Nas plantas, ainda não há sensibilidade: por conseguinte, não há dor; nos animais mais ínfimos, os infusórios e os radiados, apenas um fraco começo de sofrimento; mesmo nos insetos, a faculdade de receber impressões e sofrê-las é ainda muito limitada. É preciso chegar aos vertebrados, com o seu sistema nervoso completo, para vê-lo aumentar ao mesmo passo da inteligência. (Arthur Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação, Tomo I, § 56)
Encefalopatia espongiforme bovina (vaca louca)? Febre aftosa? Gripe aviária? Não, agora é a vez da gripe suína. Não é evidente que, se a humanidade se abstivesse do hábito de comer carne, e se deixasse os suínos viverem em paz no seu habitat natural, essa doença, como as suas antecessoras, não teria se espalhado entre humanos?
Se o vírus da gripe suína conseguir, dentro de um corpo humano por ele infectado, se misturar com sucesso com um dos vírus da gripe humana comum, então a doença se espalhará com fogo em mato seco e centenas de milhões de pessoas morrerão: trata-se de uma mera “sorte” do vírus na “loteria genética”, que pode sorrir-lhe a qualquer momento.
A morte de pessoas pela “gripe suína” (e nós não sabemos a que proporção as mortes podem chegar) é apenas mais um preço que a humanidade pega por insistir no hábito de comer carne, e comer carne em excesso (o que exige uma produção industrial em massa: e é nesse contexto que essas doenças já mencionadas surgiram e se espalharam para os humanos). O prazer se paga com a dor.
Eu ainda estou esperando para ver uma “gripe do brócolis”, ou da soja, ou da carambola, etc.
Já que entramos nesse assunto do vegetarianismo, gostaria de apresentar aqui os principais argumentos que eu ouço quando tento convencer alguém a se tornar vegetariano (por que eu sou um):
1. A pessoa diz que tem o costume de comer “pouca carne”. Mas se esquece de dizer que come carne todo dia (e se não o faz é por motivos econômicos) e que vai em churrascos e espetos corridos, com muito gosto, sempre que a convidam.
2. A pessoa argumenta que nós simplesmente não temos como garantir que um pé de alface, ou qualquer planta em geral, sofra menos do que um animal qualquer por ser criado, morto e despedaçado para saciar nosso apetite. Esse argumento (que é o que eu mais ouço) é tão absurdo, que eu simplesmente me recuso a discuti-lo. Não é impressionante que as pessoas, que geralmente acham que sabem muito mais do que realmente sabem, que geralmente ficam se metendo em assuntos sobre os quais não entendem praticamente nada, venham, justamente nessa questão da comparação do “sofrimento vegetal” com o sofrimento animal, invocar uma doutrina agnóstica, e insistam que, sobre esse assunto, nós nada podemos saber? (Por exemplo, o fato das plantas serem destituídas de sistema nervoso ao mesmo tempo em que toda dor por nós conhecida apenas pode ocorrer por meio desse sistema não permite, dizem essas pessoas, que infiramos que as plantas não sofrem, ou mesmo que sofram menos que um porco: essa é uma questão que simplesmente não podemos responder; enquanto não arranjamos uma resposta (e provavelmente nunca arranjaremos), dizem elas, nós podemos continuar a comer carne sem nenhum mal-estar moral.)
3. Outro argumento é alegar que a carne é necessária para nossa nutrição. Quanto a isso eu não tenho uma opinião bem-formada e convicta. A literatura vegetariana insiste, baseada em pesquisas supostamente científicas, que a carne, além de não ser nutritiva, ainda faz mal ao organismo humano. Seja como for, a maioria dos médicos concorda que o excesso de consumo de carne é um dos causadores das doenças do sistema circulatório, as quais estão entre as principais causas de mortalidade humana nas sociedades “civilizadas”. De qualquer maneira, a maioria das pessoas come carne pelo prazer e pelo consumo conspícuo, e não por preocupações nutricionais. Um indício disso é a diversidade de opções que nos são fornecidas: gado, frango, peru, chester, suínos, peixes, “frutos do mar”, avestruz, onça, jacaré, coelho, javali, rã, búfalo, etc. (nos países orientais temos ainda: golfinho, baleia, cachorro e até feto humano).
4. Outro argumento é o de que “é natural” ao humano comer carne. Mesmo que seja (e os vegetarianos xiitas negam) e mesmo que a carne tenha tido um papel fundamental na evolução do homo sapiens sapiens (os xiitas negam também), se ficasse comprovado que não precisamos de carne para viver, do ponto de vista nutricional, então a questão seria puramente moral, e não de saúde. Eu, sinceramente, não sei o que é “natural”, mas imagino que também não sejam naturais o ato de usar roupas, o de comer com talheres, o de tomar banho diariamente, o de escovar os dentes, o de acordar com um despertador, o de se casar, etc. Se adotamos todos esses comportamentos "não naturais" por que não podemos também parar de comer carne?
É claro que as pessoas não se deixam convencer por que não querem ser convencidas: para ela é pedir demais que abandonem o prazer de comer carne em prol da redução de um sofrimento animal cuja existência elas fazem questão de ignorar e negar. O que se pode esperar de gente assim? (Eu também ouço bastante as mais diversas frases, todas elas significando a mesma coisa: “eu não quero me abster desse prazer, e não me importa se o animal sofre, ou se isso faz mal a minha saúde, ou ao meio-ambiente.”)
Os vegetarianos, por sua vez, gostam de chamar a atenção para a insustentabilidade da atual produção em massa de carne. Apenas para citar um exemplo: segundo estudo mencionado na revista Época (18/08/2008, página 76), 78% da área desmatada na Amazônia legal é destinada à pastagem. A pessoa que come carne bovina está contribuindo para o desmatamento da Amazônia e não sabe disso (e em geral não quer saber).
Da minha parte, eu sinceramente não acredito que se possa esperar uma melhora no comportamento moral das pessoas em geral enquanto se vive numa sociedade na qual o consumo de carne (seja de que animal for) não for encarado como uma questão ética.
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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.