sábado, 7 de fevereiro de 2009

LI - Uma breve crítica ao cristianismo e a sua mais atroz forma: o (neo)pentecostalismo - parte 3 de 16.

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§ 51








1 Crítica à fé.


A primeira pergunta que faço, ligada ao assunto, e aparentemente a principal (uma vez que a filosofia e a ciência já evoluíram o suficiente para propiciar a negação das religiões e dos credos em geral), é: por que, afinal, a fé continua a existir atualmente entre os homens, animais que se enaltecem conferindo a si mesmo o título de racionais?

Apresentarei três tópicos com o que julgo serem os principais motivos.

1.1 A exclusão social e a alienação



Sabe-se que vivemos no eoceno da ciência e da “razão”. Infelizmente, tal profusão de conhecimento é restrita (propositadamente?) a um pequeno número de indivíduos, principalmente em virtude da exclusão social e da alienação.

Não julgo necessário explicar que pessoas que não possuem o que comer (1,2 bilhão de pessoas viviam, em outubro de 2002, em estado de pobreza absoluta: cerca de um quinto da população de então) certamente não têm como aprender ou refletir criticamente sobre a integridade dos seus credos.

Mas julgo necessário me estender um pouco acerca da alienação: primeiramente, sabemos que está sendo implantado, em escala mundial, pela “globalização”, um sistema que, por fim, vai nos escravizar a todos permanentemente: o “neoliberalismo”. Um dos preceitos dessa oitava maravilha do mundo é o consumismo. A partir deste preceito, não é difícil perceber que, quanto mais as pessoas consumirem – de preferência se endividando junto à boa gente do sistema financeiro – “bens” (essa palavra é ridícula) supérfluos, mais fortalecido estará o sistema. Em outras palavras: o sistema necessita de consumidores compulsivos. E a única maneira de consegui-los é incutindo nos consumidores o materialismo exacerbado – o qual, por sua vez, entra facilmente, e lá se aninha confortavelmente, nas mentes ignorantes e alienadas (que aceitam tudo muito mais facilmente, inclusive a valoração de “bens” supérfluos como sendo essenciais) (O conteúdo desse parágrafo pode ser encontrado, em outras palavras, no capítulo III do Admirável mundo novo, de A. Huxley, escrito em 1932.)

Se muita gente não entende tal lógica é pelo simples motivo de que tal “nefasta criatura” já se aninhou em suas mentes.

Daí surgem os modismos, os ídolos e seus produtos de consumo descartável, que, ciclicamente, não se sabe de onde, retornam, com algumas modificações, a ser oferecidos às massas como algo novo e digno do dispêndio do seu tempo edo seu suado dinheiro.

A alienação incutida pelo neoliberalismo não atua somente sobre a ‘”mentalidade política” do “cidadão”, atua, também, no seu “raciocínio lógico”, e, principalmente na sua “capacidade crítica geral”.

O alienado deixa de conhecer criticamente a história e a filosofia não por que não foi à escola (como é o caso do excluído social), mas sim porque o objetivo dessa escola nunca foi – em país nenhum – o de formar cidadãos críticos; foi, isso sim, o de formar eleitores passivos, consumidores dóceis e trabalhadores disciplinados. Quanto ao conteúdo que é ministrado nas escolas, a maioria dos alunos não se preocupa realmente em “entendê-los”, pois tal coisa não lhes é – de forma alguma – exigido; basta ter na memória – durante o momento da avaliação e depois nunca mais – parte do conteúdo “ensinado” e assim está garantida a “aprovação” e o “progresso” para o próximo ano letivo (isso quando não há a abominável “progressão continuada”, situação na qual nem isso é exigido do futuro consumidor, eleitor e trabalhador). Escola ruim (inclusive as do “sagrado” EUA) e escola nenhuma são, do ponto de vista da libertação individual ante os grilhões opressores das crendices, basicamente a mesma coisa.

É mister ressaltar que o indivíduo pode ter ótimos conhecimentos técnicos e científicos – para exercer atividades no estreito limite da sua profissão, e nada mais – e, não obstante, ser alienado e aleijado intelectualmente – o que o impede de ver, à luz da ciência e das evidências disponíveis, os abundantes e muitas vezes óbvios defeitos do seu credo, ensejando-lhe os argumentos mais ilógicos e a cegueira mais profunda a fim de que sagrados dogmas não sejam negados por uma visão mais justa e razoável da realidade. Essas pessoas podem também, o que, convenhamos, já é um progresso, enaltecer a ciência e transforma-la em uma religião, negando-se a admitir os seus limites e, em alguns casos, a sua insuficiência.

Assim, a alienação necessária ao neoliberalismo é a mesma que, atualmente e não obstante o progresso do conhecimento vigente na “era da informação”, mantém as crendices: do horóscopo ao cristianismo, o que dá no mesmo. De que outra maneira 44% dos estadunidenses acreditariam que o mundo foi realmente criado exatamente como explica o Gênesis, ou 62% dos brasileiros acreditariam na existência e na atuação efetiva de anjos da guarda?

Os conhecimentos da nossa época, que são, sim senhor, suficientes para a negação da religião e das superstições em geral, são apresentados a poucos, e decifrados por um grupo ainda mais restrito.

Apenas a partir deste primeiro ponto podemos fazer uma reflexão sobre o que está ocorrendo “naquele país”, os EUA, onde estão pipocando “teorias científicas”, através de “ciências” como a “neuroteologia”, que supostamente “comprovam a existência de Deus”!

Suponhamos que haja, naquele país, um cientista, fruto de um sistema educacional alienante, que nunca tenha tido contato efetivo com a filosofia e com a história, que nunca tenha lido uma literatura (jacta-se de apenas ler livros técnicos – sempre relacionados à sua estreita área de atuação) – e que se leu alguma certamente foi um desses livros populares, despidos de qualquer significado filosófico, ou cheios de mentiras e lugares-comuns –, e cujo único contato que tenha com a arte seja mediante o glorioso cinema de Hollywood, o qual possui de arte, isso nas exceções – se é que há alguma –, um ou dois átomos, sendo de resto digno de lixeira.

Suponhamos ainda, ou antes, que haja, naquele país, um milionário “profundamente religioso” (que tenha um compromisso pessoal com os dogmas cegos da fé cristã ou de alguma seita imbecil qualquer). Talvez esse indivíduo seja um ator de Hollywood, ou talvez um magnata das telecomunicações. Se tal homem já nasceu em berço de ouro, então não temos mais nada a supor. Mas não, imaginemos que ele ascendeu da pobreza à riqueza, naquela que é a “mais esplêndida terra das oportunidades que o mundo jamais viu ou verá”. Nesse caso não custa lembrar, e nunca será bastante insistir nesse ponto, que os conhecimentos e a perspicácia que foram necessários para o seu enriquecimento não têm ligação alguma com o questionamento justo e honesto acerca da “verdade” última, das origens do universo e da vida, do significado moral da vida, etc. Ou seja, o seu sucesso como empresário ou político de forma alguma fazem dele autoridade em assuntos filosóficos transcendentes.

Finalmente, suponhamos que esse rico e religioso homem, quando teve a sua fé abalada por qualquer motivo (provavelmente os mais estereotipados possíveis: doença ou morte de familiares, etc.), decide que gastará parte de seu sobejo patrimônio para “provar cientificamente” a existência do deus dele. Por fim, cria um “instituto”, ou uma “fundação” e o forra com cientistas mercenários, como aquele que foi suposto logo acima.

Há alguma dúvida da legitimidade e da cientificidade dos resultados que poderão ser obtidos?

Embora eu acredite que a exclusão social e a alienação expliquem a maioria dos casos da permanência da fé, elas não explicam todos; e eu ainda tenho algo a dizer sobre essa questão.

Atenção: Como eu já disse no § 46, esse texto foi escrito em 2002, quando eu tinha 16 anos. Muito do que está escrito aqui já não representa com exatidão a minha atual forma de pensar. Porém creio que o texto ainda pode ser útil para aqueles que atualmente vivem situações (de apostasia) semelhantes às que eu vivi à época em que escrevi isso.

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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

Um comentário:

Duan Conrado Castro disse...

A "necessidade metafísica" da humanidade é a necessidade de dar um sentido moral ao mundo/à vida. Como a ciência é incapaz de dar esse sentido, essa sua incapacidade ajuda a alimentar todo tipo de misticismo.