícios como uma forma de atender aos interesses dessa classe. O Senado teve os seus poderes significativamente ampliados, e passou a ser o verdadeiro governante da sociedade.
A república foi primeiramente marcada pelos conflitos de classe entre plebeus e patrícios, ocorridos entre os séculos V e III A.C.. Os plebeus conseguiram paulatinamente melhorar as suas condições com a criação do tribuno da plebe (representante dos plebeus no Senado), da Lei da XII Tábuas (leis comuns a patrícios e plebeus), da Lei Canuléia (permitia o casamento interclasses), da Lei Licinia (fim da escravidão por dívida) e da assembléia da plebe (plebiscito).
Todas essas melhorias conseguidas pela plebe permitiram a estabilização da sociedade romana. Isso, em conjunto com a necessidade de aumentar as áreas agricultáveis, levou a sociedade romana a se voltar para o exterior, o qual passou a sofrer o imperialismo romano
1.2. O estabelecimento do Império Romano (séc. VII A.C. – séc. I D.C.).
As práticas imperialistas se iniciaram na Peninsula Italica. Após a conquista da Magna Grécia e da Sicília, os romanos se vêem inseridos no secular conflito contra Cartago, anti-ga feitoria fenícia. Após um século de batalhas, Roma subjugou Cartago e passou a ter o controle do Mediterrâneo, o qual passou a ser o “lago romano”, o mare nostrum. A águia romana é adotada como símbolo do poder de Roma. O império de expandiu, e passou a dominar o norte da África, as atuais França, Portugal, Espanha, Grécia, Turquia, Síria, e o atual leste europeu.
A cidade de Roma se tornou o centro de um império e se apropriou dos excedentes econômicos produzidos na periferia por meio da coerção política, militar e econômica. A Península Itálica se tornou exportadora privilegiada de uma série de produtos para a periferia do império.
O processo de dominação dos outros povos começava pela guerra de conquista. Os soldados vencidos se tornavam escravos. Uma vez subjugada a região em questão, ela perdia a sua autodeterminação e passava a ser dependente politicamente de Roma. Tropas romanas permaneciam na região, a fim de manter a coação militar. Um governo romano se instalava na região , com a intenção de garantir a satisfação dos interesses de Roma: a cobrança de impostos e a especialização produtiva regional. A cultura greco-romana também era levada para a região agora dependente; a religião local era tolerada, desde que, antes, fossem prestados os devidos louvores aos deuses romanos.
Por meio da cobrança de impostos, parte significativa do excedente econômico produzido nas áreas periféricas era transferido para Roma. Essa transferência dependia da coação política para funcionar: a área dominada tinha que perder a sua capacidade de autodeterminação para aceitar semelhante situação.
Em função desse afluxo de excedentes econômicos para Roma, essa cidade se transformou em um grande centro financeiro, o que determinou um grande desenvolvimento do seu sistema bancário.
O imperialismo modificou significativamente a sociedade romana: aqueles que exerciam funções públicas enriqueciam (a busca pela riqueza se tornou um novo incentivo para a participação na vida pública), a escravidão cresceu vertiginosamente (pela oferta oriunda da expansão do império), os plebeus foram marginalizados (foram sendo substituídos pelos escravos), os pequenos proprietários de terras entraram em falência por não conseguir concorrer com os produtos de outras regiões do império, ocorreu um processo de êxodo rural, a propriedade agrária se concentrou (formação de latifúndios), as cidades se encheram e surgiu uma população de cidadãos romanos ociosos (plebeus que não tinham em que aplicar seu trabalho, os quais passaram a ser sustentados pelo Estado e por cidadãos ricos), o consumo de artigos de luxo se ampliou e Roma se tornou deficitária com relação ao resto do Império.
Com relação a questão cultural, o imperialismo romano por um lado foi responsável pela difusão da cultura greco-romana nas regiões periféricas e por outro teve sua cultura tradicional seriamente abalada por influências das regiões periféricas. Houve, portanto, uma relativa reciprocidade de influências entre o centro e a periferia, não obstante o caráter impositivo da dominação romana.
Todas as mutações trazidas pelo império levaram a sociedade romana a uma desestabilização política, a qual levou a substituição da república pelo império como organização política. Os irmãos Graco (ambos foram tribunos da plebe) tentaram inutilmente fazer a reforma agrária e a reforma do Estado. A continuidade da instabilidade política levou às ditaduras de Mario e Sila, e depois aos dois Triunviratos, e por fim terminou com a implantação do império por Otavio Augusto. Os poderes do Senado diminuíram, mas o mesmo manteve uma série de conflitos de poder com os sucessores de Otávio.
1.3. O apogeu e a crise do Império (séc. 1 d.C – séc. V d.C.).
O apogeu do império foi também o apogeu do modo de produção escravista. Esse apogeu ocorreu nos dois primeiros séculos da era cristã; havia prosperidade e equilíbrio, havia a integração entre centro e periferia, o fluxo econômico era fluido e regular, as fronteiras eram bem defendidas contra invasões de povos estrangeiros, e, por fim, as guerras civis cessaram. Esse período ficou conhecido como a pax romana. Mas o desenvolvimento do escravismo ampliou as suas próprias contradições internas, as quais a levaram ao colapso.
Segundo Cyro Rezende a existência de muitas pessoas improdutivas bem como da escravidão determinaram uma limitação da demanda global do sistema, o que impediu o crescimento da produção (2005. p.38).
O fim das guerras de expansão do império cortou a principal fonte de escravos. Somem-se a isso as invasões crescentes de povos bárbaros e surgem vários desequilíbrios no império, assim descritos por Cyro Rezende: “Desequilíbrio entre a força dos exércitos romanos e a massa de bárbaros invasores, entre as despesas do Estado e sua arrecadação, entre a produção e o consumo, entre os campos e as cidades, e entre a proporção de escravos e de homens livres.” (2005, p.110).
Esses desequilíbrios marcaram a decadência do império, a qual se iniciou no século III d.C. Na tentativa de evitar o colapso, o Estado passou a intervir pesadamente na economia. Tratou-se do dirigismo estatal. O Estado criou corporações de oficio e incentivou o regime de colonato, também aceitou vários povos bárbaros como cultivadores de terras e protetores das fronteiras do império.
O lado ocidental mergulhou em um processo de ruralização e de superação da escravidão clássica como forma de extração do excedente econômico. Em paralelo à decadência econômica seguiu-se a política: os bárbaros foram paulatinamente conquistando os territórios do lado ocidental.
Em 476 d.C., Odoacro, rei dos bérulos, derrotou o imperador Rômulo e se declarou imperador. É o fim do Império Romano do Ocidente. Essa região passou então por uma fase de anarquia política na qual se desenvolveu uma nova forma de extração do excedente econômico. Tratou-se da Idade Média.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
REZENDE FILHO, Cyro de Barros. História Econômica Geral. 8 ed. São Paulo: Contexto, 2005.
Mehr Licht. [Mais Luz] (Últimas palavras de Goethe)
Fortes são aqules que transformam em luz o que é escuridão. (Forfun, Sigo o som)
Disciplina é liberdade/Compaixão é fortaleza/Ter bondade é ter coragem. (Legião Urbana, inspirados pela Doutrina de Buda, Há Tempos)
Todos têm suas próprias razões. (Legião Urbana – Eu era um lobisomem juvenil)
Devemos ser a mudança que queremos ver no mundo. (Mahatma Gandhi)
Desde que comecei a escrever esse blog (em fevereiro de 2008) eu, por uma série de circunstâncias, consegui diminuir a sensação de estar "à beira do abismo", consegui diminuir a aflição e o ódio que me consomem. Gostaria de apresentar, aqui, alguns dos pensamentos que me ajudaram nessa tarefa.
Já no capítulo II (1) eu havia dito que em 2007 eu finalmente compreendera a lição estóica segundo a qual "não é a pobreza que causa a dor, mas sim a cobiça". De modo geral, as várias lições estóicas que Schopenhauer oferece são difíceis de eu entender, e ainda mais difíceis de serem colocadas em prática.
Enquanto a filosofia schopenhauriana destaca a existência de um fundo volitivo insaciável - o princípio do prazer - ela também, por meio do estoicismo e da eudemonologia, aconselha repetidamente que esse princípio se curve ao princípio de realidade. Schopenhauer dedica um livro inteiro à eudemonologia ("guia da vida venturosa" - um equivalente filosófico para a vilipendiada auto-ajuda): Aforismos para sabedoria na vida. Li esse livro em 2005; porém, na época, eu aprendi muito pouco com ele (eu estava mais preocupado em acusar o mundo do que sobreviver a ele - hoje percebo que, por mais sujo que seja esse mundo, faz-se necessário enfiar nele os pés, ainda que seja como condição para preservar a cabeça nas nuvens, na cucolândia). Creio que está na hora de relê-lo; e ele está lá, no topo da pilha de leitura, esperando pelo momento no qual eu terei tempo de dedicar-me a ele novamente.
Um dos problemas recorrentes na minha vida, eu percebi, é o seguinte: eu me aproximo das pessoas, então acabo me desentendendo com elas, então isso me faz sofrer, então eu me afasto das pessoas, daí eu me sinto sozinho, então eu me aproximo das pessoas novamente, etc. (o ciclo se repete). Isso lembra a "parábola dos porcos-espinhos" de Schopenhauer: os porcos-espinhos, num dia de frio, aproximam-se uns dos outros para se aquecerem; porém, com a proximidade, eles se machucam mutuamente com seus espinhos, daí se afastam: e assim eles ficam fugindo, ora do frio ora da dor, num movimento cíclico.
Percebo que as pessoas em geral, e eu mesmo, desenvolvem uma dependência emocional com relação aos outros. Nós precisamos que o outro perceba que existimos, e mostre que nos reconhece como alguém relevante. A maioria das pessoas se preocupa em se encaixar no grupo, em ser aceita por ele como um igual. Porém, e esse é o meu caso, é possível que o indivíduo queira marcar a sua presença para o outro como alguém que justamente não se encaixa, como alguém que é diferente - como um outsider. Em ambos os casos, contudo, o ato de ser reconhecido pelo outro tem papel fundamental para que o indivíduo se reconheça a si mesmo como uma individualidade estável no tempo e "digna" (isto está me cheirando a Hegel) (para mim, e eu acho que já escrevi isso antes em algum lugar, "dignidade" é um eufemismo para presunção).
Contra essa situação, Schopenhauer propõe (nos Aforismos...) que o indivíduo se esforce para "bastar-se a si mesmo", ou seja, para não depender física ou emocionalmente dos outros (identificados acertadamente, por Sartre, com o inferno). A idéia aqui, em consonância com a concepção schopenhauriana de minimização da dor em detrimento da maximização do prazer, é diminuir nossos sofrimentos na medida em que fundamentaríamos nossa felicidade e expectativas em nós mesmos, e não nos outros (que estão fora do nosso controle). Um conselho precioso aqui é o seguinte: não se meta na vida de ninguém e, sobretudo, não espere nada de ninguém. (Schopenhauer, nos Aforismos...cap. V.C.44, diz o seguinte: "Não amar, nem odiar", eis a metade da sabedoria; "nada dizer e em nada crer", eis a outra. É verdade que preferimos dar as costas a um mundo que precisa de regras como essas e as subseqüentes.)
Eu percebi, com já disse, que na minha vida o "ciclo do porco-espinho" está presente. Das várias máximas que eu já inventei (ou copiei) para tentar quebrá-lo, a última (e a que está funcionando até o presente momento) é a seguinte: "a paz é mais importante". Atualmente, estou me esforçando para que o desejo de estar em paz comigo mesmo e com os outros (o que, aliás, considero como um pré-requisito para a paz interior) seja mais forte que o meu desejo de ter razão ou de ser melhor que os outros. Claro que esse é um ideal, que eu ainda estou buscando implementar, com muito esforço. Resumindo: "a paz é mais importante".
Veja bem, o problema não é ser arrogante, o problema não é querer mostrar aos outros que se lhes é superior: o problema é querer essa superioridade sem tê-la de fato (e a maioria das pessoas, eu inclusive, não tem talento nenhum para mostrar por aí). Pois, nesse caso, é inevitável que a tentativa de mostrar superioridade aos outros se transforma em frustração, e portanto em sofrimento.
Daí chegamos a um outro ponto que o velho Schopenhauer salienta; não basta se esforçar para bastar-se a si mesmo; é necessário, também, conhecer-se a si mesmo, para não fundamentar suas expectativas numa pretensão que mais tarde será frustrada (porque era irreal): é necessário saber quem você é e do que você é capaz e não fundamentar sua expectativas fora desse perímetro. Caso contrário, quebrar a cara é inevitável.
Com relação ao papel das máximas na eudemonologia, a interpretação schopenhauriana é mais o menos a seguinte: como o caráter do indivíduo não muda (entre outros textos, isso pode ser verificado no § 55 do Tomo I d' O mundo como vontade e como representação), o que o indivíduo pode fazer é conhecer esse caráter e então buscar agir em conformidade com ele; nesse contexto, as máximas serviriam para fixar na memória do indivíduo esse auto-conhecimento, ajudando-o a não se esquecer de quem ele é: a máxima é capaz de sintetizar uma série de argumentos e descobertas num texto curto.
Uma interpretação mais atual para o fato de termos de lutar contra nós mesmos para nos impor uma determinada forma de comportamento que, sabemos, nos fará sofrer menos, é aquela que diz que nós nos viciamos em nossos neurotransmissores. Segundo essa interpretação, nós acabamos nos viciando em repetir determinadas situações em nossas vidas (não apenas as prazerosas, como a de humilhar alguém, mas também as dolorosas, como a de ser humilhado). Quando temos alguma dessas experiências, nosso corpo libera hormônios e neurotransmissores. No longo prazo a coisa se desenvolve de maneira análoga ao vício em drogas: cada vez precisamos de uma experiência mais intensa (ou de uma quantidade maior de experiência de intensidade igual à anterior) para que tenhamos a mesma sensação de antes (pois com o excesso de estímulo, os receptores do neurotrasmissor em questão vão ficando mais insensíveis, sendo necessárias doses maiores para dar o mesmo resultado que antes. Assim, diariamente, é possível ver pessoas presas em comportamentos repetitivos: cometem sempre os mesmos erros, sem que se mostrem capazes de aprender alguma coisa com eles. (De forma consistente à interpretação do vício nos neurotransmissores, todos nós conhecemos o conselho de "contar até dez" quando ficamos irritados: a idéia aqui é justamente dar um tempo para que a resposta automática do corpo (liberação de adrenalina e de certos neurotransmissores) se dissipe. Geralmente dez segundos não são suficientes para isso, motivo pelo qual há gente que mesmo recomenda que se aguarde noventa segundos.)
Voltando à máxima "a paz é mais importante". Ela, evidentemente, não trás nada de novo. Já Schopenhauer recomendava repetidamente o hábito do silêncio nos Aforismos...Como por exemplo:
Também se verá que, com relação aos broncos e aos tolos, só há um meio de mostrar juízo: é o de não lhes dizer palavra. (Cap. V.C. 23)
E ainda:
De acordo com isso tudo, o hábito do silêncio (2) tem sido insistentemente aconselhado por todos os professores de sabedoria, através dos mais variados argumentos, pelo que eu posso parar por aqui. Não obstante, quero ainda apresentar alguns provérbios árabes, pouco conhecidos e muito ilustrativos: "Aquilo que o teu inimigo não puder saber, não o digas ao amigo". - "Se eu guardar o meu segredo, ele será um prisioneiro meu; se deixar que fuja, serei um prisioneiro dele". - "Da árvore do silêncio pende o seu fruto, que é a paz." (Cap. V.C.42)
Da minha parte, em vez de recomendar-lhe que diga toda manhã ao espelho "eu sou feliz", ou "eu sou um vencedor", ou ainda "isto é Sansara, o mundo do prazer e do desejo, e portanto o mundo do nascimento, da velhice e da morte; é o mundo que não deveria ser; e essa é a população de Sansara, o que deles podeis esperar?" (3), eu lhe recomendo (se é que posso recomendar-lhe algo) que diga "a paz é mais importante"(4).
Além de Aforismos para sabedoria vida, um outro livro que trata de eudomonologia e cujas leitura e releitura são recomendadas pelo próprio Schopenhauer é A arte da prudência, do jesuíta Baltasar Gracián; o livro, que eu ainda não li, é composto por 300 parágrafos numerados, cada um desenvolvendo um aforismo.
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1 Voltemos à máxima de Epícteto que foi o ponto central do capítulo II:
Não é a pobreza que causa a dor, mas sim a cobiça.
Se o indivíduo está com uma "dor", creio que há pelo menos três formas possíveis de tentar minorá-la.
Caminho 1: O caminho mais comum e previsível, que preenche a vida das pessoas enquanto elas não se deparam com um desejo que não podem realizar (com uma "pobreza" insuperável) é simplesmente correr atrás da satisfação do desejo (ou do "sonho", numa acepção burguesa). Dessa forma, busca-se diminuir a grandeza absoluta da "pobreza".
Porém, se a pessoa se encontra diante de um desejo que não é possível realizar (e nesse caso a palavra cor-de-rosa "sonho" soa como uma piada de mal gosto), então ela pode recorrer a um dos dois caminhos a seguir:
Caminho 2: reconhece-se que a "pobreza" é uma grandeza relativa e que existe apenas enquanto definida a partir de alguns referenciais arbitrários (que mudam de pessoa em pessoa, de cultura em cultura, etc.), como o que é "bom", "belo", "forte", "digno", etc. Nesse caso, a estratégia da pessoa seria a de se esforçar para reformular as suas crenças e valores de forma a ver-se a si mesma como alguém menos "pobre" do que se considerava antes. Esse método soa como uma auto-enganação, e ele é doloroso na proporção direta da força com a qual essas crenças e valores "ruins" estão introjetados no indivíduo (bem como na proporção direta da sua força de caráter).
Caminho 3: A outra alternativa (que é a qual eu estou tentando aplicar no momento) é aquela que o próprio Epícteto salienta: o indivíduo não nega a sua "pobreza" (que é o caminho apresentado acima), nem se esforça, em vão, para mitigá-la (pois estamos diante de um desejo que não pode ser satisfeito): o esforço do indivíduo se concentra simplesmente em não desejar mais deixar de ser "pobre"; ele "aceita" a sua pobreza, em vez de negá-la.
Há um aforismo psicanalítico que diz que “onde há depressão há esperança”. Há também a sabedoria popular que diz que “a esperança é a última que morre”. Pois bem, o meu caminho para sair da depressão é justamente matar a esperança (sem substituí-la por NADA): então estará tudo morto, e eu terei paz. (Perceba que eu falo em "paz", não em "felicidade".)
2 Uma forma de não discutir com as pessoas é simplesmente fazer o outro falar e depois concordar amavelmente com tudo que ele diz. Se discutir com alguém já é estressante, é pior ainda quando o outro é (ou pensa ser) entendido do assunto discutido. Um livro que pode nos ensinar algo sobre o silêncio é O estrangeiro (de Camus, um clássico da literatura existencialista). Eis algumas frases que você pode usar para abortar um diálogo:
Tanto faz.
Como (você) preferir.
Prefiro não falar sobre o assunto.
Não tenho nada a dizer/criticar/acrescentar/corrigir/etc.
É você quem está dizendo.
Prefiro não comentar.
Todos têm suas próprias razões.
Arram.
Que diferença faz?
Por que eu deveria me importar?
É um país livre.
Ninguém vai me dizer o que fazer.
São só palavras.
Entendo.
Concordo plenamente.
Sim.
Não.
Certamente.
No momento adequado.
O que você entende por (algum conceito que o outro está querendo por em discussão)?
Seu discurso é essencialmente emocional.
E o que você acha disso? (Faça o outro falar e depois concorde com o que ele disse, inclusive repetindo com outras palavras o que ele lhe disse)
E o que você ganha/perde com isso?
(...) (Silêncio: quando o outro fica simplesmente sem qualquer resposta)
3 Schopenhauer recomendou que se repita esse ditado budista quatro vezes ao dia numa nota de rodapé no § 156 de Parerga e Paralipomena, capitulo XII.
4 "Gosto não se discute, lamenta-se". O meu objetivo não é apenas deixar de discutir gostos alheios como também deixar de lamentá-los: o objetivo é aceitá-los pacificamente, sem espanto, desgosto ou má-vontade.
Eu luto contra mim mesmo (eu que sou tão pouco receptivo a esse doloroso procedimento) para me convencer de que eu não tenho a obrigação de “ensinar” – e os outros não têm a obrigação de “aprender” – as pessoas a serem “melhores” (ou seja, a serem mais parecidas comigo – isso pode até parecer engraçado, mas a verdade é que quase todo mundo age assim, quase todo mundo pensa que está certo e que os outros estão errados, quase todo mundo tenta mudar o comportamento alheio, quase todo mundo “se ofende” com as atitudes alheias quando essas são diferentes das suas, quase todo mundo vê apenas um defeito de caráter quando esse se manifesta nos outros, mas não em si mesmo).
Dessa forma eu mantenho a minha individualidade, mas me libero da obrigação de replicá-la no outro. (As pessoas que tentam mudar os outros, tentando moldá-los a sua própria imagem, estão, na verdade, se defendendo, estão tentando se convencer que elas estão certas; elas não tentariam mudar os outros se estivessem seguras de si mesmas, se tivessem certeza de que estão certas e de que não terão seus pensamentos mudados pelos outros). Eu não me esforço para mudar o outro, nem para me defender dele: eu me esforço simplesmente para ignorá-lo: nada que ele diga ou faça vai me afetar (bem, pelo menos é esse o ideal a ser alcançado). Se as pessoas querem ser ignorantes, querem ser alienadas, querem ser manipuladas, não querem saber dos fatos evidentes que revelam a sua escravidão e a sua mediocridade, então ótimo! Por que eu deveria me importar?
Ao pensar dessa forma, é comum eu me questionar, alegando que se eu não fizer nada o “futuro da humanidade e do planeta estarão comprometidos”. Primeiro, pensar isso é ser arrogante e é conferir a mim mesmo uma importância e uma legitimidade que eu não possuo. Segundo, eu quero mesmo é que se dane tudo: eu não tenho compromisso com o planeta ou com a humanidade; se dependesse de mim tudo acabava agora mesmo.
Diante do abismo, a escuridão infinita do nada, a princípio, aterroriza. Todavia, em pouco tempo, a exposição ao vazio, que,aliás, sempre esteve ali, à espreita, mas não era intuído, é tão desgastante que o outsider, se conseguir, tarefa difícil, sobreviver a si mesmo (e talvez seja melhor ser um insider e morrer de uma vez), perde o medo pois, agora, e pela primeira vez na história da vida universal, não tem mais nada a perder; ao contrário: tem um nada a ganhar.