sábado, 4 de setembro de 2010

CXVII - Acerca dos filhos de Schopenhauer - ele teve pelo menos dois filhos, como isso não contradiz a sua filosofia?


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§ 117




O ato da procriação, em relação ao seu autor, apenas exprime, assinala, a sua adesão determinada à vida; (...) Por efeito dessa afirmação que ultrapassa o corpo do indivíduo e vai até a produção de um novo corpo, a dor e a morte, também elas, e enquanto são essenciais ao fenômeno da vida, são também afirmadas de novo e, desta vez, a possibilidade de libertação que a inteligência chegada ao mais alto ponto de perfeição deve oferecer está visivelmente perdida. (Arthur Schopenhauer, § 60 do Tomo I d' O mundo como vontade e como representação)



Conforme pode ser lido em uma de suas biografias (Vida de Schopenhauer, Karl Weissmann, Editora Itatiaia, 1980), ele teve um filho, ainda na época anterior à publicação da primeira edição d’ O Mundo como vontade e como representação (em 1819), com uma camareira de hotel. Mas a criança morreu algumas semanas depois de nascer (página 70). Quando ele estava em uma de suas longas viagens pela Itália, Schopenhauer soube que uma de suas amantes tivera um filho. Todavia, o filósofo já estava há vários meses na Itália, e a própria amante negou que o filho fosse dele. O menino sobreviveu até a idade adulta e foi batizado pelo nome de Carl Ludwig Gustav Medon (página 109). Morando em Berlin, ele engravida outra amante, mas novamente a criança morre depois de nascer (página 111).

O fato de Schopenhauer ter tido pelo menos dois filhos com amantes não contradiz o conteúdo da sua obra filosófica, como muitos poderiam pensar. Senão vejamos.

Para Schopenhauer, se o indivíduo não deseja mais fazer sexo, a sua reprodução se torna supérflua, pois o “objetivo” (chegar a negação do querer-viver) “já foi verificado”; porém, se o indivíduo é incapaz de resistir ao impulso sexual (ou seja, é incapaz de chegar à negação do querer-viver - e esse é o caso do próprio Schopenhauer e provavelmente de qualquer pessoa que esteja lendo isso), então ele não deve recorrer ao aborto, aos métodos contraceptivos, à masturbação ou à homossexualidade, pois todos esses artifícios negam à coisa-em-si uma nova manifestação sob a forma de um novo indivíduo - e essa é a única chance de um dia ela chegar a negação de si mesma. Sobre isso ler o § 167 de Parerga e paralipomena, que fica no capítulo XIV - Contribuições à doutrina da afirmação e da negação do querer viver. (Esse capítulo foi publicado pela editora Nova Cultural no volume Schopenhauer da coleção Os Pensadores).

A esse respeito, ler também o § 69 do Tomo I d' O Mundo... , no qual é dito:"Mas este resultado [a negação do querer-viver] não pode ser obtido através de nenhuma violência física, tal como a destruição de um germe, o assassínio de um recém-nascido, ou o suicídio. (...) não se deve negar a vida àqueles que a merecem [para mim esse "merecem" possui um conotação de castigo, não de recompensa], (...) a vontade como coisa metafísica só pode ser suprimida pelo conhecimento (...)".



Vale lembrar que para Schopenhauer a negação do querer-viver (a santidade) não se aprende pelo estudo, nem é possível de se alcançar pelo esforço pessoal. O mesmo vale para a genialidade. Sobre isso ver, entre outras passagens, o § 70 do Tomo I d’ O Mundo..., no qual é dito o seguinte: "Daí resulta que esta negação do querer, esta tomada de posse da liberdade, não pode ser realizada à força, nem deliberadamente; ele emana simplesmente da relação íntima do conhecimento com a vontade no homem, por conseqüência produz-se subitamente e como que por um choque vindo de fora."

Dessa forma, do ponto de vista da vida do próprio Schopenhauer, ele sabia que não era um santo, e acreditava que por mais que se esforçasse não poderia se tornar um (por isso ele não se mudou para a Índia, nem virou um mendigo ou eremita – claro, essa é a interpretação laudatória; a interpretação crítica seria que ele não o fez por covardia e comodidade). Daí que ele foi coerente com sua obra: se não conseguiu renunciar ao desejo sexual (já que tinha amantes), também acabou engravidando-as (donde podemos inferir que, pelo menos algumas vezes, ele mantinha relações sexuais sem os métodos contraceptivos disponíveis em sua época).

Disso tudo podemos concluir que mesmo se ele tivesse se casado (como, segundo biógrafos, pensava em fazer) e tivesse tido vários filhos ele não teria contradito sua filosofia. Ao contrário, se ele tivesse abortado os seus filhos ou mesmo os matado (ou ainda se suicidado, como, também segundo biógrafos, pensava em fazer) ele estaria dessa forma em contradição com o que ele escreveu.

Percebam ainda que, se nos ativermos apenas ao conteúdo moral dessa filosofia, nós teríamos que concordar, embora com argumentos diferentes, com a Igreja Católica quando essa condena os métodos contraceptivos, o aborto ou a homossexualidade. Eu não disse que concordo com isso, apenas estou relatando os fatos.





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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

9 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

Quem nasce de parto natural (não foi esse o meu caso) geralmente nasce em meio a sangue e fezes.

Para quem nunca se deu ao trabalho de procurar vídeos sobre parto natural:


Parto normal no açougue:

http://www.youtube.com/watch?v=GV-gEwO-W_0&has_verified=1


Childbirth with shit:

http://www.mariafamily.com/2010/03/childbirth-with-shit.html?zx=5405c5c6eb47dae7


Eu defendo a prática do parto de cócoras. Para quem não conhece:

http://www.amigasdoparto.com.br/cocoras.html

g. disse...

Puxa, tava tentando me lembrar agora, o que mesmo Schopenhauer fala ou insinua sobre a homossexualidade? Se eu não me engano é na Metafísica do Amor ou na Metafísica da Morte... Não me lembro se era propriamente uma crítica.

Duan Conrado Castro disse...

Gabriel,

A única passagem que eu me lembro na qual Schops fala da homossexualidade é a seguinte:

"A grande predominância do cérebro explica porque o homem tem menos instintos que os animais, e porque mesmo os poucos instintos que tem podem algumas vezes desviar-se da regra. Com efeito, o sentido da beleza que dirige a escolha do objeto da satisfação sexual, se extravia quando degenera em propensão à pederastia; assim, certo tipo de mosca (Musca vomitoria) em vez de depor os ovos, em conformidade com seu instinto, sobre a carne putrefata, os põe sobre a flor do Arum dracunculus, levada pelo cheiro cadavérico dessa planta." (capítulo LXIV - Metafísica do amor - do Tomo II de O mundo como vontade e como representação).

A expressão "desviar-se da regra" pode dar uma conotação de crítica, embora Schops não tenha se dado ao trabalho de escrever parágrafos criticando (como já o fez com relação ao uso da barba ou ao estalar de chicotes dos carroceiros da época – questões supostamente mais irrelevantes).

Até onde eu sei, o conceito de homossexualidade foi inventado depois da morte de Schops, "pederastia", no contexto citado pelo filósofo, provavelmente não significa o que se entende atualmente por homossexualidade, mas sim a atração de homens por rapazes (geralmente entre uns 16 e 22 anos), comum na Grécia Antiga. Com relação à afirmação menção ao "sentido da beleza" cabe lembrar que Schopenhauer afirmava, em seu machismo?, que a beleza masculina possivelmente superior à feminina:

"A arte de lidar com as mulheres" (Editora Martins Fontes, 2004, primeira edição):

"A beleza dos rapazes está para a beleza das moças assim como a pintura a óleo está para a pintura em pastel." (pg. 14)

"Somente o intelecto masculino, turvado pelo instinto sexual, poderia chamar de belo sexo as pessoas de estatura baixa, ombros estreitos, ancas largas e pernas curtas: na verdade, é nesse instinto que está toda a sua beleza." (pg. 4)

Creio que ele esteja afirmando na primeira citação que, quando o instinto sexual do homem é guiado principalmente pela questão da beleza, ele pode "degenerar em propensão à pederastia", ou seja, a atração por rapazes. Perceba que essa "explicação" tem pouco a ver com o que se entende atualmente por homossexualidade.

Aliás, o livro "Morte em Veneza" de Thomas Mann narra justamente isso que Schops afirma: um homem, um artista maduro (50 e poucos anos), acaba fascinado pela beleza de um rapaz (se não me engano menor de idade, ou seja: pederastia) e se apaixona pela imagem dele, sem sequer trocar com ele uma única palavra durante todo o livro.

g. disse...

"como já o fez com relação ao uso da barba ou ao estalar de chicotes dos carroceiros da época – questões supostamente mais irrelevantes"

haha não sabia dessa.

Obrigado pelos esclarecimentos. Creio que devo ter visto em um documentário que baixei uma vez sobre o Schopenhauer (meio fraquinho de conteúdo, na verdade...), em que diziam que Schops tinha dito algo sobre os homossexuais. De fato, sendo que o conceito de homossexual tal como o conhecemos hoje foi inventado no século XIX apenas, não faz tanto sentido...

Aaaaah me lembrei. Era algo do tipo assim: os indivíduos homossexuais são aqueles que originariam descendentes defeituosos, pouco adaptáveis, algo assim... Então os homossexuais seriam uma "estratégia" da Vontade para impedir o nascimento destes seres... Bom, então ou eu tirei essa ideia deste documentário, ou tô viajando na maionese.

Duan Conrado Castro disse...

Sim, eu lembro de ter lido em algum lugar que Schops supostamente disse isso sobre a pederastia. Mas eu não li nada disso nos textos dele, foi em algum comentador. Era algo nesse sentido sim, de que a pederastia é um artifício para a Vontade se afirmar sem passar adiante características indesejáveis à espécie.

Anônimo disse...

"Schopenhauer bate em bisbilhoteira
e leva processo nas costas"

http://hingoweber.blogspot.com/2009/03/schopenhauer-bate-em-bisbilhoteira-e.html

..."De fato, não se pode dizer que Schopenhauer morreu sem nunca se ter casado."

Duan Conrado Castro disse...

XD
Sim, é verdade. O caso é sempre mencionado pelos biógrafos de Schopenhauer.

Por que o gênio simplesmente não bloqueou o buraco da fechadura? Provavelmente por arrogância: eram as vizinhas que tinham que mudar o comportamento, não ele.

Anônimo disse...

Ficou massa a foto dessa mulher aí ;0
kkkkkkkkk

Anônimo disse...

Bandodeloco!