sábado, 12 de abril de 2008

### 2 – Laisser faire, laisser passer –1.

.
.
.
#
#
#
2





(...)

O descobrimento das regiões auríferas e argentíferas da América; a redução dos indígenas à escravidão; seu internamento nas minas ou seu extermínio; o começo da conquista e da pilhagem nas Índias Orientais, a transformação da áfrica em uma espécie de coelheira comercial para a caça aos negros, eis aí os processos idílicos da acumulação primitiva que assinalam a era capitalista em sua aurora. Logo depois, estala a guerra mercantil que tem por teatro o globo inteiro. Principiando com a revolta da Holanda contra a Espanha, toma proporções gigantescas na cruzada da Inglaterra contra a Revolução Francesa e se prolonga até nossos dias, em expedições de piratas, coco as famosas guerras do ópio contra a China.

Os diferentes métodos de acumulação primitiva que a era capitalista faz nascer são repartidos, em primeiro lugar, em ordem mais ou menos cronológica, em Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra, até que está última as combina todas no último terço do século XVII, em conjunto sistemático, abrangendo ao mesmo tempo o regime colonial, o crédito público, a finança moderna e o sistema protecionista. Alguns destes métodos apóiam-se no emprego de força bruta, mas todos sem exceção exploram o poder do Estado, a força concentrada e organizada da sociedade, a fim de precipitar violentamente a passagem da ordem econômica capitalista e abreviar as fases de transição. E, com efeito, a Força é parteira de toda velha sociedade nas dores do parto. A Força é um agente econômico.

Um grande homem cujo fervor cristão tem grande renome, M. W. Howitt, expressa-se deste modo a respeito da colonização cristã: “As barbaridades e atrocidades execráveis perpetradas pelas raças chamadas cristãs, em todas as regiões do mundo e contra todos os povos que elas puderam subjugar, não têm comparação em nenhuma outra era da história universal, tampouco em qualquer raça, por mais selvagem, grosseira, desapiedada e desavergonhada que seja.”

A história da administração colonial dos holandeses – e a Holanda era no século XVII a nação capitalista por excelência – “desdobra um quadro de morticínios, traições, corrupção e baixeza que jamais será igualado” ( William Howitt: Colonization and Christianity. A Popular History of the Treatment of the Natives by the Europeans in all their Colonies, Londres, 1838).

Nada mais característico que o sistema de raptar naturais das Celebes, a fim de conseguir escravos para a Ilha de Java. Eles tinham todo um pessoal especialmente apto para este rapto de novo gênero. Os principais vendedores eram os príncipes indígenas. A juventude raptada Ra encerrada nos calabouços secretos das Célebes até que fosse amontoada nos navios negreiros.
“Só a cidade de Macassar, por exemplo, diz um relatório oficial, era um formigueiro de prisões secretas, cada qual mais horrível, repletas de desgraçados, vítimas da avidez e da tirania, carregados de ferros, violentamente arrancados às suas famólias”. Para se apoderarem de Málaca, os holandeses corromperam o governador português. Este os fez entrar na vila, em 1641. “Correram imediatamente à sua casa e o assassinaram, abstendo-se assim...de lhe pagar a quantia de 21.875 libras esterlinas, preço de sua traição. Por toda parte onde puseram os pés, a devastação e a despovoação marcaram sua passagem. Uma província de Java, Baniuuangi, contava em 1750 mais de 80.000 habitantes. Em 1811, não tinha mais que 8.000. Aí temos o doce comércio”!

A Companhia Inglesa das Índias Orientais obteve, além do poder político, o monopólio exclusivo do comércio do chá e do comércio chinês em geral, assim como o transporte das mercadorias da Europa à Ásia e vice-versa. Mas a cabotagem e a navegação entre as ilhas, da mesma forma que o comércio no interior da Índia, foram concedidos exclusivamente aos empregados superiores da Companhia. Os monopólios do sal, do ópio, da pimenta e de outros artigos eram inesgotáveis minas de riqueza. Os empregados fixavam eles mesmos os preços, escorchando à vontade o desgraçado hindu. O Governo Geral tomava parte neste comércio privado. Seus favoritos obtinham privilégios tais que, mais fortes que os alquimistas, faziam ouro do nada. Grandes fortunas brotavam em vinte e quatro horas como cogumelos; a acumulação primitiva operava-se sem antecipar um centavo.

O processo Warren Hastings está cheio de exemplos desse gênero.

Citemos um só. Certo Sullivan obteve um contrato para uma entrega de ópio, no momento de sua partida em missão oficial para determinado ponto da Índia, distante dos distritos produtores. Sullivan cede o seu contrato por 40.000 libras esterlinas a certo Binn; Binn, por sua vez, o revende no mesmo dia por 60.000 libras esterlinas, e o comprador definitivo, executor do contrato, declara ter realizado ainda um licro enorme. Segundo uma lista apresentada ao Parlamento, a Companhia e seus empregados extorquiram aos hindus seis mlhões de libras esterlinas! De 1769 a 1770, os inglese provocaram uma fome artificial, comprando todo arroz e não consentindo em revendê-lo senão por preços fabulosos.

A sorte dos indígenas era naturalmente mais horrorosa nas plantações destinadas somente ao comércio de exportação, tais como as das Índias ocidentais, e nos países ricos e populosos, tais como as Índias orientais e o México, caídos nas mãos de aventureiros europeus e, em seguida, nas dos padres. Entretanto, mesmo nas colônias propriamente ditas, o caráter cristão da acumulação primitiva não se desmentiu jamais. Os austero intrigantes do protestantismo, os puritanos, concederam em 1703, por decreto de sua assembléia, um prêmio de 40 libras esterlinas por escalp (ação de arrancar a pele do crânio) de índio e outro tanto por pele-vermelha feito prisioneiro; em 1720, um prêmio de 100 libras esterlinas ; em 1744, Massachussets Bay, tendo declarado rebelde um tribo, ofereceu o seguinte prêmio: 100 libras esterlinas por escalp de indivíduo varão de 12 ou mais anos; 150 libras esterlinas por prisioneiro varão; 55 libras por mulher ou menino agarrados e 50 libras pelos seus escalps! Trinta anos depois as atrocidades do regime colonial recaíram sobre os descendentes destes piedosos peregrinos (pilgrim fathers). Declarados por sua vez rebeldes. Os cães de fila amestrados na caça dos colonos em revolta e os índios pagos para arrancarem escalps foram proclamados pelo Parlamento “meios que deus e a natureza tinham postos em suas mãos”.

O regime colonial deu um grande desenvolvimento à navegação e ao comércio. Daí nasceram as sociedades mercantis, dotadas pelos governos de monopólios e de privilégios que serviram de poderosas alavancas à concentração de capitais. O regime colonial assegurou os mercados às nascentes manufaturas, aumentando a facilidade de acumulação, graças ao monopólio do mercado colonial. Os tesouros diretamente extorquidos fora da Europa, por meio do trabalho forçado dos indígenas reduzidos à escravidão, pela concessão, a pilhagem e a morte, refluíram à mãe pátria para funcionar aí como capital. A verdadeira iniciadora do regime colonial, a Holanda, tinha já em 1684 alcançado o apogeu de sua grandeza. Ela era possuidora quase exclusiva do comércio das Índias Orientais e das comunicações entre o sudeste e o nordeste da Europa. Seus barcos de pesca, sua marinha, suas manufaturas, superavam as dos outros países. Os capitais da República eram talvez mais importantes que todos os do resto da Europa juntos.

(...)

(Karl Marx, A Origem do Capital, capítulo VI)






***
Os agentes econômicos respondem a estímulos na sua ação racional (i.e., ação capaz de formular estratégias e que não erra sistematicamente) e voltada ao seu interesse próprio (i.e., que busca a maximização de sua satisfação por meio do atendimento ótimo das suas necessidades).

Nenhum comentário: