sábado, 5 de setembro de 2009

LXXIX - Acerca de máximas # 3 - máximas agnósticas # 2.

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§ 79




Quê é verdade? (Pilatos em João 18: 38)

Quanto às discussões filosóficas, estas me parecem totalmente sem sentido. Nada pode ser provado, nada pode ser verificado. Verdade? - quê querem dizer com isso? (Henri Barbusse, L'Enfer)



20. A verdade é que a verdade não existe.

21. Qualquer filosofia não existe sem o sentimento, sem a crença, sem a convicção. O intelecto é um mero instrumento a serviço da nossa vontade. É justamente essa convicção e essa certeza que permitem aos filósofos desenvolverem todos os seus raciocínios (sem as quais um intelecto poderoso não seria suficiente para ir muito longe). É também a convicção, mantida apesar de todas as opiniões em contrário, que nos causa admiração.

22. O intelecto não é uma luz que arde sem óleo, mas é alimentado pela vontade e pelas paixões. [Francis Bacon, Novum Organon, I, 49]

23. Os raciocínios podem estar todos corretos, e então aquilo que se afirma é uma verdade dentro do conjunto de referenciais adotado (fora do qual, as conclusões tiradas geralmente não têm mais validade). O problema está na definição dos conceitos e na escolha do método.

24. Seria necessário colocar como epíteto de todo estudo sobre a racionalidade este princípio bem simples mas frequentemente esquecido: a vida pode ser racionalizada de acordo com perspectivas e direções extremamente diferentes. [Max Weber]

25. Todo grande pensador é também um grande sofista (1).

26. Essa é uma grande diferença entre o mundo real e o mundo dos filmes e dos folhetins: nos últimos nós identificamos facilmente quem está certo e que está errado. Já no mundo real, não sabemos nem mesmo se o certo e o errado existem.

27. Os níveis de incerteza do certo e do errado: o primeiro diz respeito ao estabelecimento dos critérios para definição do que é certo e do que é errado; o segundo diz respeito à aplicação desses critérios gerais nos casos particulares; o terceiro diz respeito à correta identificação dos atores que estão em cada um desses dois lados definidos como “certo” e “errado” (já que os segundo podem mimetizar os sinais que servem para indicar os primeiros).

28. Se relativizamos os nossos valores, perdemos a capacidade de julgar o que é certo e o que é errado, o que é verdade e o que é mentira.

29. Todos os conceitos são arbitrários. Quanto menos intuitivos (ligados à experiência sensível), mais arbitrários são.

30. Tudo é potencialmente falso.

31. Os argumentos não têm valor algum, pois cada um acredita no que quer acreditar, e cada um acredita naquilo que é mais condizente com a sua personalidade e com os seus interesses pessoais.

32. Uma coisa é o “fato”, o que ocorre "realmente"; outra coisa é o “fenômeno”, o que o indivíduo percebe, intui (a capacidade de percepção é limitada e falha, e, talvez, até mesmo caricaturada); outra coisa é a interpretação que o indivíduo faz daquilo que percebe (essa interpretação é limitada pela subjetividade – crenças e preconceitos – desse indivíduo e pelas limitações da sua linguagem e da sua racionalidade).

33. Qualquer coisa pode ser justificada e defendida. mas ninguém foi convencido de qualquer coisa contra a sua vontade, por mais lógico e racional que tenha sido o argumento utilizado.

34. Observações acerca das cosmovisões:

1. Existem milhares de cosmovisões diferentes que se propõem ter desvendado os grandes enigmas da vida e do mundo.
2. É impossível a alguém conhecer todas essas cosmovisões detalhadamente. O indivíduo conhece em detalhes no máximo algumas – e isso quando se dá ao trabalho de conhecer mesmo uma –, conhecendo as demais apenas por ouvir dizer, ou mesmo desconhecendo-as por completo.
3. O indivíduo apenas pode respeitar e seguir uma cosmovisão cuja existência seja do seu conhecimento (isso é óbvio, não?).
4. Quando o indivíduo se decide entre mais de uma cosmovisão "disponíveis", os critérios utilizados por ele são subjetivos, parecendo-lhe “verdadeira” aquela que mais agrade a sua personalidade, que melhor corresponda aos seus desejos, interesses e preconceitos.

35. O intelecto saiu das mãos da natureza não para apreender a essência das coisas, mas somente para conceber os motivos, e portanto para servir a uma manifestação individual e temporal da vontade. [Schopenhauer - O Mundo como Vontade e como Representação - capítulo XLI do Tomo II]

36. A mente mente. [xamã Gideon - "padrinho" da FEPRAY - Federação Paranaense da Ayahuasca]

37. Não há diálogo: há encontro de monólogos. (Lacan)

38. Um dos efeitos imediatos do irracionalismo pós-moderno, protagonizado pelo pensamento pós-estruturalista francês, é a atenuação da verdade pela separação entre significante e significado, com uma gradual megalomania do significante, até a sua autonomização frente ao significado. Assim, corta-se qualquer possibilidade de verdade como correspondência entre proposições e a realidade. A verdade e a fixidez do sentido não passam de ilusões. A distinção entre verdadeiro e falso é, em si mesmo, uma falsificação primária. E sem falsidade a verdade deixa de existir. Como é através da evidência que podemos distinguir entre verdadeiro e falso, premissa ineliminável de qualquer conhecimento racional, ela é simplesmente desdenhada: o jogo das significações está acima da verdade e da falsidade. É aqui que o discurso ganha um novo estatuto teórico, com a eliminação de todas as referências a um centro, a um sujeito ou a uma origem. [João E Evangelista. Crise do marxismo e irracionalismo pós-moderno, cap. 1.2]

39. Não há real e, muito menos, um "sentido" nesse real. Há somente o simulacro, a imagem, a representação (imaginária) dessa realidade. Esta é a única realidade. (...) O real é subsumido a um processo de significação sem referente, ou auto-referenciado. [A Zaidan Filho. A crise da razão histórica, 1989, p. 20-21]

40. A "necessidade metafísica" da humanidade passa também pela necessidade de atribuir um sentido moral ao mundo/à vida. Como a ciência não é capaz de fazer isso, essa incapacidade ajuda a alimentar todo tipo de misticismo. As mistificações da vida geralmente vêm associadas à "descoberta" (ou "revelação") de um sentido moral para a existência.

41. Não obstante os valores morais não existam objetivamente tal qual a natureza, parece-me ponto pacífico que a humanidade, se quer viver em sociedade, tem a obrigação de estabelecê-los.

42. Convencer o outro é uma vitória sobre ele. Convencer o outro que quer nos convencer a desistir de fazê-lo é uma vitória sobre ele. Convencer-se a desistir de convencer o outro é uma vitória sobre si mesmo.

43. Em uma discussão puramente teórica (a qual não possui conseqüências imediatas sobre interesses materiais dos debatedores) a maioria das pessoas não está preocupada com a ‘verdade’ ou com o esclarecimento, mas sim com o status, mas sim em garantir a si a sensação de ter razão sobre os demais, garantindo assim o gozo do ego afagado e sensação de segurança decorrente da manutenção do seu discurso de mundo, reafirmando assim a realidade nos moldes nos quais ela é atualmente concebida. É difícil encontrar pessoas que conseguem discutir qualquer coisa sem levar a discussão para o lado pessoal, isto é, sem se sentirem atacadas em sua intimidade.

44. Eu não acredito nem vendo.
Por exemplo: Suponhamos que repetidas vezes um ser de luz aparentando ser do sexo feminino aparecesse para mim alegando ser a “mãe de deus” e tendo um “missão” para mim. A primeira coisa que eu faria seria ir em psiquiatras. Caso a psiquiatria que me fosse acessível não conseguisse detectar nenhuma causa para as visões, ainda assim eu poderia supor que se trata de alguma doença rara, ou ainda não catalogada.
Uma vez não comprovada a existência de alguma doença – embora essa hipótese jamais pudesse ser descartada em função das limitações da medicina – eu poderia, por exemplo, alegar que eu estou sendo cobaia de algum tipo de experimento de controle mental ou lavagem cerebral (talvez até com a participação de alguma arma eletromagnética).
Uma vez aventada a hipótese de que o ser seja verdadeiro (no sentido de não ser uma invenção da minha mente, mas sim de fato uma inteligência sobre-humana), ainda assim eu não teria motivo algum para acreditar em qualquer “revelação” que me fosse feita. Por que eu acreditaria na história que o ser me contasse? É provável que a verdade é a última coisa que me ele me contaria.
Eu poderia, por exemplo, imaginar que esse ser é um programa administrador da Matrix (a sístase) na qual a humanidade está presa e que o meu papel nessa história seria o de ser apenas mais um divulgador de desinformação (uma ferramenta de administração psicológica do gado humano), justamente para manter a “verdade” (cujo conteúdo eu desconheço) ocultada.
Eu não aceitaria a missão, mesmo sob ameaças – pagaria para vê-las sendo cumpridas.
Nota-se, novamente, como o problema da confiança no outro é uma questão central do agnosticismo.

45. A fé de uma pessoa em um discurso de mundo não sobrevive por muito tempo  se ela se dispõe a pensar com lógica e a estudar outros discursos de mundo "de mente aberta", ou seja, sem partir do pressuposto de que  eles são falsos.
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1 A esse respeito, podemos apresentar a seguinte "piada":

Todo homem é mentiroso.
Ora, todo filósofo é homem.
Logo, todo filósofo é mentiroso.





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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

2 comentários:

Silas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Silas disse...

(fiz uma pequena correção no coment)

Nossas opiniões nada mais são do que um reflexo do que somos. No entanto, não somos apenas desejos.

Toda a nossa metafísica é baseada na nossa identidade, e essa identidade tem vários aspectos. Daí decorre que com o tempo inevitavelmente mudamos de opinião não só em contato com novas evidencias, mas também (e principalmente) com as mudanças internas decorrentes de experiências íntimas.

O grande erro é se fixar numa dessas fases dogmaticamente: porque nossas opiniões vão nos ajudando a sabermos quem somos.