sábado, 10 de maio de 2008

### 3 – Laisser faire, laisser passer –2

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Regime colonial, dívidas públicas, exações fiscais, proteção industrial, guerras comerciais, todos estes rebentos do período manufatureiro propriamente dito tomam um desenvolvimento gigantesco durante a primeira infância da grande indústria. Quanto ao seu início, este é dignamente celebrado por uma espécie de massacre dos inocentes – o roubo das crianças executado em grande escala. O recrutamento das novas fábricas se fazia como o da marinha real por meio da imprensa!

Por insensível que F. M. Éden se tenha mostrado a respeito da expropriação dos agricultores, cujo horror enche três séculos, qualquer que seja o seu ar de complacência diante deste drama histórico “necessário” para estabelecer na agricultura capitalista “a verdadeira proporção entre as terras de cultura e as de pastagem”, esta serena inteligência das fatalidades econômicas lhe falta desde que se trata da necessidade do roubo das crianças, da necessidade de escravizá-las a fim de poder transformar a exploração manufatureira em exploração mecânica e de estabelecer a verdadeira relação entre o capital e a força operária. “O público, diz ele, faria talvez bem em examinar uma manufatura – cujo bom êxito exige que se arranque de seus lares as pobres crianças que, revezando-se em turmas, trabalham a maior parte da noite e são privadas de seu descanso, o qual, por outro lado, aglomera em tumultuosa promiscuidade indivíduos de diferentes sexos, idades e costumes, de sorte que o contágio do exemplo traz consigo necessariamente a depravação e a libertinagem – se uma manufatura pode jamais aumentar a felicidade individual e nacional.” (Éden, L. c., livro II, cap. i, pág. 421).

“Em Derbyshire, Nottinghamshire e sobretudo no Lancashire, diz Fielden, que era fiandeiro, as máquinas recentemente inventadas foram empregadas nas grandes fábricas, muito perto de correntes de água bastante potentes para porem em movimento as rodas hidráulicas. Foram repentinamente necessários milhares de braços nestes lugares longínquos das cidades, e, em particular, no Lancashire, até então relativamente muito pouco povoado e estéril, que teve, antes de tudo, necessidade de uma população. Dedos pequenos e ágeis, tal foi o grito geral, e logo nasceu o costume de procurar os assim chamados aprendizes das work-houses pertencentes às diversas paróquias de Londres, Birmingham e outros lugares. Milhares destes pobres abandonados de sete a quatorze anos foram assim expedidos para o norte. O mestre (o raptor de crianças) se encarregava de vestir, nutrir e alojar os seus aprendizes em uma casa para esse fim situada próxima à fábrica. Durante o trabalho, eram rigorosamente vigiados. O interesse desses guarda-chusmas era fazer trabalhar essas crianças excessivamente, pois, segundo a quantidade de produtos que eles sabiam extrair, seu salário aumentava ou diminuía. As conseqüências naturais disso foram maus tratos...Em muitos distritos manufatureiros, principalmente em Lancashire, estes seres inocentes, sem amigos nem ajudas, que se tinham entregue aos donos das fábricas, foram submetidos às mais horríveis torturas. Esgotados pelo excesso de trabalho, foram açoitados, acorrentados, atormentados com as mais refinadas crueldades. Muitas vezes, quando a fome fazia baquear o mais forte, o chicote o mantinha no trabalho. O desespero os levou, em alguns casos, ao suicídio!... Os belos e românticos vales de Derbyshire se tornaram negras solidões onde impunemente se cometeram atrocidades sem nome e até mortes!... Os lucros enormes realizados pelos fabricantes não fizeram senão aguçar-lhes ainda mais os dentes. Imaginarama prática do trabalho noturno, quer dizer, que depois de ter esgotado um grupo de trabalhadores pela tarefa do dia, tinham outro grupo pronto para o trabalho da noite. Os primeiros atiravam-se nas camas que os segundos acabavam de deixar e vice-versa. É uma tradição popular: no Lancashire os leitos não se esfriam nunca! ” ( [Na respectiva nota de rodapé: ] John Fielden: The Curse of the Factory System, págs 5 e 6. Reativamente às infâmias cometidas na origem das fábricas, vide Dr. Ankin, (1795), L. c., pág. 219, e Gisbourne: Inquiry Into the Duties of Man, 1795, vol. II. Desde que a máquina a vapor transfere as fábricas das proximidades dos cursos da água, do campo para o centro das cidades, o apropriador de mais-valia, o amante “da abstinência”, encontra à mão todo um exército de crianças sem ter necessidade de requisitá-las aos work-houses. Quando Sir. R. Peel (pai do “ministro da plausibilidade”) apresentou, em 1815, seu Bill sobre as medidas a tomar para proteger as crianças, F. Horner, o amigo de Ricardo, citou os fatos seguintes na Câmara dos Comuns: “É notório que recentemente entre os móveis de um falido, um lote de crianças de fábrica foi, se posso servir-me dessa expressão, posto na massa falida e vendido como formando parte do ativo! Faz dois anos (1813) um caso abominável foi apresentado perante o Tribunal do Banco do Rei. Tratava-se de certo número de crianças. Uma paróquia de Londres as tinha entregue a um fabricante que, por sua vez, as tinha transferido a outro. Alguns amigos da humanidade as descobriram finalmente em completo estado de inanição. Outro caso ainda mais abominável chegou ao meu conhecimento quando fui membro do comitê de inquérito parlamentar. Faz poucos anos apenas: uma paróquia de Londres e um fabricante concluíram um tratado no qual foi estipulado que para cada parte de vinte crianças sãs de corpo e espírito, vendidas ao fabricante, este devia aceitar uma idiota.”)

Com o desenvolvimento da produção capitalista durante o período manufatureiro, a opinião pública européia tinha-se despojado e seus últimos restos de consciência e pudor. Cada nação se vangloriava cinicamente de toda a infâmia própria para acelerar a acumulação do capital. Que se leia, por exemplo, os ingênuos Anais do Comércio do honesto Anderson. Esse bom homem admira como um lampejo de gênio da política inglesa o fato de, quando da Paz de Utrecht, a Inglaterra ter arrancado à Espanha, pelo Tratado de assento, o privilégio de fazer, entre a África e a América Espanhola, o tráfico dos negros que, até então, não tinha feito mais que a África e suas possessões da Índia Oriental. A Inglaterra obteve assim o direito de fornecer à América Espanhola quatro mil e oitocentos negros por ano, até 1743. Isto lhe serviu ao mesmo tempo para cobrir com um véu oficial o seu contrabando. Foi o tráfico de negros que lançou os fundamentos da grandeza de Liverpool. Para esta cidade ortodoxa, o tráfico de carne humana constituiu todo o método da acumulação primitiva. E, até nossos dias, as notabilidades se Liverpool cantam as virtudes específicas do comércio de escravos, “o qual desenvolve o espírito de empresa até à paixão” (vide o livro já citado do Dr. Ankin, 1795). Liverpool empregava no tráfego 15 navios em 1730, 53 em 1751, 74 em 1760, 96 em 1770, e 132 em 1792.

Ao mesmo tempo que a indústria algodoeira induzia na Inglaterra a escravidão das crianças, os Estados Unidos da América do Norte transformavam o tratamento mais ou menos patriarcal dos negros num sistema de exploração mercantil. Em suma, era preciso, como pedestal á escravidão dissimulada dos assalariados no Europa, a escravidão sem véu do Novo Mundo.

Tantae molis erat! Eis aí o preço que temos pago pelas nossas conquistas; eis aí o que custaram as “leis eternas e naturais” da produção capitalista, o preço do divórcio entre o trabalhador e as condições do trabalho; o preço de transformar estas em capital e a massa do povo em assalariados, em pobres laboriosos (labouring poor), obra-prima da arte, criação sublime da história moderna. Se, segundo Augier, é “com manchas naturais de sangue sobre uma de suas faces” que “o dinheiro veio ao mundo” (Marie Augier: Du Crédit Public, Paris, 1842, pág. 265), o capital aí chegou suando sangue e lama por todos os poros.


(Karl Marx, A Origem do Capital, capítulo VI)





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Os agentes econômicos respondem a estímulos na sua ação racional (i.e., ação capaz de formular estratégias e que não erra sistematicamente) e voltada ao seu interesse próprio (i.e., que busca a maximização de sua satisfação por meio do atendimento ótimo das suas necessidades).

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