terça-feira, 28 de abril de 2009

LXI – Acerca de mais um exemplo de como o nefasto hábito de consumo de carne custa caro à humanidade.


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§ 61






Nas plantas, ainda não há sensibilidade: por conseguinte, não há dor; nos animais mais ínfimos, os infusórios e os radiados, apenas um fraco começo de sofrimento; mesmo nos insetos, a faculdade de receber impressões e sofrê-las é ainda muito limitada. É preciso chegar aos vertebrados, com o seu sistema nervoso completo, para vê-lo aumentar ao mesmo passo da inteligência. (Arthur Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação, Tomo I, § 56)


Encefalopatia espongiforme bovina (vaca louca)? Febre aftosa? Gripe aviária? Não, agora é a vez da gripe suína. Não é evidente que, se a humanidade se abstivesse do hábito de comer carne, e se deixasse os suínos viverem em paz no seu habitat natural, essa doença, como as suas antecessoras, não teria se espalhado entre humanos?

Se o vírus da gripe suína conseguir, dentro de um corpo humano por ele infectado, se misturar com sucesso com um dos vírus da gripe humana comum, então a doença se espalhará com fogo em mato seco e centenas de milhões de pessoas morrerão: trata-se de uma mera “sorte” do vírus na “loteria genética”, que pode sorrir-lhe a qualquer momento.

A morte de pessoas pela “gripe suína” (e nós não sabemos a que proporção as mortes podem chegar) é apenas mais um preço que a humanidade pega por insistir no hábito de comer carne, e comer carne em excesso (o que exige uma produção industrial em massa: e é nesse contexto que essas doenças já mencionadas surgiram e se espalharam para os humanos). O prazer se paga com a dor.

Com essas doenças, há uma socialização dos custos inerentes à produção em massa de carne. Porque qualquer um pode morrer dessa gripe: inclusive os judeus e os vegetarianos (a maioria das pessoas às quais eu falo que a gripe não teria se espalhado se não fosse pela suinocultura se apressa em dizer que não se pega a gripe por comer a carne do animal e que a gripe também ataca os vegetarianos – assim mostram que tanto não entenderam o que eu quis dizer quanto que estão reagindo na defensiva, como se eu tivesse culpando o meu interlocutor, especificamente, por ter criado essa doença, e não o sistema do qual ele é cúmplice).

Eu ainda estou esperando para ver uma “gripe do brócolis”, ou da soja, ou da carambola, etc.



Já que entramos nesse assunto do vegetarianismo, gostaria de apresentar aqui os principais argumentos que eu ouço quando tento convencer alguém a se tornar vegetariano (por que eu sou um):

1. A pessoa diz que tem o costume de comer “pouca carne”. Mas se esquece de dizer que come carne todo dia (e se não o faz é por motivos econômicos) e que vai em churrascos e espetos corridos, com muito gosto, sempre que a convidam.

2. A pessoa argumenta que nós simplesmente não temos como garantir que um pé de alface, ou qualquer planta em geral, sofra menos do que um animal qualquer por ser criado, morto e despedaçado para saciar nosso apetite. Esse argumento (que é o que eu mais ouço) é tão absurdo, que eu simplesmente me recuso a discuti-lo. Não é impressionante que as pessoas, que geralmente acham que sabem muito mais do que realmente sabem, que geralmente ficam se metendo em assuntos sobre os quais não entendem praticamente nada, venham, justamente nessa questão da comparação do “sofrimento vegetal” com o sofrimento animal, invocar uma doutrina agnóstica, e insistam que, sobre esse assunto, nós nada podemos saber? (Por exemplo, o fato das plantas serem destituídas de sistema nervoso ao mesmo tempo em que toda dor por nós conhecida apenas pode ocorrer por meio desse sistema não permite, dizem essas pessoas, que infiramos que as plantas não sofrem, ou mesmo que sofram menos que um porco: essa é uma questão que simplesmente não podemos responder; enquanto não arranjamos uma resposta (e provavelmente nunca arranjaremos), dizem elas, nós podemos continuar a comer carne sem nenhum mal-estar moral.)





3. Outro argumento é alegar que a carne é necessária para nossa nutrição. Quanto a isso eu não tenho uma opinião bem-formada e convicta. A literatura vegetariana insiste, baseada em pesquisas supostamente científicas, que a carne, além de não ser nutritiva, ainda faz mal ao organismo humano. Seja como for, a maioria dos médicos concorda que o excesso de consumo de carne é um dos causadores das doenças do sistema circulatório, as quais estão entre as principais causas de mortalidade humana nas sociedades “civilizadas”. De qualquer maneira, a maioria das pessoas come carne pelo prazer e pelo consumo conspícuo, e não por preocupações nutricionais. Um indício disso é a diversidade de opções que nos são fornecidas: gado, frango, peru, chester, suínos, peixes, “frutos do mar”, avestruz, onça, jacaré, coelho, javali, rã, búfalo, etc. (nos países orientais temos ainda: golfinho, baleia, cachorro e até feto humano).

4. Outro argumento é o de que “é natural” ao humano comer carne. Mesmo que seja (e os vegetarianos xiitas negam) e mesmo que a carne tenha tido um papel fundamental na evolução do homo sapiens sapiens (os xiitas negam também), se ficasse comprovado que não precisamos de carne para viver, do ponto de vista nutricional, então a questão seria puramente moral, e não de saúde. Eu, sinceramente, não sei o que é “natural”, mas imagino que também não sejam naturais o ato de usar roupas, o de comer com talheres, o de tomar banho diariamente, o de escovar os dentes, o de acordar com um despertador, o de se casar, etc. Se adotamos todos esses comportamentos "não naturais" por que não podemos também parar de comer carne?




É claro que as pessoas não se deixam convencer por que não querem ser convencidas: para ela é pedir demais que abandonem o prazer de comer carne em prol da redução de um sofrimento animal cuja existência elas fazem questão de ignorar e negar. O que se pode esperar de gente assim? (Eu também ouço bastante as mais diversas frases, todas elas significando a mesma coisa: “eu não quero me abster desse prazer, e não me importa se o animal sofre, ou se isso faz mal a minha saúde, ou ao meio-ambiente.”)

Os vegetarianos, por sua vez, gostam de chamar a atenção para a insustentabilidade da atual produção em massa de carne. Apenas para citar um exemplo: segundo estudo mencionado na revista Época (18/08/2008, página 76), 78% da área desmatada na Amazônia legal é destinada à pastagem. A pessoa que come carne bovina está contribuindo para o desmatamento da Amazônia e não sabe disso (e em geral não quer saber).





Da minha parte, eu sinceramente não acredito que se possa esperar uma melhora no comportamento moral das pessoas em geral enquanto se vive numa sociedade na qual o consumo de carne (seja de que animal for) não for encarado como uma questão ética.




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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

8 comentários:

Silas disse...

Eu sou, diferente de você, um devorador de carne. Mas, pelo contrário, eu não tenho argumentos éticos apoiando minha posição.

É muito mais subjetivo.

Eu adoro leite de soja por exemplo, e confesso que nunca provei carne de soja, mas a questão é que eu tenho asco de vegetais.

já aconteceu, inclusive, de eu vomitar a salada ao comer, e sempre que eu coloco esse tipo de comida na boca eu tenho aquele impulso de vômito.

Em geral eu não dou muita atenção para o que vou comer. Se é mais saboroso ou menos, e também não dou muita importância para o caráter nutritivo. Só busco evitar alimentos que me inspiram asco.

Pra falar a verdade, também não gosto de carne de porco, mas como de boi e galinha normalmente.

Não se trata de comodidade: penso que passar a ser vegetariano seria contradizer a MINHA própria natureza.

Eu não consigo ter piedade dos animais pelo fato de eles terem um sistema nervoso. Só teria se estivesse apegado a eles sentimentalmente, tal como já estive em relação ao meu cachorro.

Em geral, para eu sentir piedade, o sofredor precisa ser humano, pois assim eu poderia me colocar no lugar dele. Como os animais, que são irracionais, não posso me colocar no lugar deles por ter um sistema nervoso em comum. E isso é subjetivo.

Não dá pra criar uma moral que engloba todas a pessoas, pois sentem o mundo de forma diferente.

Por outro lado, e talvez, contraditoriamente, eu não apoio a matança de animais para se fazer casacos ou coisas assim, pois a vaidade não é uma necessidade.

Mas pra mim a carne É uma necessidade da qual eu não quero abrir mão.

Anônimo disse...

Não há como mudar a moralidade de alguém. Sabendo disso que organizações vegetarianas (PETA e afins) apelam tanto para a sexualidade e para o lado "cool" do vegetarianismo: Não mudam o senso moral mas suprimem o comportamento de outras formas.
Tendo isso em mente, é fácil notar que, mesmo que o consumo de carne se extinguisse, isso não passaria de mais uma jaula pra segurar nosso primitivismo.

Duan Conrado Castro disse...

Caro anônimo,

Muito esclarecedora e triste essa sua colocação. Você tem razão. Eu não conheço muito bem o trabalho da “PETA e afins”: não sabia que eles apelavam para a sexualidade e para o lado cool. Mas eles também não apelam para vídeos sobre os matadouros (eu até tenho um link para um vídeo deles no cap. XXXVI)? Esses vídeos não têm a intenção de sensibilizar aqueles que são sensibilizáveis a essa questão do sofrimento animal?

Hoje um cara me disse que mesmo que morressem 1 bilhão de pessoas por causa dessa gripe as pessoas não iriam parar de comer carne. Isso me lembra o capitão Nascimento dizendo que quem usa drogas é responsável pelas mortes que ocorrem no tráfico: isso é verdade, mas ninguém vai, por causa disso, abandonar o costume imemorial da busca humana por alienação e estados alterados de consciência.

Silas,

Sugiro-lhe que experimente a carne de soja. Tem cara, gosto e cheiro de ração de cachorro...Mas a soja não é o único substituto da carne. Há várias fontes vegetais de proteínas: a berinjela (que eu também vomito quando tento comer), o feijão, a lentilha, o amendoim, etc. Quando eu estava me preparando para me tornar vegetariano eu fiquei surpreso com o fato de que quase tudo que comemos têm proteína: eu achava ingenuamente que só a carne tinha.

Com relação ao seu asco por vegetais, é difícil acreditar que a maior parte dele não se deva ao mero hábito e ao costume. Caso não seja, eu lhe recomendaria consultar um médico. Recomendo-lhe também que visite um restaurante vegetariano: você verá como é possível disponibilizar uma grande variedade de comida sem precisar recorrer às carnes.

Os vegetarianos insistem que é possível estar bem nutrido (e até melhor nutrido) tendo uma dieta vegetariana rica e variada: realmente, se sua dieta já não é variada, você provavelmente teria problemas se tirasse a carne do cardápio, sem substituí-la por nada.

Com relação à questão moral, o nosso amigo anônimo já nos lembrou que a compaixão pelos animais não é uma questão racional: portanto nenhum argumento pode convencer alguém a ter piedade de animais com os quais não há um vínculo emocional (como é o caso dos animais de estimação).

Como você gosta de debates, também lhe sugiro pesquisar esse tema na internet, pois ele é bem polêmico e suscita discussões intermináveis.

Duan Conrado Castro disse...

Segue um e-mail que me mandaram:


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"As 10 frases que me tiram do sério

Vale uma explicação: sou vegetariano pelo motivo mais simples possível – gosto de maneira imensurável de animais. Todos. Gosto de seres vivos. Todos!!! De minhocas e formigas a baleias, passando pelos pouco populares ratos e pombas.

Gosto tanto que decidi, há uns 15 anos, não comê-los. Simples!!!

Dito isso, muita gente ainda acha que vegetarianismo é algo...estranho...penoso...limitador...sei lá. Vou decepcioná-los: não, não é. É fácil como qualquer hábito saudável que você se disponha a ter. E, apesar de eu ter decidido não pela minha saúde, mas pela dos bichos, graças a Deus é saudável.

O único senão do hábito é agüentar no dia-a-dia repetidas vezes as frases abaixo:

1. “Como você repõe a proteína?”
Eu não reponho proteína. Motivo simples: sou um ser humano vegetariano, e não um filhote de guepardo que não come carne. Tenho, como tal, mandíbulas e sistema digestivo de ser humano. Um mínimo (mas mínimo mesmo) de consciência alimentar garante tudo o que você precisa.

2. “Tem uma proteína fundamental ao corpo humano que só a carne fornece.”
Primeiro: abomino, odeio com muita força, quem troca alimentos por elementos – aquele povo “academia”, que come “uma proteína após e um carboidrato antes do treino”.
Essa é a desculpa campeã para manter o habito carnívoro. E a mais imbecil. Se alguém me provar que existe qualquer nutriente que não se consiga em uma alimentação ovo-lacto-vegetariana, como um quilo de tijolo ou de picanha no alho. À escolha.

3. “Você não sente falta (de carne)?”
Sinto. Mas é que além de vegetariano eu sou masoquista também. Gosto de animais, mas gosto ainda mais é de sofrer.
Na verdade tudo é questão de postura, de decisão. A minha é simples: não como carne. Ponto. Logo, não sinto vontade de comer carne. Assim como não sinto vontade de parar para um lanchinho quando vejo um animal morto na estrada, não sinto desejo quando vejo um animal morto em cima da mesa. Meu código moral estabelece que é a mesma coisa comer carne de vaca, de porco, de cachorro, de colibri ou de gato.

4. “Ah, eu não consigo viver sem carne.”
Então tá então. Faça o que quiser. Eu não quero nem pretendo doutrinar ninguém, encher o saco falando dos malefícios, do quão cruel é a origem blablablá.

5. “Mas os vegetais também tem vida.”
Sim, claro. Só que eles não a perdem gritando (porcos), com tiro de pressão ou marretada na cabeça (bois), degolados (frangos), tendo a pele arrancada vivos (porcos, pois muitos não morrem de cara e são jogados na fervura para que a pele descole), por asfixia (peixes)..
E vegetais não sofrem. De novo: NÃO SOFREM! Eles NÃO TÊM sistema nervoso central, ponto de origem da dor.

6. “Tem algo sem carne?”, para o garçom, atendente...
“Tem frango.”
“Você não entendeu: eu não como carne nenhuma.”
“Nem peixe?”
Esse é auto-explicativo.

7. “Ah, tudo bem, lá tem salada.”
Muito obrigado por pensar em mim, já que sou, alem de vegetariano um indivíduo sem paladar e como qualquer coisa. É só me dar um prato e me apontar o caminho do jardim que me sirvo..

8. “Como muito pouca (carne).”
De uma vez por todas: NÃO existe QUASE vegetariano. Não importa se você come muita ou pouca carne. Você é vegetariano por opção. Se falar que consome pouca carne minimiza culpa ou qualquer sentimento ruim que tenha em relação ao assunto, ok. Apenas não precisa compartilhar isso com um vegetariano. Ele NÃO vai te olhar com admiração pelo fato de você consumir pouca carne. E, mais a mais, o que é pouca carne? Sob o parâmetro de um hinduísta ou de um puma?

9. “Não como carne vermelha há anos.”
E a pessoa fica esperando algo como um olhar e uma saudação da entidade secreta vegetariana para este vegetariano que abre exceções para peitos de aves e peixes.

10. “Não posso ver o bicho inteiro na mesa
Bom mesmo é quando o alimento vem na íntegra das plantações de picanha, acém, maminha, bacon...

(ESCRITO POR LUIZ CESAR PIMENTEL - mas eu poderia ter escrito...é bem assim mesmo...rsrsrsr)"

Duan Conrado Castro disse...

Para uma teoria da conspiração sobre a gripe suína, assista a esse vídeo:

http://www.youtube.com/watch?v=CcgCBiyGljM&feature=player_embedded

Operação pandemia (Legendado)

Anônimo disse...

Mas... você é ovo-lacto-vegetariano? Ou segue uma dieta vegetariana estrita (ou outra coisa)? O ovo e o leite não são fruto de uma exploração/escravização dos bichos?

Duan Conrado Castro disse...

Eu apenas como leite e ovos "indiretamente", já que esses ingredientes estão na composição de muitos alimentos.

Para eu virar um vegano eu teria ter uma disciplina que no momento ainda não adquiri. Mas quem sabe um dia eu adquira.

Anônimo disse...

Obrigada pela resposta. Ando pesquisando sobre o assunto porque estou tentando ser vegana. Realmente precisa de esforço para selecionar os alimentos.