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§ 104
Dando seqüência à discussão sobre a indústria cultural iniciada no capítulo 100, teceremos, no presente capítulo, breves considerações sobre o filme Avatar (2009), de James Cameron.
Não é minha intenção apresentar os furos do roteiro melodramático estereotipado do filme, pois creio que isso, inclusive, já foi feito bastante por outras pessoas. Por isso vou fazer aqui somente as observações que eu não encontrei em outros textos, ou seja, somente a minha contribuição original.
Eu assisti a esse filme numa das duas únicas salas IMAX 3D disponíveis no país (essa está em Curitiba, a outra em São Paulo), e afirmo que fiquei inescrutavelmente perplexo e deslumbrado com o que vi. A orgia sensorial promovida pela experiência de imersão foi suficiente para calar o meu senso crítico, e eu saí do cinema maravilhado, lamentando ter que voltar ao “mundo real”, e não apresentando cansaço mesmo depois de três horas de projeção. Eu tinha, durante a projeção, percebido que o roteiro era fraco: mas o que isso importa? Que diferença faz a história diante de tão avassaladora experiência de imersão? A propósito, lembrei do livro Admirável Mundo Novo (Audous Huxley). Para quem lembra, não é difícil perceber seu caráter profético: ele descreve a massa se alienando em cinemas que afetam todos os cinco sentidos, mas que apresentam enredos simplórios, praticamente inexistentes: tudo o que importa é a sensação. Algo parecido ocorre no longa metragem Idiocracy (2006).
(O vídeo abaixo foi indicado pelo Thomaz nos comentários desse capítulo; achei-o tão pertinente à temática aqui discutida que o incorporei ao corpo do texto.)
Essa potência sensorial ("vertigem audiovisual") de Avatar me fez questionar (isso semanas depois, quando consegui pensar algo crítico sobre o filme): porque essa compulsão da indústria cultural em produzir simulacros cada vez mais perfeitos? Ora, qual é a função do simulacro na indústria cultural? Qual é a função de uma experiência de “imersão” numa irrealidade realista e espetacularizada? A resposta que eu pensei foi a seguinte: a função é a de promover o auto-esquecimento, a auto-alienação, a alienação duma cotidianidade medíocre e mecânica. E, para o establishment, qual é a importância dessa alienação? É que, assim, mediante um escapismo, as pessoas efetuam uma catarse da sua insatisfação, evitando-se que essa seja canalizada para uma transformação política do real. Ou seja, a auto-alienação e a catarse propiciadas pela indústria cultural exercem uma função política conservadora do establishment, da realidade social concreta vigente, com suas estruturas de exploração, dominação e autoritarismo. Se não houvesse escapismo, catarse e auto-alienação as pessoas iriam questionar o establishment; mas é claro que a ordem capitalista criou mecanismos muito eficazes para evitar esse questionamento por meio de um amortecimento de corações e mentes. A indústria cultural é um lubrificante social, um instrumento de alienação, uma muleta existencial.
A invenção de mundos imaginários como forma (ineficaz) de crítica (implícita ou explícita) do mundo real (como ocorre n’O pequeno príncipe, no filme Avatar e em tantas outras mercadorias da indústria cultural) é uma tentativa dos autores dessas histórias de sublimar sua culpabilidade por serem cúmplices da realidade social vigente. Tomemos o caso do filme Avatar. Qualquer “lição de moral”, “mensagem”, que o roteirista pretendesse passar com esse filme cai por terra quando percebemos que o mundo idealizado de Pandora é, em sua essência, qualitativamente diferente do nosso.
Em Pandora não há, tal como no nosso mundo, uma separação básica, primordial, entre a ordem natural e a ordem social; pelo contrário, a ordem social é totalmente natural: não há história, há apenas biologia. Isso fica patente quando observamos que os animais de montaria são naturalmente adaptados para serem domesticados (ou seja, a rigor, essa domesticação nem existe, porque já estava “prevista” pela teleologia natural – não é uma domesticação, mas sim uma simbiose), tendo, como sinal dessa adaptação, uma “porta USB” natural, de fábrica, para poderem ser controlados pelos Na’vi.
O conhecimento acumulado pelos antepassados dos Na’vi não precisa ser registrado em livros, já que ele é acessado em tempo real mediante processos biológicos: “conexão USB” com uma árvore sagrada (trata-se de uma espécie de Registro Akáshico, o qual supostamente, segundo místicos e esotéricos, existe e pode ser acessado por humanos). A religião dos Na’vi não exige de ninguém a fé, pois a existência da deusa e dos antepassados está comprovada e é verificável empiricamente por qualquer um a qualquer hora (de forma análoga, o paraíso da Terra Média é acessível por navio, ou Harry Potter, no final do quarto livro, é salvo pelos fantasmas do seus pais – a certeza empírica de que existe vida após a morte elimina uma grande angústia existencial que está presente na vida das pessoas no mundo real).
É evidente que a natureza que existe no planeta Pandora é fundamentalmente diferente da natureza do planeta Terra, assim como é evidente que a nossa realidade aqui seria totalmente diferente da atual (e histórica) se a natureza (ou seja, nossa realidade concreta básica) existente na Terra fosse análoga à de Pandora. Diferentemente do nosso destino como humanidade, os Na’vi não superaram seu conflito com a natureza, pelo simples motivo que esse conflito nunca existiu. Fica, assim, desconstruída qualquer “sabedoria” que esse povo imaginário pudesse nos ensinar: a nossa realidade concreta é diferente da de Pandora, e seria equivocado (seria ideologia) pretender impor a nós os valores vigentes para os Na’vi. Dessa forma, qualquer crítica que o roteirista pretendesse fazer ao mundo real é invalidada e se mostra contraproducente ao implicitamente confirmar, mediante uma crítica vazia, a inevitabilidade histórica da ordem social vigente, da qual James Cameron é obviamente cúmplice e beneficiário (afinal ele é um multimilionário que produziu o filme mais caro de todos os tempos).
Acusar Avatar (um filme da mais alta tecnologia que "defende" no seu texto o retorno à natureza) de hipocrisia (como fazem alguns em seus blogs) é um pensamento reducionista. Não se trata de mera hipocrisia, mas sim de uma função social conservadora da indústria cultural: a de realizar uma ultrapassagem simbólica do real, para que a mesma não precise ser realizada de fato; noutras palavras, a função de realizar uma catarse da sensação de culpa pela cumplicidade com o establishment, bem como da pulsão de morte, a qual poderia ser canalizada para uma transformação política do status quo. A transformação é realizada simbolicamente (e, inclusive, num planeta distante) justamente como purgação (catarse) das pulsões transformadoras da realidade social concreta vigente.
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[Parte acrescentada em 13/02/2011]
O que choca ao se analisar Avatar é a convivência da alta tecnologia com abslutamente nenhuma inovação de conteúdo ou estrutura narrativa: o enredo é a mesma história melodramática, maniqueísta e previsível de sempre. Assim, o progresso técnico - sempre a arrancar suspiros - caminha lado a lado com a decadência e miséria do conteúdo produzido no mainstream hollywodiano. A desfaçatez foi tão grande que o filme acabou recebendo apenas Oscars técnicos (melhor fotografia, melhores efeitos visuais e melhor direção de arte): nem a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas teve coragem de laurear Cameron como fizera com Titanic.
O mundo colorido e espetacular de liberdade aparentemente crescente esconde uma prisão existencial de limites cada vez mais estreitos e sufocantes. Por traz do paraíso deslumbrante, o látego: a fantasia esconde, sob uma cortina de fumaça, o deserto da realidade sem horizontes. Quanto maior e mais intrincados são os esforços para produzir o simulacro, menos intrincados e mais grotescos são os esforços do consumidor para se auto-alienar e escapulir efemeramente da sua cotidianidade medíocre e mecânica - da prisão reificada na qual arrasta-se diariamente, sem perspectivas de real emancipação (apenas é permitido o simulacro de emancipação pelo consumo da fantasia industrializada).
Com relação à "teia da vida" relatada no auge de "intelectualidade" e "esclarecimento" do enredo e desacreditada pela intelligentzia dos vilões, é surpreendente que uma civilização, em pleno ano 2154 d. C., que consegue viajar rapidamente de um sistema solar até outro (e que, portanto, arranjou um jeito de viajar mais rápido que a velocidade da luz) não seja capaz de ter assimilado um conhecimento já popularizado, em 1997, por Fritijof Capra em um livro chamado...A teia da vida, o qual trata de se trata de uma variação da hipótese de Gaia. Sim, trata-se, em Avatar, de mera pasteurização espetacular e mitificada de algo essencialmente já conhecido há muito tempo. Sem novidades.
Também surpreende que seja mais eficiente usar Jake do que simplesmente ter feito um backup da mente de seu irmão e depois ter reconstruído seu corpo em laboratório (ou ter transferido a mente diretamente para o avatar)...afinal a tecnologia usada para criar os avatares também serviria para esse propósito: efetuar uploads mentais e substituição de corpos humanos...Mas os fatos precisam ser destruídos para sustentar o enredo melodramático com o qual o público se identifica tão previsivelmente.
A caricaturização do intelectual até a sua completa e burlesca descaracterização é típico dos produtos do mainstream burguês, como quando Dan Brown transforma , em Anjos e Demônios (eu apenas perdi - pela última vez - meu tempo vendo o filme, não sei se isso ocorre no livro também), a "partícula de Deus" (Bóson de Higgs) não na derrocada vergonhosa da religião para a ciência, mas sim na fusão harmônica e gloriosa de ciência e religião. Ridículo.
Mas o cinema de massas sempre faz isso: vulgariza o intelectual para tornar-se digerível à multidão, que não quer pensar, mas apenas esquecer da própria miséria por algumas horas. E mais: com essa vulgarização ainda finge-se de educativo, enquanto o público finge que aprendeu alguma coisa sobre a vida e que saiu do cinema mais sábio maduro do que nunca.
Um outro exemplo grotesco dessa vulgarização é a citação que o mesmo James Cameron faz de Nietzsche como epígrafe do filme O segredo do abismo: "Quando você olha para o abismo ele também olha para você". Ou seja, as palavras trágicas do filósofo do martelo são pasteurizadas e transformadas em enfeite de um enredo melodramático no qual o mocinho abnegado salva a humanidade de si mesma com a ajuda se angelicais alienígenas...Aliás, com poucas alterações, esse enredo se transforma em Avatar: o mocinho abnegado salva da humanidade os alienígenas angelicais. Como se um único parágrafo de Nietzsche não tivesse mais sabedoria que todos os filmes de Cameron juntos.
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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.
22 comentários:
Interessante essa visão acerca da falta de historicismo e também da diferença absurda entre o conhecimento e a religião dos Na'vi e dos humanos. Não pensei nisso, mesmo porque nem ao menos parei pra refletir sobre o filme. Assisti no Imax também (se bem que peguei um lugar péssimo, saí de lá com o pescoço dolorido), e fiquei fascinado com os cenários e os efeitos também, cheguei até a me emocionar não me lembro se no trailer da Alice ou de Toy Story 3 (me tornei total escravo da Indústria Cultural nessa hora haha). Mas pouco tempo depois esqueci tudo, não pensei mais no filme. A mensagem é um baita jargão, o filme vem de um país que é justamente o maior poluidor do planeta, chega a ser idiota, não tem tanto efeito assim. Não formei crítica alguma na minha cabeça, nem positiva, nem negativa, mas seu ponto de vista me chamou atenção.
Me lembro que li uma crítica de um americano, se eu não me engano, dizendo para que os brasileiros boicotassem o filme, já que este trata, implicitamente, da invasão americana à amazônia e massacre dos índios e destruição das riquezas naturais e blablabla... Não achei de todo absurdo, mas aposto que ninguém deu muita bola pra isso.
Pois é, e o James Cameron veio aqui para o Brasil, criticar a usina hidrelétrica do Ximgu, dizendo que essas usinas "causam aneurismas na natureza"...E qual alternativa ele, estadunidense que é, nós propõe? Aliás, ele também chegou a declarar que a condição dos índios brasileiros é semelhante às dos Na'vis. Acontece que, diferentemente do que ocorre com os Na'vis, a mitologia indígena está bem longe de sem comprovada empiricamente...
Antes de qualquer comentário:
1.Eu não vi esse filme (queria ter ido no imax tbm, mas enrolei tanto que acabei não indo)
2.Tenho certeza de que o filme (fora os efeitos) é ruím, tamanho o bombardeio de criticas alheias que eu vi.
Quanto à "função social" da qual vc fala nesse post, e em aparentemente outros tantos referentes ao entretenimento mainstream, eu não acredito que seja um mecanismo social premeditado (como vc parece sugerir).
Não me parece que a cultura é usada para manter o sistema, mas sim, para agradar o povo: o homem tem um medo natural de tudo que é mudança; acho que a cultura simplesmente se adapta à isso.
Também não acho que qualquer "mensagem verde" do filme seja desmerecida, visto que as pessoas realmente precisam de incentivos infantis pra darem atenção aos problemas ambientais.
Independente de o filme ser cumplice do establishment, ou contraditório, ou hipócrita, ou mesmo da invalidade de seu argumento, o fato é que o bombardeio cultural (mesmo que tosco e munido de táticas psicológicas canalhas) das questões ambientais tem efeitos bastante práticos na população, e isso pode ser decisivo pra sobrevivência do homem.
Seu post me lembrou dessa música
http://www.youtube.com/watch?v=KfExlj7TX5o
:)
Bom vê-lo novamente por aqui, Tomaz.
"Quanto à "função social" da qual vc fala nesse post, e em aparentemente outros tantos referentes ao entretenimento mainstream, eu não acredito que seja um mecanismo social premeditado (como vc parece sugerir)."
Depende do que você entende por "premeditado". Se você acha que eu estou sugerindo algum tipo de teoria da conspiração, realmente não estou.
"Não me parece que a cultura é usada para manter o sistema, mas sim, para agradar o povo: o homem tem um medo natural de tudo que é mudança; acho que a cultura simplesmente se adapta à isso."
Bem, convenhamos Tomaz, você, até onde eu sei, nunca se dispôs a estudar a cultura e, a rigor, nem mesmo "o sistema". Você é praticamente um "biologista", não se dignou a estudar as ditas "ciências humanas/sociais". Se você for realmente um biologista, você, inclusive, negará a cientificidade dessas supostas ciências. Acusará, por exemplo, a psicanálise de ser tão verdadeira quanto a homeopatia ou o coelhinho da páscoa (ver capítulo LVIII desse blog).
"Não me parece que a cultura é usada para manter o sistema, mas sim, para agradar o povo."
Presumo que você não leu os textos anteriores dedicados à indústria cultural. Ora, "manter o sistema" evidentemente passa por "agradar o povo": o desafio é justamente manter os escravos satisfeitos com sua servidão. Pão e circo, meu caro. "Entretanimento" (entretenimento + teta)
"o homem tem um medo natural de tudo que é mudança; acho que a cultura simplesmente se adapta à isso."
Natural? E como determinar o que é ou não natural dentro de uma cultura, determinada histórica e socialmente? É justamente esses conceitos de "natureza" que eu, apoiado nas ciências sociais e na filosofia, me digno atualmente a questionar (como espero ter ficado claro nos capítulos anteriores). Seja como for, concordo que "o mercado" dá ao povo o que o povo quer. Mas de onde vêm o desejo do povo? Será que vem da natureza e ponto final? Será que não é ele mesmo uma criação cultural cumulativa, manipulada pelos donos do poder com o interesse de justificar o atual sistema de autoritarismo e exploração? Veja bem, isso não é teoria da conspiração, nem foi inventado por mim...
"visto que as pessoas realmente precisam de incentivos infantis pra darem atenção aos problemas ambientais."
É esse tipo de "necessidade" (supostamente "natural") que eu estou me pondo a questionar: será que as coisas realmente "precisam" ser assim? Será que estamos condenados pela natureza a viver nessa miséria intelectual para sempre?
"ser decisivo pra sobrevivência do homem."
E que homem é esse que vai sobreviver? Um homem condenado pela natureza à infantilidade e à ignorância? Novamente, é esse tipo de "verdade" que eu atualmente estou me propondo a questionar.
Muito bom o vídeo...é esse tipo de pensamento que eu estou desenvolvendo atualmente. XD
http://www.youtube.com/watch?v=8ZYAR3XbWso&NR=1
Eu acho que não sou um biologista então... Confesso que antigamente eu não dava crédito às ciências humanas; mas mudei minha opinião, venho inclusive observando algumas intersecções interessantes entre as ciências humanas e a biologia.
Ora, "manter o sistema" evidentemente passa por "agradar o povo"
O que eu quis dizer é que o Cameron e o pessoal da Warner (ou seja lá quem patrocinou ou efetuou o filme) quando produziram Avatar provavelmente não pensaram "vamos manter o sistema" mas sim "vamos ganhar dinheiro". O fato de não ter filmes "anarquistas" não é por eles não serem produzidos, mas por falta de interesse do público.
Quanto ao fato de as artes servirem com para-raios dos sentimentos humanos, acho que não há nenhuma culpa nisso; todas as formas de arte desempenham essa função de alguma forma (inclusive o vídeo que vc postou né: será que ele também não têm culpa no cartório à ponto de invalidar seus [bons ou ruíns] argumentos?). Sem as expressões artísticas e culturais, penso que seria mais fácil as pessoas enlouquecerem por tédio ou "falta do que pensar" do que tentarem mudar alguma coisa.
Natural? E como determinar o que é ou não natural dentro de uma cultura, determinada histórica e socialmente?
Verdade... Eu não tinha pensado nisso e acho que (pra variar) vou responder bem porcamente: Dizem que se vc for observar certas tribos indígenas vc tem a oportunidade de provar os comportamentos humanos "in natura", e pelo que sei os únicos povos que não tinham/tem apatia à mudanças são aqueles que não sobreviveriam sem elas.
Geralmnete quanto mais isolada a cultura, mais tecnofóbico é o povo e mais "coisa do capeta" (ou seja lá quem for a divindade maligna, pq quase sempre existe uma) será tudo que é diferente. Vide o fato de que levou centenas de anos pra se trocar o sistema numérico romano pelo sistema arábico -mesmo sendo o último óbviamente superior-, a maioria das mudanças parece não serem efetuadas por simples medo ou apego à modismos, não por serem contra o stablishment.
É esse tipo de "necessidade" (supostamente "natural") que eu estou me pondo a questionar: será que as coisas realmente "precisam" ser assim? Será que estamos condenados pela natureza a viver nessa miséria intelectual para sempre?
Espero que não seja assim pra sempre, mas por enquanto temos que jogar com essas cartas mesmo. Eu realmente não acho que a sobrevivência do homem seja boa se a situação humana não mudar;
mas acho que seria um retrocesso enorme -e um prejuízo aínda pior-se a única forma de vida que tem conciência da própria evolução (e que consequentemente tem algum poder para "melhorar" a porra toda) fosse extinta agora. Talvez valha á pena esperar pra ver.
Eu vi o vídeo e não concordo com o uso que fazem da palavra escravidão; não tenho muito culhão pra opinar sobre isso (na verdade, reconheço, não tenmho culhão para opinar sobre nada do que opinei; mas falar merda não aumenta meus impostos...). Acredito que a existência de um "sistema"- palavra tão temida pelo autor do vídeo- é necessária e não pressupõe, obrigatoriamente, escravidão. Acho que o sistema pode ser bom, igualmente, para todos no futuro (mesmo com toda a resistência à mudanças), e, se for assim, e estar inserido no sistema for, necessariamente, sinônimo de escravidão (as duas palavras são associadas no vídeo como se uma fosse pressuposta da outra), todos os homens serão, provavelmente, escravos felizes.
(acho que me empolguei na utopia... mas vc entendeu.)
Quanto ao natural, tenho uma visão ligeiramente radical: Para mim, o que classificam como radical é basicamente somático. Ou seja, natural é comer, transar, dormir, etc.
No entanto, pra mim, todos os tipos de manifestação, física e mental, são naturais. Tanto o pensamento abstrato quando a construção da cultura é natural: tudo o que o ser humano faz, pensa, sente, é natural, e não há nada que escape desse conceito de natureza.
Isso serve pra eliminar qualquer argumento de legitimação que queira pressupor que tal ação deve ser evitada pro ser "anti-natural".
E o fato de o pensamento humano ser natural não implica regras fixas sobre como, quando e porque o ser humano irá agir.
Se o ser humano é condicionado pelo Establishment, também não consigo ver outra razão que não a demanda: só escrevem livros como Crepúsculo porque as pessoas querem ler isso. É a verdade. Não escrevem pra manipular e, como o Thomaz diz, as pessoas não parariam pra pensar em mudanças sociais na ausência de tal forma de entretenimento. Provavelmente, se eliminarmos tudo o que há sobre isso, as próprias pessoas inventariam tudo de novo.
Somente quando eu participei de palestras numa universidade eu presenciei pessoas que dão valor ao pensamento. Fora, toda a tentativa de estabelecer diálogo nesse nível foi completamente infrutífera. Alguns por não entender, outros simplesmente por não possuírem nenhum interesse.
Numa boa, é um ciclo vicioso. Sei que é horrível acreditar nisso, mas não consigo pensar em nenhuma solução a não ser a de que nossa raça é normalmente estúpida e que há apenas poucas exceções.
Não que isso seja inevitável: nossa natureza possui em si os mais diversos tipos de contradição. Podemos pensar, podemos amar, ser livres. Mas o que vejo é que há andróides, idiotas, por todos os lados. Autômatos que não pensam. E não sei o que fazer em relação a isso.
Quanto ao ponto de resistência à mudança, tenho um argumento que pode ser pertinente. Até mesmo nós, que somos irracionalistas e colocamos tudo em dúvida, temos critérios de "realidade". As pessoas se apegam a esses critérios porque é isso que permite que sua vida continue.
Jung falou sobre tribos africanas que simplesmente se desintegraram quando o "homem branco" chegou: o abismo paradigmático foi grande demais para o grupo "saltar" e sobreviver.
É como um personagem do meu terceiro livro, que é o segundo na série formada com o primeiro, disse:
Imagine uma civilização tão avançada em termos científicos e que tenha evoluído como a nossa, com quebras e reconstruções de paradigmas, que sua realidade nos seja inconcebível.
Assim como seria se voltássemos ao império romano e tentássemos explicar aos filósofos que estamos nos comunicando pela internet.Provaríamos que estamos nos comunicando mas eles não teriam meios de nos entender. Falaríamos sobre nossa ciência e tudo lhes seria inconcebível. Mostraríamos que o que eles entendem por realidade foi provado como falso e que o pensamento deles é extremamente limitado em relação ao nosso atual.
O salto paradigmático seria grande demais. Nós(assim como os romanos) não entenderíamos, mas ao mesmo tempo saberíamos que as questões com as quais lidamos agora são irrelevantes. Tudo o que entendemos por realidade, saberíamos ser errado, e não teríamos capacidade pra entender a nova, por causa da enorme quantidade de conhecimento entre nós e eles.
As crenças que mantém nossas sociedades unidas cairiam por terra antes do "tempo apropriado" e tudo o que vivemos deixaria de existir. Teríamos consciência de que tudo o que pensamos e fazemos é estúpido, primitivo e sem propósito. Que é tudo “mentira”
Alguns, talvez como nós, enfrentariam depressões e se recuperariam, mas creio que a maioria das pessoas não agüentaria a sensação de irrealidade, se saber que tudo o que vivem não passa de uma ilusão criada devido à sua ignorância. Esse é o meu caso: não foi a pior sensação que você já teve, aquela de perceber que tudo o que você viveu era mentira?
É precisamente por isso que tendem a evitar idéias novas, porque elas incorrem no risco de abalar a estrutura frágil de realidade esquematizada pelo ego. Por isso que defendem tradições até mesmo com agressividade. O que acontece é que os velhos morrem e os novos aceitam as novidades. Somente por isso nossa sociedade muda.
Quanto ao filme, acabou que eu não assisti e não tenho o que comentar. Apenas, talvez, que você deveria relaxar um pouco com isso de fazer crítica racional a obras que não e propõem a ser racionais em momento algum.
Bom saber que você não é um biologista. XD
"O que eu quis dizer é que o Cameron e o pessoal da Warner (ou seja lá quem patrocinou ou efetuou o filme) quando produziram Avatar provavelmente não pensaram "vamos manter o sistema" mas sim "vamos ganhar dinheiro". O fato de não ter filmes "anarquistas" não é por eles não serem produzidos, mas por falta de interesse do público."
Realmente James Cameron não pensou isso, mas "a mágica" é que não é necessário pensar assim: para entender porque não é necessária essa "conspiração consciente" é preciso entender a qual é a função social da indústria cultural, bem qual foi a evolução histórica dessa e do cinema desde o seu surgimento. Convenhamos, se James Cameron se "convertesse" ao "lado esquerdo" e tentasse produzir um filme esquerdista explícito (que afirmasse, p.ex., que as pessoas são escravas do sistema), ele certamente não conseguira apoio de nenhuma grande produtora: se quisesse fazê-lo, teria que ser com o dinheiro do próprio bolso. E o público também não gostaria muito, o que não surpreenderia visto que a mais de um século está sendo condicionado a gostar da mesma coisa: nem imagina que possam existir outras alternativas. É importante deixar clara aqui a minha opinião, que é a mesma de muitos estudiosos da indústria cultural (inclusive de Adorno e Horkheimer, criadores desse conceito): não é o público que controla a indústria, mas o oposto: é a oferta que cria a demanda. Agora, se queremos entender de onde vem a demanda do público (a partir do que o público forma seus gostos) precisamos, antes de recorrermos "à natureza", entender qual é o mundo simbólico no qual o público está inserido e no qual nasceu: esse mundo é uma construção histórica cumulativa determinada, também, materialmente e, portanto, pela dinâmica capitalista.
Não acho que o vídeo que eu postei possa ser muito comparado aos filmes comerciais: afinal ele é um "documentário" claramente político e panfletário, e não uma história ficcional, muito menos um enredo melodramático.
" Dizem que se vc for observar certas tribos indígenas vc tem a oportunidade de provar os comportamentos humanos "in natura", e pelo que sei os únicos povos que não tinham/tem apatia à mudanças são aqueles que não sobreviveriam sem elas."
Não concordo com isso não, afinal os índios têm sua própria cultura: não vivem no "estado natural", mas sim numa outra cultura. Desconfio que é simplesmente impossível encontrar a "natureza humana" se manifestando, pois onde há sociedade há cultura.
"a maioria das mudanças parece não serem efetuadas por simples medo ou apego à modismos, não por serem contra o stablishment."
Bem, antes de eu concordar com isso, seria necessário fazer uma investigação histórica e psicológica, e mesmo antropológica, do "modismo", e, para entender o seu papel atual, seria necessário entender qual é sua relação com a dinâmica capitalista e com os detentores do poder econômico. Eu particularmente acho que há uma "convergência": o que o povo quer - e quer porque foi condicionado e porque, no fundo, isso realmente remete a alguma "natureza" - é aquilo que interessa aos donos do poder: sem essa convergência o atual sistema de poder, exploração e dominação desabaria.
"Eu vi o vídeo e não concordo com o uso que fazem da palavra escravidão; não tenho muito culhão pra opinar sobre isso (na verdade, reconheço, não tenmho culhão para opinar sobre nada do que opinei; mas falar merda não aumenta meus impostos...)"
Aconselho-o a ler o capítulo ### 26 desse blog (http://outsidercaos.blogspot.com/2009/11/26-um-sonho-de-liberdade.html). Acho que ele vai esclarecer o que o autor do vídeo quis dizer por escravidão: o problema não é a existência de um sistema, mas sim que o movimento de auto-valorização do capital se tornou um fim em si mesmo: diferente do que diz a economia oficial, o "sistema" (o capitalismo) não serve para atender às necessidades das pessoas, ao contrário, são as pessoas que servem para atender às necessidades do "sistema" (da acumulação capitalista). Eu espero falar sobre isso na minha monografia de graduação, à qual postarei aqui no blog (e, se você preferir, posso lhe mandar uma versão em pdf).
Silas,
Depois eu lhe respondo. É que tenho que sair da net agora.
Silas,
Sim, essa sua visão de Natureza é interessante. Concordo plenamente com a sua intenção de eliminar a moral (e o moralismo) baseada no "antinatural".
Silas e Thomaz,
Vejam bem, eu não estou dizendo que a indústria cultural manipula as pessoas "conscientemente", como se fosse uma conspiração: a indústria dá o que as pessoas querem. Mas de onde vem o que as pessoas querem? Eu estou tentando ser OTIMISTA e acreditar que as pessoas são medíocres não porque estão condenadas pela natureza a serem assim, mas porque são educadas pelo sistema a serem assim: não é do interesse dos poderosos que a massa tenha autonomia intelectual. Repito o que eu disse no começo do capítulo 84:
“Os críticos dessa sociedade buscam evidenciar que o indivíduo é manipulado pelos mecanismos ideológicos da sociedade (protagonizados pelo Estado, pela família, pela escola e pela mídia) a fim de torná-lo um eleitor crédulo e esperançoso, um consumidor compulsivo, um trabalhador produtivo e paranóico e um pai repressivo e educador para a reprodução do sistema vigente de dominação. Os defensores do establishment enunciam a independência e a racionalidade do indivíduo ante seus semelhantes e ante as instituições sociais. Você não ficará surpreso se eu lhe disser que concordo com os críticos...”
Então...é um otimismo meu...imaginar que as pessoas têm um potencial muito maior do que aquele que elas apresentam, e que esse potencial é tolhido pelo "sistema" porque não interessa aos poderosos. Agora, se vocês tiverem razão, e as pessoas sejam assim "naturalmente", e não porque foram condicionadas, então não há, para mim, esperança de um futuro melhor.
Pelo menos vocês dois concordam que isso não é inevitável, que talvez exista uma esperança de emancipação.
"Até mesmo nós, que somos irracionalistas e colocamos tudo em dúvida, temos critérios de "realidade". As pessoas se apegam a esses critérios porque é isso que permite que sua vida continue."
Sim! Já falei sobre isso no capítulo 96, e falarei mais nos capítulos 107 e 112.
"Alguns, talvez como nós, enfrentariam depressões e se recuperariam, mas creio que a maioria das pessoas não agüentaria a sensação de irrealidade, se saber que tudo o que vivem não passa de uma ilusão criada devido à sua ignorância. "
Sim, sim, concordo plenamente.
"Esse é o meu caso: não foi a pior sensação que você já teve, aquela de perceber que tudo o que você viveu era mentira?"
Não sei se foi a pior sensação que eu já tive não...para falar foi até "divertido" destruir verdades, derribar ídolos. O que é triste é saber que a maioria das pessoas nunca vai nem imaginar que é possível se libertar de tudo isso.
"Apenas, talvez, que você deveria relaxar um pouco com isso de fazer crítica racional a obras que não e propõem a ser racionais em momento algum."
Acho que a história se propõe a "ser racional" sim, pelo menos eu tenho certeza que ela tem uma "lição de moral". Aliás, repito aqui a citação de Barthes que eu fiz no capítulo 101:
“Ninguém pode pois escrever sem tomar apaixonadamente partido (qualquer que seja o distanciamento aparente de sua mensagem) sobre tudo o que vai bem ou vai mal no mundo; as infelicidades e as felicidades humanas, o que elas despertam em nós, indignações, julgamentos, aceitações, sonhos, desejos, angústias, tudo isso é a matéria única dos signos, mas esse poder que nos parece primeiramente inexprimível, de tal forma é primeiro, esse poder é imediatamente apenas o nomeado.” (Barthes, Crítica e Verdade)
Com relação a eu parar de fazer "críticas racionais", é possível que eu pare sim (apesar de gostar tanto de fazê-lo), depois de terminar a minha monografia. Se não parar para sempre, com certeza vou tirar umas longas férias.
Acréscimo ao que eu disse acima:
"Sim! Já falei sobre isso no capítulo 96, e falarei mais nos capítulos 107 e 112."
Também foi falado algo a esse respeito no capítulo 18, e será dito mais no capítulo 113 também.
Então concordo com vc, pelo menos, que o mecanismo de alienação cultural não é consciente.
Quanto aos modismos, os que eu citei não parecem trazer nenhuma vantagem (pelo contrário) à ninguém.
Outro exemplo que eu lembrei é a reforma ortográfica: embora ela seja logicamente melhor para todos, a simples "preguiça de mudar" faz com que nós a odiemos. E isso me parece lógico e típico não só do homem mas como de todos os animais; as mudanças também gastam energia, nenhum ser vivo quer gastar energia... As mudanças no pensamento das massas seja ela útil ao stablishment ou não) sempre tiveram que ser metidas guelabaixo pra funcionar; o medo de mudar me parece sim uma característica humana (e nesse sentido talvez não faça diferença o aspecto social do homem).
Não sei se é necessário muito para testar isso; vou ver se encontro algum estudo de neurociência com chipanzés (ou quem sabe humanos mesmo) sobre esse tema, se eu achar eu passo o link ou pirateio pra vc's -veja bem, não estou sendo biologista, só estou tentando pegar o caminho mais curto rs-. Se não eu entrego os bets mesmo...
Os índios tbm estão inseridos em algum tipo de cultura, no entanto, as culturas variam de tribo para tribo e, aínda assim, certas características são bem recorrentes. Essas características talvez estejam próximas de uma natureza humana mais básicas. Além do Yung que o Silas citou, Freud tbm analisou culturas primitivas e listou 3 características que poderiam estar presentes em todos os seres humanos (à saber: o instinto assassino, o instinto canibal, e o incesto).
Talvez seja difícil separar o "natural" (ou individual) do cultural em animais sociais, mas por analise de culturas diferentes -e até em laboratório- já é possível identificar instintos humanos básicos escondidos (ou escancarrados?) pelo véu da cultura coletiva. São á esses instintos que me refiro quando uso a palavra "natural".
Acho que a arte é um reflexo desse comodismo humano com a própria condição (e completo o argumento dizendo que o comodismo é "natural" do ser humano), até pq, mensagens "anti-stablishment" estão amplamente difundidas em todas as formas de arte (discordo de vc quando diz que esse tipo de arte não é muito veículada por grandes empresas)e, nem por isso, a demanda por esse tipo de arte aumentou. A maioria das formas de arte mais difundidas me parecem na verdade, neutras; ou seja, me parecem ser alienantes apenas na medida da falta de educação do povo.
De qualquer forma, talvez eu leia no futuro algo dos estudiosos que vc citou pra filtrar minhas idéias antes de expor.
Meu comentário ficou mal escrito pq eu to com muito sono, então qualquer coisa, se precisar, eu concerto depois.
Com relação ao mecanismo não ser consciente, é mais ou menos como ocorre com a teoria da evolução: algumas pessoas não conseguem entender como ela poderia existir sem a figura de um planejador (aequiteto, deus, etc.). Então, é mais ou menos isso: eu, supostamente, estou descrevendo como a parte da sociedade funciona, mas esse funcionamento prescinde da figura de um planejador (de conspiradores).
"vou ver se encontro algum estudo de neurociência com chipanzés (ou quem sabe humanos mesmo) sobre esse tema, se eu achar eu passo o link ou pirateio pra vc's"
A rigor, não me importa como os chimpanzés se comportam: isso não pode ser usado como um FATALISMO DETERMINISTA: nada disso é garantia eterna de que esse comportamento humano "natural" não possa ser modificado mediante alterações cumulativas na cultura. Ora, convenhamos que nós, humanos do século XXI, temos muitos comportamentos "antinaturais" (não apresentados pelos chimpanzés, ou pelos homens das cavernas). Nós, por exemplo, vestimos roupas, cozinhamos, assoamos o nariz (e não comemos o ranho assoado), trabalhamos 44 horas por semana para uma pessoa jurídica em troca de um salário, cultivamos (não todos) o sonho de manter um relacionamento amoroso heterossexual estável por toda vida (casamento), etc, etc. E daí? Se nós, via alterações cumulativas na cultura (processo civilizador), pudemos mudar tantos comportamentos "naturais", POR QUE NÃO PODERÍAMOS MUDAR O COMODISMO SUPOSTAMENTE "NATURAL"?
A "natureza" é usada como desculpa para o comodismo político (que para mim não é "natural"); assim como o argumento do "antinatural" (sabiamente criticado pelo Silas) é usado há milênios (pelo menos desde Aristóteles) para justificar os valores históricos de cada época.
"Freud tbm analisou culturas primitivas e listou 3 características que poderiam estar presentes em todos os seres humanos (à saber: o instinto assassino, o instinto canibal, e o incesto)"
Alguns rudimentos de Freud: há o princípio do nirvana, que poderia ser usado para afirmar a "naturalidade" da passividade e do comodismo. Porém há também o princípio do prazer, que poderia ser usado para afirmar a "naturalidade" da atividade e do empreendedorismo. Além disso, há a pulsão de morte (que você chamou de instinto assassino): é uma pulsão por destruir, e, portanto, por MUDAR.
"até pq, mensagens "anti-stablishment" estão amplamente difundidas em todas as formas de arte (discordo de vc quando diz que esse tipo de arte não é muito veículada por grandes empresas)e, nem por isso, a demanda por esse tipo de arte aumentou."
Isso é até verdade, afinal tudo vira mercadoria no capitalismo, até a rebeldia. Mas o fato é que os discursos críticos, mesmo quando são produtos de alguma empresa (gravadora, produtora, editora, etc.).geralmente ficam restritos a pequenos grupos, não chegando aos olhos e ouvidos da grande massa, que consome produtos em geral supostamente neutros politicamente, mas que na verdade legitimam e reproduzem as relações de poder existentes.
Com relação ao Avatar (que nem vc nem o Silas assistiram), ele pretende sim senhor ter uma mensagem política e atual. O que eu fiz foi desconstruir essa mensagem alegando que em sua superficialidade e infantilismo ela acaba sendo contraproducente.
Podemos mudar sim. Não discordo disso.
Acho que é nesse ponto que nossos pensamentos divergem. Eu não coloco as classes mais altas como "protetoras do comodismo" mas como "não incentivadoras das mudanças". Ou seja, não há para mim, no pessoal da indústria cultural, nada de diferente em relação as pessoas de qualquer outro segmento (com poucas excessões); ou seja, todos são escravos do comodismo; por isso o produto e o cliente parecem completar um ao outro.
Parece que pela primeira vez fiquei mesmo do lado pessimista.
Obs: Não vá perder a paciência! Ninguém mandou liberar os comentários xD
Não perdi a paciência. De fato, realmente existe uma relação íntima (digna de ser estudada) entre a indústria cultural e o senso comum, o que não quer dizer, para mim, que a indústria cultural não tenha um papel de legitimar as relações de poder vigentes. Realmente acho que dessa vez,e pela primeira vez, você conseguiu ser mais pessimista do que eu.
Adorno disse que obras de arte não-"engajadas" podem trazer em si mais significado transformador que as tais "engajadas", pelo simples fato de serem inovadoras e fiéis a si mesmas, não submetendo-se a nenhum tipo de "alinhamento ideológico-partidário" ou qualquer restrição similar. Mas o que vejo hoje em dia é uma "rebeldiazinha" que além de não-inovadora em seu enredo básico (como o filme Avatar, segundo vocês, filme que por sinal não assisti ) sequer se dá ao luxo de se "engajar" em qualquer tipo de orientação política de rompimento com os valores dominantes, só algum rugido meio hesitante ( a là Bono Vox )quando se trata de assuntos universais como ambientalismo ou assistência a países africanos pobres ( assuntos em si facilmente solúveis em racionalizações do tipo vamos nos unir para corrigir esse erro ), aí então as corporações criam novas "brands" ( produto ecologicamente correto, consuma com a consciência leve ) e patrocinam mega-shows de "arrecadação" ( Criança-esperança, SOS Haiti )como formas rápidas e eficazes de amansar a fúria dos engajados...que logo perdem prestígio.
Talvez você Duan expressou tudo isso quando citou o texto do Kunz sobre a insistência do foco central na esfera da "circulação" ao invés de uma análise mais profunda no campo da "produção" e da reificação do trabalho humano como mercadoria em si, que mantém as desigualdades e instiga o consumo excessivo ( conspícuo ).
Sobre comportamentos humanos "naturais" ou "anti-naturais", é óbvio que o palavrório religioso é imbecilizante e extremamente ortodoxo, mas é essa linha divisória imaginária entre o que é "aceitável-possível" e o que não é que não somente mantém uma sociedade sobre suas próprias pernas como determina todo o seu desenvolvimento e posterior criticismo e degeneração no palavrório crítico e artificial das suas Metrópoles, que mais parece uma espécie de embriaguez coletiva, um transporte de massas a um mundo encantado num conto de fadas qualquer, do que uma vida real. Quanto mais metropolitano, mais aberto a crítica e ao mesmo tempo mais artificial e dado à hipocrisia - menor contato com a vida instintiva pré-critica e "natural" haha. Nesse ponto, os povos desenvolveram-se de maneiras diferentes, mas com uma coisa sempre em comum: com a formação das Metrópoles, a linha entre o pensamento coletivista INSTINTIVO ( note-se )e a individuação, com todo o seu conseqüente idealismo barato, sonhos de "liberdade", "depende de cada um de nós", etc. é definitivamente rompida. Os socialistas fazem uma tentativa ( desde o começo fadada ao fracasso ) de retomada do SENTIMENTO coletivista através de mal-entendidos e abstrações lógicas, mas nunca se consegue recuperar a força de um instinto "natural" e "inconsciente" através de poesias e belas palavras. Uma vez entronada, a RAZÃO METROPOLITANA enfraquece o instinto de um povo até torná-lo historicamente nulo e presa de outro povo mais jovem que o conquistará e assim recomeçará todo o CICLO DA VIDA NESTE MUNDO ou seja lá como isso possa ser definido racionalmente.
A última parte ( a maior ) é praticamente um evangelho de Oswald Spengler, autor pouco conhecido hoje mas que iluminou minha mente de tal forma que passei a admirá-lo acima de todos os outros. Sua principal obra ( gigantesca ) é "Decadência do Ocidente".
Quero deixar claro que talvez não acredite em nada do que escrevi. Um abraço- repito que gosto do blog.
Henrique,
Belo comentário. Vou colocar o livro "A decadência do Ocidente" na minha lista, o que não significa que eu vá realmente lê-lo.
Abraço.
Eu também "talvez não acredite em nada do que" eu escrevo. Acho que deixei isso claro no início do capítulo 101.
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