(Distribuição quantitativa.)
Os ricos acham que são classe média, a classe média acha que é pobre, e os pobres não acham nada, pois se achassem já tinham posto fogo em tudo. (Vinícius Torres Freire)
Vivemos em uma sociedade de castas concêntricas. Concêntricas pois os benefícios econômicos convergem para o centro, vão da periferia para o cerne, vão da base para o topo.
Podemos parodiar Audus Huxley em Admirável Mundo Novo e adotar um expediente classificatório sócio-econômico que divide a sociedade em 15 classes. Há cinco grandes classes (ou castas): alfa, beta, gama, delta e épsilon. Cada grande classe se divide em três subclasses: I, II e III.
(Distribuição qualitativa.)
É claro que esses conceitos não são exatos (e, aliás, existe algum conceito exato?); nem sempre é fácil ter certeza em qual subclasse alguém está, embora a classe salte aos olhos do observador. Cada grande classe é facilmente distinguível das demais por um conjunto de inúmeros critérios, dentre os quais cito a título de exemplo: cor da pele, forma do corpo, propriedades da voz (timbre, articulação, intensidade, harmonia, volume, ritmo), linguagem, roupas, postura, crenças, valores, cesta de consumo, etc.
Obviamente, esses conceitos não são estanques. Eles são flexíveis, mudam no tempo e no espaço. Assim, p.ex., ser beta II no Brasil em 2008 não é a mesma coisa que sê-lo no Inglaterra contemporânea, muito menos na vitoriana. É certo que poderíamos tentar fazer uma classificação universal, que se prestasse a todos os tempos e lugares; mas temo que ela seria muito complexa e de pouca utilidade. Um líder tribal pode ter um padrão de vida materialmente inferior ao de um mendigo em uma metrópole.
O que diferencia a priori cada classe é o padrão material de vida, e os seus principais sinalizadores são: a propriedade (medida-estoque de riqueza) e a renda ( medida-fluxo de riqueza), mas não tomadas em absoluto e sim em nível per capita. Assim, com o mesmo nível de riqueza (propriedade e renda) o padrão material de uma família, e portanto o seu lugar na estratificação social, será inversamente proporcional ao número de filhos (mas não esquecer que existe uma coerção social sobre cada indivíduo no sentido de que ele se reproduza). É possível, p.ex., com um mesmo nível de riqueza uma família ser beta III, gama III ou épsilon II se tiver, respectivamente, zero, um ou seis filhos (considerando-se, é claro, os mesmos lugar e época).
Riqueza e renda per capta são, portanto, os balizadores dessa estratificação sócio-econômica.
Apenas alguns exemplos genéricos da atualidade: um gari típico é um épsilon II (um épsilon III seria um catador de lixo típico); um porteiro típico é um delta II; um trabalhador de nível médio, um beta; um milionário, um alfa II; um bilionário, um alfa I. Todos que estão entre os milionários e os betas I são os alfas III. O verdadeiro “excluído social” não faz, por definição, parte da sociedade, e portanto não se encontra em nenhuma das 15 castas.
Um indivíduo gama II está, qualitativamente, no meio da "cadeia alimentar", embora esteja, quantitativamente, acima da média; isso pois a quantidade de alfas, betas e gamas I é certamente menor que a de gamas III, deltas e épsilons.
Com o progresso econômico e com o retorno, após o desmonte do estado de bem-estar social, da aplicabilidade da Lei Geral da Acumulação Capitalista (O Capital, Livro I, cap. XXIII), os gamas se encontram em extinção, alguns subindo e outros descendo na escala social.
Épsilons e deltas, mais uma parte dos gamas, formam aquilo que se convencionou chamar "povão"; alfas, betas e a outra parte dos gamas formam "as elites". Os gamas são a casta cujo status é mais difuso e elástico, alguns sendo "povão", outros sendo "elite".
Grosso modo, a escolaridade dos deltas para baixo é primária, senão nula; a dos gamas é média; a dos betas para cima é superior. Mas o progresso econômico está puxando os trabalhadores de nível médio para a casta delta e os de nível superior já para a gama.
Eis um exemplo típico de família beta II no Brasil atual: pai e mãe possuem formação superior e trabalham na área em que se formaram (a menos que não o façam em troca de alguma atividade mais rentável); há entre um e dois filhos. Esses filhos são preparados, desde o ventre materno, para serem, no mínimo, betas II. Isso significa que caberá aos pais arcar com todos os custos da dispendiosa formação de um beta (quiçá alfa, sonham os pais), que inclui, gastos significativos em educação, saúde, entretenimento, interação social, etc. Essa mesma família, é provável, pularia automaticamente para a casta beta I caso o casal simplesmente resolvesse não ter filhos (o que, na média, obviamente representaria para o casal uma situação desconfortável devido á coerção social já mencionada aqui).
Embora seja politicamente incorreto (isso se chama “preconceito”), é possível identificar com facilidade, a partir da observação dos estereótipos sociais (cuja rica fauna é decorrente dos diferentes padrões materiais de vida), a que grande casta pertence um indivíduo; a probabilidade de acertar a subclasse é menor, embora não seja estatisticamente desprezível.
Comparar a beleza corporal de uma típica caixa de supermercado com uma típica “patricinha” não revela somente todo o gasto de tempo e dinheiro que a segunda tem com sua aparência; reflete, também, séculos de seleção genética, movida à emulação social.
De um modo geral, a satisfação e a felicidade do indivíduo são diretamente proporcionais a sua capacidade de cumprir as atribuições que cabem a sua casta. Por isso a felicidade individual não faz parte do referencial adotado para efetuar a estratificação das castas. É possível ser feliz ou infeliz em qualquer das castas.
Com relação à mobilidade social: qual é, p.ex., a real liberdade que um delta possui para se tornar um beta? A existência de exceções apenas confirma qual é a regra.
Obs.: Doravante utilizarei essa classificação de castas nos demais textos.
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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.