sábado, 13 de março de 2010

XCVIII - Acerca de um sonho edipiano – flashback # 11 – 31/08/2008.

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§ 98




Como eu disse no capítulo XCV, eu estou “enrolando” nesse blog (por "enrolação" eu quero dizer que esses capítulos de alguma forma fogem do conceito original do blog e que estão aqui para preencher um espaço de continuidade temporal enquanto eu não escrevo material que atenda à "linha editorial" do blog, e enquanto eu não escrevo a minha monografia de graduação, a qual eu estou procrastinando desde 2008 - e talvez esteja procrastinando justamente porque eu não sou mais a mesma pessoa que escreveu o projeto naquele ano). O capítulo ### 31 foi uma prova descarada disso, e novas provas virão. Pois bem, eu abri o arquivo no qual anoto o planejamento desse blog e consta lá que o capítulo 98 se chama “Acerca de um sonho edipiano”. Sim, eu vou aqui relatar um sonho que tive na madrugada de 31/08/2008 (é digno de nota que isso foi dias depois do meu aniversário e exatamente um ano depois de ter saído de uma breve estadia – de dois dias (não fiquei mais pois “sou muito ocupado e não tenho tempo para isso”) – num hospital psiquiátrico). Tive que ir procurar nos meus “diários” para encontrar o relato que transcrevo aqui agora.

Antes do relato, acho curioso que eu tenha tido um sonho edipiano bem na época em que estava sendo psicanalisado. Será que foi influência da psicanálise? Ou será que ela me permitiu lembrar do sonho? Durante anos eu não me lembrei de sonho algum (e isso obviamente tem uma significação psicológica, imagino), e até hoje me lembro de poucos, embora já lembre de alguns.

Conforme consta no meu diário eu tive o sonho no seguinte “contexto: dor de cabeça e desejo de morrer de câncer”. Bem, cabe salientar que eu quase nunca tenho dores de cabeça, tanto que faz anos que não tomo ácido acetilsalisílico. Desejo de morrer eu tenho de forma bem mais “leve” desde o começo de 2009 (aliás, quando eu “me dei alta” no psicanalista). Nessa época desse sonho eu estava bem mais depressivo e trágico do que estou atualmente, prova disso é o capítulo XXXI, no qual eu anotei os meus pensamentos depressivos na forma de versos (esse capítulo foi escrito ao longo de meses, antes e depois de ser postado; a postagem inicial tinha cerca de 100 versos, agora ele está com cerca de 300; faz muito tempo - uns 8 meses - que eu não penso em nada novo para colocar nele).

Segue a descrição do sonho.

“Está de dia. Na esquina oposta da quadra onde eu moro havia uma cela de cadeia no formato de ‘banheiro químico’ [como aquelas celas que aparecem em desenhos animados]. Embora ninguém tenha me dito, eu sabia que preso nela estava o meu “pai verdadeiro” [o meu pai e minha mãe no mundo real aparecem como figurantes no sonho, assim como o meu irmão], o qual não aparece no sonho noutra imagem que não nessa. Ele não aparece personificado, mas sim como uma escuridão dentro da cela, a sua presença é sentida como uma força obscura, como um “poder insidioso”. Sem que ninguém me informe, eu sei que o meu “pai verdadeiro” está preso ali por pedofilia; sei também que a menina com quem ele “pedofilou” engravidou e que eu fui o resultado dessa transa; por fim, eu também sei que eu fui o responsável pela prisão dele ali. Diante da cela eu vejo a minha “mãe verdadeira”; ela ainda se apresenta como uma criança, talvez tenha uns 13 anos (enquanto eu me apresento com os meus 22), ela está usando um vestido de verão florido e esvoaçante. Vejo a minha “mãe verdadeira” conversar com o meu “pai verdadeiro” e então se virar em direção à minha casa (que por sua vez é realmente a casa onde eu moro atualmente – digo isso porque quase todos os poucos sonhos que tenho se passam na casa onde eu vivi até os 11 anos, mesmo que nele apareçam pessoas que conheci recentemente). Ela não me viu vendo essa cena. Eu pressinto que ela quer se vingar por eu ter “feito justiça” e ter colocado o meu “pai verdadeiro” na cadeia; eu pressinto que ela ainda o ama e quer se vingar de mim. Por isso eu corro para me esconder, e, novamente, sei que ela não me vê fazendo isso, assim como não me vira vendo a conversa de ambos. A cena é cortada e eu estou trancado no meu quarto escuro. Aliás, desmentido o que eu disse há pouco, esse quarto é – tanto por dentro como por fora – uma mistura bizarra do meu quarto antigo e do meu quarto atual. De dentro do meu quarto eu escuto ela dialogar com o meu irmão, o meu pai e minha mãe. Ela está a minha procura, e eles inocentemente deixaram ela entrar portão adentro e, agora, o meu irmão diz para ela algo mais ou menos assim: “continue procurando”. Eles acreditam inocentemente que ela quer se desculpar comigo (pelo que eu não sei). Eu fico na dúvida, e meu medo diminui. Eu saio do esconderijo e me mostro para eles na janela do meu “quarto híbrido”. Eu digo para a garota que não quero que ela me beije (como ato de perdão? ou de amor/eros?), não quero que ela me toque (ou seja, não quero perdoá-la). Ela então se vira como se fosse ir embora, mas então eu mudo de idéia e digo para ela esperar. Eu pego na mão dela e digo que a perdôo [eu perdoar alguém, essa talvez seja a parte mais inesperada do sonho...]. Ela sorri e (na presença das três testemunhas) tira não sei de onde uma faca e me mata ali na janela. Antes de eu morrer eu digo “obrigado” e percebo que o sorriso que ela mantinha ao me matar desaparece quando ela entende que eu queria morrer, e que, portanto, esse não seria um “castigo adequado”. Talvez o castigo adequado seja mesmo me manter vivo. Acordo como num pesadelo (o que, aliás, é até divertido).”

Segundo consta na página seguinte do “diário” eu relatei o sonho para o meu psicanalista e “para ele, diferentemente do que para mim, o meu assassinato não teria ocorrido porque eu deseje morrer, mas sim porque eu quero ser castigado por ter desejado a minha mãe apenas para mim; a morte é preferível ao toque materno.”






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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

7 comentários:

Silas disse...

O reducionismo dos freudianos me irrita. Vou reler esse sonho com cuidado e ver o que minha intuição me diz...

Silas disse...

Cara. Lembrei dos Deathstars, numa das músicas mais sombrias que já ouvi na minha vida. Falando de suicídio, onde a lâmina cortando o pulso é descrita como uma mulher dando um beijo!

“The razor smiled
At the pale wrists
The wrists said
‘Let me smile for you’
The razor kissed
To open the skin
And then said
‘Now you're smiling too’”

Seu pai verdadeiro é puramente psíquico: já que não se refere a qualquer pessoa de fora, então só pode significar que ele é uma parte do seu próprio psiquismo. Segundo Jung, para jogar com conceitos, ele representa a sua Sombra. Fica bem claro pela forma dele (Jung não escolheu o nome sobra por acaso).

O crime dele foi estuprar sua mãe verdadeira, que representa o seu lado feminino. Sei que você não tem uma boa relação com seu lado feminino por causa daquela carta que você escreveu e postou nesse blog mesmo (Isso se refere ao passado. Hoje isso pode não se aplicar).

Por você negligenciar o lado feminino, sentimental, ele se manifesta de maneira negativa.

A sombra é como o conceito de inconsciente de Freud. Ali ficam os conteúdos que são nossos, mas que nos recusamos a aceitar.
E sua mãe verdadeira, seu lado feminino, estava com a sombra, raivosa pela injustiça, querendo vingança. Como seu pai não teve mais participação, venho a presumir que ele só apareceu ali pra ser o motivo de vingança da sua mãe. Pra dar sentido à minha interpretação, disso que, já que sua mãe ainda o amava, o coração dela estava nele: ele, na verdade, é onde sua mão verdadeira está: na sombra.

Então você se tranca no seu quarto escuro. Seu próprio mundo interior, no qual ninguém pode te encontrar ao menos que você permita. Lá, sua mãe verdadeira não pode se encontrar. Tente lembrar-se desse quarto, porque ele representa o seu mundo interior.

No fundo você acreditou que ela viria se desculpar, e que o pedido de desculpa seria selado com um beijo. Primeiro disse que recusa o pedido de desculpa, ao que ela foi embora, mas então aceitou.

Então você decide receber o beijo dela. Decide receber o que ela tem pra te dar. Ela te mata com uma faca, não com uma arma. A faca é uma arma de paixão: você tem um contato mais direto com quem está matando. É um contato físico quase igual ao bater, embora mais mortal.
Já ouviu falar que meninas batem em meninos para ter contato físico com eles?

Pois é: porque você a deixou na sombra, esquecida e sem a possibilidade de crescer (o lado feminino esquecido e atrofiado não pode aparecer como uma mulher madura) ela veio se vingar, e você teve um contato com o lado mais negro do sua Anima: ela te matou.

Mas não foi a morte que você queria a morte que ela quis dar. Porque quando uma mãe castiga o filho, ela o faz esperando que ele mude algo. Dificilmente uma mãe castiga o filho a troco de nada. Só que você não viu o castigo, a exigência de mudança como conseqüência dos seus atos, como ela queria.

Ela te deprimia, te matava por dentro, e você aceitava. Lógico que ela tinha que ficar decepcionada: não era pra você desistir da vida, se deprimir e supor que isso é a vida. A morte é simbólica pra ela, mas você leva ao pé da letra e tenta abraçá-la com seu masoquismo. Você não estava disposto á mudança, e por isso frustrou sua mãe verdadeira: seu lado feminino que vive escondido e preso, buscando sair a qualquer custo e te “castigando” por mantê-lo preso de diversas maneiras.

Sobre nunca ter sonhos, é comum em depressivos, mas os sonhos, quando vê, são muito intensos e possuem justamente a mensagem que a pessoa precisa. Esse sonho me impressionou profundamente...

O que você acha disso? Há algum detalhe que interpretei mal por não ter visto a imagem do sonho como você ou por não ter lido direito? O que você sente sobre essa interpretação?

Duan Conrado Castro disse...

Essa interpretação é boa sim, e acho que você articulou todos os elementos fornecidos na minha descrição na forma de uma interpretação coerente. Mas eu não tenho nenhum critério para poder dizer qual está “certa”: a da linha junguiana ou a da linha psicalítica. Eu não tive nenhuma epifania lendo essa sua interpretação, como já tive outras vezes em nossas conversas. E o que você acha do fato de que os meus sonhos geralmente se passam na casa na qual morei até os 13 anos? E de que, nesse caso, o quarto do sonho era uma mistura dos dois quartos que tive (o antigo e o atual)? O que me faz pensar que era uma mistura dos dois era principalmente a janela: era a janela do quarto antigo, mas estava na altura do quarto atual (a janela do quarto antigo era alta demais para eu poder ser apunhalado por ela).

Nunca ouvi falar em meninas batem em meninos para ter contato físico com eles.

Silas disse...

Mesmo que fosse uma interpretação correta, ja faz tempo. o sonho foi uma mensagem pra você naquela época: só que a pessoa que teve esse sonho não existe mais. Não tem como você ter epifania se a mensagem não está num formato que o duan de agora poderia integrar á consciência.

De qualquer maneira, eu fico endeusando a intuição, mas nem sempre está certa.

É comum. Eu também sonhava com a casa em que morei até os 10. É porque eu gostava daquele lugar e nunca quis me mudar de lá. Talvez seja o mesmo com você.

g. disse...

Também achei interessante a interpretação do Silas. Mas não sei, sou um tanto pessimista sobre estas interpretações de sonhos, mesmo as psicanalíticas, há múltiplas formas de interpretar isso, e bem no fim só você mesmo pode achar a melhor interpretação, mas assim mesmo, apenas "achar". Sobre a possibilidade de ter tido um sonho edipiano justamente porque fazia terapia com psicanálise pode ser sim uma explicação coerente. Eu, por exemplo, sonhei um dia destes que a reitoria havia sido "dominada" por todo tipo de outdoors e placas anunciando coisas, até Mc Donald's haviam colocado lá dentro. O que eu fazia antes de dormir e ter esse sonho? Eu lia sobre o Adorno (mas muito curioso é que eu não lia sobre indústria cultural, e sim sobre ética). Inclusive vou postar esse sonho "em breve" no meu blog...

g. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
g. disse...

Ah, mas claro que a interpretação de {que tudo isso realmente acontecia no seu inconsciente e a psicanálise apenas ajudou a trazer à tona} é bem mais interessante.