domingo, 24 de fevereiro de 2008

III - Acerca da auto-alienação presente no “passatempo” e da contradição existencial imanente daí decorrente.

.
.
.
§ 3









Aquilo que constitui a ocupação de qualquer ser vivo, que o mantém em movimento, é o desejo de viver. Pois bem, uma vez assegurada esta existência, não sabemos o que fazer dela, nem em que a empregar! Então intervém a segunda mola que nos põe em movimento, o desejo de nos livrarmos do fardo da existência, de o tornar insensível, de “matar o tempo”, o que quer dizer fugir do aborrecimento. Arthur Schopenhauer, O Mundo como Vontade e como Representação, Tomo I, §57.


É deprimente saber que centenas de milhões de pessoas passam a maior parte do seu tempo livre agonizando diante da televisão. Isso é escapismo, é uma forma de tornar a vida insensível, uma forma de auto-alienação.

Pense bem: essas pessoas utilizam o seu tempo livre (ou seja: aquele tempo não despendido na luta diária pela sobrevivência) justamente para esquecer - para apagar e não perceber - a mesma vida cuja manutenção delas exige tanto esforço!


Trata-se de uma fuga do real por meio do seu esquecimento e da sua substituição por um hiper-real, por uma idealização do real, por uma falsificação glamurizada e espetacularizada do real. (1)

As pessoas labutam pesado para garantir a própria vida; e quando conseguem isso não sabem o que fazer com essa mesma vida cuja manutenção tanto custa.

Se o “eu” fosse algo que valesse a pena, e que nos orgulhasse, a auto-alienação não seria prazerosa. Igualmente, se a vida fosse boa, não seria satisfatório se esquecer dela.


________________

(1) Ao ler esse blog, você perceberá que o meu "problema existencial" pode ser assim enunciado: eu me indigno com o fato do hiper-real ser falso, e me indigno também com o fato do real ser miserável; eu rejeito a ambos; o que eu quero, no fundo, é transformar o real em hiper-real (como ocorre, por exemplo, nos filmes Matrix). Assim, a tragédia e o desespero são conseqüências da busca por realizar um projeto irrealizável.





***

Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

Nenhum comentário: