sábado, 7 de novembro de 2009

### 26 - Um sonho de liberdade.

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Como se sabe, os conceitos de liberdade e igualdade formam os slogans centrais do Iluminismo. Desses ideais, todavia, o liberalismo não foi o único a se apropriar. Paradoxalmente, eles desempenham no marxismo e no anarquismo um papel tão grande quanto... E também para os movimentos sociais contemporâneos eles possuem um alto valor ideológico.

A esquerda fita os ídolos da liberdade e da igualdade como o coelho fita a cobra. A fim de não ser cegado pelo esplendor desses ídolos, recomenda-se dirigir o olhar para os seus fundamentos sociais. Marx [1818-83] desvendou esses fundamentos já há mais de cem anos. Trata-se da esfera do mercado, da circulação capitalista, da troca de mercadorias, da compra e venda universais.

Nessa esfera predomina uma espécie bem determinada de liberdade e igualdade, que se refere única e exclusivamente a vender o que se quer - supondo que se encontre um comprador -, e comprar o que se quer - supondo que se possa pagar.

E só nesse sentido predomina também a igualdade, isto é, a igualdade dos possuidores de mercadorias e de dinheiro. Nessa igualdade não importa a quantidade, mas a forma social comum. Para o "cent" comprar não é o mesmo que para o dólar; mas tanto faz se é "cent" ou dólar, em termos qualitativos predomina a igualdade da forma dinheiro. Na compra e venda não há senhores e escravos, ordem e obediência, mas apenas as pessoas livres e iguais do direito. Tanto faz se homem ou mulher ou criança, tanto faz se branco ou preto ou marrom - o cliente é bem-vindo em todas as circunstâncias. A esfera da troca de mercadorias é a esfera do respeito recíproco. Onde se realiza uma troca comercial de mercadoria e dinheiro não há violência. O sorriso burguês é sempre um sorriso de vendedor.

O sarcasmo de Marx se refere ao fato de essa esfera do mercado constituir somente um pequeno fragmento da vida social moderna. A troca de mercadorias ou a circulação tem por pressuposto uma esfera bem diferente, nomeadamente a produção capitalista, o espaço funcional da economia empresarial ou do "trabalho abstrato" (Marx). Aqui valem leis bem diferentes daquelas da circulação das mercadorias, aqui o sorriso do vendedor se congela no esgar cínico do feitor de escravos ou do guarda da prisão.

No trabalho, assim já escrevia o jovem Marx, o trabalhador "não está em si, mas fora de si". A liberdade na produção de mercadorias é tão pequena que nem sequer pode determinar o conteúdo, o sentido e o fim do que é produzido ali. Tampouco os proprietários de capital e os empresários possuem essa liberdade, visto que eles estão sob a pressão da concorrência. Daí a produção seguir inteiramente os princípios de ordem e obediência.

Onde o regime da economia empresarial é especialmente "eficiente", as trabalhadoras e os trabalhadores nem sequer podem ir urinar com autonomia. Essa severidade produtiva ganha dimensões extraordinárias justamente no neoliberalismo. Só na aparência a liberdade e a igualdade da circulação, por um lado, e a ditadura da produção empresarial, por outro, se contradizem.

De um ponto de vista puramente formal, as trabalhadoras e os trabalhadores são não-livres na produção justamente porque antes efetivaram sua liberdade no mercado na qualidade de possuidores de mercadoria, isto é, venderam sua força de trabalho. Naturalmente, essa liberdade de vender a própria força de trabalho se deve a uma coerção, logo a uma não-liberdade: a modernização criou as condições históricas em que não mais há nenhuma outra possibilidade de se conservar em vida.

É preciso ou comprar força de trabalho e empregá-la para o fim em si mesmo da valorização do capital ou vender sua própria força de trabalho e deixar-se empregar para esse fim em si mesmo. Enquanto havia ainda produtores independentes (camponeses e artesãos), não existia um mercado universal, a maior parte das relações sociais se desenrolava em outras formas. A ascensão do mercado universal foi acompanhada pelo declínio dos produtores independentes. Só porque há mercado de trabalho, ou seja, só porque a força de trabalho humana assumiu a forma de mercadoria, todos os outros bens são comercializados também como mercadorias.

Portanto, a esfera da liberdade e da igualdade só existe de modo geral porque a esfera da não-liberdade se constituiu na produção. É por isso que a liberdade universal se realiza também na forma da concorrência universal.

Esse problema se estende ao âmbito da reprodução pessoal ou da privacidade, onde as mercadorias são consumidas e as relações sociais íntimas têm o seu lugar. Aqui há muitas atividades e momentos da vida que não se reduzem à produção de mercadorias (economia doméstica, educação dos filhos, "amor" etc.).

No processo de modernização, a responsabilidade por esses aspectos foi impingida, no plano material, no sociopsíquico e no simbólico-cultural, às mulheres, e justamente por esse motivo elas foram socialmente desvalorizadas: trata-se de momentos da vida social que não são "dignos de dinheiro", isto é, são de segunda classe ou de valor menor no sentido da valorização do capital. Essa "cisão" (Roswitha Scholz [feminista alemã]) não se limita a uma esfera secundária demarcável: atravessa todo o processo de vida social.

Assim, no interior da produção de mercadorias, as mulheres são mais mal pagas em regra, e é relativamente raro que cheguem a posições de liderança. Nas relações pessoais predomina um determinado código dos sexos que implica para as mulheres uma relação de dependência estrutural, mesmo que esta seja algumas vezes quebrada ou modificada na pós-modernidade. De modo análogo, a parte não-branca e não-ocidental da humanidade é abandonada a uma subordinação estrutural, formulada de maneira racista já no Iluminismo.

Única e exclusivamente na esfera da circulação, do mercado, todas as relações próprias de uma "dominação do homem sobre o homem" parecem extintas. Essa esfera hipócrita da liberdade e da igualdade não se baseia, no entanto, somente em estruturas de dependência; em um sentido direto, ela se constitui também como uma mera função para o fim em si mesmo da valorização do capital. Pois o mercado universal não serve, em crassa oposição ao intercâmbio de produtores independentes entre si, à satisfação recíproca das carências.

Pelo contrário, ele é somente um estado de agregação ou um estágio de transição do próprio capital. Na venda o valor abstrato se "realiza" como dinheiro, e exatamente nisso consiste a função da troca aparentemente livre. O capital monetário originário, que se metamorfoseia em mercadorias por meio da produção, retorna à sua forma de dinheiro multiplicado pelo lucro. É nisso que se manifesta o caráter do capital como fim em si mesmo, isto é, fazer do dinheiro mais dinheiro e assim acumular "riqueza abstrata" (Marx) em um progresso ao infinito.

Portanto, ao efetivarem sua liberdade e igualdade na esfera da circulação, as pessoas não fazem nada mais que efetuar a "automediação" do capital, ou seja, fazem com que a mais-valia produzida ou o lucro deixe a forma mercadoria e se transforme de novo em forma dinheiro. Por isso a liberdade e a igualdade da circulação não são nada mais que uma engrenagem para o fim da "realização" do capital. Cada ato de liberdade precisa efetuar uma espécie de operação de bombeio para levar o capital do estado de agregação "mercadoria" ao estado de agregação "dinheiro".

A liberdade burguesa moderna possui, portanto, um caráter peculiar: ela é idêntica a uma forma superior, abstrata e anônima de servidão. A emancipação social seria libertar-se dessa espécie de liberdade, em vez de "realizá-la". As coisas não são melhores com o conceito de igualdade, que implica abertamente uma ameaça, a de espremer os indivíduos em uma única e mesma fôrma.

A modernização enfiou a humanidade, por assim dizer, em um uniforme homogêneo de sujeitos de dinheiro. Mas atrás disso se ocultam relações de dependência estrutural. Na realidade, as carências, os gostos, os interesses culturais e os objetivos pessoais dos indivíduos jamais são "iguais"; eles foram somente submetidos à igualdade da forma mercadoria. Por isso, como disse [o filósofo alemão Theodor] Adorno [1903-1969], emancipador seria poder ser "desigual em paz".

Desde o Iluminismo a igualdade recebeu seu falso nimbo por meio de um truque de prestidigitação dos ideólogos burgueses. O significado do conceito da desigualdade foi deslocado da pura diversidade dos indivíduos para a subordinação de um indivíduo ao outro. O que em si mesmo é mera expressão da peculiaridade individual, isto é, a desigualdade, aparece de repente como expressão da dependência. E vice-versa: o que em si mesmo é expressão da coerção uniforme, isto é, a igualdade, aparece de repente como expressão da libertação da dependência. Temos de lidar aqui, na ideologia moderna, com um caso típico de linguagem orwelliana.

Na realidade, a desigualdade nada tem a ver com a dominação, e, a igualdade, nada a ver com a autodeterminação. Antes o contrário: a própria igualdade na modernidade é uma relação de dominação.

O resultado é uma permanente contradição da ideologia moderna. De um lado, a esfera da circulação é separada do contexto inteiro da reprodução capitalista e elevada a ideal. De outro, a ditadura factual na produção e a desvalorização estrutural do feminino são declaradas como "lei natural objetiva" intransgredível. Incessantemente um aspecto precisa ser jogado contra o outro; e justamente em razão disso se consolidam nas cabeças as relações sociais. Liberdade e igualdade representam exatamente o que Adorno designou de "contexto de cegueira".

E a esquerda herdou tal cegueira juntamente com o aparato conceitual do Iluminismo. Particularmente os utópicos, socialistas democráticos e libertários, anarquistas e dissidentes dos países do socialismo de Estado apelaram sempre para os ideais de liberdade e igualdade, sem reconhecer que eles se restringem à esfera da circulação e sem enxergar o nexo interno de liberdade e não-liberdade existente na modernidade.

Hoje a crítica social parece mais do que nunca recair nos ideais da circulação. O que tem causas estruturais. A crise mundial provocada pela terceira Revolução Industrial expulsa um número cada vez maior de pessoas da produção real, convertendo-os forçosamente em agentes da circulação. Como operadoras de serviços baratos de todo tipo, como vendedoras, comerciantes de rua e até como pedintes, elas próprias vivenciam agora, de modo paradoxal, a esfera da liberdade e da igualdade como o jugo de um trabalho secundário; a ditadura da produção se estende a atividades cada vez maiores da circulação, até chegar ao empresariado da miséria. Liberdade e não-liberdade coincidem aí de imediato; mas, ideologicamente, esse paradoxo é tanto mais assimilado nos termos dos ideais da circulação.

Na medida em que os indivíduos se vivenciam a si próprios como pequeno-burgueses e como negociantes de seu "capital humano" cada vez mais em circulação, o utopismo da troca de mercadorias retorna, depois do fim do socialismo do trabalho, em uma versão neopequeno-burguesa. Em uma sociedade em que permanentemente todos querem empurrar a todos alguma coisa e em que as relações sociais se dissolvem em um bazar universal, os crescentes fenômenos de crise são percebidos pela retícula da existência vivida na circulação.

De maneira francamente compulsiva, uma intelligentsia de vendedores de si próprios interpreta os problemas oriundos da terceira Revolução Industrial segundo o modelo das relações da circulação: "Um possuidor de mercadorias afeta o outro". Mesmo a superação da produção de mercadorias é pensada conforme as categorias da "troca eterna".

Os indivíduos, cuja constituição não é refletida de forma crítica e que só aparentemente são "independentes uns dos outros" na esfera da circulação, devem presentear reciprocamente seu "favor" e "mostrar boa vontade", em vez de concorrerem entre si; tudo como se o problema não residisse no plano do modo de produção e da vida social, mas sim no plano de uma "patologia" representável em termos individuais, a qual poderia ser "curada" por medidas pedagógicas e terapêuticas.

O sorriso falso dos vendedores é estilizado no idealismo de um tratamento mútuo simpático, não mais marcado pela concorrência, como se fosse factível uma transformação social passando ao largo do modo substancial de produção e de vida e lançando mão somente dos construtos utópicos relativos ao comportamento pessoal, os quais todos têm sua raiz na esfera idealizada da circulação - sendo que os utopistas neopequeno-burgueses se nomeiam a si próprios como "médicos que estão junto do leito do sujeito".

Propagada em muitos países, a ideologia dos escambos praticamente não representa nada mais do que uma economia de hobby; onde ela foi praticada em grande escala, como há pouco tempo durante a crise argentina, fracassou grandiosamente. Ainda mais insuficiente parece a tentativa apoiada nas investigações do etnólogo francês Marcel Mauss [1872-1950], sobretudo em sua principal obra, o "Ensaio sobre a Dádiva", de salvar da concorrência a "troca eterna" segundo o modelo das assim chamadas sociedades arcaicas e transformá-la em uma permuta de presentes, ou seja, em uma espécie de Natal permanente.

Essa idéia de uma "economia do presente" não pode, segundo sua essência, ir além do âmbito das relações pessoais imediatas; daí ela ignorar a escala das forças produtivas sociais e dos contextos sociais altamente organizados. Seria ridículo se um indivíduo dissesse ao outro: se me "doas" um transplante de rim, eu te "dôo" uma debulhadora, caso sejas honesto. O problema não é "mostrar boa vontade" de maneira recíproca e individual, mas sim aplicar com sentido, e não de forma destrutiva, as potências sociais (infra-estruturas, sistemas de formação e ciência, sistemas da produção industrial e da imaterial).

As utopias da circulação, ao contrário, buscam uma solução sempre e primariamente no plano dos modos de comportamento individual. Isso significa frear o cavalo pelo rabo. Em vez, mediante uma revolução social da produção e do modo de vida, tornar supérflua a circulação de mercadorias e a concorrência nos mercados ligada a ela, exige-se do sujeito isolado da circulação que ele realize a pretensa ontologia da troca em uma forma depurada. A concorrência deve ser "moralizada".

A emancipação social aparece então como mera conseqüência de uma utopia da liberdade e igualdade do sujeito da circulação, supostamente "realizada" em pequenos grupos. A questão da solidariedade prática nos contextos sociais é ideologizada e convertida em um idealismo pedagógico mentiroso, muitas vezes psicoterapêutico, o qual pode se tornar simplesmente o terror da gentileza e do controle social recíproco (por exemplo, segundo o modelo de seitas religiosas). Esse utopismo neopequeno-burguês do capital humano em circulação está condenado ao fracasso tanto quanto todas as utopias anteriores.


(Robert Kurz, sociólogo alemão, autor, entre outros, dos livros "Com todo vapor ao colapso", "O colapso da modernidade", e "Últimos combates".






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Os agentes econômicos respondem a estímulos na sua ação racional (i.e., ação capaz de formular estratégias e que não erra sistematicamente) e voltada ao seu interesse próprio (i.e., que busca a maximização de sua satisfação por meio do atendimento ótimo das suas necessidades).

10 comentários:

Silas disse...

Não consegui entender em que momento nós entramos numa contradição para sempre irreconciliada. Na verdade, parece que estamos falando da mesma coisa em níveis diferentes. Você no nível sociológico e eu do nível psicologico/paradigmático.

Duan Conrado Castro disse...

Concordo com uma coisa: ambas as nossas posições são críticas ao mundo tal como ele se apresenta, e ambas são abordagens distintas (portanto, para mim ambas são frutos do nosso desajustamento social - resta saber se é "bom" estar ajustado a um mundo doente como esse). Mas ambas são irreconsiliáveis: se eu vou para a via marxista, eu me separo de qualquer tipo de idealismo (como este que quer derivar a matéria da consciência - embora eu saiba que é mais ou menos isso que Schopenhauer faz, na veradade ele deriva a matéria do entendimento). Além disso o seu texto fala da necessidade de uma transformação da consciência do indivíduo: afirma que o paradigma materialista precisa mudar para que a realidade mude (ou seja: a realidade material é modificada por uma mudança no campo das idéias, dos paradgmas), o indivíduo precisa acordar para a espiritualidade para que o mundo mude (algo um pouco parecido com o Zeitgeist Addendum: sugere que é preciso que cada um decida deixar de ser cúmplice do sistema). Ora, a visão materialista marxista está para sempre irreconciliada com essa visão, tanto que o marxismo tem uma palavra especial para designar esse tipo de pensamento seu: ideologia (o sentido marxista de ideologia é diferente do sentido corriqueiro dessa palavra). Tanto que o texto de Kurz afirma:

"tudo como se o problema não residisse no plano do modo de produção e da vida social [ou seja, no plano material], mas sim no plano de uma "patologia" representável em termos individuais, a qual poderia ser "curada" por medidas pedagógicas e terapêuticas."

e

"como se fosse factível uma transformação social passando ao largo do modo substancial de produção e de vida."

e ainda

"A questão da solidariedade prática nos contextos sociais é ideologizada e convertida em um idealismo pedagógico mentiroso, muitas vezes psicoterapêutico, o qual pode se tornar simplesmente o terror da gentileza e do controle social recíproco (por exemplo, segundo o modelo de seitas religiosas). "

É claro que as nossas duas visões são, para mim, válidas; tratam-se de distintas formas de racionalizar um discurso de mundo. Em última instância, acredito eu, ambas as nossas visões são metafísicas (aliás, qualquer discurso de mundo é, em última instância, metafísico).

Silas disse...

É definitivamente um paradoxo. Eu não sei dizer se é o paradigma materialista que constroi a sociedade doente ou se a sociedade doente constroi o paradigma materialista. Mas sei que o sustenta o outro.

Eu estava lembrando de artigos que li faz tempo a respeito do efeito psicológico das EQMs. Uma esmagadora maioria das pessoas que passaram por experiência dessa natureza mudaram completamente. Elas e as pessoas que com elas conviviam relataram uma mudança drástica no comportamento.

Segundo consta, se tornaram mais altruístas e menos apegadas à coisas materiais. Cada uma explicou o fenômeno segundo sua própria visão religiosa, o que é obvio, mas a própria visão da religião mudou.

Deixaram de seguir aquela velha tendência: o cara ouve, concorda e tudo, mas concordar na vida implica mudanças práticas, e essa não acontece. Como uma pessoa que diz que bens materiais não possuem relevância mas logo em seguida continua numa busca irrefreada por esses bens. Esse tipo de "hipocrisia inconsciente" acabou porque as EQMs se tornaram uma fonte vivencial de experiência sobre palavras. De fato, aquilo tomou algum significado que não apenas palavras vazias. É aquilo que no fundo sabíamos. Como quando eu seguia o cristianismo mas no fundo achava que tudo aquilo era uma farsa.

E tal transformação matou o hedonismo materialista. Se você for parar pra pensar no paradigma que eu sustento como resultado da minha vivência, não existe a possibilidade de eu decidir me tornar um empresário, simplesmente porque o empresário busca dinheiro(capital, se preferir) como o bem mais valioso, e eu não me interesso em dinheiro para além do necessário. Se o empresário pensar como eu, provavelmente sue negócio não irá pra frente, porque os outros estarão dando prioridade ao capital em suas vidas. Claro que eu adoraria ter um pouco mais de dinheiro para trocar a bateria viciada do meu bom e velho notebook ou pra comprar livros novos ao invés de ter que caçar e-books na internet. Mas não é algo compulsivo, como se minha vida não fosse ter sentido sem esses bens.

Acho que o caso das EQMs e a mudança paradigmatica que acontece no indivíduo quando ele abandona o materialismo é uma evidência empírica para o que eu propus na minha postagem: Que é justamente esse paradigma sendo vivido na nossa sociedade que fundamenta o problema coletivamente.

Não estou falando de mandamentos ou aquele lixo de "Social Inteligence" (Inteligência Emocional, traduzido de forma errônea) que basicamente induz o indivíduo a emular comportamentos que em nada dizem respeito aos seus paradigmas íntimos para que ele consiga aceitação e sucesso profissional. Isso é em essência, tratar o ser humano como se fosse um animal.

eu falei sobre isso no meu livro(livreto):

"É que as pessoas do meu mundo, muitas vezes, são tratadas como os animais da sua sociedade. É assim que muitas são educadas. Tem um padrão que são obrigadas a seguir pelo código de conduta. Devem estudar, e conseguir um bom trabalho. Vestir as roupas que acham que é bonita, colocar o cabelo da forma que acham atraente. Quem faz isso é aceito e acarinhado pelos demais, enquanto que quem escolhe caminhos diferentes ou, por sua natureza, não pode se encaixar nesses padrões é desonrado."

Não pode haver solidariedade num sistema que funciona como um mecanismo de competição infinita. Por maior que seja o esforço, como eu posso ser realmente amigo de uma pessoa que está concorrendo comigo por algo que pode ser vital, tal como uma fonte de renda? Como posso ser amigo de um vendedor que, no fundo, só quer me roubar, já que o capitalismo é uma evolução do roubo?

Por mais que seja metafísica, essa visão é baseada em eventos empíricos e também possui excelentes implicações. Ou você não acredita que numa sociedade baseada na união ao invés da separação e onde os bens materiais não possuem tanto valor a nossa vida seria melhor?

Eu insisto que as coisas que mais me agradam são gratuitas, por mais que no caminho para alcançá-las seja necessário algum gasto.

Duan Conrado Castro disse...

Concordo que uma sociedade menos egoísta seria melhor, mas me recuso a aceitar que essa melhoria tenha que passar pela espiritualidade, ou por qualquer tipo de religião. Recuso-me a aceitar que essa melhoria só pode ocorrer se o materialismo for abandonado (e por materialismo eu estou entendendo que você está se referindo à concepção filosófica de que só existe a matéria, ou seja, de que não existe espírito ou alma). Concordo que o materialismo, no sentido que consumismo (consumo conspícuo), precisa ser abandonado, mas me recuso a acreditar que para isso as pessoas precisem acreditar em espírito, reencarnação, consciência cósmica, deus, ou qualquer eufemismo para "as velhas masmorras" (Nietzsche): para mim isso é tratar as pessoas como animais, é exigir que elas acreditem em lendas e mitos para que elas se respeitem e se amem, é acreditar que as pessoas precisam ser enganadas para serem boas. Agora repito, se vc acredita que a sua opinião é científica e é verdadeira de forma absoluta e segura, então não sou eu que conseguirei mudá-la.

Creio que se eu tivesse uma EQM eu continuaria tão agnóstico quanto sou hoje, da mesma forma eu não despertei para a espiritualidade depois de tomar o Santo Daime: se a pessoa já não tem um visão religiosa do mundo, ela, se for convicta na negação da espiritualidade (como eu sou), não vai aceitar uma interpretação religiosa para suas experiências, por mais intensas, reais e convincentes que elas pareçam.

Silas disse...

Uma questão de premissa. Na verdade você acredita que só existe na matéria por acreditar(não há provas), como se isso não fosse uma ilusão. Não existe uma posição absoluta e segura.

O ponto é que a consciência dessa conexão com algo maior, que não precisa ser definida segundo alguma visão religiosa, nos demonstra como a matéria é insignificante.

Não há como abandonar o consumismo se não existe algo para preencher o vazio. Porque consumismo existe precisamente porque as pessoas são vazias e a TV mostra produtos que servem para preencher tal lacuna.

Quer dizer, parece que você está negando sua própria natureza humana, que exige essa conexão, e mergulhando no vazio por causa de um paradigma que, em ultima instância, nem pode ser comprovado.

"Com a idéia de que não pode se iludir, o homem busca ilusões. Com a idéia de que deve se iluminar, o homem se mergulha nas trevas. Tal é o fardo da humanidade."

Duan Conrado Castro disse...

Eu não estou preso ao paradigma materialista, eu apenas não vejo absolutamente nenhuma prova, ou mesmo evidência satisfatória, que comprove qualquer uma das milhares de visões religiosas/espirituais. Não há provas. E eu me recuso a acreditar sem provas porque essas coisas não me fazem sentido (e certamente fazem para você). Se houvesse provas eu mudaria de opinião. Mas nunca houve e nunca haverá: isso sempre dependerá da crença, do DESEJO DE QUERER ACREDITAR.

Vale lembrar que Schopenahuer, por exemplo, é um idealista e um metafísico (ele nega que a matéria tenha uma existência independente da consciência), e nem por isso ele cai no espiritismo, embora certamente nutra admiração pelo cristianismo e pelo budismo primitivos. Nem por isso ele acredita em deus, ou mesmo na reencarnação tal como ela é pensada por nós atualmente (pós-Kardec).

Agora, se o que vc chama de espiritualidade era o que vc chamava de amor, e se isso, em última instância, é algo parecido com a compaixão em Schopenhauer, então talvez nós possamos "chegar a um acordo" no que diz respeito a esse tema.

A propósito, muito boa a citação. É de sua própria lavra?

Duan Conrado Castro disse...

Vc diz que não há uma posição absolutamente segura. Mas isso eu já repito aqui nesse blog a muito tempo (vide postagens com o marcador agnosticismo). É por isso mesmo, pelo fato de não haver posição segura, pelo fato de TODAS as posições - inclusive a materialista - serem metafísica, é por isso mesmo que eu não me canso de repetir que cada um acredita no que quer acreditar, e cada um quer acreditar naquilo que convém aos seus interesses e a sua idiossincrasia. Simples assim.

Silas disse...

Meu conceito de amor é cor de rosa mas é bem aquilo que eu li em sobre o fundamento da moral, do Schopenhauer: a Compaixão. A existência prática de espiritos e coisas desse tipo não está comprovada pra mim. Mas eu gosto da idéia: Talvez seja só meu desejo. Que o universo esteja em equilíbrio.

a primeira citação, sobre doutrinação, tirei do meu primeiro livro. Te mandei por e-mail. A segunda é do capítulo 14 do meu segundo livro, que está em desenvolvimento: http://biohazardalimpeza.blogspot.com/search/label/Cap%C3%ADtulo%2014

Aliás, nesse capítulo eu mostro um personagem que representa uma parte de mim. Essa parte é a que ilustra bem o que penso que sejam nossas semelhanças. Talvez eu esteja enganado. Ninguém vai entender esse personagem, mas é o mais profundo de todos.

Duan Conrado Castro disse...

Hahahaha...Só faltou chamar esse Felipe de Conrado...O livro parece bom, mas eu já devo ter lha falado que não gosto muito de ler histórias (prefiro algo que vá direto ao ponto: filosofia, sociologia, economia, etc).

"Já vivi o bastante na beira do abismo para saber lidar com a dor de existir."
"Na verdade era tristeza disfarçada de ódio."
"Um dia eu acordei morto."
"Vê se me deixa em paz! Eu não quero ser ajudado, não quero ser salvo! Não vou aceitar a ilusão cor de rosa de que o mundo está bem."
"Eu não tenho a muito tempo alguma motivação para existir."
"Felipe colocou em prática seu discurso de que ele não era companhia para ninguém. Ele praticamente não existia."
"Mesmo para pessoas vivas eu não sou bom amigo. Porque eu despertei para o vazio. Um vazio que as pessoas não suportam. Porque eu sei verdades que as pessoas sentem, mas não admitem."
"É de um lado a expressão da miséria real, e de outro o protesto contra ela, e a religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espírito. É o ópio do povo." [KKKKK XD]
"Certo, mas até lá, me poupe de suas tentativas de me salvar de mim mesmo, me transformando numa cópia exata do que você é. Você não entende a profundidade do meu problema. Parece que está condenada e nunca me entender." [É isso mesmo...]
"Colocando palavras na minha boca e intenções no meu coração, é?"
"Estou de saco cheio de você tentando me convencer de que eu sou você. Vai tomar no cu!"
"Felipe imaginava que ele poderia ser uma das personalidades de um louco internado num hospício."
"e por mais que Felipe às vezes fosse desagradável, ela sabia que ele tinha um bom coração. Ele só precisava perceber isso."
"Ele não se reconhecia mais. Não imaginava como podia se preocupar tanto com uma pessoa se nem pelos parentes ele tinha tamanha consideração."
"Ele não conseguiu falar. Ela o chamou de querido e ele enrubesceu instantaneamente. Caiu sentado um pouco atônito, mas logo se recuperou e explicou sua intuição."
"Na verdade, na essência, ambos eram vazios. Ela que não sabia disso ainda."

Duan Conrado Castro disse...

Recomendo o documentário francês "Da servidão moderna", que fornece uma lúgubre descrição do sistema totalitário mercantil global, que se apoderou de todos os aspectos da vida humana.

http://www.youtube.com/watch?v=nJCW6AbCoWQ