sábado, 5 de abril de 2008

XIII – Acerca da privatização em detrimento de regalias e do aumento da eficiência econômica daí decorrente.

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§ 13







Atualmente eu trabalho como funcionário de nível médio em área-meio (na qual você não atende diretamente o cliente) de um banco “público de direito privado”

Como já é costume, um dia desses recebi um e-mail sobre a sempre presente ameaça de privatização.

Conversando com um colega (gama I, 25 anos, noivo) ele se manifestou inescrutavelmente perplexo com o fato de eu me preocupar com isso. “Qual é o problema de se trabalhar em um banco privatizado, afinal?”

A seguir a longa resposta que eu lhe forneci:

“Primeiramente, todo o trabalho que é feito aqui no nosso departamento seria terceirizado, e portanto seria executado por trabalhadores que custariam uns quarenta por cento do que cada um de nós custa.

“Segundo, você iria trabalhar em uma agência (isso se não fosse demitido, pois os novos proprietários da empresa iriam, logo ao assumir a diretoria, anunciar um previsível excesso de pessoal), na qual você forneceria, devido ao assédio moral e às metas impossíveis de se cumprir, uma média de duas horas de trabalho não remunerado por dia.

“Você teria apenas quinze minutos para almoçar (conforme prevê o contrato de trabalho de seis horas diárias), e o faria, isso quando o fisesse, em horários completamente irregulares: hoje às 11h, amanhã às 15h, no dia seguinte às 13h, etc. Em pouco tempo, você passaria a cultivar úlceras.

“Você teria que estelionatar os seus clientes a fim de tentar cumprir as sagradas metas.

“Tudo isso para ganhar praticamente a mesma coisa que você já ganha agora, senão um pouco menos.

“Todas as regalias que você perdesse seriam instantaneamente convertidas em lucro adicional para o capital que comprou a sua força de trabalho. Esse ganho se chama ‘eficiência econômica’, ou ainda ‘aumento da produtividade’, e redunda em ‘aumento do bem-estar econômico’ pois reduz os custos marginais e isso pode, em um mercado competitivo, eventualmente respingar na forma de tarifas e juros menores para os consumidores (entre os quais você hipoteticamente se incluiria).





“Assim, em nome da eficiência econômica e do progresso – pois o caminho é sempre em frente – e em honra da acumulação de capital, você perderia regalias em detrimento do aumento do lucro, e, portanto, do aumento da concentração de renda nesse país que hoje já é o mais desigual da galáxia.

E que regalias você perderia? Você perderia a regalia de usar camiseta e calça jeans enquanto trabalha; você perderia a regalia de ter uma hora diária para almoçar; você perderia a regalia de não ter que cultivar úlceras; você perderia a regalia de não ter que engolir um marmitex em quinze minutos, a cada dia em horário diferente; você perderia a regalia de não ter que fornecer horas diárias de trabalho gratuito ao empregador; você perderia a regalia de não ter que, sempre em mangas bem passadas de camisa dentro da calça e com cinto e com sapatos bem engraxados, mentir e estelionatar o cliente (antes ele que você, não é?); por fim, você perderia a regalia de não ter que, sempre com um sorriso amarelo e encardido (pois você não teria tempo para o privilégio de escovar os dentes), empurrar exaustivamente, de novo e de novo, para os clientes (justamente os supostos beneficiários de tudo isso) produtos nos quais você não confia e os quais você mesmo não compraria em hipótese alguma.”

Será que eu exagerei?




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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

3 comentários:

Duan Conrado Castro disse...

Notícia do Sindicato dos bancários de Curitiba, em 20/10/2008, 13° dia de greve nacional.

Quem tem medo do HSBC?


O Sindicato dos Bancários de Curitiba e região não tem medo e permanece sua luta solitária, já que não pode contar com os meios de comunicação de Curitiba, contra as arbitrariedades cometida pelo banco inglês HSBC. Um dos bancos que mais constrange, coage e assedia os bancários no país, mas que deseja ser eleito "uma das melhores empresas do país para se trabalhar".

Em sua página na Internet, o HSBC coloca como seus valores: "Nossa conduta deve refletir os mais altos padrões de ética" e ainda "Nosso relacionamento com clientes e colaboradores deve ser transparente e baseado na responsabilidade e confiança entre as partes". O Sindicato pergunta: onde está a ética? Onde está a confiança?

Leia os depoimentos abaixo, retirados dos mais recentes correios eletrônicos recebidos pelo Sindicato e responda você mesmo: Onde está a ética e a transparência do banco HSBC?

"Há gerentes do HSBC que estão levando funcionários para trabalhar na casa deles ou em locais em condições precárias".

"Se a gente diz não a convocação para trabalhar, sabemos que vamos ser mandados embora".

"Pediram para trabalhar sábado e domingo, primeiro com delicadeza, depois com mensagens nada agradáveis no meu celular, não aceitei porque tenho familia, que depende de mim no final de semana. Não tenho que sofrer desse jeito".

"Sou estagiário e também estamos tendo que trabalhar em horários alternativos, já tive até mesmo que faltar aula. Às vezes temos que dizer para o pessoal que controla a entrada o nome de outro funcionário, alguém que esteja na lista. Ao querer dizer que não poderia faltar a aula ouvi uma resposta muito grosseira do meu coordenador, dizendo que naquele momento o banco era o mais importante. É exatamente o que os outros disseram, temos que ficar 24 horas à disposição do banco HSBC".

"O banco abriu contigência no Centro de Treinamento, na saída das praias, para manter sua produtividade. Perguntei se era obrigado a ir e me responderam que sim, pois era ordem dos gerentes. Onde está o direito de greve? Tive que ir, pois sei que vou sofrer retaliações e assédio moral. Falo também em nome dos outros que não falam nada por medo".

"Acabei de receber uma ligação do meu supervisor me convidando para trabalhar sábado sem previsão de jornada. Ele me disse: você vai trabalhar 8 horas ou até quando acabar o serviço".

Esta é a política de recursos humanos do HSBC. Uma política pautada pela violência psicológica, assédio moral e desrespeito a vida privada dos trabalhadores.

No Brasil e no mundo, é só exploração que você pode esperar do banco HSBC.

Fonte: Seeb Curitiba

http://www.bancariosdecuritiba.org.br/service/noticias.asp?noticia=4110&acao=show

Anônimo disse...

Curiosidade: como o seu interlocutor respondeu?

Duan Conrado Castro disse...

Anônimo,

Bem, ele disse que eu estava exagerando, e que provavelmente as coisas não precisavam acontecer necessariamente desse jeito...Daí eu pensei: "bem, o economista aqui sou eu, não ele; mas eu não poderia usar esse argumento de autoridade para convencê-lo, afinal, o fato de eu ser economista não é garantia de que eu esteja certo".

Já estou acostumado a receber esse tipo de resposta, que nada mais é do que uma recusa em discutir o assunto de forma mais aprofundada.