sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

XCI - Uma breve crítica ao cristianismo e a sua mais atroz forma: o (neo)pentecostalismo - parte 15 de 16.

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§ 91





3.6. A glossolalia


Depois de ser “batizado com o Espírito Santo” (o que em geral só ocorre depois do “batismo nas águas”,o qual por sua vez geralmente exige que o fiel participe de um pequeno curso, bem menos extenso que a catequese católica) o indivíduo se torna propenso a receber alguns dos tais dos “dons do Espírito Santo”, para manter um conectivo com Atos 2: 38 (como é sabido, os evangélicos se vangloriam de seguirem a Bíblia bem mais rigorosamente do que os católicos; no caso das seitas (neo)pentecostais, esse costume pode assumir feições verdadeiramente cômicas, pois tudo o que é dito deve estar fundamentado em alguma passagem bíblica, nem que a ligação seja totalmente tosca e descontextualizada (1)).

Novamente, não é difícil notar que todos esses dons xamânicos são de cunho psicológico, como “interpretação de sonhos”, “visões” (previsões do futuro) e “detecção de amarras espirituais” (descobre-se o que está impedindo outrem de “crescer espiritualmente”), entre outros. O único desses dons que se manifesta aos sentidos alheios (que não apenas ocorre dentro da cabeça do fiel) é o chamado “dom de falar a língua dos anjos”. Segundo os (neo)pentecostais, deus “irá compreender melhor” (?) os pedidos e louvores enunciados nessa língua (não sei por que um ser onisciente e criador do universo iria ter mais facilidade em usar um idioma a outro qualquer).

Não obstante ser a língua dos anjos supostamente um idioma único, cada um dos fiéis, não obstante a tendência humana ao mimetismo, costuma enunciar “frases” próprias. Todavia há algumas que se repetem. Em minhas observações in loco desses fenômenos eu constatei uma que se repetia bastante, que eu imagino que seja passada pelo fator “exemplo dado” do CDIPL e cujo som é mais ou menos o seguinte: /Chúricanta lacháia/.

O “embasamento bíblico” para o fenômeno de “falar em línguas” seria supostamente o segundo capítulo do livro de Atos. Uma atenta leitura de tais linhas permite constatar o óbvio: é descrito, sim senhor, um fenômeno no qual se “fala outras línguas”, mas essas outras línguas são outros idiomas, falados pelos mais diferentes povos da humanidade (e refletindo assim já aqui a pretensão de universalidade do cristianismo). É muito diferente falar, por milagre, outros idiomas existentes, e falar, supostamente por milagre, um suposto idioma que ninguém conhece e com o qual é impossível duas pessoas dialogarem (já que cada uma desenvolve “frases” próprias e aparentemente não intercambiáveis) e o qual é atribuído à linguagem angelical sem qualquer embasamento além da fé (como se eles precisassem de outro).

Na verdade, uma breve e relapsa pesquisa sobre esse assunto nos permite descobrir que o primeiro fenômeno (falar, por milagre, outros idiomas existentes) é chamado de “xenolalia” (ato sobrenatural de falar línguas que o falante não domina), enquanto o segundo é chamado de “glossolalia” (ato sobrenatural de falar línguas desconhecidas). Em minhas pesquisas não encontrei qualquer registro de casos de xenolalia (2). A glossolalia você pode conferir na igreja (neo)pentecostal mais próxima da sua casa.

Depois de tudo que observei, posso afirmar, sem dúvida, que todos os fenômenos de “falar em línguas” que presenciei eram glossolalias e que tinham gênese psicológica – não há, portanto, nada de “sobrenatural” ocorrendo nesses cultos.

Não sou psicólogo para aqui desenvolver uma explicação psicológica para esse fenômeno da glossolalia (neo)pentecostal – e garanto que muitos psicólogos não poderão desenvolver explicação alguma, muito menos aqueles que engrossam as fileiras do (neo)pentecostalismo (sim, isso existe!). Todavia, arrisco-me a tentar elucidar o que pode ser um dos componentes responsável por esse fenômeno.Retornemos ao CDIPL, ao fator “concepção materna de deus”. A associação do divido com a figura materna pode abrir, no subconsciente do indivíduo, reminiscências da relação do bebê com a mãe. O bebê possui forte ligação com a mãe, ele sente-se uma extensão do corpo dela, ou, antes, a sente como uma extensão de si. Porém há algo que separa a criança da unidade primeva com a mãe, e que aproxima a mãe dos outros (e do pai): a linguagem, essa coisa incompreensível para o bebê. O processo de maturação da criança passa pelo processo de desvendamento dos segredos da linguagem. São essa lembranças que um deus-mãe pode trazer: de uma linguagem incompreendida e misteriosa e do esforço para conhecê-la. Essas lembranças, ativadas num momento de contrição e de remeximento do inconsciente, culminariam com a expressão verbal, pelo fiel, daquilo que ele ouvia e não entendia: essa língua desconhecida que vêm a tona no fenômeno da glossolalia (neo)pentecostal.


3.7. "Não sofra mais"


Chega a ser assustador e grotesco o caráter de auto-ajuda que ganharam os cultos (neo)pentecostais. “(...) Pare de ficar sofrendo de complexo inferior. Dizendo ao mundo que não é ninguém. Eu venho falar do valor que você tem (...)” diz um dos cânticos que pode ser ouvido nos cultos dessa instituições.

Como exemplo concreto, segue-se um folheto de um templo (neo)pentecostal (eu omiti os dados de identificação da instituição) que caiu-me às mãos há algum tempo. O conteúdo de auto-ajuda é tão explicitamente ingênuo que eu considero prolixo descrevê-lo.





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(1) Nota pare esse blog: No capítulo ### 28 veremos muitos exemplos dignos de programas de televisão do naipe de Zorra Total ou de A praça é nossa.

(2) Nota pare esse blog: Caso o leitor conheça algum registro, ficarei grato em conhecê-lo.


Atenção: Como eu já disse no § 46, esse texto foi escrito em 2002, quando eu tinha 15 anos. Muito do que está escrito aqui já não representa com exatidão a minha atual forma de pensar. Porém creio que o texto ainda pode ser útil para aqueles que atualmente vivem situações (de apostasia) semelhantes às que eu vivi à época em que escrevi isso.

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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

XC - Acerca de uma defenestração amorosa (flashback # 8 - 03/04/2007)

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§ 90







“Eu, com certeza, me apressei para você, na alegria de lhe encontrar. Eu mandei mensagens para você. Eu fiz você feliz. A doçura, para mim, do amor era essa opção que eu desejava para você sobre mim mesmo. Eu concedi direitos a você, a fim de me sentir unido. Eu tenho necessidades de raízes e galhos. Eu me propunha cuidar de você. Como da roseira que cultivo. Eu me submeto, portanto, à minha roseira. Minha dignidade não se ofende dos compromissos que assumo. E eu me entrego assim ao amor. Não temo, de modo algum, me comprometer e me tornei pretendente. Eu prossegui livremente, pois ninguém no mundo pode me barrar. Mas você se enganava a respeito do meu apelo, pois você leu no meu apelo a minha dependência: eu não era dependente – eu era generoso. Você contou os meus passos para você, não nutrindo você de modo algum com o meu amor. Você abusou do significado da minha atenção. Então vou me desviar de você para honrar apenas aquela que é humilde e que iluminará o meu amor. Eu ajudarei a engrandecer somente aquela a quem o meu amor engrandecerá (…). Eu preciso de um caminho, não de um muro. Você pretendia não o amor, mas um culto. Você barrou a minha estada. Você se ergueu sobre o meu caminho como um ídolo. Não preciso ter esse encontro. Eu ia para outro lugar…” (Saint-Exupéry, Cidadela)




Duan,


Está tudo bem com você? Espero que sim, pois eu estou ótima! E por quê? Porque eu me livrei de um peso imenso, de um grande mal, de um parasita obtuso que estava roendo a minha alma.

Eu cansei de chafurdar na lama da ignomínia e da desolação. Cansei do descalabro, do opróbrio e da podridão. Cansei de agüentar vilanias hipócritas e artimanhas rocambolescas. Estou cansada de toda essa nojeira, de despender meu sangue, meu suor e minhas lágrimas em troca de tão parco e ínfimo pagamento.

É...Você sabe do que eu estou falando, não sabe? Cansei de você, Duan! Você que, do alto do castelo de palavras construído com sua arrogância e com sua empáfia, se julga a coisa mais esplêndida que o mundo já viu. Mas não é, e está longe de ser.

Seu comportamento vergonhoso e despropositado me enganou no começo. Mas, como toda falsificação barata, não tardou em revelar o seu conteúdo espúrio, deplorável e desprezível, que agora me causa náuseas e repulsa no mais alto nível.

Não se engane. Você não é o suficiente para mim. Eu mereço algo melhor do que isso. Eu mereço algo superior a essa sopa rala e insalubre de arsênico e fel – indigna de mim – cuja imagem você vê no espelho todas as manhãs.
Tenho pena de você. Seu estado é sem salvação. Irreversível. Agora o que eu mais quero com relação a você é esquecer o seu vulto boçal, bronco e vulgar. Pois o esquecimento é a recompensa que indivíduos rasteiros e capciosos da sua estirpe merecem. Desperdício. Algumas pessoas simplesmente não servem para nada; e você, Duan, é uma delas.
Se pudesse lhe apagar da minha mente, certamente o faria, nem que para isso tivesse que me submeter a um lobotomia.
Melhor do que apagá-lo da minha memória seria apagá-lo do mundo. Não, eu não me refiro à morte não. O meu desejo não é que você morra. O meu desejo é que você nunca tivesse nascido, nunca tivesse surgido nesse planeta, cuja superfície é agora infectada por sua nauseabunda, lúgubre, nefasta, tresloucada e lamentável presença.
Maldito seja o dia no qual se disse “hoje nasceu Duan Conrado Castro”. Que o sol não brilhe nesse dia! Que os pássaros não cantem nesse dia! Que as sementes não germinem nesse dia! Que as mães não amamentem nesse dia! Que os lábios não desabrochem em sorrisos nesse dia! Que a dor e a agonia corroam os corações nesse dia desgraçado!
Adeus, espero não mais estabelecer qualquer forma de contato com sua existência sacripanta, tacanha e beócia.
Da desencantada, desiludida, mas finalmente livre e feliz!,

Martha.

P.S.: E faça o favor de desistir de se relacionar com mulher. Até o reino mineral sabe que vc é viado demais para isso...






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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sábado, 12 de dezembro de 2009

LXXXIX - Uma breve crítica ao cristianismo e a sua mais atroz forma: o (neo)pentecostalismo - parte 14 de 16.

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§ 89




3.5. Possessões demoníacas


A igreja pentecostal, por definição, é aquela na qual o Espírito Santo é tão ou mais adorado do que as outras duas pessoas da trindade. É praxe nessas seitas o chamado “batismo com o Espírito Santo”. Esse batismo ocorre, afirmam os pentecostais (baseados no livro bíblico de Atos), quando o Espírito Santo se introduz no “coração” (seja lá o que isso for...) da pessoa. Esse batismo é concebido como um passo essencial e, na prática, obrigatório como requisito para a salvação do crente (é até compreensível que Jesus salve alguém que o aceitou como seu salvador no leito de morte; mas se o fiel, depois de meses, e mesmo anos, freqüentando a igreja ainda não foi batizado pelo Espírito Santo, isso é um sinal de que ele ainda não está salvo, de que ele não reconheceu “de verdade” que é um pecador e que somente Jesus pode lhe salvar de si mesmo). Desta maneira, há dois batismos no pentecostalismo: nas águas e com o Espírito Santo; nenhum deles é requisito para a salvação, embora, na prática sejam obrigatórios para o fiel que quer simbolizar seu pacto definitivo com Jesus.

Outro fenômeno de praxe é o chamado “endemoniamento”. Como já dito, nessas igrejas há a crença de que demônios penetram nos corpos dos pecadores e que por meio dessa operação podem exercer fortes controles sobre o pecador (que no fim se torna uma marionete). O “endemoniamento” propriamente dito se dá quando o demônio invasor supostamente se expressa mediante o corpo do possuído (não raro fazendo uso do aparelho vocal da vítima para “dialogar” com a autoridade religiosa que tenta expulsa-lo); essa cena pode ser assistida tipicamente durante as seções de “libertação” (cujo objeto é justamente o exorcismo desses demônios), especificamente quando o suposto demônio se recusa a sair, não obstante as ordens proferidas pela autoridade religiosa (a dificuldade para se exorcizar um demônio é diretamente proporcional à força dele, bem como de quanto a vítima é uma pecadora: quanto mais pura a pessoa, menos “portas espirituais” são abertas aos demônios).

Mediante observações in loco dos dois fenômenos, é fácil perceber que ambos possuem gênese psicológica. Após estudar esses fenômenos, encontrei um conjunto de fatores responsáveis pelo seu desencadeamento. Denominei boçalmente esses fatores de “Cenário Desencadeador das Instabilidades Psicológicas Latentes” (CDIPL). Os principais fatores constitutivos do CDIPL são: “pessoas frágeis” + “ignorância” + “apelo emocional” + “exemplo dado” + “concepção materna de deus” + “músicas”. Vamos ver cada um deles mais de perto.

Pessoas frágeis. O conhecimento nulo de psicologia que estas pessoas possuem e as suas dificuldades em aprender com os seus erros e com os erros alheios, além da propensão para criar conflitos por pouca coisa (talvez inspirados pelas novelas às quais assistem todo maldito dia), fragilizam sua capacidade de se relacionar com o mundo, com seus familiares e consigo mesmas. Também há outros problemas, mais comuns nas classes menos favorecidas, como o alcoolismo e o desemprego. O nível de mediocridade e mesquinhez chega ao tragicômico. Tudo isso recrudesce uma configuração mental incapaz de solucionar conflitos – muitos patéticos e criados irracionalmente –, os quais vão se amontoando e desencadeando fortes mágoas da família e da sociedade. Até o ponto de saturação.

Ignorância. Esse fator já foi desenvolvido nos capítulos anteriores.

Apelo emocional. Essa ferramenta é usada juntamente com a música. Trata-se do fio condutor emocional da “seção de libertação”. O pastor vai tocando habilmente nos centros de fragilidades das pessoas (todos estereotipados até a caricaturização burlesca), vai fazendo um discurso crescentemente dramático e choroso (e é acompanhado pela música nesse seu progresso até o clímax); ao fim, termina chorando ou “falando em línguas” (glossolalia), ou ambos atos. Tudo isso incita o conflito e o sofrimento psicológicos no fiel, os quais podem se manifestar na triste forma de surto psicológico e de ações defensivas desesperadas – visto que a pessoa reconhece,nem que subconscientemente, a autoridade religiosa como agressora e causadora do presente sofrimento (não como real responsável, mas sim como o agente que trouxe ao lume aquelas amarguras outrora convenientemente esquecidas).

Música. A música é a linguagem da emoção, e, não surpreendentemente, as músicas da “seção de libertação” são todas chorosas e transmitem um forte apelo emocional de comoção e contrição; elas irradiam emoções dramáticas (mas nunca chegam ao trágico) e algumas, inclusive, assemelha-se às músicas new age, tão vilipendiadas pelos próprios pentecostais.

Exemplo dado. Aqueles que vão aos cultos sabem o que lá ocorrerá (embora o efeito surpresa muitas vezes se mostre útil para fisgar novo fiéis), e seu subconsciente já está pronto para o que ali se dará. Eles sabem que vão se emocionar, que terão que lutar com a culpa, e que todos os tristes fenômenos de praxe se repetirão. Além disso, podem ser seguidos os exemplos do próprio pastor e dos fiéis mais antigos. Some-se a isso a forte tendência que pessoas passivas têm, principalmente em um contexto grupal (como o da igreja), de imitar os membros mais proeminentes do grupo para tentar assim serem melhor aceitas por ele.

Concepção materna de deus. O divino é concebido maternamente: é carinhoso, amável, entende os problemas do fiel e é capaz de corrigi-los miraculosamente (aliás, insiste-se que apenas deus – e mais ninguém – é capaz de solucionar os problemas da vida da pessoa). Não obstante isso, que se configura como um sintoma de regressão, o mesmo deus também é encarregado que trazer o castigo, e, com ele, a culpa. Os fiéis se relacionam esquizofrenicamente com essa figura, fonte de consolo, salvação, culpa, danação, libertação da culpa, “bênçãos”, etc.

O CDIPL ajuda a perceber que tanto o “batismo com o Espírito Santo” quanto o “endemoniamento” não passam de surtos psicológicos. Uma cuidadosa observação in loco permite constatar o óbvio: não há nada de fantástico nesses dois fenômenos; após a ação do CDIPL, esses fenômenos manifestam-se como sintomas reativos. Eu já tive a “oportunidade” de presenciar centenas de pessoas nesse estado simultaneamente (aliás, todas as pessoas, menos eu, estavam nesse estado, inclusive todas as “autoridades”).

Normalmente, nos casos de “endemoniamento” nos quais o suposto espírito toma conta do aparelho vocal do pecador, este se restringe, em geral, a gemer ou gritar (respondendo ás ordens do exorcista) “não saio”. Mas será que realmente é um demônio respondendo? Ou será a própria pessoa tentando se defender de todas as agressões psicológicas que está sofrendo e que a levaram ao estado de surto?

Agora, se essas pessoas se recusam a admitir a validade das ciências naturais, certamente não terão maiores considerações pelos argumentos engendrados pela psicologia.



Atenção: Como eu já disse no § 46, esse texto foi escrito em 2002, quando eu tinha 15 anos. Muito do que está escrito aqui já não representa com exatidão a minha atual forma de pensar. Porém creio que o texto ainda pode ser útil para aqueles que atualmente vivem situações (de apostasia) semelhantes às que eu vivi à época em que escrevi isso.




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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

(MCX)MMMDCLXXXVIII - Acerca da morte de Duan Conrado Castro em 2018, e da sua ressurreição no ano de 23.426 d.C., 72 horas antes da aniquilação total:

DELÍRIOS SONHOS PREMONITÓRIOS DE UM LUNÁTICO VISIONÁRIO DESEXPLICADOS POR SONHOS DA METAFÍSICA - TODOS OS MUNDOS À SATURAÇÃO (Flashforward # 3)

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§ 1.113.688
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O que o sono é para o indivíduo, a morte é para a vontade enquanto coisa-em-si. Ela não resistiria a continuar por toda uma eternidade as mesmas atribulações e sofrimentos, sem ganho verdadeiro, se lhe restassem recordação e individualidade. (Arthur Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação, Tomo II, capítulo XLI - Da morte e da sua relação com a indestrutibilidade do nosso ser-em-si.)



Trata-se de considerar sob esta perspectiva, na existência humana, o destino secreto que pertence por essência à Vontade em si mesma. (Ibidem,Tomo I, capítulo LVI.)



Ora, depois do que disse no meu segundo livro a respeito da dependência de todos os fenômenos da Vontade, creio poder admitir que no dia em que desaparecesse [mediante ascese] a sua manifestação mais elevada [a humanidade], a animalidade, que é o seu reflexo enfraquecido, desapareceria também. Desde modo, encontrando-se totalmente suprimido, o resto do mundo cairia no nada, visto que sem sujeito não existe objeto [ergo bibamos]. (Ibidem, Tomo I, cap LXVIII)



Da mesma forma que o querer, suprimida igualmente a totalidade do seu fenômeno; suprimidas, enfim, as formas gerais do fenômeno, o tempo e o espaço; suprimida a forma suprema e fundamental da representação, a de sujeito e objeto. Já não existe nem Vontade, nem representação, nem universo. (Ibidem, Tomo I, cap LXXI.)



Não se pode dizer tudo num mesmo dia, e não se deve responder mais do que aquilo que foi perguntado.


Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão. (Marcos, 13:31)


Only fools are enslaved by time and space.

Sim, a "anormalidade" que encaramos é um signo defensivo, algo que pretende evitar-nos uma loucura mil vezes mais dolorosa do que a que conhecemos, loucura que, certamente, causaria a bancarrota e a falência fisiológica de nosso ser. (Ezio Flavio Bazzo, Toaletes e guilhotinas: Uma epistemologia da merda e da vingança, II)



Invadir a Base de São José dos Campos para localizar e sequestrar o "E.T. de Varginha"? É, agora eu reconheço que não foi uma idéia muito boa... Eu já tinha participado de várias operações da GaiaCorp., e quase sempre eu tinha pressentimentos de morte antes e depois de decidir participar delas. Porém, dessa vez, os pressentimentos estavam certos. Nós acreditávamos que tínhamos estudado detalhadamente os sistemas de segurança da base, mas não tínhamos. Desligamos um dos sistemas apenas aparentemente, e quando nós percebemos isso já era tarde: já estávamos trocando tiros com os soldados. E no meio desse "pipoco" eu fui atingido mortalmente; o tiro me atravessou o fígado, pelas costas. Eu caí no chão, e enquanto era arrastado pelos soldados contemplei o rastro deixado pelo meu sangue no chão. Eu estava com muito frio. Foi quando eu morri.

Porém, como quem que, estando muito cansado, é acordado repentinamente na manhã seguinte por uma outra pessoa, eu abri os olhos imediatamente depois de fechá-los. Para mim era como se tivesse passado apenas um segundo, e não 21.408 anos. Quando acordei, meus olhos foram ofuscados pela luz branca que emanava do ambiente. Eu estava numa sala cilíndrica, com uns 5 metros de diametro e uns 4 de altura ; o teto, o chão e as paredes eram todos feitos do mesmo material, que parecia vidro branco. Não havia portas ou janelas visíveis. A luz emanava uniformemente de todos os lados. Eu estava sentado numa cadeira parecida com uma cadeira de dentista, também branca. Em minha frente estava um homem, cuja aparência seria melhor descrita como a de um chinês albino de 25 anos; os olhos dele eram azul-acinzentados, como os olhos dos cegos; ele vestia a mesma coisa que eu: uma espécie de túnica romana, que era de um cinza tão claro que quase se confundia com o resto do ambiente. Foi quando ele me falou, com sua voz apática de trovão:



Kalki: "Encontrar-nos-emos onde não há trevas."



Duan Conrado: "Como?"



Kalki: "A última frase do seu blog."



Duan Conrado: "Ah, é né... E quem é você?"



Kalki: "Pode me chamar de Kalki.Você sabe onde está, Duan?"



Duan Conrado: "Bem, você não deve trabalhar para o governo brasileiro. Na verdade, você nem parece muito humano."



Kalki: "Você morreu naquela noite, Duan."



Duan Conrado: "Morri. Então eu devo estar no inferno, apesar de aqui não parecer com ele..."



Kalki: "Não. Você está no futuro. Se tomarmos a finada Terra como referencial, e se adotarmos o Calendário Gregoriano, vigente na sua época, nós estaríamos no ano de 23.426 d. C."



Duan Conrado: "Mas que lugar é esse? E por que eu tenho a sensação de que o tempo escorre mais lentamente?"



Kalki: "Isso aqui não é exatamente um lugar, mas sim uma superposição de lugares. É difícil de explicar-lhe com a linguagem primitiva e linear que você conhece. Mas tenha certeza que, quando você vir você entenderá. Com relação ao tempo, ele está passando mais lentamente para todos, não apenas para você."



Duan Conrado: "Espera aí. Você está dizendo que eu morri em 2.018, naquela base militar e que agora eu fui ressuscitado em 23.426 d. C. e que eu nem estou na Terra? O que aconteceu com a Terra?!"



Kalki: "A Terra foi destruída em 3.797 d. C. na Quarta Grande Guerra entre trans-humanos e máquinas. O próprio universo onde você viveu foi destruído em 20.302 d.C, quando o seu arquiteto, Jesus (também conhecido por Lúcifer, Mamom, Jeová, Brama, Ashtar Sheran, etc.), foi assassinado pelos trans-humaquinos na última guerra ocorrida no sub-multi-des-pan-verso, a "Guerra para acabar com todas as guerras". Nessa época eu tinha apenas 313 anos."



Duan Conrado: "Hum...Parece uma história muito interessante: guerra entre trans-humanos e máquinas, destruição da Terra, assassinato de Jesus pelos trans-humaquinos, destruição do universo, você com quase 4.000 anos de idade. Foram 21 séculos bem agitados, não?"



Kalki: "Sim. Depois do assassinato de Jesus, as coisas mudaram muito rapidamente. Já faz 1.409 anos que não há guerras no sub-multi-des-pan-verso. A vida inteligente se reduz a apenas 1.022 trans-humaquino em todo sub-multi-des-pan-verso, contando agora com você."



Duan Conrado: "O que são trans-humaquinos?"



Kalki: " O fim da Quarta Grande Guerra entre trans-humanos (Homo evolutis) e máquinas foi marcado pela fusão definitiva entre essa as duas formas de vida. Você ainda não percebeu, mas você também é um trans-humaquino. Nós viajamos no tempo, fomos até a Terra na noite da sua morte, tiramos amostras do seu DNA e fizemos um upload da sua mente. Depois reconstruímos seu corpo, mas o modificamos substancialmente, de tal forma que pouca coisa de "humano" restou em você. Todas essas operações podem até lhe soar muito complexas, mas atualmente, com a Pandora, é tudo tão fácil que se faz com a tranquilidade da inconsciência."



Duan Conrado: "E Pandora, que seria?"



Kalki: "Pandora é um complexo virtual-bio-nano-meca-tectrônico capaz de criar qualquer coisa a partir do nada. É capaz inclusive, de criar, descriar e recriar universos inteiros. É quase como uma impressora multidimensional"



Duan Conrado: "Nossa... E por que o tempo está passando tão lentamente?"



Kalki: "O sub-multi-des-pan-verso está morrendo. A voluntas está tornando-se noluntas. Chegamos a uma saturação completa do próprio Ser, e portanto ao seu esvaziamento absoluto. A história da evolução do homo sapiens e de seus superadores implicou não somente na destruição da Terra, mas também na aniquilação da própria totalidade sub-multi-des-pan-versica."



Duan Conrado: "Parabéns para nós! Mas vocês não vão fazer nada? Vai ficar por isso mesmo?"



Kalki: "Ninguém dá a mínima, justamente porque chegou-se a essa saturação do Ser, a essa transmutação transcendental. E mesmo que quiséssemos, não poderíamos alterar a própria totalidade. Apenas podemos manipular objetos quando ele existe para um referencial. Mas não há referencial para a totalidade se relacionar. Nós esgotamos as possibilidades do Sansara, reta-nos apenas aguardar pelo Nirvana. Do nada viemos e ao nada voltaremos."



Duan Conrado: "Isso é a exorbitação tresloucada do blasé...Mas que diferença faz? E quanto tempo o Sansara ainda têm de vida?"



Kalki: "De acordo com o sistema métrico do seu planeta e da sua época, 71 horas, 58 minutos e 34 segundos."



Duan Conrado: "Humpf... Mas, afinal, por que você me ressuscitou?"



Kalki: "Bem, nós não temos muito o que fazer, sabe. A maioria de nós coleciona universos, mas ninguém mais se diverte com isso. Nós já ressuscitamos muita gente, inclusive todos os gênios da humanidade já foram ressucitados, mas a maioria já desapareceu, restam apenas alguns, como Popper e Lukàcs, por exemplo. Em resumo: ressuscitamos você apenas para passar o tempo. Eu encontrei os arquivos do seu blog. E vi que no capítulo LVIII você previu a possibilidade de um humano absorver todo o conhecimento existente por meio da sua fusão neuro-computacional com um gigantesco banco de dados. Pois é, isso já é uma realidade há milhares de anos, não foi de outra maneira que eu poderia ter tido acesso a algo tão insignificante quanto o seu blog."



Duan Conrado: "O que você quer dizer com 'desaparecer'?"



Kalki: "Quando o Ser, a coisa-em-si e para-si, se satura, o indivíduo simplesmente transita para o nada: ele literalmente desaparece. É isso que agora está acontecendo com a própria totalidade sub-multi-des-pan-versica. Por isso o tempo está passando mais lento: tudo, inclusive o espaço-tempo, está sendo tragado pelo nada."



Duan Conrado: "E vai dar tempo de eu absorver zilhões de zilhões de petabytes de informação em menos de 72 horas?"



Kalki: "Em meia hora você terá a completa ubiqüidade . É fácil, pois cada ponto do espaço-tempo contém toda informação do sub-multi-des-pan-verso três vezes: uma como coisa-em-si, outra como representação, outra como representação da representação. Cerca de duas horas depois, ou seja, muito antes do Nirvana, você já terá desaparecido."



Duan Conrado: "E por que você não desapareceu?"



Kalki: "Isso ser-lhe-á inteligível no momento adequado."



Duan Conrado: "Quem viveu um único momento, viveu todos."



Kalki: "E quem não viveu, também. Mas vamos acabar com essa conversa nessa prisão dessa linguagem primitiva que você usa."



Duan Conrado: "Ei..."



Kalki: "Não precisa agradecer."



Duan Conrado: "Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit." (1)



Kalki: "Hae omnes creature in totum ego sum, et praetr me aliud ens non est." (2)




Após isso, Kalki me apresentou alguns dos seus "amigos" (outros trans-humaquinos que no estavam por ali no momento) e sem mais delongas eu fui introduzido na ubiqüidade. Tudo que eu soube, eu não tenho como explicar aqui. Depois eu desapareci, para sempre.

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(1) E sobrevindo o conhecimento, ao mesmo tempo do seio das coisas se elevará o amor.

(2) Eu sou todas as criaturas e inexistem seres exteriores a mim.






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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.