sábado, 11 de abril de 2009

LVIII – Acerca de reflexões sobre a “cacofonia na Torre de Babel” suscitadas por conflitos ideológicos em torno da psicanálise e do sudário de Turim.

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§ 58







O fato fundamental aqui é que fixamos regras, uma técnica, para um jogo e que quando seguimos as regras as coisas não se passam como havíamos suposto. Que, portanto, nos aprisionamos, por assim dizer, em nossas próprias regras.
Este aprisionamento em nossas regras é o que queremos compreender, isto é, aquilo de que queremos ter uma visão panorâmica.
(Wittgenstein, Investigações filosóficas, cap. 125)


There's so many different worlds
So many different suns
And we have just one world
But we live in different ones

(Dire Straits, Brothers In Arms)


Uma rápida pesquisa na internet sobre o sudário de Turim reascendeu em mim inquietações acerca da “cacofonia na Torre de Babel”, acerca das limitações e presunções da mundidivisão cultivada por cada um de nós.


Em mais um programa acerca do Santo Sudário, o Discovery Chanel trouxe revelações que para mim foram surpreendentes. Fiquei tão surpreso quanto ficara ao conhecer Ram Bonjon no mesmo canal de televisão.

Depois de 17 anos refutando argumentos de “fanáticos” que tentavam reiteradamente negar a validade da datação por carbono-14 realizada no sudário em 1988 (a qual estabelecera a sua idade como sendo de aproximadamente 800 anos), o até então cético Raymond Rogers finalmente se convenceu quando tomou conhecimento dum artigo publicado por Joseph Marino e Sue Benford, os quais não se consideram “fanáticos” (embora tenham – pela fé na legitimidade do sudário – lutado durante anos para arranjar alguma forma de prová-la). O artigo se baseia na análise de imagens de raio-x do sudário e argumenta basicamente que as amostras utilizadas nos testes de datação (retiradas do canto inferior esquerdo do tecido) seriam inválidas pois exatamente nessa parte ocorrera (provavelmente no século XVI) – sem que ninguém até então percebesse isso (mesmo depois de exaustivos e intermináveis exames científicos) – um sofisticado processo de restauração baseado num entrelaçamento de tecido novo (da Idade Média) com o "tecido original" (supostamente mais antigo), processo esse conhecido como tecelagem francesa. A princípio Rogers achou o argumento ridículo, como todos os seus antecessores. Porém, quando foi analisar a amostra de controle do teste de datação que estava ao seu alcance, Rogers subitamente mudou de idéia, declarando em um artigo científico e em um vídeo que as amostra utilizadas não eram válidas. (1)

O programa do Discovery Chanel termina em um tom animador para aqueles que acreditam na veracidade do sudário. Para mim, as coisas não foram tão felizes assim. Além de não acreditar na história, ainda tenho repulsa por essas discussões sem fim alimentadas pela mídia (Discovery Chanel, revista superinteressante, revista Galileu, Dans Browns da vida e da morte, etc.) em torno da figura de Jesus Cristo. Por isso, na minha sempre renovada ingenuidade, fiquei cho-ca-do com o que vi e fui pesquisar mais sobre o assunto (adivinhe onde? na Biblioteca Pública do Paraná é que não foi). Após um périplo pela internet, passando pelas mais diversas e divergentes opiniões sobre esse assunto, meu desespero arrefeceu ao ler o seguinte parágrafo do Dicionário do cético:

Naturalmente, o tecido poderia ter 3.000 ou 2.000 anos de idade, como especula Rogers, mas a imagem nele poderia datar de um período muito posterior. Qualquer que seja a data correta, tanto para o pano quando para a figura, não prova em nenhum grau de probabilidade razoável que o tecido seja o sudário em que Jesus foi envolvido e que a imagem seja de alguma forma milagrosa. Acreditar nisso sempre será uma questão de fé, não de provas científicas.

Passeando, agora mais tranqüilo, pelo referido dicionário, entre artigos sobre fadas, zumbis, código da Bíblia, crianças índigo, etc., encontrei um artigo sobre a psicanálise, no qual, para a minha surpresa, ela não recebe um tratamento muito mais respeitoso que os seus companheiros ali criticados. Para um psicanalista que se considere um “ateu”, ou ainda um “ateu materialista”, deve ser ainda mais surpreendente ver a psicanálise assim resumida a um placebo místico e verborrágico.

Pareceu-me claro que para o autor desse dicionário (Robert Todd Carroll), os limites que separam Ram Bonjon, cristianismo, metafísica schopenhauriana, teoria miasmática, e, entre outros, psicanálise são tênues e quase inexistentes: ele compara tudo isso com os métodos das ciências exatas e assim descarta todos no lixão comum dos contos de fadas.

Quanto ao Discovery Chanel, percebi que seu objetivo é alimentar os mitos, e não decifrá-los (com exceção dos mitos amenos e pirotécnicos do Myth Busters).

Isso me fez novamente refletir sobre a limitação humana. Temos a tendência egoística de querer que todos os demais sejam como nós somos, ou como nós gostaríamos de ser. Será que Robert Todd Carroll não é capaz de perceber em que tipo de mundo horrível (mais horrível que o atual, que já é uma bosta) nós viveríamos se fossemos guiados unicamente pelo método científico das ciências naturais, em detrimento de todo o resto do cabedal cultural humano? Ele realmente acredita que uma sociedade assim poderia funcionar, e funcionar melhor que a atual?

Sinto-me irresistivelmente tentado a afirmar quase com certeza que Robert Todd Carroll é alguém cuja área de atuação profissional se dá em alguma disciplina das ciências exatas. Alguém que trabalha na área de humanas, ou mesmo na biológica, provavelmente não teria uma mente tão "limitada" assim, apesar dos seus louváveis serviços prestados na luta contra as superstições (no que diz respeito a essa luta, recomendo também os sites Ceticismo aberto, Ateus.net e Projeto Ockham).

Obviamente que os céticos e cientificistas não são os únicos que estão errados (aliás, são um dos que estão menos errados; mas vou perder meu tempo criticando-os por que para mim isso é novidade; criticar cristianismo e new age é para mim chover no molhado). O erro está em todos nós. Se Robert Todd Carroll não mentiu sobre a psicanálise, então os psicanalistas tinham, nos anos 1950-60, a pretensão de curar até mesmo a esquizofrenia (e se isso for verdade, não ficarei surpreso em saber que alguns psicanalistas acreditem nisso até os dias atuais). Também eles, na sua limitação, não pararam para pensar séria e criticamente em como seria um mundo no qual o método científico tradicional e a por eles criticada “lógica aristotélica” não pudessem, por algum motivo dogmático, meter-se no estudo e no tratamento dos problemas relacionados à mente humana. O poder corrompe. (Eu mesmo me senti muitas vezes ofendido pela presunção do meu psicanalista: parecia-me ridículo ele ter a coragem de fazer aquelas declarações como se fossem verdades absolutas e indestrutíveis.)

Parafraseando a Bíblia, poderíamos dizer (e isso serve para todos nós, talvez com a exceção dos agnósticos – aliás, como essa é uma postagem agnóstica, não é surpresa que o agnosticismo seja aqui vendido como a opção mais adequada e inteligente disponível no mercado das mundivisões): (...) em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos (2). (Romanos 1: 21-22)

Já é comum para mim a noção de que a quantidade de anos de estudo é capaz de tornar a mundivisão das pessoas mais abertas e sofisticadas (porém dentro de certos limites). Como disse Wittgenstein (3), os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo (uma interpretação mais fluida de Schopenhauer permite interpretar de modo análogo a frase com a qual abre sua obra máxima). O conceito divide, separa; e, assim, quanto mais ampla a minha linguagem, em mais partes o meu mundo estará dividido, e mais complexas (e menos lineares e “aristotélicas”) serão as suas relações. Por fim, o indivíduo que busca obstinadamente "a verdade" por meio dos estudos das mais diversas e heterogêneas manifestações do pensamento humano acaba saturado de linguagem, obnubilado pelo excesso de informações, e assim naufraga tragicamente no mar do caos, no qual se fala muito mas se diz muito pouco: o mundo é desconstruído e se transforma num amontoado amorfo de escombros, de fragmentos isolados e dessignificados. A tão sonhada verdade mostra-se enfim uma utopia, e a própria realidade, antes tão certa e óbvia, desmorona e mostra-se uma ilusão. A complexidade do mundo não é compreensível para nenhum indivíduo humano tal como ele existe na atualidade, ou existiu no passado.

Voltando à questão dos anos de estudo. Todavia, recentemente eu percebi que o papel do estudo nas mundivisões não deve ser entendido apenas no seu aspecto quantitativo, mas também no qualitativo. Nossos cérebros possuem sofisticados mecanismos de busca e de seleção e, desta maneira, nós sempre achamos aquilo que queremos encontrar. Assim, um “crente” ou um beato verão a mão de deus (e a do diabo) em toda a parte, um comunista verá em tudo presságios do colapso final e definitivo do capitalismo, um neoliberal verá equilíbrio e "racionalidade" espalhados por toda parte, autores de manuais de auto-ajuda verão em tudo sinais de que o universo conspira a nosso favor, Schopenhauer via em toda parte a trágica dissonância do em-si do universo consigo mesmo, enquanto um biólogo evolucionário verá a evolução em todo o lugar (vide Richard Dawkins). Quando o cérebro (especificamente o hemisfério esquerdo) não têm determinada informação necessária para compor um certo cenário que ele julga coerente, ele simplesmente a inventa (e ele faz isso com bastante frequência). A mente mente.

Ficar cinco anos estudando biologia, ou economia, ou filosofia, ou engenharia química certamente implica numa mundivisão diferente. Há, na verdade, um mecanismo de determinação e outro de sobredeterminação: pessoas com determinadas personalidades e mundivisões decidem estudar determinada área do conhecimento humano, mas o aprofundamento desse estudo certamente aprimora e solidifica essas mesmas características que levaram o indivíduo a escolhê-lo. Assim o indivíduo se especializa. E quanto mais especializada (profunda) a sua visão, menos abrangente (ampla) ela será. Quanto menos ele souber do todo, mais estará preso a preconceitos e discriminações (ou, na melhor das hipóteses, numa desiludida e reconhecida ignorância); por outro lado, as “ciências da razão pura” do senso-comum e da metafísica estão aí para comprovar quão equivocadas e burlescas podem ser as conclusões tiradas por meio duma visão abrangente que não conhece detalhadamente as partes do todo. Conceitos amplos dão margem às mais variadas distorções. Conceitos restritos demais aprisionam o pensamento.

Como Einstein (4) admitiu, qualquer área do conhecimento é grande o bastante para devorar todos os esforços de um indivíduo, por mais genial que ele seja. Na minha fantasia, a única forma de tentar superar essa limitação seria por meio desse mito pós-moderno: a tecnologia. Seria necessário, primeiro, colocar todo o conhecimento humano já produzido num único banco de dados; depois, seria a hora de criar uma interface neuro-computacional que permitisse ao cérebro de um humano (ou trans-humano, de preferência) genial acessar toda essa informação. Mesmo assim, tenho dúvidas quanto à certeza de se obter com isso algum resultado apreciável. Creio que essa seria uma forma de recriar a figura dos grandes filósofos, que conseguiam ter um conhecimento profundo de todas as áreas do conhecimento existentes na sua época de vida, o que hoje é humanamente impossível. (Fiquei sabendo que em um dos livros do Mochileiro das galáxias ocorre algo parecido: só que a fé é nesse caso depositada toda nas máquinas, retirando-se por completo o elemento humano da trama. Após processar toda a informação, o supercomputador chega a um resultado vazio no seu formalismo matematizante (provavelmente “linear” e “aristotélico”), irracional na sua racionalidade que desconhece a si própria: “42”. Creio que é impossível desenvolver qualquer conhecimento novo sem alguma forma de emoção (pois essa teria um papel chave na atribuição de significado às palavras). Assim sendo uma inteligência artificial não seria suficiente: seria necessário, também, desenvolver uma emoção artificial. De um erro análogo pecam aquelas ficções científicas nas quais as máquinas superinteligentes resolvem nos escravizar: como o egoísmo não surge da inteligência ou da razão (e eu demorei muito tempo para entender isso), seria necessário, para tal macabro fim, criar não somente inteligência artificial, mas também egoísmo (interesse próprio) artificial.)

Dessa forma, embora as pessoas que possuem ensino superior estudem basicamente a mesma quantidade de tempo, suas visões de mundo não são semelhantes , e elas (as pessoas) ficam, em geral, presas dentro do “mundinho” desenhado pelas teorias estudadas por cada carreira profissional. Ao que parece, aqueles que estudam mais, como médicos e engenheiros, são, inclusive, mais bitolados que os demais. Acreditam que esse “mundinho” representa fielmente o “mundo real” (seja lá o que isso for).

Mas aquele que se especializa em uma visão mais abrangente (sic), o filosofo, parece que não consegue ganhar vantagem alguma com isso: nas suas generalidades metafísicas, não é capaz de compreender realidades científicas há muito estabelecidas. De que adiante entender em profundidade a concepção kantiana da idealidade transcendental do espaço e do tempo sem entender a visão einsteiniana, bem como seus desdobramentos até os dias atuais? E quanto ao modelo quântico? Um filósofo não sabe nada sobre isso, e embora Einstein fosse leitor de Kant e Schopenhauer, entre outros, um físico obviamente não tem tempo nem disposição de sê-lo.

O aprofundamento da divisão acadêmica do trabalho e a consequente especificação crescente do conhecimento alimentam o reducionismo e a fragmentação cognitivos, impedindo a construção dum conhecimento abrangente e coerentemente articulado da realidade, cujos processos de (des)construção não são mediados apenas pelo aprendizado e pelo conhecimento, mas, também, pelo esquecimento e pelo desconhecimento.

Destarte, cada carreira profissional cria o seu “mundinho”, no qual existe um ideal implícito: o de que o mundo seria melhor se todos pensassem e agissem tal qual agem e pensam os indivíduos de categoria profissional em questão (5) . No indivíduo, o processo é análogo: em nosso conselhos e críticas (que dizem mais a nosso respeito do que a respeito da pessoa aconselhada ou criticada) transparece a arrogância de recriar o mundo a nossa imagem e semelhança: “Vi que todos se tornaram iguais a mim, e compreendi que o mundo estava salvo”. A realidade, infelizmente, é bem mais complicada do que isso.

De alguma forma (imagino que a psicanálise tenha uma boa "explicação" para isso) as crenças individuais tornam-se parte do mecanismo psíquico do indivíduo (são “introjetadas” por ele), de tal forma que ofendê-las se torna uma questão de auto-defesa. Ofender uma crença de alguém é ofender esse mesmo alguém, que reagirá em defesa própria.

De todas as classes profissionais, biólogos, sociólogos e economistas parecem, para mim, os que mais imunes estão a esse erro (de criar um "mundinho" e se trancar nele). Os estudos acerca das dinâmicas ecológica, evolucionária, ideológica, de divisão do trabalho social, e de concorrência no mercado são capazes de nos ensinar o valor da diversidade e o fato de que todo sistema dinâmico homogêneo está fadado ao colapso.

Do ponto de vista da Economia Política (tão esquecida no currículo dos cursos de economia, que estão voltados aos "interesses do mercado de trabalho") , podemos observar que uma sociedade economicamente diversificada como a nossa repousa sobre a divisão do trabalho, a qual, por sua vez, exige (e alimenta, num processo de determinação e sobredeterminação) uma diversidade de personalidades e, portanto, de mundivisões.

Achar que o mundo seria um lugar melhor se todos fossem como eu, ou como freiras, ou como ameríndios, ou como budistas, ou como o homo economicus, ou como minha avó, ou como Carl Sagan, etc., todos esses pensamentos caem no mesmo erro: ignoram o papel fundamental da diversidade na manutenção dum equilíbrio dinâmico (aquele que permite ao sistema evoluir sem colapsar sobre si mesmo) dos sistemas sociais. Da mesma forma, se fossemos todos clones, poderíamos morrer todos rapidamente por causa de uma única doença: é a diversidade que viabiliza a seleção natural, assim como que sem ela não haveria divisão do trabalho (pelo menos não no grau de eficiência por nós conhecido, sem o qual nossas “maravilhosas” e “evoluídas” sociedades não existiriam). (Talvez seja interessante confrontar isso com o imperatico categórico kantiano.)

Do ponto de vista do agnóstico, tanto ateus (aqueles que afirmam que não há deus), quanto céticos, quanto cientificistas cometem o mesmo erro: acreditam que sabem demais. Eles, é claro, vangloriam-se de, com seus métodos, obter um conhecimento o mais preciso possível. Muitos dos nossos sentimentos de epifania são ilusões, e ateus, céticos e cientificistas também não estão imunes a isso. Enquanto isso, o agnóstico é socrático: sabe que não sabe.

O pensamento do cientificista se pauta não apenas pela fé na razão (na lógica), mas também pela fé nos números (na matemática) (6): sob esse aspecto, o cientificismo aparece-nos como uma exorbitação do senso comum criado pelo iluminismo, e cuja desconstrução iniciou-se com o kantismo e teve sua conclusão com o pós-estruturalismo francês. Daí que, para o cientificista, qualquer construção teórica que ouse fugir da modelagem adotada pelas ciências naturais deva ser imediatamente denunciada como mística e desprovida de qualquer validade epistemológica. O cientificista vive num mundo que não é mediado pela simbolização: num mundo onde o verdadeiro e o falso são completamente discerníveis (num mundo no qual o princípio do terceiro excluído é incontestável), desde que mediante a aplicação da metodologia científica utilizada pelas ciências naturais. Eis o seu artigo de fé, o seu dogma.

Presas em seus “mundinhos”, as pessoas percebem muito pouco que vá além daquilo do que seus cérebros estão programados para perceber (7). E o pouco que é percebido, geralmente é tratado na base do deboche e do desdém (ou seja, na defensiva). Os resultados são esses debates e controvérsias sem fim (desagradáveis para o ingênuo amante da “verdade”), e provavelmente insolúveis, como esses que giram em torno do sudário de Turim ou da psicanálise (8).

Contraditoriamente, é justamente essas crenças egoísticas que alimentam a diversidade no sistema, a qual se enfraqueceria sem ela (depois não me acusem de criticar o egoísmo). Novamente temos um mecanismo dialético, que se retroalimenta (um processo interativo, cumulativo e bidirecional): assim como a dinâmica do sistema depende da diversidade, a diversidade depende da convicção grupal e individual de que, no fim, o grupo e o indivíduo em questão têm razão, em detrimento do resto; sem essa convicção a diversidade arrefeceria e, junto com ela, o sistema por ela alimentado. O erro individual (crença egoística) determina o acerto coletivo (equilíbrio dinâmico), mas é por ele sobredeterminado, garantido, assim a perpetuidade do sistema e a sua evolução (vale lembrar que não há um pressuposto teleológico nessa evolução: não se sabe onde ela vai levar; as coisas nem sempre mudam para melhor). Essa necessidade da diversidade poderia ser arrefecida caso fosse possível à pessoa média absorver uma quantidade de conhecimentos e habilidades muito maior do que é, na atualidade, humanamente possível.

Voltando à querela em torno da psicanálise. A revista CartaCapital de 10/10/2005, p. 10, nos informa que acabara de ser lançado na França um livro, com mais de 800 páginas, dedicado a criticar a psicanálise (Le Livre Noir de la Psychanalyse: vivre, penseret aller mieux sans Freud - O Livro Negro da Psicanálise: viver, pensar e se dar melhor sem Freud). Aproveitando esse assunto, Flávio Lobo apresenta, nas páginas 16 e 17 da mesma edição, o texto "Ciência ou Ideologia?", do qual eu cito essa esclarecedora passagem:

Mesmo com essas ressalvas, há quem rejeite as tentativas de aproximar a psicanálise da neurologia. Como o neurologista e psiquiatra Daniele Riva, do Hospital Sírio-Libanes, de São Paulo. Riva considera a ligação direta entre as duas áreas uma forma equivocada de responder a questão sobre a validade ou não da psicanálise, algo que, segundo ele, é "uma querela essencialmente filosófica e ideológica".
Riva, que foi um crítico feroz da psicanálise, não se converteu ao "freudismo", mas hoje prefere apontar suas baterias para os que se encontram do lado oposto de tal "querela".
"Atualmente o pensamento é o 'biologizante', cientificista e positivista, segundo o qual as neurociências são capazes de dar conta de todo psiquismo humano, o que, além de ser uma bobagem, é tão ideológico quanto a defesa mais dogmática da psicanálise", alerta o neurologista.
Essa tendência atual de reduzir todos os problemas psíquicos a desequilíbrios bioquímicos para os quais há ou surgirá um remédio é vista por Rivera como o maior perigo:
"Vivemos numa era de um antiintelectualismo assustador, que inclui essa obsessão pela comprovação quantitativa. Se a psicanálise só tiver valor se comprovada pelos critérios da neurobiologia, teremos que jogar fora todos os discursos interpretativos dos quais é feita a história e a maior parte das ciências humanas. Mas a humanidade não pode perder essas riquezas."



Poderá um dia a tecnologia calar a cacofonia da Torre de Babel? Será que a verdade um dia enfim nos libertará? Se sim, para onde iremos, afinal?






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1. http://en.wikipedia.org/wiki/Shroud_of_Turin (Chemical properties of the sample site)



2. Certa vez li num dicionário filosófico que alguns hegelianos refutam toda a filosofia schopenhauriana com base em um único parágrafo do primeiro capítulo da Fenomenologia do Espírito...ou seja, não fazem muito diferente do que faz Robert Todd Carroll, refutando com poucas palavras a psicanálise (e com a mesma facilidade ele certamente refutaria as metafísicas em geral, inclusive a hegeliana).



3. Se não me engano, isso está nas “Investigações filosóficas”; caso contrário, está no Tractus logico-philosophicus.



4. Também não sei apontar exatamente onde encontra essa referência. Procurar em “O pensamento vivo de Albert Einstein”, ou então em “Como vejo o mundo”, escrito por ele.


5. Vejamos o que diz Feyerabend no Apêncice 1 de Contra o método:

Finalmente, permitam-me repetir que, para mim, o chauvinismo da ciência é um problema muito maior do que o problema da poluição intelectual. Pode até ser uma de suas maiores causas. Os cientistas nãos e dão por satisfeitos em organizar seus próprios cercadinhos de acordo com o que consideram ser as regras do método científico, mas querem universalizar essas regras, querem que ela se torne parte da sociedade em geral e usam de todos os meios à sua disposição – argumento, propaganda, táticas de pressão, intimidação, práticas de lobby – para atingir seus objetivos. Os comunistas chineses reconheceram os perigos inerentes nesse chauvinismo e procederam de modo que o removesse. No decurso disso, restauraram partes importantes da herança intelectual e emocional do povo chinês, bem como aperfeiçoaram a prática da medicina. Seria vantajoso se outros governos seguissem esse exemplo.


6. A expressão mais ridícula dessa fé nos números é, sem sombra de dúvidas, o pensamento do mainstream econômico. Para você ter uma idéia, um dos últimos caras a ganhar o Nobel de Economia (afinal de contas, por que existe um Nobel de Economia?!) foi premiado pois “demonstrou matematicamente a necessidade de se ter um Banco Central independente”!


7. Certa vez, quando eu tinha 17 anos, eu estava conversando com um professor doutor (de uns 60 anos de idade) da minha faculdade (economia - ele era professor da cadeira de História do Pensamento Econômico (HPE)). Eu lhe disse que a incompatibilidade entre as duas teorias do valor (trabalho e utilidade) lembravam as antinomias da ciência da razão pura kantiana. Foi quando ele me respondeu, para a minha surpresa e total perplexidade, que NÃO SABIA DO QUE EU ESTAVA FALANDO. Maldita especialização do pensamento! O mais ridículo de tudo é que esse professor, enquanto professor de HPE, teve (e ainda deve ter) a petulância de querer "ensinar" aos alunos o que é "idealismo", por ocasião da introdução do "materialismo dialético" de Marx na análise econômica e histórica. É claro que a concepção de idealismo dele é ridiculamente ingênua.

8. Segundo dizem alguns pensadores, vários conceitos da psicanálise (id, recalque, retorno ao inorgânico, princípio do desejo, entre outros) teriam sido plagiados impunemente das obras de Schopenhauer!
Sobre esse tema, recomendo a leitura do seguinte livro (que eu ainda não li, mas que já está na minha pilha de leitura esperando a sua vez): "O sono dogmático de Freud - Kant, Schopenhauer, Freud" de Pierre Raikovic, Jorge Zahar Editor, 1996, volume 50 da coleção "Transmissão da Psicanálise".
Eu dei uma folheada no livro e, para mim que sou fã de Schopenhauer, ele me pareceu bastante convincente...


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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

20 comentários:

Unknown disse...

Antes de mais nada, gostaria de parabenizá-lo pelo texto, muito bom! e o mais honesto que li em anos! Mas gostaria de comentar, meu ponto de visão, como vc apresentou em seu texto os problemas dos "óculos" com que cada um vê o mundo, o limite da nossa capacidade de atribuir significados as coisas e moldando nossa forma de ver o mundo( Wittgenstein), um futuro cibernético, "crença egoísta" modelo dialético, que impulsiona o conhecimento, e o lema agnóstico do socrático: Sei que nada sei, o problema que eu vejo nas ciência é aquela que já a muito tempo vem se criticando na ciência, que ela teria virado uma religião, e seus pressupostos teóricos, virado "dogmas" e assim gerado essas paixões desemfreadas,com elementos irracionais que vc bem frisou aí no texto, diálogo "difícil", e mudança lenta, e isso vem se repetindo a muito tempo como vc bem sabe, ao meu ver enquanto não houver uma mudança de mentalidade vamos ficar aí nessa "babel" , (isso é uma trave dentro da ciência) o próprio, Einstein comentou sofre isso no livro que vc postou aí, e quanto ao futuro!? Não sei! O que posso apostar, é que a ciência ganhará em muito com isso!
Mas uma vez parabéns pelo texto!

Duan Conrado Castro disse...

Edson,

Obrigado pelo elogio. E, no mais, apenas podemos manter essa esperança de que, que sabe num futuro no qual provavelmente nós dois não estaremos vivos, essas questões tenham sido superadas, para a honra do gênero humano.

Silas disse...

Esse texto me lembra outro de jung(não julge antes de conhecer).

Se Chama a divergência entre freud e jung.

http://www.jungpsique.com.br/textos/doc/adivergencia.doc

Eu tenho uma objeção fundamental em relação ao que você falou, que reside no fato de que, os debates estão longe de serem inúteis.

Se você der uma olhada num debate onde eu defendo o amor amplo e outros dois defendem o amor profundo lá na comunidade de Jung, verá que todos nós admitimos a característica parcial das opiniões.

caímos no relativismo sem problemas, pois nós três do debate acreditamos que é aí que reside a verdade.

Se eu entrei nesse blog é justamente porque vi em você o meu exato oposto em questões subjetivas. Enquanto eu amo a vida e tento afirmá-la a todo o custo, parece que você busca negá-la.

Se formos tentar chegar a um consenso demoraremos a vida todas, mas logo que percebermos que os argumentos estão sendo repetidos poderemos usar nosso bom senso para admitir que se trata de uma questão subjetiva. Como eu disse no outro tópico, eu não busquei negar a sua visão. Apenas afirmar a minha, que apesar de ser diferente não exclui a sua.

No resto, concordo com tudo(excedendo, também, a questão das profissões mais imparciais, mas isso é pessoal e indiscutível).

Também sou agnóstico e vejo nessa visão a maior racionalidade de todas, pois é imparcial.

Gostei do texto: tenho um trabalho ainda não escrito de ficção que trata de forma interessante desse tema: na "cidade de vidro" o ensino básico dura cinqüenta anos e não tem especialização até esse ponto. Não vale citar mais detalhes, mas sobre isso tenho uma opinião parecida com a sua.
Com a diferença de que creio que a solução seria vivermos mais.

Leia sobre o pensamento sistêmico:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pensamento_sist%C3%AAmico

Duan Conrado Castro disse...

Sinceramente, leria tudo isso que você me indicou e debateria com vc com gosto, até chagarmos a um consenso. Porém, infelizmente, não tenho tempo no momento para fazer tudo isso. Além de trabalhar num banco eu faço faculdade de economia (ou seja: não tem nada a ver nem com filosofia nem com psicologia), e este ano, ainda, estou escrevendo minha monografia (sobre uma interpretação marxista das mudanças nas condições de trabalho na Inglaterra dos séculos XIX e XX).

Por fim, fico feliz que vc concorde com a maioria do conteúdo desse texto, e não me surpreendo que vc ache ele parecido com um texto de Jung (em conformidade com o que eu escrevi, é previsível que vc, como junguiano, veja Jung em toda parte).

Silas disse...

Mas não é porque eu vi jung no seu texto que eu mudei o significado dele.

Lendo objettivamente o pensamenti sistêmico da wikipédia e o textinho(de 4 paginas) você verá que são muito parecidos com esse post.

Acho que esse capitalismo não nos deixa ter um pouquinho de diversão com os debates, né?

Por isso aproveito que ainda sou moleque.
Daqui a pouco a moleza acaba: ainda estou no primeiro período de uam faculdade que nem gosto e que vou mudar, então por enquanto ta tudo moleza...

Duan Conrado Castro disse...

Slavoj Zizek e a desintegração da comunidade comunicativa de Habermas


“Grande Outro” também se refere ao campo do senso comum a que chegamos após livre deliberação; filosoficamente, sua última grande versão é a comunidade comunicativa de Habermas, com seu ideal regulador de assentimento. É esse “grande Outro” que progressivamente se desintegra hoje em dia.

O que temos hoje é uma certa cisão radical. Por um lado, há a linguagem objetiva de especialistas e cientistas que já não pode mais ser traduzida em linguagem comum, acessível a todos, mas que está presente nela na forma de fórmulas veneradas que ninguém compreende e que, no entanto, moldam nossos universos imaginários artísticos e populares (buraco negro, Big Bang, supercordas, oscilações quânticas...). Não apenas nas ciências naturais, mas também na economia e outras ciências, o jargão é apresentado como visão objetiva com a qual não se pode de fato argumentar, e que é simultaneamente intraduzível para nossa experiência comum. Em suma, a lacuna entre insight científico e o senso comum é impossível de cobrir, e é justamente isso que eleva os cientistas ao status de figura cultuada popularmente por serem “aqueles que sabem” (p.ex., o fenômeno Stephen Hawking).

E por outro lado a estrita observância dessa objetividade é o modo pelo qual, em questões culturais, nós somos confrontados com a pluralidade de estilos de vida que não se traduzem uns pelos outros. Só o que podemos fazer é assegurar as condições para sua co-existência tolerante numa sociedade multicultural. O ícone do sujeito de hoje é talvez o programador de computadores indiano que, durante o dia, destaca-se em sua especialidade e à noite, ao voltar para casa, ascende uma vela para a divindade hindu local e respeita a divindade da vaca.

Essa cisão é perfeitamente representada no fenômeno do ciberespaço. O ciberespaço deveria nos deixar todos juntos numa aldeia global. Mas o que efetivamente acontece é que somos bombardeados com uma multiplicidade de mensagens pertencentes a universos inconsistentes e incompatíveis.

(continua)

Duan Conrado Castro disse...

(continuação)

(...) O impasse reside simplesmente no fato de que o conhecimento científico não pode servir como o “grande Outro” simbólico. (...) hoje em dia, vivemos na extremidade oposta da ideologia de universalidade do Iluminismo clássico que pressupõe que, no final das contas, as questões fundamentais podem ser resolvidas por meio da referência ao “conhecimento objetivo” dos especialistas. (...) Mesmo sozinhas, as ciências não são capazes de fornecer respostas.

(...)

A frustração política da maioria é, portanto, compreensível. As pessoas são instigadas a decidir, mas ao mesmo tempo recebem a mensagem de que não estão em posição de decidir, de pesar objetivamente os prós e contras. O apelo às “teorias de conspiração” é uma saída desesperada desse impasse, uma tentativa de recuperar um mínimo do que Fred Jameson chama de “mapeamento cognitivo”.

(...)

As teorias de conspiração não podem, é claro, ser aceitas como “fato”. Entretanto, não devem ser reduzidas ao fenômeno da moderna histeria das massas. Tal noção ainda apela para o “grande Outro”, o modelo de percepção “normal” da realidade social compartilhada, não levando em conta que é justamente essa noção de realidade que está sendo minada hoje em dia. O problema não é que ufólogos e os teóricos de conspiração regridem a uma atitude paranóica incapaz de aceitar a realidade (social) – o problema, sim, é que essa própria realidade está se tornando paranóica.

(continua)

Duan Conrado Castro disse...

A experiência contemporânea nos confronta repetidamente com situações nas quais somos forçados a observar como nosso senso de realidade e a atitude normal para com ela são fundamentados numa ficção simbólica – como o “grande Outro” que determina o que se conta como verdade normal e aceita,qual é o horizonte de significado numa determinada sociedade, não está de maneira alguma diretamente baseado em “fatos” explicados pelo “conhecimento científico no real”.

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Slavoj Zizek na parte “O grande Outro não existe” do ensaio “Matrix: ou os dois lados da perversão” no livro “Matrix: Bem-vindo ao deserto do real, o qual por sua vez pode ser lido no seguinte link:

http://www.scribd.com/doc/6623870/Matrix-Bem-Vindo-Ao-Deserto-Do-Real97

Duan Conrado Castro disse...

O ponto de vista que Zizek adota nesse texto é lacaniano. A afirmação de que “o grande Outro não existe” certamente é seríssima. Não se trata de aceitá-la passivamente, mas certamente é algo que precisa ser investigado, e que de certa forma lembra a “presença” da verdade absoluta que Derrida encontrou na história da filosofia ocidental e a qual qualificou como contendo uma apoeria insuperável. É bastante evidente a maioria das filosofias – principalmente os sistemas filosóficos – estão fundamentadas num “grande Outro”. O grande Outro mais famoso foi denominado “Deus”. Mas há muitos outros, como a vontade para Schopenhauer, o Espírito em Hegel, ou o capital para Marx. Pelo o que eu entendi, para Lacan a nossa constituição psíquica tem a necessidade de criar uma dramaturgia na qual existe um grande Outro como forma de legitimar a nossa ficção individual fundamental (a de que o “eu” existe e é uma coisa em si mesma).

Agora, o ponto que Zizek salienta é que, devido a complexificação crescente da sociedade, o “grande Outro” está desmoronando nas próprias formas superestruturais da sociedade, ou seja, está colapsando justamente devido ao excesso de informações pertencentes a universos distintos e inconsistentes que se digladiam como culturas. Cada revista que abrimos nos fala de um mundo diferente. Quer um lugar mais multicultural do que uma banca de revistas? É nesse mundo fragmentado, em constante efervescência, que a existência de um grande Outro, uma totalidade que fundamente a realidade, mostra-se “comprovadamente” falsa. Como ele diz, não é que ufólogos e teóricos da conspiração neguem uma realidade social “objetiva”, o problema é que é essa objetividade que está desaparecendo, desmoronando num turbilhão caótico de informações inconsistentes, fragmentadas, e oriundas de universos particulares que não formam uma totalidade, que não podem ser traduzidos uns pelos outros, que não podem ser amalgamados num todo coerente.

Duan Conrado Castro disse...

http://pt.wikipedia.org/wiki/Paranoia

g. disse...

Sobre o parágrafo que termina com "A mente mente."
Concordo inteiramente com isso, e não tinha pensado, mas acho que esse é pra mim um dos grandes agravamentos deste problema da torre de babel, inclusive é sobre isso que me referia quando falei do caos da medicina. Lembro do José Saramago dizendo certa vez o seguinte: "O cérebro humano é de tal ordem que se pode colocar de tudo ali dentro", então parece que estamos sempre inclinados a ver as coisas da forma como queremos vê-las. Mas veja o seguinte, não acho que seja presunção minha, mas eu normalmente considero a minha busca bastante sensata e sincera, sempre tento ver de todos os ângulos possíveis, inclusive dos ângulos religiosos. E penso que você também é assim, seus textos demonstram isso. Sinceramente tenho medo que com o acúmulo de anos de estudo e uma especialização voltada para um único autor me faça virar, por exemplo, um "cego schopenhaueriano". Mas talvez não aconteça.

g. disse...

"Dessa forma, embora as pessoas que possuem ensino superior estudem basicamente a mesma quantidade de tempo, suas visões de mundo não são semelhantes , e elas (as pessoas) ficam, em geral, presas dentro do “mundinho” desenhado pelas teorias estudadas por cada carreira profissional. Ao que parece, aqueles que estudam mais, como médicos e engenheiros, são, inclusive, mais bitolados que os demais. Acreditam que esse “mundinho” representa fielmente o “mundo real” (seja lá o que isso for)."

È, bem o que eu acabei de dizer.
Mas acho isso mesmo, a filosofia não faz as pessoas tenderem pra este pensamento restritivo. Pelo contrário. Acho que por isso é que os estudiosos de filosofia tendem mais à loucura do que estudiosos de ciências exatas.

g. disse...

"Do ponto de vista do agnóstico, tanto ateus (aqueles que afirmam que não há deus), quanto céticos, quanto cientificistas cometem o mesmo erro: acreditam que sabem demais. Eles, é claro, vangloriam-se de, com seus métodos, obter um conhecimento o mais preciso possível. Muitos dos nossos sentimentos de epifania são ilusões, e ateus, céticos e cientificistas também não estão imunes a isso. Enquanto isso, o agnóstico é socrático: sabe que não sabe."

É por isso que sou agnóstico! E com orgulho!

"Quando você sente um impulso muito grande para falar de alguma coisa é porque você a compreende menos. (...) Quando você tem as coisas claras, não tem tanta necessidade de falar a respeito delas." (Richard Simanke, psicanalista e doutor em filosofia)

Duan Conrado Castro disse...

Recentemente eu substituí o uso da palavra “mundivisão” por “discurso de mundo”, a fim de salientar o caráter processual e o papel do indivíduo. Não que a visão não seja também um processo, mas ela remete ao dados dos sentidos, o que reforça uma idéia de exatidão e objetividade.

É, eu tento ser imparcial sim. Prova disso é o meu recente interesse pela figura de Xico Xavier (que está na moda agora). Eu coloquei o caso dele na minha pilha de estudos. Se eu fosse um materialista, cético ou cientificista, eu simplesmente diria que o cara é uma fraude e ponto final.

Mas realmente vais ser difícil não se especializar em algo, ainda mais se você pretende ser professor universitário, o que lhe obrigará a produzir pesquisas. Se você pudesse pesquisar “por conta própria” (leia-se: não tivesse que trabalhar para viver), certamente teria mais liberdade para não se fechar num mundo só.

Duan Conrado Castro disse...

Repito o que eu disse no capítulo 99

Eu sou ateu ou agnóstico? Com o tempo eu percebi que a palavra "agnóstico" se tornou um eufemismo para aqueles que não têm coragem de se opor explicitamente à religião e preferem adotar um comportamento mais politicamente correto (mas esse não é meu caso). Eu achava que para ser ateu era necessário ter fé na não existência de deus (em outras palavras: ter certeza que deus não existe) - e esse também não é o meu caso: eu não sei se deus existe ou não, porém desconfio fortemente que não, e vivo de acordo com essa desconfiança. Todavia, quando eu li no Dicionário Aurélio que "ateu" é aquele que "vive sem Deus" eu me senti confiante para me classificar por essa categoria. Segundo Engels, na introdução de Do socialismo utópico ao socialismo científico, o agnosticismo não passaria de um materialismo (e, portanto, de um ateísmo - de acordo especificamente com a visão marxista do que é "materialismo") envergonhado. Se o agnosticismo pode ser usado para justificar um ateísmo envergonhado e politicamente correto, ele pode, também, se constituir numa doutrina radical, niilista, irracionalista e iconoclásta que nega a toda forma de conhecimento e a toda sistematização do pensamento humano (inclusive o marxismo e os argumentos ateístas) a validade da sua pretensão de se constituir numa descrição fiel do objeto estudado e, portanto, da realidade. É com essa forma de agnosticismo radical e destruidor que eu me identifico.

g. disse...

"Eu achava que para ser ateu era necessário ter fé na não existência de deus (em outras palavras: ter certeza que deus não existe) - e esse também não é o meu caso: eu não sei se deus existe ou não, porém desconfio fortemente que não"

é exatamente essa a questão! Eu penso assim: se ele existe, deve ser muito diferente daquilo que dizem sobre ele.

Mas sabe que tive um pensamento bizarro esses dias: E se o deus cristão realmente existir? Confesso que me senti extremamente melancólico porque pensei "Aí sim que tudo seria uma merda" não porque eu tenho medo do inferno, nada disso, mas porque daí o sentido de tudo realmente seria de uma mesquinhez incomensurável. Melhor que as coisas continuem tendo sentido nenhum.

Duan Conrado Castro disse...

Penso que o único jeito do deus cristão "realmente" existir é se ele, na verdade, for o poder maligno do universo, e Satanás ser o "rebelde bonzinho" que é vilipendiado pelo poder ditatorial de Jeová/Jesus. Ou seja, na verdade eu simplesmente não consigo conceber que a "história oficial" seja realmente verdadeira.

Duan Conrado Castro disse...

O cientificismo e o quantitativismo (matematização) são usados pelos discursos hegemônicos para calar o senso crítico que busca questionar o poder despótico do capital e a reificação da vida humana no capitalismo.

Revista Veja:

"Agora obrigatórias no ensino médio brasileiro,
as aulas de sociologia e filosofia abusam de conceitos
rasos e tom panfletário. Matemática que é bom..."

(Site: http://veja.abril.com.br/310310/ideologia-cartilha-p-116.shtml em 03 de abril de 2010, às14hs38min).

Duan Conrado Castro disse...

A mesma revista Veja que acusa a filosofia e a sociologia de terem conceitos rasos e de promoverem a ideologia (o escamoteamento da realidade para defender interesses particulares ("interesses de classe" - mas essa expressão é proibida na revista, pois a mesma nega a existência de conflitos de classe)) é a revista que também já dedicou mais de uma capa (não sei quantas foram) para elogiar a auto-ajuda! Ora, convenhamos que a auto-ajuda com certeza é mais rasa que a filosofia ou a sociologia. Por que essa "hipocrisia" da revista Veja? Porque a auto-ajuda tem a função social de reproduzir as ideologias dominates e os discursos hegemônicos, incitando as pessoas a serem consumidores compulsivos, trabalhadores produtivos, eleitores passivos e pais repressores, renovando assim a sua cumplicidade diária para com a ordem econômica e política estabelecida. Ou seja, porque a auto-ajuda, junto com a Veja, a Globo, e tantos outros produtos da indústria cultural, é justamente um instrumento ideológico de doutrinamento, de escamoteamento da realidade social do despotismo do capital, da exploração de classes, e da reificação da vida. Ora, essa descrição que eu cabei de fazer só é possível justamente fazendo-se uso de conceitos "rasos" filosóficos e sociológicos: por isso que a revista Veja se opõe a essas formas de pensamento (e, principalmente, ao seu ensino às crianças de todo o país), porque elas nos permitem questionar a ordem estabelecida, ordem que a mesma revista Veja defende. O fetichismo da matemática ("matemática que é bom...") (juntamente com o fetichismo das ciências exatas, físicas, químicas e biológicas - todas elas instrumentadas, como tecnologias, para servir aos interesses do capital, da produção, da distribuição e do consumo de mercadorias) é usado justamente para impedir que as consciências individuais se ponham a questionar a legitimidade da própria ordem social estabelecida, reproduzindo assim as relações sociais de dominação.

Duan Conrado Castro disse...

Criei uma comunidade no Orkut. Nada sério, é só um desabafo, um grito de liberdade! Chama-se "Guerra à Besta Logocêntrica". KKKKKKKKKKKKKKKK

Eis a descrição:

Para aqueles que estão fartos do reducionismo ontológico forjado por uma razão despótica, ingênua e arrogante, que não se autocritica, e que ainda insiste em desconhecer suas limitações, bem como que não passa de uma ferramenta do psiquismo individual, sujeita à ação do desejo, do imaginário, da limitação intuitiva, e das contingências associadas à corporeidade.

Para aqueles que reconhecem que o real não é racional e que a realidade, em si, é inominável, irredutível à palavra. A palavra não é representante perfeita da realidade, que em sua complexidade e anarquia é irredutível aos esquemas simplórios de interpretação construídos pela lógica clássica.

Para aqueles que odeiam os infames princípios da identidade e do terceiro excluído, bem como outras fantasias que foram construídas pela lógica clássica e impostas pela Besta Logocêntrica - o Pensamento Ocidental - aos incautos, temerosos e ingênuos, como sendo verdades apriorísticas.

Rebelar-se contra esse despotismo majestoso é a única opção digna!

Guerra!

http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=100734166