.
.
.
§1984
Esse é, para mim, o melhor texto já postado nesse blog; pelo menos é o que deu mais trabalho (mental e físico) para ficar pronto. Por isso peço a você, leitor que até aqui me acompanhou, que o leia com uma atenção maior que aquela corriqueiramente concedida a esse blog. É improvável que eu poste aqui, no futuro, algo melhor do que isso.
***
Pelos teus círculos
vagamos sem rumo
nós almas penadas
do mundo do consumo
De elevador ao céu
pela escada ao inferno:
os extremos se tocam
no castigo eterno.
Cada loja é um novo
prego em nossa cruz.
Por mais que compremos
estamos sempre nus
nós que por teus círculos
vagamos sem perdão
à espera (até quando?)
da Grande Liquidação.
(José Paulo Paes - Ao Shopping Center)
Vender uma pérola que você tem a alguém que a deseja não é fazer negócio, mas vender uma pérola que você não tem a alguém que não a quer, isto, sim é o que eu chamo de fazer negócio. (Divisa dos irmãos Abrahan e Simon Oppenheim, banqueiros europeus, citados por ABREU, 2005, p. 235)
O hiper-real simulado nos fascina porque é o real intensificado na cor, na forma, no tamanho, nas suas qualidades. É um quase sonho. Veja um close do iogurte Danone em revistas ou na TV. Sua superfície é enorme, lustrosa, sedutora, tátil – dá água na boca. O Danone verdadeiro é um alimento mixuruca, mas seu simulacro hiper-realizado amplifica, satura sua realidade. Com isso, somos levados a exagerar nossas expectativas e modelamos nossa sensibilidade por imagens sedutoras. (SANTOS, 2006, p.13)
Já falei alguma coisa sobre a publicidade nesse blog, mas tenho (muito) mais a dizer.
Conforme Manuel Navarro (in NETTO et al, 1986, p. 1142) “o conceito de soberania do consumidor constitui um elemento básico em torno do qual se polarizam as posições sobre a sociedade de consumo.” Os críticos dessa sociedade buscam evidenciar que o indivíduo é manipulado pelos mecanismos ideológicos da sociedade (protagonizados pelo Estado, pela família, pela escola e pela mídia) a fim de torná-lo um eleitor crédulo e esperançoso, um consumidor compulsivo, um trabalhador produtivo e covarde, um receptor passivo, e um pai repressivo e educador para a reprodução do sistema vigente de dominação. Os defensores do establishment enunciam a independência e a racionalidade do indivíduo ante seus semelhantes e ante as instituições sociais. Você não ficará surpreso se eu lhe disser que concordo com os críticos...Afinal, se eu não tivesse nada de ruim para falar sobre a publicidade eu não estaria escrevendo sobre isso nesse blog, não é mesmo? (Nada nesse blog é citado para ser elogiado: ou é para ser criticado ou constitui uma crítica de algo.)
Vamos começar pelo conceito de publicidade e de propaganda. A idéia que essas duas palavras dão é que a função dessa atividade é meramente informativa: tornar pública e propagar uma determinada informação. Mas a coisa não funciona bem assim...Imagine uma peça publicitária em um mundo em que tudo funcionasse como o descrito pelos postulados axiomáticos e reificados do pensamento do mainstream. Nesse mundo a peça publicitária apenas iria fazer considerações puramente racionais sobre as propriedades utilitárias da mercadoria. No mundo real, porém a coisa é bem diferente: há um abuso daquilo que a “ciência” do marketing chama ingenuamente de “sugestões periféricas” (ENGEL, J.F et al, 2000, p. 362): informações estéticas e apelos emocionais. Na mesma página, os autores do livro Comportamento do consumidor (destinado aos profissionais do marketing) admitem implicitamente que quanto mais ingênuo e não-crítico for o consumidor mais facilmente ele será influenciado pelas informações “periféricas” e não pelos argumentos racionais sobre a utilidade da mercadoria vendida:
De acordo com o modelo de probabilidade de elaboração (MPE) desenvolvido por Petty e Cacioppo, a influência exercida por vários elementos da comunicação depende da quantidade de reflexão relevante à questão (esta reflexão é chamada elaboração) que ocorre durante o processamento.
Quando a elaboração é elevada, é seguida a rota central para a persuasão na qual apenas os elementos da mensagem (chamados argumentos) relevantes para formar uma opinião “fundamentada” [isto é: uma opinião racional que confronta uma necessidade existente ex ante com as informações utilitárias obtidas da peça publicitária] são influenciadores. Ao contrário, a rota periférica para a persuasão ocorre sob baixos níveis de elaboração [respostas instintivas e automatizadas, irracionais] à medida que os elementos (chamados [ingenuamente de] sugestões periféricas) que são irrelevantes para desenvolver uma opinião fundamentada tornam-se influenciadores [para a “surpresa” do teórico da ortodoxia]. Tanto os argumentos quanto as sugestões periféricas podem ter efeito sob níveis moderados de elaboração [ou seja: sob o consumidor médio].
A elaboração, por sua vez, depende da motivação e da capacidade da pessoa durante o processamento da mensagem [ou seja: é inversamente proporcional à inteligência e ao espírito crítico do indivíduo]. Uma pessoa motivada e capaz de elaboração segue a rota central. A rota periférica é percorrida quando a motivação ou capacidade está faltando. [que surpresa, não?]
Os mesmo autores desse livro do establishment se dão ao trabalho de teorizar, superficialmente é claro, sobre a seguinte questão: a publicidade cria novas necessidades? Perceba que nós voltamos à questão da autonomia do consumidor: se a publicidade cria necessidades que não existiam, então ela está manipulando o indivíduo com o único fim de lucrar: o indivíduo é enganado por uma relação assimétrica de poder, é convencido a gastar seu suado dinheiro com algo que ele não precisa(va). Em outras palavras, o indivíduo é vítima de estelionato, crime assim definido pelo artigo 171 do Código Penal Brasileiro:
Artigo 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
E que os autores de Comportamento do consumidor têm a dizer sobre a criação de necessidades? Eles obviamente a negam:
A soberania do consumidor apresenta um desafio formidável [perceba que confissão mais explícita!], mas o marketing pode afetar tanto a motivação quanto o comportamento se o produto ou serviço oferecido for projetado para atender às necessidades e expectativas do consumidor [que são aqui consideradas como uma variável exógena]. Um sucesso de vendas ocorre porque a demanda já existe ou está latente e esperando ativação pela oferta de marketing adequado. [e bota reificação e lógica de abracadabra nisso....]
Na página 270 do mesmo livro os autores retomam rapidamente esse assunto. Dessa fez eles citam um exemplo de um crítico da publicidade, com o fim de depois desmenti-lo. Eles citam um caso em que um autor ilustra a criação de necessidades com um exemplo de uma propaganda que chama a atenção para a halitose matinal e então fornece um produto específico para esse problema. Eis a resposta dos marketeiros:
Afirmamos, em réplica, que uma necessidade desses produtos já existe, muito embora pudesse estar adormecida e em grande parte não-reconhecida; não foi criada pelo profissional de marketing.
A pergunta que eu faria, em tréplica, nesse caso é a seguinte: como era a peça publicitária? Se as coisas fossem tão ingênuas como querem os pensadores do establishment a propaganda seria assim: uma pessoa falando (ou um texto escrito) sem nenhuma conotação emocional ou apelativa apresentaria as propriedades utilitárias do produto, dirigindo-se para aquelas pessoas que sabem, ou desconfiam, que têm esse problema tão desagradável. Mas como funciona a propaganda no mundo real? Assim: contrata-se um casal de modelos que, maquiados, fotoshopados (1) e deitados seminus numa cama dentro de um belo e luxuoso quarto de casal cenográfico, dialogam frases de efeito planejadas friamente por publicitários (auxiliados por psicólogos); no fim do comercial, a moça abandona para sempre seu namorado por que descobre que ele está, nessa manhã específica, com halitose matinal.
Perceba que praticamente todo o efeito persuasivo da peça publicitária está nos chamados elementos periféricos. Perceba que é preciso caricaturizar moralmente a realidade (que também é idealizada esteticamente) para tornar factível essa “necessidade”: quando que, no mundo real, uma mulher vai deixar seu parceiro apenas porque ele apresentou pontualmente halitose matinal? E mesmo que seja todo dia, se for apenas matinal? E mesmo que exista uma mulher assim, que homem vai querer se relacionar com uma pessoa tão fútil? E mesmo que isso aconteça, isso não seria um caso muito particular e restrito para ser veiculado em rede nacional (ou mesmo mundial) como se fosse representativo de uma realidade geral? Perceba que nada disso seria necessário se a propaganda estivesse destinada às pessoas que já sabem que têm halitose matinal e que já passaram por essa situação desagradável: elas, se se sentem mal com esse problema, certamente iriam comprar o produto se apenas fossem informadas fria e racionalmente acerca das propriedades estritamente utilitárias dele, sem qualquer erotização, estetização ou exagero.
A peça publicitária cria uma hiper-realidade - um simulacro - que espetaculariza e glamuriza a vida, criando um ambiente propício à sedução do consumidor pela mercadoria que se quer empurrar para ele. A inversão da prioridade do conteúdo pela forma é A REGRA no marketing e na propaganda, e não a exceção. A palavra "sedução" não é nem um pouco gratuita aqui. O ambiente publicitário está afundado em sexo, porque sexo vende!
Antes de continuar, você pode estar achando que eu estou exagerando com tudo isso. Por isso eu vou lhe mostrar um exemplo concreto: uma propaganda qualquer de desodorante antitranspirante:
Perceba que o processo é basicamente o mesmo descrito por mim anteriormente (há detalhes adicionais que você mesmo pode descobrir): casal de modelos bonitos na praia, a moça deixa o cara apenas e tão somente por causa do excesso de transpiração: existe uma idealização estética e simultaneamente uma caricaturização moral do mundo real, a fim de viabilizar um discurso, essencialmente emocional, que justifique a “necessidade” de se usar a mercadoria.
E como, afinal, a peça publicitária consegue sair de um caso particular e improvável para um caso geral? Como ela convence muita gente a comprar o produto (e não apenas o cara que realmente tem um problema sério de sudorese)? Simples: ela associa a necessidade do produto a uma necessidade já existente anteriormente (nesse caso a necessidade amorosa e de ser aceito socialmente) - e isso é chamado pelos publicitários de técnica associativa (não confundir com mensagem subliminar - esse assunto eu nem estou discutindo aqui). Perceba que a propaganda trabalha para aumentar o medo e a insegurança do indivíduo em si mesmo. E ela apenas consegue invadir a casa do indivíduo e ameaçá-lo, coagi-lo, e intimida-lo porque ela abusa da sua credulidade e da confiança que o indivíduo tem na mídia - que é uma espécie de Ministério da Verdade orwelliano - , na marca e, em alguns casos, também na “personalidade” (pessoa famosa) que garante a legitimidade não só da funcionalidade do produto, mas – e antes – da própria necessidade que o produto visa supostamente a atender. A publicidade não abusa apenas dos vícios do indivíduo (vaidade e desperdício conspícuo, etc.), mas também das suas virtudes (credulidade, confiança, respeito pelo próximo, etc.).
Eis um exemplo qualquer (pois se trata de prática tão comum no mundo da publicidade) de discurso autoritário incitando ao consumo conspícuo:
Vamos fazer uma breve análise desse comercial verdadeiramente genial (pois esconde tanto conteúdo em apenas 27 segundos). Primeiramente, vemos que por "mera causalidade" a frase que o vocalista está cantando é "...jeito que ela não vai esquecer". Esse frase é da música Papo reto (prezer é sexo, o resto é negócio), o verso completo diz Eu vou fazer de um jeito que ela não vai esquecer. Mas, no contexto do vídeo, o que essa frase significa é mais ou menos isso: VOCÊ (o consumidor-alvo) NÃO VAI ESQUECER DESSA MERCADORIA. Depois, o vocalista (que é idolatrado e, portanto, é a autoridade no recinto) interrompe a apresentação (ou seja, interrompe o prazer coletivo, o motivo pelo qual todos estão ali) para repreender verbalmente um indivíduo (que vem a ser o alter-ego do consumidor-alvo do vídeo, e que, por isso mesmo, é personificado por um belo modelo fotográfico masculino, ou seja uma idealização estética do consumidor-alvo) pelo fato de ele não estar consumindo a mercadoria anunciada e consumida ali pelo coletivo. Evidentemente, no muno real, essa reeprensão verbal e pública gera angústia, humilhação e sentimento de culpa no indivíduo (mas, no mundo alternativo vídeo, o rapaz parece pouco desconfortável e contrafeito). O vocalista da banda (a autoridade repressora) aparece então no meio da coletividade junto ao rapaz (alter-ego do consumidor-alvo), oferecendo-lhe e compartilhando gratuitamente com ele da mercadoria que, no mundo real, deve ser adquirida mediante compra pelo consumidor-alvo. Genial. Quase todo conteúdo persuasivo, sedutor, do vídeo sequer é verbalizado. Porém, a fim de reforçar a mensagem o vocalista "pergunta": VOCÊ NÃO VAI FICAR FORA DESSA, VAI? O conteúdo sedutor (elementos periféricos) é apresentado imiscuído às descrições verbais da mercadoria (o que é a promoção, como adquiri-la, etc.). A eficiência dessa peça publicitária é resultado de décadas de progresso das técnicas de construção do discurso publicitário.
Vejamos ainda outro vídeo publicitário de uma outra mercadoria da mesma empresa anunciante do vídeo anterior.
Vejamos ainda outro vídeo publicitário de uma outra mercadoria da mesma empresa anunciante do vídeo anterior.
É um belo vídeo. Nele o autoritarismo desapareceu e foi substituído por um mundo alternativo sem problemas (idealizado moral e esteticamente) que é criado pelo poder transformador mágico da mercadoria anunciada. É desnecessário dizer que o líquido no qual os jovens nadam é a própria mercadoria. É digno de nota a predominância da figura masculina nesse vídeo (e, como já seria de se esperar, todos os personagens são esguios e, presumivelmente, saldáveis). Embora haja personagens multiétinicos, não surpreende que o primeiro rapaz a nadar - o líder, o criativo, o desbravador - seja branco, e não negro, japonês ou latino. Aparecem apenas duas moças (uma nos segundos 9, 15, 22 e uma segunda junto à primeira nos segundos 31-32), mas elas não participam do mergulhos. Ou seja, esse mundo idealizado é um mundo que reproduz a segregação da mulher existente no triste mundo real. Talvez a figura feminina não tenha sido usada porque a peça publicitária não apela, como tantas outras, ao corpo como objeto sexual: ora, é justamente esse o papel normalmente reservado à mulher na publicidade. Talvez possamos especular sobre a presença de um homoerotismo no vídeo; todavia, para mim a mensagem inscritas nos corpos masculinos ali exibidos não é uma mensagem homoerótica, mas sim de liberdade (o desnudar-se representa uma liberação das amarras existenciais, prenunciando a reconciliação da humanidade com a natureza) e de jouissance (bem-aventurança física e mental sublime). A predominância masculina é usada para retratar um ambiente de amizade, de fraternidade e liberdade (como anunciado pelo slogan e pela trilha sonora) protagonizado pelo homem e do qual a mulher, reduzida a objeto sexual, não participa. O projeto emancipatório sugerido pelo vídeo é, evidentemente, ilusório. Diante da realidade do despotismo pantagruélico do capital, da exploração de classe, e da reificação da vida humana no capitalismo, o consumidor que busca sua emancipação simbólica mediante a aquisição de uma mercadoria apenas faz aprofundar a sua escravidão ao sistema do qual ele não consegue evadir-se.
Apresento mais dois exemplos de propagandas de desodorantes que reúnem idealização estética (a qual serve de base ao erotismo, o qual por fim degenera em corpolatria) com caricaturização (moral na primeira e fisiológica na segunda) e com associação da necessidade pela mercadoria com as necessidades amorosa, sexual e de aceitação social. Saliento, ainda, que essa duas peças publicitárias foram exibidas no mundo inteiro.
Na página 276 do livro Comportamento do consumidor os autores falam sobre a famosa hierarquia de necessidades de Maslow. Eu não penso que essa hierarquia seja essencialmente falsa (embora me divirta imaginando como psicanalistas e veblenianos, entre outros, nomeariam as mesmas cinco necessidades). Falsa, porém, é a tentativa do mainstream de esgotar a discussão do tema das necessidades humanas com o pensamento insuficiente e mesmo ingênuo de Maslow. O pensamento de Maslow é incompleto justamente na medida em que se ajusta ao mainstream: ao se eximir de endogeneizar as necessidades humanas ao sistema econômico ele confirma o pensamento reificado e axiomático da ortodoxia, que concebe um indivíduo atomizado, apriorístico, racional, maximizador e totalmente independente dos demais indivíduos e das condições sociais, históricas e institucionais nas quais está inserido.
E qual é a hierarquia das necessidades de Maslow? É a seguinte:
1 Fisiológico (fundamentos da sobrevivência).
2 Segurança (preocupação quanto à sobrevivência física, incluindo segurança, abrigo e proteção).
3 Sentido de pertencer (lutar para ser aceito por membros íntimos da família e associados próximos).
4 Estima (lutar para atingir uma posição elevada em relação aos outros, incluindo maestria e reputação).
5 Auto-realização (desejo de saber, entender, sistematizar, organizar e construir um sistema de valores).
Perceba que as peças publicitárias discutidas nessa postagem buscam aproximar suas mercadorias-objeto da terceira necessidade de Maslow: “sentido de pertencer”. Também é interessante salientar que toda a lógica sinistra do “desperdício conspícuo” exposta por Veben em Teoria da classe ociosa pode ser tirada como conseqüência da ingênua necessidade de “estima”, a quarta necessidade de Maslow.
Eliana Tranchesi, a dona da loja Daslu, porém, por não ser acadêmica do mainstream, é muito mais sincera sobre a criação de necessidades (em reveladora entrevista à revista Carta Capital, 2005, p. 34):
O apelo ao consumo é muito grande hoje. Você abre a revista, tem Prada, Gucci, Dolce & Gabbana, todo mundo mostrando uma coisa diferente para você. Essas marcas têm muita força. Fazem exposições, desfiles. Não são marcas quietinhas, como antigamente, que não faziam marketing nenhum, não criavam a necessidade nas pessoas de trocar. Eu me lembro da geladeira na casa do papai... A mesma geladeira a vida inteira. Hoje tem essa cultura de mudança [sem falar na obsolescência programada]. O consumo fica quase obrigatório.
Quanto ao mainstream econômico, ele não têm muita preocupação em "explicar" (justificar) o fenômeno da publicidade e da propaganda: a sua preocupação é quanto à administração eficiente (lucrativa) dessa "ferramenta". Porém, quando ele se põe a titubear sobre o tema, não causa surpresa que tente reduzir a publicidade a um mero distribuidor informacional, concepção congruente ao suposto racionalismo atribuído ao homo oeconomicus. Qualquer aspecto irracional e fetichista aparece, quando muito, de forma vaga e implícita - mas não mais do que isso (PINDYCK; RUBINFELD; 2002, p. 404-405, ênfases adicionadas):
"A propaganda é importante para que os consumidores tomem conhecimento de uma marca e dá a ela uma certa aura e imagem. (...) A demanda de qualquer marca [de sabão para roupa] depende crucialmente da propaganda; sem ela os consumidores disporiam de pouca base para poder escolher entre os fabricantes disponíveis. (...) As vendas [de medicamentos que dispensam receita médica] dependem da identificação do consumidor com determinada marca, o que requer propaganda."
O papel decisivo do desperdício conspícuo e da reificação para o establisment é também salientado pelo vídeo “A história das coisas”, o qual eu recomendo enfaticamente que você assista, se ainda não o fez (aliás, a reificação já está incrivelmente confessada no título do vídeo!). Lá pelos 15 minutos do vídeo somos questionados: qual é o objetivo do anúncio (da peça publicitária) senão nos fazer infelizes com o que temos e nos dizer que podemos ser felizes se formos às compras? Pois é...
Como Annie Leonard salienta acertadamente nesse vídeo, o desperdício conspícuo não desperdiça apenas recursos materiais: desperdiça também a própria vida humana que supostamente dele se beneficia. Como salienta MARCUSE (1967, p. 14) nossa sociedade “é irracional como um todo. Sua produtividade é destruidora do livre desenvolvimento das necessidades e faculdades humanas; sua paz, mantida pela constante ameaça de guerra; seu crescimento, dependente da repressão das possibilidades reais de amenizar a luta pela existência – individual, nacional e internacional.” (2)
Todavia, Annie Leonard se equivoca ao afirmar que a lógica do desperdício conspícuo foi criada e planejada após a Segunda Guerra Mundial: se isso fosse verdade, Veblen não teria sido capaz de teorizar sobre o desperdício conspícuo já na década final do século XIX. O que ocorreu na segunda metade do século XX não foi a criação planejada do desperdício conspícuo, mas sim a sua administração científica. As massa não teriam sido tão facilmente seduzidas pelo consumismo se a lógica do desperdício conspícuo já não acompanhasse a humanidade desde tempos imemoriais (segundo Veblen, desde a época da barbárie) e se ela não estivesse, de alguma forma, ligada à dimensão hedonista da natureza humana (e não pense que eu sei o que é natureza humana; esse é, para mim, um conceito extremamente controverso e obscuro).
É claro que os ativistas sociais, e Annie Leonard parece ser uma, preferem fechar os olhos para o fato de que, ontologicamente, as raízes do mal podem ser mais profundas: para eles é mais conveniente simplesmente culpar uma “elite malvada” (e sedenta por lucro) pelos problemas da sociedade, por que assim é mais fácil de se vislumbrar teoricamente a superação do mal combatido por esses ativistas, bem como, em última instância, antever a emancipação humana.
Segundo VEBLEN (1985), com o fim da barbárie e com o desenvolvimento da civilização, a força bruta, como instrumento de dominação, vem progressivamente sendo substituída pela fraude. Para esse pensador, o advogado é o profissional encarregado "exclusivamente dos detalhes da fraude predatória" (p. 130), e eu não tenho dúvidas que Veblen, se tivesse vivido o bastante para testemunhar as práticas estelionatárias da publicidade e do marketing, certamente não teria palavras mais sutis do que essas para se dirigir aos publicitários e aos marketeiros.
Um outro exemplo típico de estelionato na publicidade são aquelas frases que não são propriamente mentiras, mas que induzem ao erro. Por exemplo, "Compre o celular X e ganhe milhões de músicas para baixar grátis". Essa afirmação dá a entender que eu poderia comprar um celular (às vezes anunciado descaradamente como custando apenas R$ 1,00) e então poderia baixar literalmente milhões de músicas grátis. Mas a história real é bem diferente: na verdade, há um banco de dados com milhões de músicas; dessas, o cliente pode baixar apenas, digamos, duas por mês, nos próximos 3 meses (ou seja, no máximo 6), sem cumulatividade; o custo das "músicas grátis" (e do "celular de um real") obviamente já está incluído - decida o cliente baixá-las ou não - no "plano" ao qual o cliente aderiu - plano que também inclui a exigência de que o cliente permaneça preso à empresa por um certo período de tempo (digamos, dois anos); se o cliente romper o contrato, terá que pagar uma multa no valor de x mensalidades, blá, blá, blá, etc. Eu costumo comparar essa promoções sem fim criadas pelas empresas de telefonia a um cassino: as empresas, tal qual um cassino, precisam administrar uma série de jogos, cada um com suas regras, de tal forma que, na média, a empresa sempre saia ganhando (lucrando); por mais atrativo que o jogo pareça para os clientes eles, na média, saem - obviamente - perdendo. A função dessas promoções, com seus asteriscos e "regulamentos no site" é meramente enganar, prometer e não cumprir.
Com relação à política, ela está cada vez mais submetida às estratégias do marketing político, que se baseiam em dois grandes suportes: a televisão e as pesquisas de opinião. O uso instrumental eficiente desses dois suportes é capaz de manipular, (des)orientar e (des)informar o eleitorado. O marketing em geral, e o marketing político em particular, é a desinformação organizada na forma de uma hiper-realidade sedutora. Eu não me esqueço do vídeo (que eu não localizei no YouTube) promocional da "candidata a candidata" a presidência da república Roseana Sarney, veiculado em 2002: quando terminei de assisti-lo, tive vontade de, literalmente, sair correndo e ir votar nela (as eleições, porém, seriam apenas no ano que vem). Isso é ainda mais surpreendente quando se nota que todo o "discurso" do vídeo gira em torno de um único argumento: Roseana Sarney é mulher.
Eu tenho mais um exemplo de propaganda mistificante para citar (e tenho certeza que você não vai se arrepender de conhecê-lo). Lembro de uma bela e idílica peça publicitária da rede de mercados Mercadorama. A peça publicitária (que eu não achei no YouTube) nos mostra funcionários belos, felizes e bem dispostos, prontos para bem atender aos queridos clientes, tudo isso ao som de uma música que cantava, entre outras amenidades, que "todo dia é dia de um mundo mais bonito" e que pedia (ou mandava?) ao cliente: "faça a vida mais gostosa todo dia aqui com a gente". Muito bem! A realidade, porém, é cruelmente outra: a Central Unitária de Trabalhadores do Chile denunciou, em maio de 2007, que operadoras de caixa de uma rede de supermercados do país foram obrigadas a usar fraldas para poderem se abster de ir ao banheiro... (3) Além de ferir a dignidade humana de forma grotesca e inacreditável, essa prática fere também a saúde do trabalhador (que, no mínimo, deve desenvolver assaduras, para as quais, presumi-se, a empresa também se abstem de comprar a Hipoglós, ou alguma marca mais barata), além do meio ambiente, pois lança nele mais fraldas descartáveis totalmente desnecessárias. Todos esses custos são "externalizados", na medida que não são reduzidos a dinheiro e, por isso mesmo, são ignorados pelo onisciente mecanismo de mercado. Obviamente que nada disso ocorreria se o mundo real fosse parecido com o mundo cor-de-rosa retratado pelas peças publicitária veiculadas pelos mercados.
Theodor Adorno, ao discorrer sobre "O fetichismo na música e a regressão [infantilização (4)] da audição" faz algumas considerações sobre a publicidade que eu não poderia deixar de citar aqui (p.91):
A audição regressiva relaciona-se manifestamente com a produção, através do mecanismo de difusão, o que acontece precisamente mediante a propaganda. A audição regressiva ocorre tão logo a propaganda faça ouvir a sua voz de terror, ou seja: no próprio momento em que, ante o poderio da mercadoria anunciada, já não resta à consciência do comprador e do ouvinte outra alternativa senão capitular e comprar a sua paz de espírito (5), fazendo com que a mercadoria ofecerida se torne literalmente sua propriedade. Na audição regressiva o anúncio publicitário assume caráter de coação. Uma fábrica de cerveja inglesa utilizou durante algum tempo, para fins de propaganda, um cartaz que representava uma dessas paredes de tijolos brancos que se encontram com tanta freqüência nos bairros pobres de Londres e nas cidades industriais do norte do país. Colocado com habilidade, o cartaz dificilmente se distinguia de um muro real. No cartaz se via, em cor branca, a imitação perfeita de uma caligrafia desajeitada, com as palavras: What we want is Watney"s. A marca de cerveja era apregoada como slogan político. Tal cartaz não somente permite entender a natureza da propaganda moderna, que transmite às pessoas os seus ditames como se fossem mercadorias, mas também, no caso da firma inglesa, a mercadoria se mascara sob o slogan. O tipo de comportamento que o cartaz sugeria, isto é, que as massas fizessem de um produto que lhe era recomendado o objeto de sua própria ação, se encontra, na realidade, de novo, como esquema da aceitação da música ligeira. Os ouvintes e os consumidores em geral precisam e exigem exatamente aquilo que lhes é imposto insistentemente. O sentimento de impotência, que furtivamente toma conta deles em face da produção monopolista, domina-os enquanto se identificam com o produto do qual não conseguem subtrair-se.
Neste texto Adorno critica veementemente a música fornecida pela indústria cultural (música qualificada por ele de "ligeira"). Ocorre que ele escreveu isso em 1938, antes mesmo da invenção do rock...O que diria ele se vivesse hoje? Se tivesse conhecido uma Christina Aguilera e as outras divas da bitch music? E se tivesse conhecido as boy bands idolatradas pelas gurias retardadas da vida e da morte? (E eu nem preciso lembrar aqui o caráter eminentemente fetichista da idolatria.) Ele provavelmente morreria de tristeza, isso se não se matasse antes. Quanto a nós, é realmente difícil entender completamente a crítica que ele faz, pois, tal qual os vernae romanos (filhos dos escravos: nasciam sem conhecer a liberdade e aprendiam a falar o latim como sua lingua materna), nós já nascemos prisioneiros desse sistema musical criticado por Adorno. As vítimas da indústria musical estão tão presas ao fetichismo que, no fim das contas, elas aceitam qualquer merda que lhes é oferecida. Nas palavras do próprio Adorno (p. 95): "A transferência dos afetos para o valor de troca traz como conseqüência que, em música, já não se faz qualquer exigência."
O uso da ciência justifica na teoria e viabiliza na prática que o consumo desempenhe atualmente, na sociedade pós-moderna, o mesmo papel de conservação social desempenhado pela religião na Idade Média (em outras palavras, o consumo é um novo ópio do povo). Quanto à própria ciência, ela têm o papel de determinar verdades socialmente aceitas, papel também exercido pela religião na Idade Média.
A industria bilionária do marketing e da propaganda, ao mesmo tempo em que não existiria sem a emulação pecuniária e o fetichismo (reificação) da mercadoria, trata de reproduzir sistematicamente essas condições de sua existência, com o fim único de viabilizar a realização da mais-valia produzida para assim fechar mais um ciclo de valorização do capital, aprofundando e ampliando uma ideologia reificada que camufla, justifica – ou mesmo nega – a existência de relações de exploração na sociedade capitalista.
Essa indústria permite uma racionalização (uma administração sistematizada e maximizante) da emulação pecuniária e do fetichismo da mercadoria, com o fim de atender aos ditames do capital, viabilizando um aprofundamento brutal e “democrático” (já que trabalha com a persuasão e não com a coerção física, ou oriunda de algum formalismo legal) do processo pelo qual o capital, em seu movimento perpétuo de auto-mediação, apodera-se cada vez mais de todos os aspectos da vida humana.
No capitalismo oligopolista pós-moderno ("sociedade de consumo"), o mundo do consumo de mercadorias é o mundo do prazer e da sedução. Foi inevitável que o capital oligopolista, deixado à própria sorte - livre - em seu movimento de autovaloração, se servisse da sedução no processo de criação planejada da demanda, afundando a mente humana na prisão do fetichismo da mercadoria, destruindo a autonomia e a racionalidade individuais, e levando a humanidade à beira de um apocalipse planetário.
Defendo a utopia da existência de uma publicidade meramente informativa, utilitarista e puritana. Em uma palavra: defendo a proibição da sedução no domínio da publicidade, e a consequente extinção de uma das profissões mais infames, genocidas e suicidas: a de publicitário. A "imprensa livre" seria de fato livre quando financiada principalmente pelos seus próprios consumidores, e por uma publicidade puramente informativa e racional.
P.S. 1: Companheiros (rs), pela primeira vez na história desse país o Governo Federal está promovendo uma Conferência Nacional para discutir essa putaria que é o quarto poder no Brasil. Eu não tenho dúvida nenhuma que essa conferência, tão necessária para o aprofundamento da democracia no país, só vai acontecer porque estamos num governo do PT. A conferência ocorrerá em dezembro de 2009, mas é claro que a “mídia gorda” e oligopolística já está com o mesmo discurso sem-vergonha de sempre, se auto-intitulando representante da “opinião pública” e acusando o controle social do quarto poder de “censura”.
Mais informações sobre a Conferência Nacional de Comunicação em:
O Conselho Federal de Psicologia aproveitou a conferência para discutir vários pontos relacionados ao tema. O Conselho, por exemplo, é favorável À PROIBIÇÃO de propagandas direcionadas às crianças, de propagandas de bebidas alcoólicas, bem como de propagandas que abusem da FIGURA HUMANA; é também, entre outras medidas, favorável ao CONTROLE das propagandas de automóveis, que chegam às raias da idolatria alucinada, estimulando assim o consumo insustentável e irracional de recursos que agridem o meio-ambiente e desorganizam as cidades.
Mais informações sobre essa discussão em:
Mais informações sobre essa discussão em:
P.S. 2: Alguns capítulos que podem ser lidos como complementares ao presente texto:
REFERÊNCIAS
ADORNO. O fetichismo na música e a regressão da audição. In: Os Pensadores - Adorno. São Paulo: Nova Cultural, 2005.
ABREU, A. O poder SECRETO! Rio de janeiro: Kranion Editorial, 2005.
Revista CARTA CAPITAL, número 345, de 08/06/2005, página 34.
__________________, número 290, de 12/05/2004, página 12.
ENGEL, J.F; BLACKWELL, D.R; MINIARD, P.W. Comportamento do consumidor. 8 ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e científicos Editora, 2000.
MARCUSE, H. Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1967.
NETTO, A. G. de M. et al. Dicionário de ciências sociais. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1986.
PINDYCK, R.S.; RUBINFELD, D.L. Microeconomia. 5 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002.
SANTOS, J. F. dos. O que é pós-moderno. São Paulo:Brasiliense.
VEBLEN, T. B. A teoria da classe ociosa. In: Os pensadores: Veblen. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985.
________________________
ENGEL, J.F; BLACKWELL, D.R; MINIARD, P.W. Comportamento do consumidor. 8 ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e científicos Editora, 2000.
MARCUSE, H. Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1967.
NETTO, A. G. de M. et al. Dicionário de ciências sociais. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1986.
PINDYCK, R.S.; RUBINFELD, D.L. Microeconomia. 5 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002.
SANTOS, J. F. dos. O que é pós-moderno. São Paulo:Brasiliense.
VEBLEN, T. B. A teoria da classe ociosa. In: Os pensadores: Veblen. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985.
________________________
(1) O uso de editores de imagens também é a regra, não a exceção, no mundo mágico da publicidade. Creio que você já tenha visto ao vídeo "Dove evolution"; caso não, é este aqui:
O YouTube tem vários vídeos que mostram como o Fhotoshop é usado para transformar completamente a imagem das pessoas, por exemplo esses aqui:
***
Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.
(2) Enquanto eu lia esse livro no ônibus, reparei que a garota sentada ao meu lado lia um livro também. Nossa! isso já é alguma coisa, não? A maioria das pessoas não tem nem mesmo interesse em ler algo enquanto seu tempo se esvai dentro do transporte coletivo. Eu olhei melhor e descobri o que ela estava lendo: o livro Crepúsculo. HAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!! Infernooooo! Daí eu, do alto da minha ingenuidade, me perguntei: como seria um mundo no qual os livros de um Marcuse fossem best-sellers e fossem vendidos até no super-mercado? Eu estava lendo uma edição de 1967 porque foi a única que eu encontrei num sebo...ou seja: um livro fundamental desses não é mais editado porque ninguém quer lê-lo; as pessoas querem fugir da realidade, e não se afundar nela.
(3) Essa notícia pode ser lida em vários sites, entre eles:
Eis uma outra notícia grotesca, embora menos sórdida, envolvendo o “fascinante” mundo do trabalho: Cerca de 15 estações ferroviárias de Tókio estão instaladas com máquinas especiais que têm a função de medir a curvatura dos sorrisos dos funcionários de uma empresa de trens do país. Quem não estiver sorrindo "adequadamente" receberá uma advertência para que seja mais “simpático” (ou hipócrita?) com os usuários e fique com o semblante menos sério. Agora o sorriso, também ele, é obrigatório. Confira em:
(4) Essa infantilização é caracterizada pelo predomínio de comportamentos e preferências nos quais a dimensão irracional-sensorial têm predomínio sobre a racional-intelectual. O indivíduo infantilizado até já tem um nome pop: kidult. Mas ele também é conhecido por outros nomes, como por exemplo "adulto infantilizado" (da psicanálise) ou "homem sério" (do existencialismo).
(5) Esse é o clássico mecanismo da realização do desejo: quando se consegue o objeto de desejo o que realmente se consegue é uma momentânea paz de espírito, gerada pela supressão do sofrimento causado pelo desejo. Na sociedade de consumo de massa essa lógica do desejo é manipulada cientificamente a fim de incitar os consumidores a fazerem compras por impulso, por pura irracionadade: destarte, essa sociedade está eivada de sofrimento. Sabendo-se disso, não surpreende que Annie Leonard nos relate o aumento da infelicidade como o “progresso” observado na economia mundial na segunda metade do século XX. Como confirma a revista Carta Capital de 12/05/2004, n° 290, p. 12, nos EUA “o nível de felicidade não aumentou nos últimos 50 anos, apesar do avanço econômico: a renda per capita dos americanos [estadunidenses] é de US$ 39 mil e o Produto Interno Bruto (PIB) bateu em US$ 10,4 trilhões em 2003. Apenas 30% do americanos se dizem totalmente satisfeitos com a vida que levam, enquanto 58% se declaram ‘razoavelmente felizes’”. Segundo a mesma reportagem, “de acordo com uma pesquisa internacional sobre valores socioeconômicos, a World Values Survey, 72% dos brasileiros disseram-se satisfeitos com a vida. Não por acaso, segundo a mesma pesquisa, a nação mais feliz do mundo é a Nigéria”. Impossível não lembrar de Epícteto: “Não é a pobreza que causa a dor, mas sim a cobiça.”
***
Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.
27 comentários:
É interessante observar, principalmente em propagandas voltadas ao público feminino, os mecanismos, descritos em seu texto, utilizadas pela indústria da publicidade e propaganda – em especial, aqueles que dizem respeito ao uso de modernas técnicas visuais aliados a psicologia comportamental.
Minhas favoritas:
Kenzo AMour
http://www.youtube.com/watch?v=xpjU7ix7Bt4&feature=related
Essa é brilhante, depois de assisti-la eu tive certeza absoluta que a Kenzo não somente respondeu as questões relativas a construção de uma identidade sexual para mulher contemporânea, como esgotou – por completo – em apenas 1 minuto.
A propaganda pega na jugular feminina ao INTRODUZIR assuntos importantes da biologia feminina: necessidade de se sentir “segura” e “reprodução”.
LACOSTE, INSPIRATION (Maria Gregersen Advice)
http://www.youtube.com/watch?v=KocWY6KNqxk
Essa é bem interessante, fala muito em apenas 21s.
Resumo da obra: não tenha medo de se excitar mulher! Lacoste vai esconder o cheiro!
Ahyahuyahyahyua
Brilhante!
"Essas fotos podem levar as pessoas a acreditarem em realidades que, com frequência, não existem"
Europa quer proibir photoshop
Sex, 02 Out - 00h16
Preocupados com a possibilidade de meninas e mulheres se sentirem excessivamente pressionadas a corresponder às imagens presentes nas revistas de beleza, submetidas a procedimentos digitais e lipoaspiração, legisladores britânicos e franceses tentam obrigar publicitários a serem mais realistas.
Segundo as propostas desses legisladores, anúncios contendo fotos alteradas de modelos seriam obrigados a trazer mensagens revelando o emprego de efeitos digitais.
"Quando adolescentes e mulheres olham para tais fotos nas revistas, elas acabam se sentindo infelizes consigo mesmas", disse Jo Swinson, parlamentar britânica do Partido Liberal Democrata. Os liberais democratas - terceiro maior partido da Grã-Bretanha, depois de trabalhistas e conservadores - adotaram este mês a proposta de Jo, que prevê um sistema de rótulos, como parte de sua plataforma oficial.
O partido quer banir completamente as fotos alteradas em anúncios destinados a crianças com menos de 16 anos.
Na semana passada, a legisladora francesa Valerie Boyer, do partido do presidente Nicolas Sarkozy, apresentou uma medida parecida na Assembleia Nacional, a câmara inferior do parlamento. Ela argumentou que as imagens alteradas estavam prejudicando a capacidade das jovens mulheres de controlar seus próprios destinos. "Essas fotos podem levar as pessoas a acreditarem em realidades que, com frequência, não existem", disse ela.
Na França, onde os cartazes e anúncios nas farmácias beiram a obscenidade, é cada vez maior a preocupação com os distúrbios alimentares, e muitas jovens mulheres se mostram obcecadas pela magreza. Valerie foi a grande defensora de uma lei que previa a proibição de páginas na internet que pareciam encorajar a anorexia e a bulimia. Mas tal proposta perdeu força depois de ser aprovada pela Assembleia Nacional no ano passado.
Na sua tentativa de livrar a mídia de imagens enganadoras, Valerie quer ir ainda mais longe do que os liberais democratas britânicos.
A lei proposta por ela exigiria rótulos de alerta acompanhando as fotos retocadas, tanto as publicadas em conteúdo editorial quanto as que fazem parte de anúncios. Os infratores poderiam enfrentar multas de 37,5 mil, ou quase US$ 55 mil, o equivalente a até 50% do custo de uma peça publicitária.
Apesar de considerada em muitas redações como eticamente ambígua, a manipulação digital de fotos foi verificada em alguns casos de destaque na mídia francesa. Em 2007, por exemplo, a revista Paris Match, dotada de boas relações políticas, publicou uma foto de Sarkozy passeando de canoa durante as férias em New Hampshire na qual a cintura avantajada do presidente foi digitalmente retirada da imagem. Uma revista concorrente revelou o embuste, publicando cópias da foto antes e depois da manipulação.
Nem todos os retoques são tão flagrantes. Mas pequenas melhorias - um pouco de correção de cores ou alisamento de texturas, por exemplo - são amplamente empregadas mesmo nas fotos das agências de notícias, disse Derek Hudson, fotógrafo residente em Paris, apesar de ele ter acrescentado que "criaria caso" se um editor aplicasse o procedimento a uma foto de sua autoria.
Nas revistas de beleza, é claro, os retoques são a regra. "Nunca vi, e duvido que alguém um dia veja, uma foto de moda ou beleza que não tenha sido retocada", disse Hudson.
Com a ilusão à espreita em tantos lugares, o fotógrafo afirmou não acreditar que coibir as alterações possa produzir o efeito desejado. "Infelizmente, vivemos em um mundo retocado", disse ele. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo
fonte: YAHOO
http://br.tecnologia.yahoo.com/article/02102009/25/tecnologia-noticias-europa-quer-proibir-photoshop.html
Caro(s) senhor(es)
Anônimo (1)
Realmente os vídeos são muito assertivos...esse da Lacoste é mesmo uma “obra prima”, raramente se consegue dizer tanto com tão pouco. Só não sei até onde isso realmente representa uma “libertação” da mulher, ou uma nova forma de escravidão.
Anônimo (2)
Obrigado pela notícia. Ela me lembrou aquele vídeo do Dove Evolution, e dos vídeos do YouTube que mostram o Fotoshop em utilização. Eu acrescentei eles ao texto, na “nota de rodapé” número (1)
"Fucking a"!
A psicologia comportamentalista sempre me incomodou. Talvez porque eu não queira acreditar que as pessoas realmente são condicionadas (manipuladas).
Na verdade eu vejo essa questão de outra perspectiva: Ao invés de criar uma nova necessidade através da propaganda, eles criam, on the big picture, um enorme vazio.
E esse vazio é preenchido por "realização profissional", compras, COMPRAS e outras futilidades.
Quando uma mulher termina com o companheiro(tenho dezenas de exemplos) o que ela recebe como conselho?
Arrume seu cabelo, saia para compras.
O que ela faz?
Essas coisas e se entupir de guloseimas ou drogas.
Existem pessoas, pasme, que acreditam efetivamente que a felicidade nada mais é do que conseguir o máximo de prazer com os sentidos possível.
A verdade é que a nossa sociedade chegou a um nível tão doentio de materialismo que o homem perdeu o contato com seu espírito, e por isso ele busca em qualquer lugar algo para preencher esse vazio. Daí decorre que a propaganda chega na hora certa, oferecendo a ele algo "espetacular".
Aí ele pensa: é, talvez eu só precise de roupas novas, ou de um carro novo. Como a maioria nunca consegue tais coisas, é facil acreditar em tal coisa: afinal, quando ele sonha com isso ele se sente "feliz".
Daí, quando percebem que isso é falso, são enganados pelas religiões que VENDEM felicidade a preços acessíveis a todos. Vejo na prática que tal felicidade é quimérica: da mesma forma que a alegria de comprar passa depois de minutos, a "alegria" de uma igreja acaba no caminho de casa, quando começam as brigas.
Não vou negar que quando comprei o Fausto finalmente a alguns dias eu fiquei tão empolgado que,se pudesse, compraria mais uns seis que estavam ali perto. Os da Martin Claret. Também não vou negar que fiquei puto com o fato de que essa MERDA de crepusculo estava em destaque e que o fausto estava escondido.
Acho que o que o ser humano precisa para viver plenamente, em grande parte, é totalmente gratuito. Está dentro de nós. Afinal, não é satisfatório pra você exercitar o seu intelecto e expor suas idéias? Não é um prazer gratuito?
E tudo o que é caro e glamourizado geralmente não traz a satisfação que sinto, por exemplo, depois de passar horas escrevendo. Mesmo sabendo que, de qualquer forma, mesmo pessoas que são capazes de entender não se sentirão interessadas.
Realmente um ótimo post. Mas não acho que será, em definitivo, o melhor post do blog. Sua pilha de livros e sua criatividade vão te trazer ainda muita coisa interessante e eu continuarei acompanhando.
Diferentemente de você, a crença de que as pessoas são meros bonecos do “sistema” é uma das minhas convicções mais fortes. O “livre-arbítrio” é quase tão ininteligível para mim quanto “Deus”.
No caso, o que eu tentei fazer nessa postagem é “mostrar” que essa manipulação (da publicidade) não é gratuita nem momentânea: ela está na “essência” da sociedade capitalista: se o movimento de auto-valorização do capital se interromper, toda a sociedade capitalista desaba. Nesse contexto, com o aprofundamento do processo de subsunção do capital na sociedade, cada vez mais as vidas das pessoas se desenvolvem dentro do contexto da (i)lógica do capital: cada vez é mais difícil vislumbrar uma vida diferente da que se leva, vida essa que é apresentada como uma fatalidade do destino: “é natural que o mundo seja assim”, “é natural que as pessoas sejam egoístas”, “as empresas tem que vender”, “eu tenho que cumprir essas metas”, etc. Mas, para o marxismo, nada disso é natural: é tudo determinado material e sócio-historicamente; e o discurso de que “é natural” serve justamente para esconder a exploração social que existe.
Todos esses temas (reificação, consumos conspícuo, exploração, despotismo do capital, etc.) serão estudados mais detalhadamente na minha monografia, que, como você sabe, será postada nesse blog. Essa postagem sobre a publicidade só saiu devido aos meus estudos para escrever a monografia. Eu acho que um ponto forte dessa postagem é que ela trata de algo que todos nós conhecemos muito bem (a publicidade), mas sobre um ponto de vista diferente: ela tem um conteúdo “prático” e “político” que as outras não têm, e que nem a monografia terá (pois ela ficará presa a generalidades “sistêmicas”, o que é um assunto menos concreto que a publicidade).
Pois é, Duan. Mas você questionou esse "é natural que o mundo seja assim". Isso não é ao menos um pouco de livre arbítrio?
Acredito que esse livre-abítrio seja a liberdade de opinar sem imposições diretas.
Milhares de pessoas fazem parte do movimento Zeitgeist, não é?
Apesar disso, seu pensamento parece se aplicar melhor à maioria. Também vejo isso acontecer ao meu redor, o que, por vezes, me traz um sentimento de desespero. Até minha produção literária está se começando a se tornar "escatológica":
"Sempre notei, no mundo, um conflito entre bem e mal, onde o mal é a escravidão e o bem a liberdade. Sempre acreditei que conseguiríamos vencer. Que o ser humano é destinado a ser livre. Mas isso não aconteceu. Somente a fatalidade existe agora. As esperanças acabaram, esse é o fim da humanidade."
Manifesto ceticismo com relação ao fato do meu pensamento ser “livre”. Pois eu paguei caro para ter acesso às supostas verdades que eu descobri (as quais permanecerão inacessíveis à maioria das pessoas, mesmo que elas vivessem 10 vezes mais do que eu vivi). Como eu já disse nos capítulos 7 e 77: é preciso ser doente para entender um mundo doente (em outras palavras: a verdade se opõe à felicidade e à saúde mental). Se eu questiono é porque sou um desajustado, desajustamento que é também a fonte da minha infelicidade; se eu fosse feliz, eu estaria ajustado, e por isso não teria o que criticar. Se é possível associar o pensamento crítico à liberdade, é possível também associá-lo ao desajustamento e à infelicidade. Como meu pensamento pode ser “livre” se ele é condicionado pelas condições em que eu vivi e vivo? Se meus pais tivessem me criado de forma diferente, se eu não tivesse os problemas de saúde que tenho, se eu fosse um beta, se eu blá blá blá, então “eu” (na verdade a outra pessoa que atenderia pelo meu nome) não concordaria com absolutamente nada do que está escrito nesse blog.
Eu não sei até onde é natural que “as coisas sejam assim”. Por exemplo, eu não sei até onde o egoísmo é algo natural ou é condicionado socialmente. Mas as minhas leituras indicam que há gente que acredita que o egoísmo não é algo “natural”. Embora eu manifeste ceticismo quanto a isso, o fato de ter gente (e gente marxista) que pensa assim aumenta as minhas dúvidas sobre essa questão.
Acabei de ver uma parte do documentário O poder do mito, de Joseph Campbell (se quiser te mando o torrent) e ele fala coisas relevantes para essa questão.
“Follow your bliss...”
Honestamente, esse pensamento é uma fixação. Sofrimento é, sim, parte da vida, e ele traz um aprendizado inestimável. Mas se prender a ele é se fixar em uma parte da vida apenas.
Vi um documentário ha umas semanas atrás chamado Born rich, que é a união de relatos de jovens que têm tudo aquilo que você diz que precisaria ter para não chegar às suas conclusões. E realmente não chegam, embora um deles arrisque invocar Schopenhauer para dizer uma besteira qualquer.
Mas eis um fato: o pai do cara que fez o documentário é herdeiro da Johnson & johnson e não fez absolutamente nada com sua vida. Só colecionou mapas. Antigos, novos, raros. Também tentou pintar, mas sem muito sucesso mesmo por falta de talento.
Você acha que isso é vida? Que ser feliz é simplesmente poder viver uma vida hedonista completa?
Nesse documentário, quase todos os jovens entrevistados eram ou ja tinham sido usuários de drogas. E o que é a droga senão uma fuga?
E sabe qual era o mais feliz de todos eles (você vê pelo olhar)?
Um que se recusou a usar a fortuna dos pais e foi morar num campus. Era bom aluno, então tinha bolsa. O dinheiro que ele recebe do pai era o mesmo que os colegas de quarto dele recebiam (em média) e ele vive apertado. Os colegas de quarto ficavam indignados com o fato de que ele vivia num dormitório ao invés de ir para uma cobertura de luxo que o pai dele tem em Nova York. Ele diz que quando ele entra naquele lugar a sensação que tem é de “isso não sou eu”.
Ele fala algo interessante:
“Onde Day i’ll come home with a PHD degree and rub it on their faces. Say, like, i did something good with my life. That, of course, If they don’t stop supporting me because I’m wearing the wrong shoes.”
Você associa infelicidade com a impossibilidade de dar início a uma vida em que você poderia ser ajustado, rico, saudável e tudo o mais que a sociedade exige.
Eu, por outro lado, associo a infelicidade à uma frase simples que o Joseph Campbell atribuiu à isso: eu nunca fiz nada que eu queria em toda a minha vida!
Uma vida infeliz é aquela em que não estamos no nosso próprio caminho. Na qual não estamos "following our bliss".
E quando somos verdadeiramente infelizes nossa vontade é de parar. De simplesmente não viver. Isso é depressão. Sei como é.
Mas negando com sua racionalidade ou não, você está vivendo sua própria vida. A prova disso é que você continua aprendendo, que você continua escrevendo: continua produzindo. Você não está colecionando moedas para se distrair, não está estagnado. É difícil para mim entender como você pode dizer que uma vida em que você segue o seu próprio caminho é ruim. Você aprendeu sobre felicidade estudando economia?
Pra mim parece que você acredita num paradigma racional que nada tem a dizer a respeito de você, e que esse é o grande problema: você é você, vive e funciona como si mesmo, mas um paradigma alheio te faz se torturar a troco de nada.
Seus pais, a sociedade, seus problemas de saúde, etc. Coisas externas (presumindo que você não é seu corpo). Mas e você para si mesmo? Parece que você é feliz e não sabe.
Quando eu digo “desajustado” eu não estou dizendo necessariamente rico. Conheço gente mais pobre do que eu e que é bem mais ajustada ao mundo do que a minha pessoa. No fim, o que é mais importante para as pessoas serem ajustadas é, creio eu, o amor dos pais e a socialização: e eu não tive nenhum dos dois (além de não ter também o dinheiro). Para você ter uma idéia, esses dias, depois de cinco anos trabalhando num banco, um colega de trabalho me ensinou a segurar um garfo corretamente; dias depois, quando eu estava no restaurante, eu fiquei chocado quando descobri que TODOS seguravam o garfo da mesma maneira e que essa mesma maneira era diferente da minha, que era mais tosca que a deles. Daí eu me lembrei que há cerca de dois anos um outro colega de trabalho me ensinou a comer usando a faca (pois eu usava só o garfo). Esse é um exemplo do que eu quero dizer com falta de socialização.
Com relação ao dinheiro, quando eu digo que quero ser um beta, eu não estou falando eu nascer “herdeiro”, mas sim em ter acesso a recursos necessários justamente para eu desenvolver minha intelectualidade. Por exemplo, eu não domino o idioma inglês (por isso temo não poder assistir aos vídeos que você me recomendou, embora tenha entendido os trechos que você reproduziu aqui). E se eu fosse tão ativo como você acredita que eu sou, eu já teria aprendido esse idioma por conta própria (e há condições de fazer isso), depois eu poderia gastar parte do dinheiro que eu já tenho guardado num intercâmbio de um mês para solidificar meu aprendizado teórico. Mas porque eu não faço isso? Porque não tenho disposição, porque sou um depressivo. Porque não vejo motivo nenhum para me esforçar a fazer isso. Outro exemplo: eu acabei fazendo o curso de economia por três motivos: (i) porque tinha que trabalhar (e o curso de sociologia na UFPR só é disponibilizado no turno da manhã), (ii) porque eu acreditava que teria melhor “empregabilidade” com ele (e hoje eu descubro que nunca serei capaz de ser um economista de verdade e que o que me restará provavelmente será fazer um miserável concurso público de nível médio que me dê uma renda um pouco melhor que atual, mesmo porque eu não faço questão de ter muito dinheiro – eu queria ter nascido beta, mas agora é tarde demais para “resolver” essa questão, pois a minha infância e adolescência já se foram) e (iii) porque eu acreditava que iria estudar bastante marxismo (o que se revelou falso e justamente por isso eu agora estou estudando sozinho, e vou levar dois anos para escrever uma reres monografia). Eu entrei na UFPR com 17 anos; com 18 comecei a trabalhar; com 24 (provavelmente em 2011) eu devo terminar o curso (se não tivesse compromisso com a monografia marxista e se não tivesse me enrolado na faculdade para ter tempo de estudar Kant e Schopenhauer por conta própria, eu deveria ter me formado em 2008). Bem, parece evidente para mim que se eu fosse um beta (ou seja, se eu fosse alguém que pudesse viver da mesada do pai até uns 25 anos de idade), eu, mesmo tendo escolhido economia, iria acabar trocando de curso e fazendo sociologia. E pior: se meus pais realmente quisessem, eles poderiam ter se sacrificado para me sustentar (afinal nós não somos miseráveis), mas pagar em dia a mensalidade da TV a cabo é prioridade para eles. E ainda: se eu fosse tão ativo quanto você acredita que eu sou eu não levaria 8 anos para fazer uma faculdade “só porque” tenho que trabalhar 30 horas por semana (tem gente que trabalha 44 horas, têm família e terminou mais rápido do que eu).
(continua)
Aprendi (na teoria) o que é felicidade com Schopenhauer... Na prática, eu acho que não sei o que é felicidade: a minha preocupação, seguindo as orientações de Schop, é minimizar a dor: só isso. Por exemplo, há a questão do “tudo bem”: raras vezes (na verdade eu me lembro só de duas) eu realmente me senti bem na minha vida. A pergunta “tudo bem?” me escandalizou durante anos, até eu desistir de tentar entendê-la: eu nunca pergunto para alguém se está tudo bem, e quando me perguntam eu respondo que sim (mas isso é uma mentira). Eu realmente não entendo como você pode achar que eu sou feliz (parece que estamos condenados a não nos entender). O que eu sei é que o que é o meu estado de espírito não pode ser o que as pessoas entendem por felicidade: eu percebo que elas não são como eu, que elas têm “um brilho no olhar”, uma disposição, que eu não tenho: eu conheço esse “tudo bem”, essa disposição de forma puramente negativa: vejo ele no outro pelo choque entre o que o outro apresenta para mim e entre o que eu apresento para mim e para ele: eu sei que ele sente diferente de mim, mas não conheço esse sentimento.
“Onde Day i’ll come home with a PHD degree and rub it on their faces. Say, like, i did something good with my life. That, of course, If they don’t stop supporting me because I’m wearing the wrong shoes.”
Isso, por exemplo, é algo que eu não consigo entender com a mesma “concretude” que você: “i did something good with my life”. Eu simplesmente não entendo porque conseguir um Phd realmente é melhor do que colecionar selos: eu entendo a lógica da sua argumentação, mas ela não “penetra” em mim, não me convence, não me faz sentido. Talvez o que eu quisesse é realmente não fazer nada (parar, não viver). O que eu sei é que todo o meu impulso intelectual é um impulso radicalmente crítico; portanto, se seu fosse alguém ajustado eu não teria porque manifestar a minha intelectualidade. A minha grande preocupação é acusar o mundo, não é por outro motivo que eu estudei Schopenhauer e agora estudo o marxismo. Creio que a minha problemática é mais “existencial” e filosófica que a sua. Muita coisa que você entende ser verdade para mim não é suficiente: muito do que a ciência se satisfaz não sobrevive à crítica filosófica. E o meu interesse é basicamente esse: criticar, criticar, criticar, mostrar que tudo isso é uma merda. Tanto que é só eu sair dessa temática de estudo que eu perco totalmente o interesse em estudar. A única coisa que me move é o ódio e o ressentimento, fora disso eu não sei o que fazer da minha vida e da minha intelectualidade (que eu me recuso a ver como uma virtude, como um bem em si). E até esse ódio me move com dificuldade: até mesmo estudar Schopenhauer e marxismo é algo que eu faço com dificuldade, com esforço, tendo que me justificar, pensando em desistir o tempo todo.
(continua)
Pode ter certeza: EU NUNCA FIZ NADA QUE EU QUERIA EM TODA MINHA VIDA. Ao mesmo tempo, eu tenho a convicção que SEMPRE EU FIZ O MELHOR QUE ME FOI POSSÍVEL. Ou seja, eu me recuso a assumir qualquer culpa sobre a minha condição, a culpa é sempre dos outros: dos pais, do país, do capitalismo, da vida, do mundo. Você me perguntou antes se eu tenho prazer em escrever nesse blog. A resposta é: quase nunca. A única vez que eu realmente senti prazer com esse blog foi ao escrever o capítulo 7 (que na verdade foi uma catarse de um dia em que eu estava com muita raiva). Todo o resto do blog é para mim mais uma espécie de obrigação, eu fico o tempo todo tendo que justificar para mim essa “perda de tempo” alegando que ela me ajuda a me conhecer melhor: se eu tenho que ficar me justificando é porque essa atividade não basta por si mesma, não tem um significado em si, e, aliás, NADA NUNCA BASTOU (como eu disse no cap 31), NADA NUNCA TEVE UM SIGNIFICADO EM SI (nem mesmo a crítica ao mundo, que aparece sempre como uma espécie de vingança que precisa ser realimentada para continuar tendo sentido). Agora entende porque eu digo que sou um outsider? Nada faz sentido, apenas o sofrimento e o despropósito. E nada NUNCA FEZ SENTIDO: esse sentido não foi perdido, ele simplesmente nunca existiu. O grande choque da minha vida foi quando eu descobri isso: o sentido não existe, nunca existirá e nunca existiu (eu ainda acreditava que ele um dia existiria).
“Seus pais, a sociedade, seus problemas de saúde, etc. Coisas externas (presumindo que você não é seu corpo). Mas e você para si mesmo? Parece que você é feliz e não sabe.”
Primeiro: eu acredito que eu me resumo ao corpo sim senhor (eu disse isso, p.ex., no cap 72). Como você sabe (mas parece não querer acreditar) eu não acredito em deus ou em alma, etc. Segundo: eu não sei quem eu sou, eu não ser nem o que é “ser” e o que é “eu”. Terceiro, eu me recuso em acreditar que o meu estado de espírito possa ser chamado de felicidade: se assim fosse, expressões como “tudo bem” nem existiriam; aliás, se as pessoas sentissem e pensassem como eu, a humanidade provavelmente já teria acabado há muito tempo.(continua)
“Uma vida infeliz é aquela em que não estamos no nosso próprio caminho. Na qual não estamos "following our bliss".”
Aqui, você pressupõe que EXISTE UM CAMINHO. Isso também não faz sentido para mim. Nunca pensou que o caminho pode simplesmente não existir?
Tenho a impressão de já ter conversado com você sobre esses assuntos...Parece que você não consegue absorver a minha argumentação como “válida” com a mesma facilidade com que eu absorvo a sua. Parece que você ainda quer me dar conselhos, ainda quer me tornar alguém “melhor” (alguém mais parecido com você). A nossa conversa sempre cai nesse tipo de situação: eu tenho que ficar desfazendo a sua argumentação, eu tenho que ficar lhe mostrando que o seu discurso não é – e para mim nunca será – uma verdade em si, algo que seja válido para outra pessoa que não para você. Por outro lado eu NUNCA tentei lhe convencer (ou mesmo convencer qualquer leitor do blog) a pensar como eu: eu apenas digo o que penso, mas não insisto o outro a pensar como eu, a acreditar que o que eu estou é “verdade”, mesmo porque eu não sei o que é verdade e NÃO ESTOU DISPOSTO a aceitar verdades que os outros queiram me oferecer. Realmente é muito difícil para mim acreditar que você está querendo “apenas” me entender; para mim parece que você quer é me mudar. E creio que eu já lhe expulsei desse blog da primeira vez que você passou dos limites nesse ponto (isso ocorreu nos coments do cap 36 - http://outsidercaos.blogspot.com/2008/06/xxxvi-acerca-de-pensamentos-blasfmicos.html). Você possou dos limites quando disse o seguinte: “Se é pra depender do mundo você vai se afundar e se auto-destruir por causa de uma ideologia falsa. É falsa sim, pois é parcial.” Se você acredita que é falsa, bom para você. Mas espero que, com todas as discussões que nós já tivemos aqui e por e-mail você já tenha entendido que nunca vai me convencer disso, mesmo porque eu não quero ser convencido (e eu tenho certeza que eu já lhe disse isso antes).
Fique à vontade para comentar aqui, mas toda vez que eu ACHAR que você quer me convencer dessas sua verdades eu lhe responderei com um "acho que já falamos sobre isso antes."
hm...
Eu não tenho motivo racional para ler o blog. Só acho legal, gosto. Não to aqui pra te "salvar". Nem a mim mesmo eu salvo.
Mas é uma reação normal pra mim contestar tudo aquilo que me parece incorreto. Não é porque me parece que é.
Entender palavras é fácil, e isso eu faço. Mas isso tudo pra mim é inconcebível.
Enfim, deixa pra lá...
Ah, desculpe então...agora que eu lembrei que você adora contestar e ser contestado, que adora um debate. E não se preocupe: a sua situação também é “inconcebível” para mim.
"Tudo nos falta, quando estamos em falta conosco mesmos." Goethe
http://www.youtube.com/watch?v=NMn_1rQ3sms
Muito bom!
Descobri dois livros que estudam criticamente a publicidade. Um deles é "A publicidade é um cadáver que nos sorri" de Oliviero Toscani, o outro - bem mais sério - é "A era da manipulação", de Wilson Bryan Key. Comprei o primeiro no Estante Virtual. Mas o segundo é um livro raro (porque será..?), e custa muito caro, mesmo para mim que já esbanjei tanto comprando livros. Está custando R$ 350,00 no Estante Virtual...O jeito vai ser tentar baixar uma versão pirata (se bem que eu nem vou ter tempo para estudá-lo nos próximos anos). Segue link com resenha desse último livro.
http://recantodasletras.uol.com.br/resenhasdelivros/629938
Complementando a questão do uso de fraldas no ambiente de trabalho. Participei nesse dia 03/03/10 do "1° Ciclo de Debates do Sindicato dos Bancários de Curitiba e região" e o professor da Unicamp Roberto Heloani, doutor em psicologia social, afirmou o seguinte: que em SC foi confirmada recentemente que trabalhadoras de uma empresa de confecção não apenas têm o horário para ir ao banheiro rigidamente controlado, mas também foram diariamente acorrentadas às máquinas de costura até que realizassem toda a produção estipulada para o dia, a qual elas não conseguiam cumprir na jornada de 8 horas. Outro caso confirmado foi de uma empresa em Cianorte no Paraná, que trabalha com corte de aves. Essa empresa teria apenas um banheiro para 200 funcionários na linnha de produção, e os funcionários também usariam fraldas, para não "perderem tempo" no banheiro.
Descobri mais um livro crítico sobre publicidade. Chama-se "Técnicas de persuação: da propaganda à lavagem cerebral", de J.A.C. Brown. Esse não é tão raro, nem tão caro. Comprei um exemplar no Estante Virtual e, em consulta no site no dia de hoje, há ainda 7 exemplares disponíveis, o mais barato por R$ 12,00 e o mais caro por R$ 68,00.
Bem, eu não poderia deixar de indicar, também, a leitura do clássico "A sociedade do espetáculo", de Guy Debord.
A arte apropriada pelo capital. O fundo cultural apropriado pelo interesse corporativo. A mercadoria como panacéia.
A apropriação:
http://www.youtube.com/watch?v=xAUDHxDYMMo
http://www.youtube.com/watch?v=z4mzv9N4COo
A arte de verdade:
http://www.youtube.com/watch?v=WQSeQXe89Qo
http://www.youtube.com/watch?v=ul9OTShQ_rc&feature=related
http://www.youtube.com/watch?v=SvrHxQ3qjAE
A história da água engarrafada
Story of Bottled Water (Português)
http://www.youtube.com/watch?v=KdVIsEUXIUM
Outros livros sobre publicidade:
Magia e capitalismo - Um estudo antropológico da publicidade (Everardo P Guimaraes Rocha)
A mistificação das massas pela propaganda política (Serguei Tchakhotine)
A propaganda política (Jean-Marie Domenach)
Psicologia da publicidade e da propaganda (Roger Mucchielli)
Mais livros sobre o assunto:
* Narcisismo e Publicidade (Maria de Fatima V Severino)
* O Que Todos Precisam Saber Sobre Publicidade - História e Teoria da Comunicação (Hunder Everto Corrêa e Roberto Gallicchio)
* Televisao Publicidade e Cultura de Massa (Jose Mario Ortiz Ramos)
* Fetichismos Visuais - Corpos Eróticos e Metrópole Comunicacional (Massimo Canevacci)
Mais um livro:
Sadismo, Sedução e Silêncio: Propaganda e Controle Ideológico no Brasil (Nélson Jahr Garcia)
Outro livro:
"A criação de mitos na publicidade: como publicitários usam o poder do mito e do simbolismo para criar marcas de sucesso" (Sal Bandazzo)
Como o título já deixa claro, é um livro laudatório, um livro do establishment. Mas pode ser útil. Afinal eu usei no texto acima o livro "Comportamento do consumidor". Se queres contestar a visão oficial, é preciso conhecê-la a fundo (como de resto, é preciso conhecer a fundo qualquer discurso que se pretenda criticar).
Sobre a mitologia moderna/pós-moderna, há o ótimo "Mitologias" de Roland Barthes, além de outras obras dele.
http://apocalink.blogspot.com/2011/03/teorias-e-tecnicas-utilizadas-pela.html
Postar um comentário