sexta-feira, 20 de novembro de 2009

LXXXVI - Uma breve crítica ao cristianismo e a sua mais atroz forma: o (neo)pentecostalismo - parte 13 de 16.


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§ 86






3.3. Juramos solenemente não reconhecer a verdade


A evolução das espécies, de Charles Darvin, é tida como "coisa do capeta" pelos clérigos neopentecostais. A maioria deles, para não arriscar dizer todos (o que provavelmente é verdade), acredita que essa teoria se resume a um único ponto: a afirmação infundada de que o homem "veio do macaco". Inclusive uma vez li em um jornal uma declaração de um vereador "crente" que dizia ser ridícula essa afirmação de que "o ser humano veio de um macaco fedorento". Se fosse apenas isso, seria fácil de refutar. Novamente a ignorância bate à nossa porta.

Refutar tal teoria é negar algo que possui profusão de incontestes provas. A mais óbvia está nos próprios fenótipos humanos - adequados, por modificações gênicas, ao meio no qual cada "raça" se desenvolveu, e não por desejo de invisível mão (ou mão visível, como acreditam os mórmons).

Outro exemplo de ignorância: Um certo pastor neopentecostal afirmou que, em seus "estudos" (leitura de um livro estadunidense comprado em livraria especializada em literatura religiosa) sobre a "hierarquia dos demônios", soube da existência de um demônio chamado Leviatã. O quê? Leviatã é personagem da mitologia persa - o que demonstra a confusão e o turbilhão de insanidade que permeia esses livros. Não seria muito pior ter nesta "hierarquia" nomes como "Arimã", "Górgonas" ou "Hades".

Nota para esse blog: como exemplo dessa ignorância, recomendo a leitura do seguinte texto da The Cutting Edge Ministries: Criaturas incríveis que desafiam a teoria da evolução. Saliente-se que as opiniões da The Cutting Edge Ministries são muito mais inteligentes e articuladas que as opiniões de um "crente" mediano brasileiro (eu ainda postarei nesse blog dois textos escritos por um "professor" da "escola de líderes" da igreja que eu freqüentei, intitulados "Como entrar no assunto da salvação" e "Desculpas, escusas e objeções ante o Evangelho").


3.4. O mundo é dos demônios


É chegada a hora de descrever dois fatos ocorridos comigo que chegam às raias do absurdo; o segundo, inclusive, considero a coisa mais absurda que já presenciei (1).

Em um evento organizado pela igreja neopentecostal que eu, então com 14 anos, freqüentava (por mero costume de família), teve-se a presença de um pastor que houvera trabalhado no estado do Amazonas. Não irei descrever o seu “depoimento”, irei direto ao ponto: o homem relatou um caso de cura, a cura do que, segundo ele, seria micose de uma habitante local, pelo poder “do nosso senhor Jesus Cristo”. Para piorar, o pastor, em suas intercessões, gritava, no intuito de promover a cura, “sai demônio!”. Assim, a expulsão de um demônio redundou na cura da senhora (é bom destacar que a cura não foi instantânea – apesar de existirem “testemunhos” desse tipo de cura – demorou semanas, senão meses).

Se existe alguma coisa que a ciência, após 400 anos de desenvolvimento, conseguiu comprovar sem sombra de dúvidas, certamente é que micose é causada única e exclusivamente por fungos. É de completa e abissal tosquidão acreditar, em pleno século XXI, que demônios podem ter participação na determinação dessa doença (e, por que não dizer?, de qualquer doença). Agora, se o indivíduo acredita nisso depois de ter freqüentado a escola, ou mesmo a faculdade (como eu já conheci) então ele é louco mesmo.

Ao fim do depoimento do senhor, fui perguntar a ele que sórdida relação havia entre fungos e demônios (e também entre demônios e qualquer tipo de doença). Você não ficará surpreso em saber que ele não tinha nenhuma resposta, e apenas afundou-se em seu animismo confuso acrescentando que “qualquer tipo de doença” pode ser “causada” pela possessão demoníaca. (E se um fiel de reputação ilibada adoecer? Então é um teste “do Senhor”, assim como ele fez com Jó. E se a pessoa morrer, e morrer com fé “no Senhor”? Então era porque já era a hora dele, já era a hora de ir para um lugar melhor, de cair fora desse mundo de merda, além de ser um “teste” adicional para os familiares. Aconteça o que acontecer: a culpa NUNCA é de deus, embora ele seja o criador de TUDO, inclusive do demônio e de uma humanidade imperfeita e, por isso mesmo, pecadora.)

Se o leitor possui alguma doença, deve desconfiar de si mesmo. Talvez haja um demônio, ou até mais de um (uma “legião”), em seu interior. O leitor deve correr ao templo (neo)pentecostal mais próximo, onde será devidamente curado por profissionais cuja reputação está acima de qualquer suspeita. Em troca desses benefícios, e também da salvação eterna, o leitor “apenas” precisa entregar o seu cérebro e mais 10% da renda mensal. Um belo negócio, não?

Mas ainda há coisa pior a relatar, que eu me obrigo a fazer pelo bem da verdade.

No mesmo evento, outro senhor (não sei se pastor ou fiel – eu compreensivamente não estava prestando muita atenção) deu seu depoimento, do qual eu transcrevo essas palavras literais: “Todos os dias eu saía de casa com óleo e ungia a rua e as casas dos vizinhos [porque a dele já estava pura], para tirar os espíritos de violência”. O quêêêêêêêêê?

Se fiquei estupefato com demônios causando doenças, o que dizer de “espíritos de violência”, que, segundo o depoente, são responsáveis pela violência que assola a nossa sociedade (principalmente nas periferias das capitais)? Como posso eu ter a petulância de querer refutar isso? A ignorância chegou a tal ponto que até fenômenos claramente sociais e econômicos são totalmente mistificados, associados a demônios. É a lógica do absurdo na sua mais radiante expressão.

Envergonhado de estar ligado a tanta miséria, rompi, no dia seguinte, minhas relações com igrejas pentecostais. Dias antes de completar 16 anos, eu estava livre do amor de Jesus. Aleluia!


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(1) Nota para esse blog: sete anos depois dessas palavras terem sido escritas, elas continuam verdadeiras.



Atenção: Como eu já disse no § 46, esse texto foi escrito em 2002, quando eu tinha 16 anos. Muito do que está escrito aqui já não representa com exatidão a minha atual forma de pensar. Porém creio que o texto ainda pode ser útil para aqueles que atualmente vivem situações (de apostasia) semelhantes às que eu vivi à época em que escrevi isso.





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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

Um comentário:

Silas disse...

Aconteceram coisas similares comigo.