sábado, 29 de agosto de 2009

LXXVIII - Uma breve crítica ao cristianismo e a sua mais atroz forma: o (neo)pentecostalismo - parte 11 de 16.

.
.
.

§ 78




2.10. A gênese de Lúcifer


O diabo é, sem dúvida, a figura mais conturbada do cristianismo. Alguns cristãos, inclusive e paradoxalmente, negam a sua existência; outros, ao contrário, - em arroubo de ignorância e fundamentalismo – culpam-no por tudo de ruim que ocorre sobre a face deste pequeno planeta.

A história da origem e da evolução da figura de Lúcifer é a seguinte. No Velho Testamento Satanás é uma espécie de anjo responsável por fazer o “trabalho sujo” de Jeová. Ele é citado em todo Velho Testamento umas três vezes (e sempre de forma mal-explicada), por exemplo em Jó 1:6.

Ocorreu que o povo judeu, após toda a dominação e a ignomínia que já sofrera, é finalmente dominado pelos romanos (dominados são apenas as tribos de Judá, pois as 10 tribos de Israel foram completamente destruídas – não sobrou um único indivíduo – pelos assírios). Com tanto sofrimento passado e presente o povo judeu passou a maximizar a figura de Satanás, na tentativa de encontrar um culpado para o seu infindável opróbrio – uma vez que o velho e bom Jeová não o poderia ser, pois além de justo, ele lutava pelo povo que escolheu (e se este não conseguia lutar contra o Império Romano era como se os deuses romanos fossem mais poderosos que Jeová).

Assim, alçaram lentamente a figura de Satanás de servo a inimigo de Jeová – responsabilizando aquele pelo sofrimento do povo e livrando esse (e o próprio povo) da culpa. Paralelamente, crescia em importância a já criada figura do messias, do salvador, que iria libertar – para sempre – o povo de toda opressão e que, agora, relacionava-se à figura de Lúcifer.

É surpreendente saber que não há na Bíblia (que, rigorosamente falando, não é um livro, mas sim uma biblioteca) uma descrição clara da origem de Satanás (tá legal, na verdade não há na Bíblia descrição clara da origem de qualquer coisa que seja, isso porque a Bíblia não têm nenhum compromisso em provar nada: ela simplesmente teclara verdades acabadas e eternas e ponto final). Certa vez, caiu-me às mãos uma lista que supostamente contém as passagens bíblicas que tratariam da origem de satã. Ei-la: Ezequiel 28:12-19; Isaías 14: 12-15; Apocalipse 12: 7-9.

Os textos que supostamente descreveriam tal origem (e contariam aquela história do anjo vaidoso, que queria ser mais que seu criador) mostram-se metáforas históricas que pouca ligação possuem com Satanás, tampouco com uma explicação plausível da sua origem. Não sei se quem confeccionou tal lista era ignorante e semi-analfabeto (incapaz de interpretar um texto pelo seu contexto histórico) ou hipócrita (que, diante do silêncio bíblico sobre esse assunto, resolveu forçar a barra).

Ao ler apenas as passagens indicadas, pode-se até imaginar que há alguma ligação com a famigerada história de Lúcifer. Entretanto, ao ler-se os textos completos – Ezequiel cap. 26 a 28 e Isaías cap. 13 a 14 (até o versículo 23) – percebe-se que se tratam de profecias e maldições que Jeová lança contra povos opressores dos judeus (Tiro e Babilônia – cidade que escravizou as tribos de Judá quando as tribos de Israel nem existiam mais). Percebe-se, ainda, que os versículos em questão do livro de Ezequiel contém metáforas – a cidade de Tiro é chamada de “querubim”, “perfeito em formosura”. Coisa semelhante sucede na passagem em que a cidade da Babilônia é chamada “estrela da manhã, filha da alva” e até mesmo de “varão”.

No caso da citação do livro de Apocalipse, apenas com um grande esforço imaginativo é possível ligá-la à suposta história da gênese de Lúcifer. Além disso, o que uma narração sobre um passado longínquo e obscuro faz num livro profético, que portanto se dedica a falar sobre o futuro? Mas, mesmo se tal ligação fosse feita, não é no mínimo estranho que um indivíduo que supostamente atua ao longo de todo o texto bíblico tenha sua origem “explicada” (e é claro que o texto não explica nada, não explica, por exemplo, de onde teria vindo a vaidade de Lúcifer senão do seu próprio criador) apenas no último livro do conjunto? Enquanto as personagens humanas são apresentadas em longas e tediosas genealogias, não há nenhuma explicação razoável sobre a origem de Satanás, nem sobre quem são os tais dos “filhos de Deus” mencionados em Gênesis 6:2 e em Jó 1:6 e entre os quais a segunda citação afirma estar Lúcifer.



2.11. A onipotência, a justiça e a bondade de deus


É sabido que o deus dos cristãos, além de onipotente, onisciente e onipotente, é justo e bondoso. E, afirmam os cristãos, não há contradição alguma nisso.

O deus cuja begnidade dura para sempre é o mesmo de Mateus 25, 41 e de versículos já citados no capítulo 2.4. Se isso parece contraditório, então pense nisto: antes de nos criar deus já conhece toda a nossa vida, porque é onisciênte e onipotente - e, por isso, pode saber o futuro (inclusive, para alguns teólogos, deus nem mesmo está subsumido no tempo: ele está fora dele, num eterno presente). Então suponhamos que deus vá criar um indivíduo que, no futuro, repilirá a crença no cristianismo, ou melhor, a crença em qualquer religião. Como deus - sendo onipotente, justo E BENÍGNO - pode criar este indivíduo se ele sabe que terá de condená-lo à danação eterna no futuro (onde haverá choro e ranger de dentes)? Na verdade, deus está condenando o indivíduo por um ato que ele próprio (deus) fez. Que justiça ou benignidade há nisso? Se ele realmente fosse justo e se ele realmente amasse essa pessoa (e nesse casos a justiça se encontra com a benignidade) o melhor que poderia fazer era simplesmente não criar o indivíduo. Se isso pode se aplicar a uma pessoa em particular, aplica-se - antes - a todo gênero humano, iniciado supostamente com a criação voluntária e consciente de Adão e Eva.

A resposta dessa contradição parece passar pela negação de alguma das características exorbitativas atribuidas ao criador: ou ele não é onipotente (e vive sim na linha temporal), ou ele não é justo nem bom. (1)

Um exemplo de como a lógica é repelida pela fé: quando apresentei este argumento a um conhecido ele me repondeu: "Se você está com algum problema de fé, posso te fazer uma oração". o quê? Nega-se argumentos lógicos com fé? Absurdo! Causuísmo!


_______________________________

(1) Nota para esse blog: Anos depois de escrever isso, pensei na seguinte forma de solucionar essa "contradição": embora a alma provenha de um ato voluntário de deus, que é o legítimo criador (e proprietário) do indivíduo, a criança, na verdade não nasceria sem uma decisão do "livre-arbítrio" dos pais, que supostamente "decidiram" de boa vontade tê-la. Assim sendo, se deus impedisse, por compaixão, o nascimento de alguém ele estaria ferindo o sagrado livre-arbítrio. Mais uma vez o livre-arbítrio é usado para tentar remendar essa concepção de deus tosca e repulsiva. Da minha parte, não deixo de pensar que esse deus, pelo menos, se realmente amasse a cada um de nós, deveria se entristecer pelo mundo que criou, e se arrepender de tê-lo criado (como se arrependeu em Êxodo 32: 14). As pessoas religiosas ignorantes gostam de ficar vendo a mão de deus em tudo, ele está, para elas, sempre interferindo na vida das pessoas (para avisá-las, abençoá-las, castigá-las, etc.). Pergunta: e isso por acaso não interfere no livre-arbítrio? Quando deus arranja um jeito de duas pessoas se encontrarem, ou coisa parecida, ele não teve que manipulá-las para isso? Eles não sabem o que falam...




Atenção: Como eu já disse no § 46, esse texto foi escrito em 2002, quando eu tinha 16 anos. Muito do que está escrito aqui já não representa com exatidão a minha atual forma de pensar. Porém creio que o texto ainda pode ser útil para aqueles que atualmente vivem situações (de apostasia) semelhantes às que eu vivi à época em que escrevi isso.

***

Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

4 comentários:

Silas disse...

Algo interessante que Jung disse e eu concordo é que o Javé do velho testamento é bipolar, tendo o bem e o mal dentro de si, mas no novo testamento ele é dividido (artificialmente) em dois.

O cristianismo difundiu (e muitos ainda falam nisso) a idéia de que o mal não existe, mas que ele não passa da ausência do bem, ou de Deus.
Daí decorre que alguns cristãos usam o argumento de que viver no inferno seria viver sem Deus, o que, na visão deles, seria uma tortura. Isso é absurdamente falho, pois reprime o mal do indivíduo, mas há aqueles que simplesmente não são capazes de lidar com o mal sem perder a consciência.

Há uma imagem arquetípica na mente de todas as pessoas, que é chamada de Self. Esse representa uma forma de Deus interior, que nas tradições mais “primitivas” acaba sendo projetado. Essa projeção acontece sobre imagens, pessoas ou mesmo abstrações totalmente destituídas de sentido ou representação estética (Deus dos protestantes).

No entanto, a bíblia não deve ser vista do ponto de vista racional, e muito menos do ponto de vista da fé. Porque o racional diz que um símbolo não tem qualquer sentido, e o da fé diz que um símbolo é uma entidade objetiva. A questão aí é psicológica (puxando a sardinha pra minha área, é claro).

O cristianismo é uma religião extremamente rica em imagens arquetípicas, que recebeu quando se integrou no império romano e depois mais tarde na filosofia medieval.

Lembro de que, certa vez, você se negou a debater sobre moral comigo, e realmente não conheço o motivo para tal coisa, mas sobre esse assunto de punições, recompensas e o deus cristão eu preciso falar sobre isso (se bem que eu nem precisava falar nada).

Não há como evitar, partindo da minha metafísica, a classificação em escalas dos seres humanos. Porque, para mim e para você, pode ser suficientemente razoável que a compaixão seja o fundamento da moral.

Mas toda a minha argumentação cai por terra diante de uma velhinha analfabeta que veio para o rio do sertão nordestino. Toda a vida dela, se baseia no apego a certos objetos de uso doméstico, que ela acumula desnecessariamente, afirmando que Deus os deu.
Segundo o pensamento dela, se você for uma boa pessoa, Deus o recompensa com essas coisas.

Meus delírios metafísicos sobre como a alma deve se desapegar de tudo para não sofrer são um absurdo para ela, e se ela acreditasse efetivamente que não há Deus, talvez toda a sua moral caísse por terra.

Existem pessoas que vão, naturalmente, para além dessas coisas. Descobrem os prazeres da filosofia, da música, da estética, do conhecimento. Enfim, descobrem um intelecto mais profundo, e sentimentos menos carregados de egoísmo. São os que eu chamo de homens de espírito.

Segundo penso, quando mais primitivo o espírito é, com maior força ele deve ser preso à moral, como um cão preso à coleira para proteger as pessoas. Nem cheguei a te passar meu livro, mas já ficou pronto. Vou colar aqui uma passagem relativa a esse assunto.

“- Mas nós temos animais a bordo, e eles não são presos em jaulas ou chicoteados.
- Então como os controlam?
- Nós damos a eles honras.
- hahahaha! Vocês dão honras aos animais?!
- Sim. Na verdade não é exatamente essa a palavra que corresponde ao que fazemos com os animais, mas foi a que me pareceu adequada à sua linguagem.
- Por quê?— Perguntei eu.
- Porque vocês dão títulos imaginários uns aos outros, e isso se chama honra.
- Defina melhor o que você entende por honra.
- Um homem que tem honra é aquele que possui uma conduta que é aprovada pelos demais. Dessa forma, a honra é o padrão de comportamento aprovado por um grupo, que responde a esse comportamento com recompensas simbólicas, tais como sorrisos, carinho, etc. Isso sem falar de recompensas aos sentidos, como alimentos e boas condições de vida”

Já chega de escrever.

abraços

Duan Conrado Castro disse...

Muito bem.

Duan Conrado Castro disse...

O orkut tem uma comunidade muito interessante sobre Lúcifer e demonologia. Chama-se "Biblioteca de Lúcifer"
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=61189

Duan Conrado Castro disse...

"Se deus pode acabar com o mal mas não quer, é monstruoso; se quer, mas não pode, é incapaz; se não pode nem quer, é impotente e cruel; se pode e quer, por que não o faz?" Epicuro