sábado, 26 de abril de 2008

XVIII – Acerca da auto-alienação como mecanismo de subterfúgio à verdade e promotor da auto-aceitação.

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§ 18




É graças à futilidade que a maioria das pessoas não se enforca. (Voltaire)


É comum observar alguém que possui certo defeito fazer apontamentos eufemísticos com relação a ele, ou mesmo, por meio de malabarismo conceitual, conseguir transformá-lo em uma qualidade, da qual possa então se gabar.

Muitas vezes o indivíduo não acredita no discurso que faz aos outros; outras vezes ele quer acreditar; e, em outras, acredita piamente no que diz.

Pode ocorrer da pessoa considerar determinada conquista relevante e por isso dedicar a ela muito esforço; mas, quando a verdade vem à tona, e se percebe a impossibilidade de alcançar o que tanto se queria, então logo se arranja uma argumentação que desdenha o que até então era tão digno de mérito.

Como foi observado no capítulo VII o fato de o fenômeno da vida ser um perpétuo desdobramento da atividade (o que ocorre em todas as direções e sentidos que forem possíveis e leva a existência individual a um completo impasse caso a atividade fique “presa”, i.e., incapaz de se desdobrar em coisa alguma) e como o indivíduo está preso em seu narcisismo (o que significa tanto que o seu egoísmo ocupa o papel diretor sobre suas ações quanto que a sua consciência se encontra restrita ao seu corpo, e portanto ao espaço-tempo e à causalidade, o que limita dramaticamente a sua capacidade de reconhecer, entender e aceitar a verdade) as características anômalas do indivíduo lhe parecem, nem que para isso sejam necessários sofismas e manipulação dos conceitos (cujas definições geralmente são passíveis de qualificações e alterações arbitrárias), como sendo uma qualidade, e não um defeito, e assim se torna possível ao sujeito se reconciliar consigo mesmo, e portanto “ser feliz apesar de tudo”, isto é, aceitar aquilo que não aceitava, ou que a maioria dos que estão a sua volta não aceitam. (“Seja feliz apesar de tudo” é um título de um desses livros de auto-ajuda cretinos, que empesteiam as livrarias; eu prefiro outros títulos, como, por exemplo, “Só os idiotas são felizes” (de Ailin Aleixo).)

A consciência individual, muitas vezes travestida para si mesma como uma deidade, geralmente está sempre disposta a perdoar os seus próprios erros e pecados, mesmo que esse “arrependimento” não inclua qualquer disponibilidade em se regenerar, pois, afinal, “deus, que é o único que tem direito de julgar, é amor e perdão”, o que significa que deus (ou seja, o próprio sujeito, já que “deus” é uma figura paterna criada e mantida por sua imaginação) está sempre disposto a esquecer; essa mesma consciência, porém, pode, quando se vir injustiçada por outrem (que portanto, crê ela, logrou benefício em desfavor dela), prontamente apontar a suposta ira e justiça divinas como garantia de que a deidade – a mesma que está sempre disposta a perdoá-la quando ela erra – irá operar mais cedo ou mais tarde a vingança ansiada, isso porque “todo mal que nós fazemos” (leia-se “que os outros fazem a mim e aos meus”) “acaba voltando contra nós”(leia-se “conta eles, e assim estará operada a minha vingança pessoal”). (Eu já não escrevi em algum lugar que todo mundo é imbecil?)

E assim, pois preferem a felicidade à verdade, transformam essa em mentira, por meio da fraude, da violência, e da arbitrariedade conceituais, para transmutar os fatos e subjugá-los aos seus interesses.





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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

Um comentário:

Duan Conrado Castro disse...

http://inexcelsius.blogspot.com/2009/11/vejam-por-si-mesmos-aonde-chegou.html