sábado, 10 de julho de 2010

CXI – Acerca (de uma parte) do (meu) inominável: passado, presente e futuro (flashback # 12 /flashforward # 5 )

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§ 111



A mediocridade é meu passado; caos é meu presente; a decadência é meu futuro. Com todo vapor ao colapso!




I – Flashback # 12 (1999)

Ele me disse a verdade:
Eu sou um deformado.
Como eu nunca percebi isso antes?
[Segundo Lacan, só percebemos algo em nós quando os outros nos falam.]
Onde eu estive todo esse tempo?
Onde estiveram meus pais nos últimos 13 anos?
Onde estiveram @s professor@s?
Onde esteve pelo menos alguém – uma única pessoa – que se importasse?
Agora não há mais conserto.
De um dia para o outro,
Vi-me responsável pelo meu passado,
Vi-me responsável por escolhas que não fiz.
Ou fiz?
[Segundo Lacan - e meus pais - fiz]

Ele me disse a verdade.
De repente, tive flashbacks,
Que prenunciavam a revelação,
Que diziam, sem palavras,
O que eu já deveria saber.
Mas eu, ingênuo, não percebera.
E quem perceberia?
[Segundo Lacan, ninguém.]
E fiquei inescrutavelmente perplexo quando
Ele me disse a verdade.

O ódio que eu sentia por ele arrefeceu;
Mas o ódio apenas mudou de objeto.
Pois eu não poderia perdoar o que fizeram comigo.
Jamais perdoarei.
O mundo desmoronou, de novo e definitivamente,
Naquele dia, quando
Ele me disse a verdade.

Em vão tentei consertar
O que já não tinha conserto.
Meus pais, que nada fizeram nos 13 anos anteriores,
Continuaram indiferentes.
Quando eu os acusei,
Fui informado que a culpa era minha,
Afinal, eu escolhi nascer, não?
[Segundo Lacan, nós escolhemos nascer...]
Ele me disse a verdade.

Eu não vou esquecer.
Eu não vou perdoar.
Vivo com um sonho ridículo,
Espero pelo dia no qual haverá conserto
Viverei o bastante?
Talvez não.
Mas existe uma esperança.
E, até lá, eu me arrastarei.
Até descobrir
Que não me importa mais,
Que todo caminho foi em vão.

Ele me disse a verdade.


II – Presente (2010)



Já faz alguns dias
Que ando numa depressão fodida.
Sempre reclamo de falta de tempo,
Mas...
Já faz alguns dias
Que não faço nada.
A minha lista infinita de coisas a fazer?
Abandonada.

Mas quem disse que sou uma máquina eficiente?
Sou uma bem fajuta, sucateada.
Calcular? Calculo muito mal...
Pensar? Até penso bastante,
Mas não o suficiente para me libertar de minha miséria,
Não o suficiente para me redimir do meu passado.
Eu sou um caso perdido, eu sei.

Já faz alguns dias
Que tento chorar e não consigo.
Qual foi a última vez que eu chorei?
Já faz alguns anos, mas
Agora eu consegui.
... [pausa para eu terminar de chorar]
[Ta legal, isso ficou bastante emo...que se dane!]

Já faz alguns dias
Que espero apaticamente
Deitado em minha cama.
Encolhido, lembrando o que,
Já faz alguns dias,
Não sai da minha mente.

Já faz alguns dias
Que reconsidero a possibilidade
De voltar a ser psicanalisado.
Nem fodendo!
Não vou gastar 20% da minha renda nisso.
Não voltarei rastejando.
Pedindo o que eu sei que não pode ser dado.
Eu já sei que não há salvação.
[Segundo Lacan, o grande Outro não existe.]

Eu mudei desde que comecei esse blog?
Não o suficiente.
Alguns problemas simplesmente não têm solução.
Mas eu (acho que) sei o que eu deveria fazer
Para solucionar meus "problemas insolúveis"
(Não há certezas nem garantias).
Todavia, eu não estou disposto a fazê-lo.
Prefiro viver e morrer infeliz,
A ter uma felicidade imbecil.
Mais um motivo para eu não voltar...
Não me venham falar de amor...,
Porque estou cansado de ouvir disso.

Reuni as minhas forças
Levantei e escrevi o que,
Já faz alguns dias,
Eu remôo.
O que,
Já faz alguns dias,
Me consome.


III – Flashforward # 5 (2037)

Ela morreu aos 63 anos.
Esperei meio século por isso.
E o que mudou?
Eu sonhei.
E o que adiantou?
Ela morreu aos 63 anos.

O que é um ser humano?
E se Menguele estivesse certo?
Eu ia me foder de qualquer jeito.
A vida é uma fodeção eterna.
E quem não gosta de foder?
[E quant@s não adoram ser fodid@s?]
Eu estou acabado,
Sempre estive.
Sempre estarei.
Mas insisti em negar o óbvio.
Ela morreu aos 63 anos.

Quantas vezes eu sonhei com isso?
Ver esse cadáver?
Olhar para esses olhos,
Agora tão frios quanto antes?
O que eu farei agora?
O mesmo que fiz nos últimos 50 anos:
Nada.

Ela morreu aos 63 anos.
Depois de tanto tempo,
Que diferença faz?
Nenhuma.
Isso conserta o meu passado?
Não [não há conserto].
Isso conserta o meu futuro?
Não [não há conserto].
Isso conserta o meu presente?
Não [não há conserto].
O que isso muda?
Nada.
Quem se importa?
Ninguém [isso não é novidade].
E, então, por que eu me olho no espelho
E vejo um sorriso nos meus lábios?
Ela morreu aos 63 anos.

Tudo em vão.
Um completo desperdício.
Algumas vidas destruídas,
Inclusive a minha.
Eu não entendo.
Nunca vou entender
O porquê de tudo isso.
[Não há porquê.]
Todo sofrimento em vão.
Vingança?
Agora que
Ela morreu aos 63 anos?
Tarde demais.

Está tudo ligado, misturado:
Passado, presente, futuro,
Amor, ódio, indiferença,
Desejo, sonho, delírio,
Culpa, medo,
Trabalho,
Mentira,
Angústia,
Pobreza. ["Não é a pobreza que causa a dor, mas a cobiça." Epícteto]
Está tudo resumido
Num cadáver.
Que hoje, quando
Ela morreu aos 63 anos,
Está diante desses olhos
Que a terra há de saborear também [ou não].
Está tudo resumido
Em nada.
Vacuidade.
Mas e daí?

Meus pais choraram porque hoje
Ela morreu aos 63 anos.
Agora faltam eles.
Eles se faltam agora que
Ela morreu aos 63 anos.
Afinal, foram 63 anos.
Mas, o que são 63 anos
Para a história do universo?
Ou para a minha vida?
Tudo que começa acaba (?)

Ela morreu aos 63 anos.
Nem acredito que eu vivi até aqui.
Os meus desejos estúpidos
Ainda são possibilidades no horizonte.
Embora cada vez eles me valham menos,
Embora cada vez eu menos faça questão de realizá-los.
Ainda são promessas
Às quais eu me agarro por não ter mais nada
Para justificar a difícil tarefa de levantar toda manhã.
A vida é uma merda, definitivamente.
E ela, que tão cedo me ensinara isso,
Morreu aos 63 anos.

Agora que cheguei até aqui, o dia em que
Ela morreu aos 63 anos,
Talvez esteja na hora de eu desistir também,
De escolher morrer também.
O que serei sem o grande Outro?
Há outros Outros.
Mas a morte é uma libertação.

Se eu pudesse voltar no tempo
Se eu pudesse desfazer uma única escolha do meu passado
Seria a primeira:
Dessa vez eu escolheria não nascer!

Ela morreu aos 63 anos.


IVConcluo (2.9.1.7.?)

Já faz alguns dias
Que ando pensando:
Ela morreu aos 63 anos [2037]...
E eu, quando estarei livre?
Pois a minha vida,
Desde aquele dia quando
Ele me disse a verdade [1999],
Já acabare-se mesmo,
Restando-me poucos sonhos,
Um dos quais,
Já faz alguns dias [2037],
Se realizou quando
Ela morreu aos 63 anos.

[Isso se chama sublimação] [2010]
[E eu quero que Lacan se foda!!! :P]





***

Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

7 comentários:

Silas disse...

hmm

Gostei e não gostei. Sei lá. Pra mim ta bem expresso, bem escrito, pouco racional (isso é um elogio). Parece um poço de emoções... É humano...

Longe de mim, no presente momento, querer valorar, e te dizer o que fazer, ou como fazer ou quando fazer.

No fim das contas eu não sei de nada mesmo...

"Onde esteve pelo menos alguém – uma única pessoa – que se importa[sse]?"

Eu estava morando numa vila perto daqui e cursando a terceira série (ajustei a frase).

Eu não me sinto assim porque minha visão é teleológica. No fim das contas não podemos justificar nada, então aceito essa visão que "recebi", das profundezas da minha mente. Que nada aconteceu por acaso. Pelo contrário, cada pequeno detalhe tem um motivo.

Tanto faz...
Só espero que você fique bem algum dia, amigo...

(Não foi por acaso que vim parar aqui, e nem é por acaso que ainda volto. E na maioria das vezes não é deliberado também. Eu só ouvi minha intuição e soube que tinha que fazer o que faço[nem sei bem o que é isso]. E pra mim seria uma recompensa à minha fé ver você bem)

Duan Conrado Castro disse...

É...O texto ficou emotivo então? Eu achei que ficou cerebral demais, ainda mais com essa parada de repetir cores. Mas..., que seja. Reconheço que você se importa. Reconheço que você é um amigo. Mas..., eu não poderia ter colocado isso no texto, né? Ia estragar a dramaticidade...XD

Vale dizer que esse capítulo foi escrito em Março e que nos últimos meses PARECE que eu consegui inventar uma forma de superar esses problemas e ter alguma paz de espírito (talvez até um esboço de felicidade...) "Felicidade"... essa palavra é praticamente proibida nesse blog...Se eu me tornasse uma pessoa feliz, não teria mais nada para escrever aqui. Seja como for, desde 2009 já planejo encerrar as atividades desse blog, como eu já lhe disse várias vezes.

Agradeço por você se importar.

Silas disse...

XD

Ué, ele ficou tecnicamente bem produzido. Claro que isso é "cerebral", mas o que ele expressa não é nem um pouco robótico.

Por isso que gosto da temática livre do meu blog. Não tenho publico fixo, mas posso mudar de estado de espírito e escrever quaquer merda que me ocorrer!

Anônimo disse...

Irmão, não se esqueça que compramos ingressos para primeira fileira. Aproveitar o triste espetaculo que se desforra no palco, diante de nossos olhos, não nos custará, positivamente nem um vintém a mais. É claro que falar é fácil; pois há o problema da vontade (e aqui não falo da vontade de Schop, mais aquela que nos faz levantar da cama). Tendo isso em mente, me parece que o importante e 'gastar' o pensamento com a questão da vontade (já que, 'escolhemos' (madafucka!) viver - ao nascer)).
Como o comportamento e regido pelo inconsciente e pelo ambiente e pelo blá, blá, blá.... me parece válido usar o pensamento para modificar o espaço a nossa volta; com vistas que esse modifique o comportamento. É aquela história do exército... se estivesse-mos lá não teríamos tempo

Anônimo disse...

tempo para grandes reflexões.
Tenho buscado conforto em Homero:
"Pois sim. meu querido, emprega as habilidades que aprendeste... sê cauteloso, prudente e racional".
Tento evitar divagações da mente assim como Pascal.
Minhas ambições são só as do cotidiano. E a "domação" da mente. O regozijo de "estar no controle" da minha pequena nós...
Minha lamentação: ainda não ter encontrado uma forma de manifestar-exercer a minha arte.
Meus amigos: a monotonia e o horror.
As técnicas de manipulação/programação da mente me parecem as mais diversas... e a motivação só uma: a ausência de dor.

Anônimo disse...

Felizes são aqueles que aceitam a programação que lhes é oferecida pelas escolas, igrejas e pela TV; pois esses, diferentemente dos Outsider, não precisam se recolher e criar o 'mundo' do zero.

É claro que em tese o Outsider é mais livre.

Me parece válido tb, gastar o pensamento com formas de se exercer a liberdade.

Duan Conrado Castro disse...

Anônimo,

Sim, depois de muito me debater tentando em vão não aceitar a realidade como ela é, eu estou atualmente me encaminhando exatamente para aquilo que você descreveu: para uma vida de resignação focada não na verdade sistêmica ou na transformação social, mas sim na paz de espírito, na minimização da dor pessoal. Agora eu reconheço que sou incapaz de tornar o mundo melhor. Se eu conseguir tornar o meu mundo melhor, já terei feito quase um milagre.

A vida do insider com certeza é mais simples, e fácil. Mas as perplexidades do intelecto não deixam de ser fonte de prazer e de sensação de poder. Como eu disse no capítulo CIX:

Sou “anormal” e o que eu gostaria de ser é algo mais anormal ainda: não desejo a normalidade

O que me traz sofrimento não é que eu seja anormal, mas sim que sou obrigado pelas circunstâncias a conter essa anormalidade para poder atuar na vida social - e sobreviver como trabalhador assalariado.

Por outro lado, nunca estive tão convicto da verdade das palavras de Epícteto:
“Não é a pobreza que causa a dor, mas sim a cobiça.” No meu caso: o que causa a dor não é a impossibilidade de eu exercer livremente a minha anormalidade, mas sim a minha insistência em fazê-lo mesmo sabendo que isso não me é possível. Logo, se quero paz de espírito, e eu quero, o caminho que resta é a resignação.