segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

XLVII - Acerca da desilusão do mundo e da renúncia dela decorrente.


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§ 47





Onde está a saída para tudo isso? E há uma saída?
Devemos reconhecer o fato de que ninguém sabe. Só há uma coisa certa, e é que nenhum dos caminhos oferecidos à humanidade por seus amigos e benfeitores é, em nenhum sentido, uma saída. A vida está se tornando cada vez mais intrincada e complicada, mas mesmo nessa confusão e complicação, ela não assume nenhuma forma nova, mas repete interminávelmente as mesmas velhas formas.

(Escrito em 1934 por P. D. Ouspenski e publicado no capítulo XI – O Eterno retorno e as Leis de Manu – do livro Um novo modelo do Universo.)

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Lembra e vê que o caminho é um só. (Quando o sol bater na janela do seu quarto, Renato Russo inspirado pela Doutrina de Buda)


"A verdade poderá ser um choque, ou uma grande dor e talvez, depois de conhecê-la, tivesse preferido permanecer na ignorância. Pois o que vier a conhecer não poderá lhe dar esperança alguma."

Custa a crer como a vida de cada pessoa é insignificante , estúpida e sem sentido. O enredo básico de todas as vidas é exatamente o mesmo: nascimento, busca do prazer, sofrimento, ilusão, esforços em vão, doenças, escravidão, morte, e o resto. A maioria, ainda, se reproduz no meio desse tortuoso caminho de nada para lugar nenhum. Eles não sabem o que fazem.

A maioria das pessoas nasce de um gravidez não planejada, nasce, portanto, de uma fatalidade: os pais queriam o prazer sexual, queriam o "amor" e - para eles - o filho foi apenas uma consequência dessa busca. Eles não sabem que a função secreta desse prazer e desse amor é justamente o filho que para eles surgiu como um aspecto secundário de suas ilusões. Passados, em média, uns 20 e poucos anos de seu nascimento o indivíduo repete o ciclo e, de novo, se reproduz, de novo afirma essa vida que não possui outro sentido senão o de se repetir ciclicamente até não o poder mais.. E então a mesma história se repete e se repete:o processo de domesticação do animal que nasce (a criança), a repressão dos seus impulsos irracionais e a modelação desses impulsos para que sejam "úteis" à coletividade ( isto é: úteis à perpetuação sem sentido da vida social), a construção das ilusões: tudo se repete,se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete.......................................E o indivíduo não percebe isso; ele, na sua estreiteza, vê, no máximo, até "os filhos dos seus netos" e acha que a repetição desse velho estribilho pode realmente trazer alguma novidade, pode realmente colocar algo novo debaixo do sol.

Mas não importa quem a pessoa é, não importa em que época e lugar ela nasceu, não importam o seu sexo, a sua idade, a sua classe social, etc., pois todos - todos - sofrem por não terem o que querem; pois todos - todos - vivem ilusões e acreditam em fantasias, as mais diversas, para fingirem para si mesmos que a vida tem algum sentido, para esconderem o vazio e a futilidade radical da existência; pois todos - todos - são escravos: dos seus vícios (dos seus neurotransmissores), da sua ignorância, dos seus desejos (que estupidamente podem ser chamados de "sonhos"), das suas ilusões, dos governantes, de indivíduos de outras classes sociais, da morte, etc.

A rigor a nossa vida não faz sentido algum, a rigor nós não temos nenhum instrumento que seja capaz de nos dar uma resposta definitiva e verdadeira sobre os segredos da vida, a rigor ninguém realmente nos ama a ponto de poder nos salvar de nós mesmos, a rigor o nosso "eu" nem mesmo existe: é uma ficção que depende da memória e do reconhecimento do outro para poder reconhecer a si mesmo como uma unidade estável ao longo do tempo, a rigor a nossa vida inteira é uma busca tola e sem fim pela satisfação de desejos tolos e estúpidos.

Contra essa realidade chocante, contra esse vazio abissal do qual somos feitos, o psiquismo precisa nos proteger com ilusões: com religiões, com ideologias, com o "amor", com a auto-estima. Nós precisamos acreditar que somos importantes; nós precisamos acreditar que a nossa vida faz algum sentido; nós precisamos acreditar que a vida (na sua totalidade) faz algum sentido; nós precisamos acreditar que esse Frankstein chamado "eu" existe como uma unidade e é até mesmo eterno; nós precisamos acreditar que realmente decidimos alguma coisa, que esses desejos que nos são incutidos pelos instintos e pela civilização que nos criou são realmente "nossos"; nós precisamos acreditar que esse velho e surrado estribilho que é o enredo básico da nossa vida é algo realmente novo e original.

Se o desejo fosse bom, ele não seria reprimido. Se a vida fosse boa, nosso psiquismo não a esconderia atrás de ilusões. O psiquismo precisa nos proteger da verdade por que a verdade dói, por que a verdade é terrível, por que se conhecêssemos a verdade sobre a vida nós não a quereríamos mais. Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.

Assim como o "querer viver" (se preferir pode chamá-lo de "instinto de preservação e de dominação", ou simplesmente de "id") é a essência do indivíduo ele também é a essência da civilização e de cada uma das suas instituições. O objetivo último do querer viver tanto no indivíduo quanto na civilização é o mesmo: é perpetuar essa vida, que ele tanto quer e sempre vai querer. E a vida que ele tanto quer é essa mesma que nós conhecemos, com todas as suas misérias, dores e mentiras: acreditar que ele quer, na verdade, uma outra vida idealizada para a qual iremos evoluir é apenas mais uma ilusão (super-homem, evolução rumo ao absoluto, e toda essa bobajada).

Como o querer viver é nossa essência e é a essência da civilização, nós e a civilização faremos tudo para nos iludir, para esconder de nós a futilidade radical da vida, para esconder de nós a farsa do mundo. A desilusão é a percepção dessa realidade que nosso psiquismo tenta nos esconder, é a admissão daquilo que queremos esconder de nós mesmos, é a intuição do vazio que sempre esteve ali e que nos estava oculto. E qual é a consequência final da desilusão? Aonde ela pode nos levar afinal? À libertação, à renúncia. Se o conhecimento de que se é um escravo serve para alguma coisa, só pode servir para guiar o indivíduo à liberdade. A verdade sobre a vida é terrível, e a verdade sobre a vida nos liberta - da vida. O não querer é o caminho para a libertação da vida (do "ciclo do renascimento"), libertação do sofrimento, libertação da falta de sentido.

O que até então queria, agora não quer mais.





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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

Um comentário:

Herbert disse...

Gostas de uma epizeuxe.