sábado, 30 de agosto de 2008

XXXIII – Acerca da observação capital sobre a procriação efetuada por Schopenhauer no cap. LX do primeiro tomo de sua obra máxima.

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§ 33







(...)Além disso, sem nenhuma paixão subjetiva, sem desejos e impulsos físicos, somente por pura reflexão e fria intencionalidade, colocar uma pessoa no mundo, para que ali esteja, isto seria uma atitude moralmente bastante duvidosa, que provavelmente somente uns poucos realizariam (...) (Arthur Schopenhauer, Parerga e Paralipomena, §167).

- Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. (Brás Cubas em Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, capítulo CLX, última frase do capítulo e do livro).

"A reprodução da força de trabalho, que incessantemente precisa incorporar-se ao capital como meio de valorização, não podendo livrar-se dele e cuja subordinação ao capital só é velada pela mudança dos capitalistas individuais a que se vende, constitui de fato um momento da própria reprodução do capital. Acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado." (Marx, O Capital, Livro I, capítulo XXIII)

"Uma mulher com um bebê recém-nascido está feliz demais para ver seu filho como bucha de canhão ou como fonte de mão de obra barata para os ricaços." [William Cooper, Behold a Pale Horse, pg 63, citado por David Bay em: http://www.espada.eti.br/n1455.asp ]

"Aqueles que não usam seus cérebros não são melhores do que aqueles que não têm cérebro, de modo que em uma família assim, pai, mãe, filho e filha, tornam-se bestas de carga úteis, ou treinadores de bestas." [Ibidem, pg 64]

"A única felicidade é a de não nascer." (Arthur Schopenhauer, A arte de insutar (organizado por Franco Volpi), verbete Nascimento)


Citação do capítulo LX do primeiro tomo do Mundo Como Vontade e Como Representação. Para mim esse é o ponto central de toda a sua filosofia:

"O ato da procriação, em relação ao seu autor, apenas exprime, assinala, a sua adesão determinada à vida; (...) Por efeito dessa afirmação que ultrapassa o corpo do indivíduo e vai até a produção de um novo corpo, a dor e a morte, também elas, e enquanto são essenciais ao fenômeno da vida, são também afirmadas de novo e, desta vez, a possibilidade de libertação que a inteligência chegada ao mais alto ponto de perfeição deve oferecer está visivelmente perdida."

O Jair Barboza “esqueceu” de citar justamente esse ponto capital da filosofia schopenhauriana ("De certo modo, está aqui o ponto capital de todo o nosso estudo", no capítulo LXVIII do I Tomo) nos livrinhos que escreveu para tentar divulgar o trabalho do alemão. (Um desses livrinhos tem o bonito nome de “Schopenhauer – a decifração do enigma do mundo”, coleção Logos, editora Moderna; o outro, mais compacto e que acrescenta pouco ou nada ao primeiro, se chama simplesmente “Schopenhauer”, coleção Filosofia passo-a-passo, número 16, editora Jorge Zahar.)

O velho Jair Barboza aproveita esses livros para insistir insistir insistir que a filosofia de Schopenhauer não é pessimista. Nas palavras dele: “Na verdade, trata-se de uma filosofia do consolo, constituída pela oscilação entre pessimismo teórico e otimismo prático.”

Verifique um exemplo desse “otimismo prático” no capítulo ### 6.

O próprio nascimento já é uma experiência avassaladora. A criança já nasce chorando, pois não quer abandonar o calor, a umidade e a segurança do útero: a criança já nasce num estado de privação e, portanto, de sofrimento. E toda a vida do indivíduo não passa de uma sucessão de dores, aborrecimentos e ilusões. E, afinal, quem ensina a criança a perder a vivacidade e a perspicácia? E quem a ensina a ser covarde e inautêntica? Não é a própria vida, com sua interminável lista de desilusões e frustrações? Toda vida é sofrimento.


A reprodução da força de trabalho se consubstancia não somente pela manutenção continuada do processo de subsistência do trabalhador, mas, também, pela reprodução desse enquanto indivíduo, portanto pela produção de uma nova força de trabalho – que é a garantia dada ao capital de que o mesmo terá no futuro material com o qual possa se valorizar, isso não obstante a exploração, o desgaste e a obsolescência da força de trabalho atualmente consumida, bem como a crescente redundância relativa, ao longo do tempo, da força de trabalho em geral. O despotismo do capital é tal, que a própria reprodução humana é por ele cooptada e transformada numa das etapas do seu processo de valorização.




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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sábado, 16 de agosto de 2008

XXXII – Acerca do “amadurecimento” individual decorrente do aprofundamento do processo de domesticação do animal humano.

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§ 32





Ao longo do seu duro e penoso processo de educação (i.e., de domesticação) o indivíduo aprende, nessa ordem, primeiro a ter medo, depois a ter respeito, e, por fim, quando atinge uma fase mais nobre, madura e elevada do seu desenvolvimento social, aprende a ser hipócrita. Na forma mais geral possível, o medo já se aprende quando criança, o respeito só se fundamenta na adolescência, e a hipocrisia é um dos sinais de que se chegou à idade adulta. Enquanto em mentiras pontuais se mente sobre algo que se fez ou se fará, na hipocrisia se mente sobre aquilo que se é. (Se não me engano, esse parágrafo inteiro, com a exceção do que está entre parênteses, foi escrito pelo velho Schopenhauer nos “Aforismos para sabedoria na vida”; não vou me dar ao trabalho de confirmar essa informação.)

Faz parte, também, do processo de “amadurecimento” a diminuição da presunção e dos desejos faraônicos. Quanto ao egoísmo, a civilização capitalista – ao contrário do que muita gente imagina – não o cria no indivíduo, nem sequer o infla, mas, ao contrário, o reduz (a criança é muito mais egoísta que o adulto, por mais que a massa ignara acredite no oposto), e o modela para que seja “útil” ao sistema (predatismo econômico, emulação pecuniária, ócio e consumo conspícuos e vicários, etc).

O indivíduo, no alto de seu amadurecimento, não mais é um rebelado (se é que algum dia o foi). Ele finalmente é uma roda dentada bem azeitada, e para onde olha não vê nada que o desagrade, a não algumas inovações, que sinalizam as mudanças. Mas o mal-estar com as mudanças, e com os novos costumes introduzidos pelos mais novos, mal-estar esse que é tão recorrente nos idosos, só serve como comprovante de que o indivíduo está satisfeito com o stablishment, o qual vai mudando contra a sua vontade.

Com relação à diminuição dos desejos faraônicos, o indivíduo é obrigado, com o tempo, a reconhecer que ele não passa de um medíocre, de mais um na multidão (a menos, é claro, nos poucos casos em que o tempo mostra a real superioridade dele com relação aos seus patrícios, ou nos casos que ela nunca achou que seria grande coisa). Também contribui para essa diminuição o fato de que o sujeito percebe, mediante a experiência social, que ele pode ter, com objetivos muito menores, a mesma satisfação que acreditara que apenas poderia alcançar por meio da grandeza para a qual acreditara estar destinado.



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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sábado, 9 de agosto de 2008

### 5 - A relação capitalista reificada na forma do capital produtor de juros.

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No capital produtor de juros, a relação capitalista atinge a forma mais reificada, mais fetichista. Temos nessa forma D – D’, dinheiro que gera dinheiro, valor que se valoriza a si mesmo sem o processo intermediário que liga os dois extremos. No capital mercantil, D – M – D, temos pelo menos a forma geral do movimento capitalista, embora se mantenha apenas na esfera da circulação e o lucro pareça por isso ser mera decorrência da venda; todavia, configura-se em produto de um relação social e não em produto de uma simples
coisa.

(...)

Em D – D’ temos o ponto de partida primitivo do capital, o dinheiro da fórmula D – M – D’, reduzida aos dois extremos D – D’, sendo D’ = D + ∆D,
dinheiro que gera mais dinheiro. É a fórmula primitiva e geral do capital, concentrada numa síntese vazia de sentido. O capital em sua marcha completa é unidade do processo de produção e do de circulação, proporcionando por isso determinada mais-valia, em período dado. Na forma do capital produtor de juros, esse resultado aparece diretamente, sem a intervenção dos processos de produção e de circulação. O capital aparece coco fonte misteriosa, autogeradora de juro, aumentando a si mesmo. A coisa (dinheiro, mercadoria, valor) já é capital como simples coisa e o capital se revela coisa e nada mais; o resultado do processo de reprodução todo manifesta-se como propriedade inerente a uma coisa; depende do dono do dinheiro – a mercadoria em forma sempre permutável –gastá-lo como dinheiro ou emprestá-lo como capital. O capital produtor de juros é o fetiche autômato perfeito – o valor que se valoriza a si mesmo, dinheiro que gera dinheiro, e nessa forma desaparecem todas as mascas da origem. A relação social reduz-se a relação de uma coisa, o dinheiro, consigo mesma. Em vez da verdadeira transformação do dinheiro em capital, o que se mostra aí é uma forma vazia. Equiparado à força-de-trabalho, o valor-de-uso do dinheiro passa a ser o de criar valor, valor maior que o que nele mesmo se contém. O dinheiro como tal já é potencialmente valor que se valoriza, e como tal é emprestado – o constitui a forma de venda dessa mercadoria particular. Torna-se assim propriedade do dinheiro gerar valor, proporcionar juros, do mesmo modo que dar peras é propriedade de uma pereira. E como tal coisa que dá juros, o prestamista vende seu dinheiro. E mais. Conforme vimos, o capital que efetivamente funciona apresenta-se retendo juros não como capital operante, mas como capital em si, capital-dinheiro.

E a confusão prossegue. Embora o juro seja apenas parte do lucro, da mais-valia que o capital ativo extorque do trabalhador,
o juro se revela agora, ao contrário, o fruto genuíno do capital, o elemento original, e o lucro, reduzido à forma de lucro do empresário, mero acessório, aditivo que se acrescenta ao processo de reprodução. Consuma-se então a figura de fetiche e a concepção fetichista do capital. Em D –D’ temos a forma vazia do capital, a perversão no mais alto grau das relações de produção, reduzidas a coisa: a figura que rende juros, a figura simples do capital, na qual ele se constitui condição prévia de seu próprio processo de reprodução; capacidade do dinheiro, ou da mercadoria, de aumentar o próprio valor, sem depender da produção – a mistificação do capital na forma mais contundente.

Para a economia vulgar, que pretende apresentar o capital como fonte autônoma de valor, geradora de valor, essa forma é sem dúvida suculento achado: nela, não se pode mais reconhecer a fonte do lucro, e o resultado do processo capitalista de produção adquire existência independente, separada do próprio processo.

Na condição de capital-dinheiro tornou-se o capital a mercadoria cuja qualidade de valorizar-se tem um preço fixo, expresso pela taxa corrente de juros.

Como capital produtor de juros, e na forma direta de capital-dinheiro que rende juros ( derivam dela e a supõem as outras formas de capital produtor de juros, que não nos interessam aqui), adquire o capital a forma fetichista pura, D – D’, como sujeito e coisa vendável.
Primeiro, por existir constantemente como dinheiro, forma em que se desvanecem todas as particularidades e são imperceptíveis os elementos reais. Dinheiro é exatamente a forma em que se dissolvem as diferenças das mercadorias como valores-de-uso, e por conseguinte as diferenças entre os capitais industriais consistentes nessas mercadorias e nas condições de produção delas; é a forma em que o valor – e aqui o capital – existe como valor-de-troca autônomo. No processo de reprodução do capital, a forma dinheiro é efêmera, simples elemento transitório. Ao revés, no mercado de dinheiro, o capital existe sempre nessa forma.Segundo, a mais-valia por ele produzida e que também se apresenta na forma de dinheiro parece inerente à natureza dele. Gerar dinheiro parece tão próprio do capital nessa forma de capital-dinheiro, quanto crescer é natural às árvores.

No capital produtor de juros, abrevia-se o movimento do capital; omite-se o processo intermediário, e assim um capital de 1000, considerado coisa em si igual a 1000, transforma-se em 1100 em determinado período de tempo. O capital agora é coisa, mas como coisa, capital.
O dinheiro é agora um corpo vivo que quer se multiplicar. Desde que emprestado, ou mesmo aplicado no processo de reprodução (rendendo ao dono, o capitalista ativo, juros que se distinguem do lucro do empresário), cresce para ele o juro, esteja dormindo ou acordado, em casa ou de viagem, de dia ou de noite. Assim, o desejo quimérico do entesourador se materializa no capital-dinheiro produtor de juros (e todo capital expresso em valor é capital-dinheiro ou passa por capital-dinheiro).

O juro incrustado no capital-dinheiro acresce-o como coisa (modo como aparece aqui a produção de mãos-valia pelo capital), e esse muito preocupa Lutero em seu combate ingênuo à usura. Sustenta que o juro pode ser exigido quando, por não se efetivar o reembolso no prazo determinado, resultam despesas para o emprestador que por sua vez tem pagamentos a fazer, ou quando, por aquele motivo, não realiza ele lucro que podia ter obtido, comprando por exemplo uma horta. (...)

A concepção de o capital ser valor que se reproduz a si mesmo e aumenta na reprodução, graças à propriedade inata de durar e acrescer por toda eternidade – a virtude infusa dos escolásticos -, levou Dr. Price a fabulosas idéias que deixam muito para traz as fantasias dos alquimistas; idéias em que Pitt acreditava piamente, fazendo dela, em suas leis sobre o fundo de amortização da dívida pública, os pilares do política financeira.

‘O dinheiro que rende juros compostos cresce, de início, lentamente, mas o ritmo de crescimento acelera-se cada vez mais e, após algum tempo, é tão rápido que desafia a imaginação. Um pêni emprestado no dia de nascimento de Jesus Cristo, a juros compostos de 5%, já se teria tornado hoje uma soma maior que a que se pode conter em 150 milhões de planetas do tamanho da terra, todos de ouro fino. Mas, se fosse emprestado a juros simples, só teria atingido, no mesmo espaço de tempo, a quantia de 7 xelins e 45 pence. Até agora, nosso governo preferiu as finanças seguindo este caminho, em vez daquele.’ (Richard Price, Na appeal to the subject of the national debt, Londres, 1772, p.19)

Voa mais alto ainda em seu trabalho
Observations on reversionary payments etc., Londres, 1772:

Um xelim desembolsado no dia do nascimento de Jesus Cristo’ (provavelmente no templo de Jerusalém) ‘a juros compostos de 6% teria se tornado massa de ouro maior que a que se poderia conter em todo o sistema solar, se transformado numa esfera de diâmetro igual ao da órbita de Saturno. (...) Por isso, não há razão para um Estado ficar em dificuldades, pois com as menores poupanças pode resgatar a maior dívida em tempo tão curto quanto o exijam seus interesses.’ (pg. 13-14)

Que belo preâmbulo teórico para apresentar a dívida pública britânica!

Price ficou simplesmente deslumbrado com a monstruosidade do número resultante da progressão geométrica. Pondo de lado as condições da reprodução e do trabalho, considerava o capital um autômato, mero número que acresce (como Malthus via o homem em sua progressão geométrica), e assim podia pensar que descobrira a lei de seu crescimento, com a fórmula do juro composto.

Pitt leva a sério a mistificação do Dr. Price. Em 1786, a Câmara dos Comuns resolveu levantar 1 milhão de libras esterlinas para a receita pública. Segundo Price, em quem Pitt acreditava, nada naturalmente melhor que tributar o povo, “acumular” a soma que se arrecadasse e assim exorcizar a dívida pública com o mistério do juro composto. Àquela resolução da Câmara dos Comuns logo seguiu uma lei, de iniciativa de Pitt, dispondo sobre a acumulação de 250.000,00 libras esterlinas,

‘até que, com as anuidades vencidas, o fundo tenha atingido 4 milhões de libras esterlinas por ano’ (Lei 31 do ano 26 do reinado de Jorge III)

Em seu discurso de 1792, em que Pitt propôs que se aumentasse a soma destinada ao fundo de amortização, apontou entre as causa da supremacia da Inglaterra, máquinas, crédito, etc., mas

‘a acumulação, como a causa mais importante e mais duradoura. Esse princípio está perfeitamente exposto e bastante explicado na obra de Smith, esse gênio...Essa acumulação dos capitais se efetiva pondo-se de lado pelo menos parte do lucro anual para aumentar a soma principal, que é da mesma maneira aplicada no ano seguinte, obtendo-se assim lucro contínuo.’

Graças a Dr. Price, Pitt transforma a teoria da acumulação de Smith na do enriquecimento de um povo por meio da acumulação de dívidas e num crescendo atinge o infinito dos empréstimos, empréstimos para pagar empréstimos.

(...)

A economia moderna está inconscientemente impregnada da concepção de Dr. Price, e essa influência aparece na seguinte passagem do
Economist:

‘Capital, com juros compostos sobre toda porção de capital poupada, absorve tudo com tal ímpeto que toda a riqueza do mundo da qual deriva já se tornou, há muito tempo, juro de capital...Toda renda fundiária hoje é pagamento de juro sobre capital antes empregado na terra’ (Economist, 19 de julho de 1851).

Na qualidade de capital a juros pertence ao capital toda riqueza que pode ser produzida, e tudo o que recebeu até agora não é mais que o pagamento por conta de seu
apetite insaciável. Segundo suas leis inatas, pertence-lhe todo o trabalho excedente que a humanidade pode fornecer.

(...)

O processo de acumulação do capital pode ser considerado acumulação de juros compostos, no sentido de poder se chamar de juro a parte do lucro (mais-valia) que é reconvertida em capital e serve para absorver novo trabalho excedente. Mas:

1) Omitidas todas as perturbações fortuitas, deprecia-se mais ou menos, no decurso do processo de reprodução, grande parte do capital existente, pois o valor das mercadorias se determina não pelo tempo de trabalho que originalmente custa produzi-la, mas pelo que custa reproduzi-las, e esse tempo diminui constantemente em virtude do desenvolvimento da produtividade social do trabalho. Por isso, em nível superior da produtividade social do trabalho, todo capital existente aparece como resultado de um tempo de reprodução relativamente bem curto, e não de um longo processo em que se poupa capital.

2) Conforme se demonstrou na parte terceira deste livro, a taxa de lucro diminui na proporção em que aumenta a acumulação de capital e acresce a correspondente produtividade do trabalho social, a qual se expressa no decréscimo relativo cada vez mais acentuado da parte variável do capital, comparada com a constante. Para produzir a mesma taxa de lucro, se o trabalhador passa a movimentar um capital constante dez vezes maior, é mister que decuplique também o tempo de trabalho excedente, e logo nem o tempo todo de trabalho daria para isso, mesmo que o capital se apoderasse das 24 horas do dia. Entretanto, é na idéia de que não diminui a taxa de lucro que se baseia a progressão de Price e em geral o “capital a juros composto que absorve tudo.”

Em virtude da identidade entre mais-valia e trabalho excedente estabelece-se
limite qualitativo à acumulação de capital: a jornada total de trabalho, as forças produtivas e a população que, de acordo com seu nível limitam o número das jornadas de trabalho simultaneamente exploráveis. Ao revés, se a mais-valia for considerada na forma irracional do juro, o limite é apenas quantitativo e desafia qualquer imaginação.

No capital produtor de juros está perfeita e acabadamente a representação fetichista do capital, a idéia que atribui ao produto acumulado do trabalho, e por cima configurado em dinheiro, a força de produzir automaticamente mais-valia em progressão geométrica em virtude de qualidade inata e oculta. Desse modo, esse produto acumulado do trabalho, conforme opina o
Economist, há muito já fez o desconto com que adquiriu para sempre a riqueza toda do mundo, a qual então lhe pertenceria e caberia de direito. Aí, o produto de trabalho passado, o próprio trabalho passado, de per si está fecundado por uma porção de trabalho excedente, presente ou futuro. Todavia, sabemos que, na realidade, a conservação – e, nesse caso, a reprodução – do valor dos produtos de trabalho passado resulta apenas de seu contato com trabalho vivo; e que o comando dos produtos do trabalho passado sobre o trabalho excedente vivo durará somente o tempo que durar a relação capitalista, a relação social determinada que põe o trabalho passado em posição autônoma e preponderante para com o trabalho vivo.

(Karl Marx,
O Capital, Livro III, capítulo XIII; os negritos são meus).




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Apesar de vivermos na tal da “era da informação” isso não garante às pessoas o acesso ao pensamento crítico e à reflexão sobre a estrutura, da qual elas são cada vez mais figurantes.

sábado, 2 de agosto de 2008

XXXI - Desideratum. Desideratum. Desideratum. Desideratum. Desideratum. Desideratum. Desideratum. Desideratum. Desideratum. Desideratum.

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§ 31








I used to think
I used to think
There was no future left at all
I used to think

(Radiohead, I Might be Wrong)


Pois bem, esta situação do homem perdido sem remédio é a própria imagem da nossa impotência para lançar longe de nós a vontade, uma vez que a nossa pessoa é apenas a realização objetiva desta última. (Arthur Schopenhauer, O Mundo como Vontade e como Representação, Tomo I, §59)


Enquanto cavalgávamos, éramos desencarnados, inconscientes da carne ou do sentimento, e quando, num intervalo, desaparecia a excitação, era com certa hostilidade que víamos nossos corpos com a compreensão desdenhosa de que alcançavam sua mais alta finalidade não como veículo do espírito, mas quando, dissolvidos, seus elementos serviam para adubar um campo. (T. E. Lawrence, Os sete pilares da sabedoria.)
Os pensadores antigos procuravam com todas as forças a felicidade e a verdade - e nunca ninguém encontrará o que é obrigado a procurar, diz o maldoso princípio da natureza. Mas quem procura em tudo a inverdade e se associa livremente com a infelicidade, para este, talvez, está preparado um outro milagre da desilusão: algo indizível, do qual a felicidade e verdade são apenas imagens e meros ídolos, acerca-se dele, a Terra perde seu peso, os acontecimentos e potências do mundo se tornam sonhos e, como nas tardes de verão, se espraia em torno dele uma transfiguração. Para aquele que contempla é como se começasse a acordar e como se fossem apenas as nuvens de um sonho evanescente que brincassem ainda em torno dela. Também estas acabarão por dissipar-se: então será dia. (Nietzsche, Considerações Extemporâneas, III, § 4)
Falamos o que não devia/Nunca ser dito por ninguém.(Legião Urbana, Ainda é cedo)

Avisa que é de se entregar o viver.
(Los Hermanos, Pois é)
Vivi tão pouco que tendo a imaginar que não morrerei. Parece inverossímil que uma vida humana se reduza a tão pouco. A gente imagina, apesar de tudo, que algo, cedo ou tarde, acontecerá. Profundo engano. Uma vida pode ser muito bem, ao mesmo tempo, vazia e curta. Os dias passam pobres, sem deixar nem lembranças; depois, de um golpe, acabam.
Às vezes, também, tenho a impressão de que conseguirei me instalar duradouramente numa vida ausente. Que o tédio, relativamente indolor, me deixará continuar a realizar os gestos corriqueiros da vida. Novo engano. O tédio prolongado não é uma posição sustentável. Transforma-se, cedo ou tarde, em percepções nitidamente mais dolorosas, de uma dor positiva. É exatamente o que está acontecendo comigo.
(Michel Houellebecq, Extensão do domínio da luta, parte I, cap.12)

Idéias fixas
Perseguem-me
O tempo todo,
Sem descanso,
Sem chance de escapatória.
Sem vontade de parar (de desejá-las).
Sem vontade de continuar (a viver).
Até que a morte venha me redimir.
Os outros viverão por mim.

De que vale percorrer
Toda a terra,
Todos os mares,
Se eu não posso chegar ao céu?

O mundo inteiro
Já não é o bastante,
Pois tudo o que eu quero
Ele não pode me fornecer.
A vida não é o suficiente.
Não vale a pena,
Definitivamente.
Desperdiçado.

Amargo me tornei.
Sinto ódio, todo o tempo.
Desapontamentos.
Frustrações.
Desencanto.
Angústia.
Nãos.
Não vou esquecer;
Não vou perdoar;
Não vou aprender;
Não vou entender;
Não vou aceitar.

Não, a vida não é bela.
Não, a vida não é boa.
Não, a vida não é justa.
Não, tudo não vai ficar bem.
Não, eu não vou ficar bem.
Não tenho culpa se a vida é uma ilusão.
Não vou mentir e
Dizer que sou feliz.


Por que eu deveria sorrir?
Por que eu deveria me importar?
Por que eu deveria respeitar?
Por que eu deveria acreditar?
Por que eu deveria me desculpar?
Por que eu deveria fingir?
Por que eu deveria crescer?

Eu perco tempo demais.
Eu não consigo sonhar.
Eu não consigo lembrar
Como é que eu fui ficar assim.
Eu não consigo lembrar
Quando é que eu me perdi completamente.
Irreconciliado com a civilização.

Quanto mais eu sei,
Mais eu descubro
Que tudo é mentira.
Tudo o que eu sei está errado.
Melhor seria não ter nascido.
Difícil é encontrar um só
Motivo para não se matar.
- Na morte não há dor.

À beira do abismo,
No limite.
Sem ilusões,
A verdade irrompe.
E a verdade ofende.
E a verdade é mesmo terrível.
Inaceitável.
Inferno é acordar todas as manhãs
Sem saber o porquê.
Mas nada está tão ruim
Que não possa piorar.
O poço não tem fundo.
E a luz no fim do túnel
É de um incêndio.

Permaneço atônito
Diante de um mundo que me choca
E, inescrutavelmente perplexo,
Eu me pergunto:
Por que as coisas são assim?
Por que as pessoas aceitam a vida como ela é?
Por que as pessoas se sujeitam,
Com a tranqüilidade da inconsciência,
A reproduzir tudo isso que aí está?
Vontade de saber.

O vazio.
O despropósito.
A indiferença.
É tudo uma grande farsa.
O caos reina.
Mas as pessoas não querem saber.
As pessoas querem ser enganadas.
As pessoas gostam de ser enganadas.
As pessoas são estúpidas.
Pois sem ilusões não conseguiriam viver.
Pois sem ilusão não conseguiriam suportar
O fardo da vida.
Um dia eu fiquei cego.
E já não há realidade,
Apenas escombros.
E já não há explicações,
Apenas jogos de palavras.
E já não há mais saídas,
Apenas portas fechadas.
E já não há mais sabedoria,
Apenas sofística.
E isso não é suficiente.
Não serve.
Pelas manhãs,
Pílulas,
Paliativos,
Que adiam o inevitável,
Que escondem o evidente,
Que negam o inegável,
Que perdoam o imperdoável,
Que tentam, sempre em vão,
Remediar o que já não tem remédio,
Consertar o que já não tem conserto,
Curar o que já não tem cura.

Um dia eu cheguei a acreditar
Que a vida talvez fosse boa.
Mas logo depois eu mudei de opinião.
Ninguém disse que seria fácil.
Ninguém jamais disse que seria tão difícil assim.


Tudo é tão insípido
Tudo é tão vazio.
Tudo é tão cretino.
Tudo é tão sem graça...

Quanto mais as coisas mudam,
Mais elas ficam iguais.
No fim eu vi o começo.
Progresso?
Que querem dizer com isso?
Pois a verdade é uma só
E não poderia ser diferente.

Eu fui tão longe que
Eu já nem sei ao certo
O que é mentira e o que é verdade,
O que é certo e o que é errado.
Eu (acredito que) sei sobre o que tudo é.

É sempre a mesma coisa.
Todos os dias são iguais.
Prisioneiro de um presente perpétuo,
Sem passado ou futuro.

Se a vida é um
Contínuo desdobramento da atividade
,
Então o que ocorre quando
Ela não consegue mais se desdobrar?


O real é miserável.
O hiper-real é ilusório.
Ambos são insuficientes.

Perambulo sofregamente
Por esse vale de lágrimas
E de ilusões,
Numa realidade hedonista de escombros.
E estas pessoas
- Estes fantasmas que,
Distantes, flutuam –
Elas já não me importam mais.
Elas já não me machucam mais.
E este lugar,
Ele já não possui valor algum.

Não devo nada para ninguém
Nada
Para ninguém.
Ninguém.
Por mim podem morrer todos,
Inclusive eu.
Eu não respeito ninguém.
Ninguém vai me dizer o que fazer.
Ninguém vai me dizer o que pensar.
Ninguém vai ousar me declarar verdades eternas.
Mesmo que todos digam que eu estou errado,
Eu não mudarei a minha opinião.
Também Schopenhauer, entre a primeira e a última edições da sua obra [máxima,]
Teve quarenta anos para mudar de opinião.
Mas não o fez...Pelo contrário,
Na velhice ele declarou:
"Aquilo que eu sabia antes, agora eu sei ainda mais".

De que vale ter boa vontade?
Para que todo esse barulho?
Para que toda essa agitação?
Se morreremos todos mesmo.
Por que eu deveria me levantar,
Se ainda hoje terei que me deitar novamente?
Por que tentar só mais uma vez
Se eu já vi tudo?

Deixe-me totalmente só.
Ninguém pode me ver chorar.
Colapsando paulatinamente,
Sem sair do lugar,
Nessa vida longa demais.

De que adianta se esforçar?
A sombria chama do desejo,
Para apagá-la eu faria qualquer coisa.
A espera interminável.
Mil obstáculos.
Mil dificuldades.
O prazer fugaz.
E por fim a desilusão.

Se ao menos houvesse
Um único momento
Que justificasse tudo isso.
Não há nenhum.
Não há nada.
E eu tentei.
E eu fiz tudo o que pude.
Mas não foi o bastante.

Preso nessa agonia.
O tempo escorre lentamente,
Dolorosamente.
E eu conto os dias.
E eu conto as horas.
Para a minha alforria,
Para o dia da minha fuga.

Pois se a vida
Me ofereceu algo de bom
Certamente o foi a convicção
De que tudo isso não é para sempre.

Quando eu acordar,
Quero que essa dor vá embora
Para eu nunca mais lembrar
De quem eu sou,
Do que eu sou,
De que eu estive nesse lugar,
De que eu conheci essa gente.

Nunca haverá satisfação.
Nunca haverá paz.
A dor não se interrompe.
Não há saída,
Para lugar nenhum.
A vida é uma prisão.

É tarde demais,
Sempre foi.
E sempre será.
Não há mais volta.
Agora não adianta mais.
E daí?
Por que alguém deveria se importar?
Agora não funciona mais.
E que diferença faz?

Eu precisaria acreditar
Que tudo isso faz algum sentido.
Eu precisaria acreditar
Que tudo isso não é em vão
Eu precisaria acreditar
Que meu sofrimento será recompensado
Mas as fantasias se desvanecem
Diante das evidências inequívocas,
E que se repetem de novo e de novo,
Da vacuidade e da futilidade radical da vida.

Foi tudo em vão,
Foi tudo um completo e
Total e irremediável desperdício.
Inútil.
Não tenho dúvida alguma disso.

Eu não posso continuar.
Eu não agüento mais.
Quero ir embora
Para nunca mais voltar.
Quero desaparecer.
Isso já não foi o bastante?
Ó, por favor...
Tanta gente morrendo por aí.
Tanta gente implorando
Para viver um pouco mais,
Para sofrer um pouco mais.
Por que não eu?
Se um dia, há quase dez anos,
Eu já acordei morto mesmo?
Por que continuar?
Se para mim a vida já terminou?

Sinto muito que seja assim.
Mas não há nada mais o que fazer,
A não ser esperar
O tempo passar
E acabar com tudo o que restou,
De uma vez por todas.

E assim, pela primeira
E última vez,
Eu terei algo que
Desejei ardentemente.

Isso é o que acontece
Quando se vai pelo caminho errado.
Mas nesse jogo de soma zero,
Para uns vencerem outros devem,
Necessariamente, perder.
Pois o prazer se paga com a dor.

Isso não vai ficar assim.
(Ou vai?)





***

Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.