sábado, 30 de agosto de 2008

XXXIII – Acerca da observação capital sobre a procriação efetuada por Schopenhauer no cap. LX do primeiro tomo de sua obra máxima.

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§ 33







(...)Além disso, sem nenhuma paixão subjetiva, sem desejos e impulsos físicos, somente por pura reflexão e fria intencionalidade, colocar uma pessoa no mundo, para que ali esteja, isto seria uma atitude moralmente bastante duvidosa, que provavelmente somente uns poucos realizariam (...) (Arthur Schopenhauer, Parerga e Paralipomena, §167).

- Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. (Brás Cubas em Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, capítulo CLX, última frase do capítulo e do livro).

"A reprodução da força de trabalho, que incessantemente precisa incorporar-se ao capital como meio de valorização, não podendo livrar-se dele e cuja subordinação ao capital só é velada pela mudança dos capitalistas individuais a que se vende, constitui de fato um momento da própria reprodução do capital. Acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado." (Marx, O Capital, Livro I, capítulo XXIII)

"Uma mulher com um bebê recém-nascido está feliz demais para ver seu filho como bucha de canhão ou como fonte de mão de obra barata para os ricaços." [William Cooper, Behold a Pale Horse, pg 63, citado por David Bay em: http://www.espada.eti.br/n1455.asp ]

"Aqueles que não usam seus cérebros não são melhores do que aqueles que não têm cérebro, de modo que em uma família assim, pai, mãe, filho e filha, tornam-se bestas de carga úteis, ou treinadores de bestas." [Ibidem, pg 64]

"A única felicidade é a de não nascer." (Arthur Schopenhauer, A arte de insutar (organizado por Franco Volpi), verbete Nascimento)


Citação do capítulo LX do primeiro tomo do Mundo Como Vontade e Como Representação. Para mim esse é o ponto central de toda a sua filosofia:

"O ato da procriação, em relação ao seu autor, apenas exprime, assinala, a sua adesão determinada à vida; (...) Por efeito dessa afirmação que ultrapassa o corpo do indivíduo e vai até a produção de um novo corpo, a dor e a morte, também elas, e enquanto são essenciais ao fenômeno da vida, são também afirmadas de novo e, desta vez, a possibilidade de libertação que a inteligência chegada ao mais alto ponto de perfeição deve oferecer está visivelmente perdida."

O Jair Barboza “esqueceu” de citar justamente esse ponto capital da filosofia schopenhauriana ("De certo modo, está aqui o ponto capital de todo o nosso estudo", no capítulo LXVIII do I Tomo) nos livrinhos que escreveu para tentar divulgar o trabalho do alemão. (Um desses livrinhos tem o bonito nome de “Schopenhauer – a decifração do enigma do mundo”, coleção Logos, editora Moderna; o outro, mais compacto e que acrescenta pouco ou nada ao primeiro, se chama simplesmente “Schopenhauer”, coleção Filosofia passo-a-passo, número 16, editora Jorge Zahar.)

O velho Jair Barboza aproveita esses livros para insistir insistir insistir que a filosofia de Schopenhauer não é pessimista. Nas palavras dele: “Na verdade, trata-se de uma filosofia do consolo, constituída pela oscilação entre pessimismo teórico e otimismo prático.”

Verifique um exemplo desse “otimismo prático” no capítulo ### 6.

O próprio nascimento já é uma experiência avassaladora. A criança já nasce chorando, pois não quer abandonar o calor, a umidade e a segurança do útero: a criança já nasce num estado de privação e, portanto, de sofrimento. E toda a vida do indivíduo não passa de uma sucessão de dores, aborrecimentos e ilusões. E, afinal, quem ensina a criança a perder a vivacidade e a perspicácia? E quem a ensina a ser covarde e inautêntica? Não é a própria vida, com sua interminável lista de desilusões e frustrações? Toda vida é sofrimento.


A reprodução da força de trabalho se consubstancia não somente pela manutenção continuada do processo de subsistência do trabalhador, mas, também, pela reprodução desse enquanto indivíduo, portanto pela produção de uma nova força de trabalho – que é a garantia dada ao capital de que o mesmo terá no futuro material com o qual possa se valorizar, isso não obstante a exploração, o desgaste e a obsolescência da força de trabalho atualmente consumida, bem como a crescente redundância relativa, ao longo do tempo, da força de trabalho em geral. O despotismo do capital é tal, que a própria reprodução humana é por ele cooptada e transformada numa das etapas do seu processo de valorização.




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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

5 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

Para quem insiste que Schopenhauer não é pessimista.

Pessimismo: Filosofia: Caráter das doutrinas metafísicas ou morais que afirmam a supremacia do mal sobre o bem e costumam levar à adoção de uma atitude em geral de escapismo, imobilismo, ou conformismo, seja o mal considerado a privação dos meios de conservação da vida (alimentos, abrigo, etc.) quer seja considerado a privação dos meios de expansão espiritual [Opõe-se a otimismo]. (Novo Dicionário Aurélio da lingua portuguesa, 3° edição, Editora Positivo, 2004)

Vou tentar lhe mostrar que Schopenhauer não só era pessimista como se considerava um pessimista; não só se considerava um pessimista como criticava abertamente o otimismo.

Mas antes, uma pergunta: qual é o problema de ser pessimista? Por que isso seria uma ofensa à alguém? Por que isso seria uma ofensa a Schopenhauer?

"Panteísmo é necessariamente otimismo, e por isso é falso." (capítulo V de Parerga e Paralipomena, publicado na coleção Os Pensadores, volume Schopenhauer, editora Nova Cultural, ano 2005, página 241.

Ora, se algo é falso por ser otimismo, então o que Schopenhauer considera verdadeiro? O Pessimismo!

"Não posso, porém, dissimular aqui a minha opinião: é que o otimismo, quando é um puro palavreado privado de sentido, como acontece nessas cabeças vazias onde se alojam apenas palavras, é pior do que um modo de pensar absurdo: é uma opinião realmente ímpia, uma zombaria odiosa, em face das inexprimíveis dores da humanidade. Mas não se pode pensar que a fé cristã é favorável ao otimismo; muito pelo contrário, nos Evangelhos, o mundo e o mal são considerados quase como sinônimos." (O mundo como vontade e como representação, Tomo I, §59 (no final)).

De novo, não está ele aqui dizendo que ele e os Evangelhos são pessimista (pressuponho q vc conhece as opiniões favoráveis q ele tinha a respeito dos Evangelhos e do Budismo)?

"O pelagianismo é o esforço desfazer o cristianismo voltar ao judaísmo grosseiro e trivial e ao seu otimismo." (A arte de insultar, p. 125, editora Martins Fontes, 2005)

De novo: ele se mostra favorável ao otimismo aqui? Ou otimismo é para ele uma palavra pejorativa?

Vc deve conhecer a frase "tudo não está bom, tudo está o melhor possível". Essa frase é de Leibiniz, um filósofo otimista. Na sua época, Leibiniz recebeu de Voltaire uma resposta para essa sua frase: o livro "Cândido, ou o otimismo". Nesse livro há um filósofo, Panglós, que diz a mesma frase de Leibiniz. Depois de muito sofrimento, Panglós admitiu que estava errado. Esse é um livro pessimista.

Em provacação a Leibiniz, Schopenhauer diz o seguinte:

"O mundo éo pior dos mundos possíveis." (A arte de insultar, p. 117 editora Martins Fontes, 2005)

Diz também, no mesmo livro e na mesma página:

"O mundo é o mesmo o inferno, e os homens são, por um lado, as almas atormentadas e, por outro, o demônio que nele habita."

Diz também, no mesmo livro e na mesma página:

Deve-se dar razão a Aristóteles quando ele diz: "A natureza é demoníaca, não divina [ cf. De divinatione per somnum 2, 463 a 14-15]. Poderíamos traduzir: "O mundo é o inferno".

Diz também, no mesmo livro e na mesma página:

"Se quiséssemos conduzir o mais obstinado otimista [de novo se refere ao otimista como alguém que está errado, logo, de novo, deixa claro que ele se identifica com o pessimismo] por hospitais, lazaretos e câmaras de martírio cirúrgicas [na época dele as cirurgias eram realizadas sem anestesia], por prisões, câmaras de tortura e estábulos de escravos, passando por campos de batalha e tribunais, depois abrir-lhe todas as moradas da miséria, onde esta se esconde dos olhares da fria curiosidade, e por fim fizéssemos com que ele olhasse dentro da torre de Ugolino, certamente ele também acabaria por entender de que tipo é esse melleur des mondespossibles." [referência a Leibiniz] [Essa passagem foi retirada do § 59)

Na mesma página, e na seguinte, Schopenhauer fala mais coisas sobre o mundo, todas elas do mais lúgubre pessimismo.

No § 35 do Mundo como vontade e como representação, ele deixa claro que não acredita que o futuro da humanidade será melhor no futuro: "Já não se acreditará com o homem vulgar que o tempo possa trazer-nos qualquer coisa de uma novidade ou de uma significação reais; já não se imaginará que alguma coisa possa, por si ou em si, chegar ao absoluto, já não se atribuirá ao tempo, como um todo, um começo ou um fim, um plano e um desenvolvimento; já não s lhe determinará, como faz o conceito vulgar, para objetivo final o mais alto aperfeiçoamento deste gênero humano, a última geração sobre a terra e cuja vida média é de trinta anos." [a expectativa de vida na época de Schopenhauer era muito baixa; e ainda hoje há países pobres onde a expectativa de vida é inferior a quarenta anos.]


No segundo Tomo do Mundo como vontade e como representação ele repete a idéia de que as coisas não vão melhorar:

"Se por suas próprias forças, o tempo pudesse conduzir-nos a um estado bem-aventurado, então lá já estaríamos desde há muito tempo, pois um número infinito de séculos se estende atrás de nós. Mas se também o tempo pudesse conduzir-nos à destruição, então há muito tempo já não seríamos mais. (Tomo II de O mundo..., capítulo XLI, disponível em português em Da morte/metafísica do amor/Do sofrimento do mundo, da editora Martin Claret, 2004, página 53

Os § 56 a § 59 do Tomo I do Mundo como vontade e como representação ele tenta demostrar (para mim de forma convincente) que toda a vida é sofrimento. Ele acrescenta novos e sombrios argumentos a essa passagem em Parerga e Paralipomena, capítulo XII, cujo título é "Contribuições à doutrina do sofrimento do mundo". (Vc pode achar uma tradução desse texto na mesma edição de Os pensadores já citada aqui; pode encontar outra em Da morte/metafísica do amor/Do sofrimento do mundo, da editora Martin Claret, 2004).


Dentre as muitas e muitas passagens pessimistas de Aforismos para sabedoria na vida, separei esta par você:

"Quem vê tudo negro e receia sempre o pior, tomando por isso as suas providências, não se enganará tanto quanto quem vive a dar às coisas belo colorido e risonha disposição." (quarto parágrafo do capítulo II - Daquilo que se é)

No fim do §56 doTomo I do Mundo...ele diz, repetido o Budismo: “Toda a vida é sofrimento.” Quero que você me explique como isso não é pessimismo. E não adiante dizer que é por que é verdade: você que ainda não se livrou do preconceito dos otimista de afirmar que tudo que é pessimista é mentira. Para mim, geralmente é o contrário: a verdade geralmente está do lado dos pessimistas.

Para mim Schopenhauer era pessimista e se orgulhava disso. Eu também me considero pessimista e me orgulho disso. Para mim ser pessimista é ter razão.

Agora, se você não considera Schopenhauer pessimista, então me diga QUEM é pessimista?

Duan Conrado Castro disse...

O fato de Schopenhauer ter tido pelo menos dois filhos com amantes não contradiz o conteúdo da sua obra filosófica. Senão vejamos.

Para Schopenhauer, se o indivíduo não deseja mais fazer sexo, a sua reprodução se torna supérflua, pois o objetivo (chegar a negação do querer viver) já foi verificado; porém, se o indivíduo é incapaz de resistir ao impulso sexual (ou seja, é incapaz de chegar à negação do querer viver - e esse é o caso do próprio Schopenhauer e provavelmente de qualquer pessoa que esteja lendo isso), então ele não deve recorrer ao aborto, aos métodos contraceptivos ou à homossexualidade, pois todos esses artifícios negam à coisa-em-si uma nova manifestação sob a forma de um novo indivíduo - e essa é a única chance de um dia ela chegar a negação de si mesma.

Sobre isso ler o § 167 de Parerga e Paralipomena, que fica no capítulo XIV - Contribuições à doutrina da afirmação e da negação do querer viver. (Esse capítulo foi publicado pela editora Nova Cultural no volume Schopenhauer da coleção Os Pensadores).

Sobre isso, ler também o § 69 do Tomo I do Mundo como Vontade e como Representação, no qual é dito:"Mas este resultado [a negação do querer viver] não pode ser obtido através de nenhuma violência física, tal como a destruição de um germe, o assassínio de um recém-nascido, ou o suicídio. (...) não se deve negar a vida àqueles que a merecem [para mim esse "merecem" possui um conotação de castigo, não de recompensa] (...) a vontade como coisa metafísica só pode sersuprimida pelo conhecimento (...)"

Vale lembrar que para Schopenhauer a negação do querer viver (a santidade) não se aprende pelo estudo, nem é possível de se alcançar pelo esforço pessoal. O mesmo vale para a genialidade. Sobre isso ver, entre outras passagens, o §70 do Tomo I do Mundo como Vontade e como Representação, no qual é dito o seguinte: "Daí resulta que esta negação do quere, esta tomada de posse da liberdade, não pode ser realizada à força, nem deliberadamente; ele emana simplesmente da relação íntima do conhecimento com a vontade no homem, por conseqüência produz-se subitamente e como que por um choque vindo de fora."

Dessa forma, do ponto de vista da vida do próprio Schopenhauer, ele sabia que não era um santo, e acreditava que por mais que se esforçasse não poderia se tornar um (por isso ele não se mudou para a Índia, nem virou um mendigo ou eremita). Daí que ele foi coerente com sua obra: se não conseguiu renunciar ao desejo sexual (já que tinha amantes), também acabou engravidando-as (donde podemos concluir que, pelo menos algumas vezes, ele mantinha relações sexuais sem métodos contraceptivos).

Disso tudo podemos concluir que mesmo se ele tivesse se casado e tivesse tido vários filhos ele não teria contradito sua filosofia. Ao contrários, se ele tivesse abortado os seus filhos ou mesmo os matado (ou ainda se suicidado) ele estaria dessa forma em contradição com o que ele escreveu.

Percebam ainda, que se nos atermos apenas ao conteúdo moral dessa filosofia, nós teríamos que concordar, embora com argumentos diferentes, com a Igreja Católica quando essa condena os métodos contraceptivos, o aborto ou a homossexualidade.

Duan Conrado Castro disse...

O Movimento de Extinção Humana Voluntária: http://www.vhemt.org/pindex.htm

Anônimo disse...

Eu também sou um outsider, e um dos fatores mais fortes para que eu me tornasse um foi ser alvo de bullying durante toda a minha infância e adolescência.
Li seu post sobre a crítica à idealização das crianças e concordo, elas (e os adolescentes também) podem ser cruéis, sádicas, tudo que há de pior, digo isso pela experiência de bullying que trouxe problemas psicológicos para mim que duram até hoje e provavelmente não irão embora. Mas sobre a postagem sobre procriação: um dos meus maiores medos em colocar uma pessoa no mundo, mais do que o medo dela ser uma vítima do bullying e outras dores da vida, é o medo dessa nova criatura se tornar um desses sádicos, humanos, demasiado humanos, que eu tanto abomino.

Duan Conrado Castro disse...

Anônimo,

Desculpe-me, só agora que eu vi esse seu comentário. Na época em que ele foi feito eu não devo ter visto ele no meu e-mail...

Seja como for, o que eu posso dizer é que, entre a minha infância e a sua, já houve algum progresso...Na minha época não havia nenhum tipo de política de identificação e repressão do bullying...

Desculpe-me o pessimismo...(você está nesse blog, o que mais poderia esperar?), mas essa sua fala me lembrou uma cena de um filme, o qual eu infelizmente não lembro o nome.

A cena é a seguinte: uma garotinha pergunta para um homem algo mais ou menos assim "A vida é sempre ruim assim ou é só quando a gente é criança?" Ele responde, secamente: "É sempre assim."

Pois é, "é sempre assim". Os problemas vão se acumulando. Alguns são resolvidos, outros são esquecidos, mas "é sempre assim".

Boa sorte, você vai precisar. Todos vamos precisar.